Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
202/14.2T8STS-H.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 10/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 121.º, N.º 1, AL. H).
Sumário :
A venda de um imóvel por um casal, menos de três meses antes de ter sido requerida a insolvência daqueles com êxito, venda essa pelo valor de € 200 000, quando o prédio valia mais de € 250 000, preenche a causa de resolução incondicional prevista na al. h) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE daquela venda, em benefício da massa insolvente.
Decisão Texto Integral:

Revista nº 202/14.2T8STS-H.P1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA e mulher BB instauraram, por apenso à ação de insolvência que decretou a mesma referente a CC e mulher DD pendente no Tribunal da Comarca do ..., Instância Central, Secção do Comércio de ..., ação judicial de impugnação da resolução de negócio jurídico em benefício da massa insolvente contra a Massa Insolvente de CC e de DD, representada pelo administrador judicial, terminando a petição inicial com a dedução do seguinte pedido: ser declarada ineficaz a declaração de resolução efetuada pelo administrador judicial, revogando-se a resolução comunicada em 28.10.2015.

Para o efeito, alegaram que o administrador judicial comunicou aos autores ter operado a resolução da compra que estes fizeram aos insolventes de uma fração urbana mas não se verificam os pressupostos dessa resolução na medida em que os autores pagaram o preço acordado, não existe desproporcionalidade entre as operações, o transmitente logrou diminuir o seu passivo com o dinheiro recebido dos autores, estes desconheciam a situação económica do transmitente ou que estes estivessem em situação de insolvência, bem como a prejudicialidade do acto,  não tendo atuado de má-fé; a carta com a comunicação de resolução não contém a invocação de factos que possam fundamentar a resolução pelo que a resolução é nula ou ineficaz, a carta também não indica os meios de defesa que os autores poderiam usar para reagir contra a resolução.

A ação foi contestada, defendendo-se a improcedência total do pedido, mediante a alegação de que no apenso de qualificação da insolvência já foi decidido que a compra e venda é um negócio simulado para prejudicar os credores, tendo essa decisão transitado em julgado, o que impede que se discuta de novo a mesma questão; o negócio é nulo por simulação tendo sido outorgado formalmente apenas para prejudicar os credores, sem o pagamento de qualquer contrapartida económica; que o negócio é prejudicial à massa pois os transmitentes não receberam qualquer quantia a título de preço; que os autores tinham uma relação de especial confiança com os insolventes tinham plena consciência de que o negócio apenas visava dissipar o património dos insolventes e sabiam que estes estavam em situação de iminente insolvência e que o negócio causava prejuízo aos credores, não tendo o preço declarado correspondência com o valor de mercado do bem.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção do caso julgado e improcedente a arguição da falta de fundamentação da comunicação da resolução.

Após julgamento foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a ré do pedido.

Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação que a Relação do … julgou procedente, condenando a ré no pedido.

Desta vez foi a ré que inconformada veio interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.

Da análise das conclusões da aqui recorrente se vê que esta, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:

a) Com os factos apurados nos autos está preenchida a previsão da al. h), do nº 1 do art. 121º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ) – a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem ?

b) Se assim se não entender, sempre está preenchido o disposto no nº 4 do art. 120º e do art. 49º, nº 1?

Não foram apresentadas contra-alegações.

Como é sabido – arts.  635º, nº 4 e 639º, nº1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já vimos as concretas questões levantadas pela aqui recorrente como objeto deste recurso.

Mas antes de mais, havia que especificar a matéria de facto que a Relação deu por apurada.

Porém, tendo em conta que o apuramento daquela não foi objeto de impugnação e não se vislumbrando a necessidade de a alterar oficiosamente, nos termos do art. 663º, nº 6 do Cód. de Proc. Civil, se dá por reproduzida a especificação daquela matéria de facto apurada constante do acórdão recorrido.

 Vejamos agora as questões acima elencadas como objeto deste recurso.

a) Nesta primeira questão defende a recorrente que dos factos apurados se preenche a previsão da al. h), do nº 1 do art. 121º.

Está aqui em causa uma ação de impugnação de uma resolução de um contrato de compra e venda celebrado pelos insolventes como vendedores com os autores, como compradores, resolução essa efetuada pelo administrador da massa insolvente em beneficio desta massa, prevista no art. 125º.

Tal como doutamente referiu o acórdão recorrido, a resolução em beneficio da massa insolvente pode ser incondicional, quando se prove qualquer uma das situações previstas no nº 1 do art. 121º, sem necessidade de outros requisitos ou condições.

Ou pode ser a resolução em termos gerais ou condicionada que depende da verificação cumulativa de três requisitos reportados ao ato a resolver: I) que o ato tenha sido praticado dentro de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; II) que o ato seja prejudicial à massa; III) que a pessoa com quem o insolvente contratou esteja de má fé, tudo nos termos do art. 120º.

Para a decisão desta questão apenas interessa saber se os factos apurados preenchem a figura da resolução incondicional prevista na al. h) do nº 1 do art. 121º.

Este preceito refere:

 1 São resolúveis em beneficio da massa insolvente os atos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:

(…)

h) Atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.

Dos factos apurados resulta que a compra e venda resolvida foi celebrada em 24-07-2014 e o processo de insolvência dos ali vendedores foi requerido judicialmente por EE, S.A. em 19-09-2014, pelo que o requisito temporal da referida al. h) mostra-se  satisfeito.

Resta apurar se na compra e venda em causa as obrigações assumidas pelos insolventes se mostram que manifestamente excedem as dos ali compradores.

Como bem apontou o acórdão recorrido, está aqui em causa saber se o valor da venda efetuada pelos insolventes é manifestamente inferior ao valor do imóvel alienado.

Resultou apurado que o valor da alienação do prédio alienado foi de € 200 000,00.

Também se apurou que um imóvel com as caraterísticas e localização da fração “AR”, em causa no negócio resolvido, vale mais de € 250 000,00.

Perante este facto, e tal como o douto acórdão recorrido começou por parecer admitir, há uma desproporção manifesta entre o valor declarado da transação em resolução e o valor acima referido como o de um imóvel com caraterísticas e localização semelhantes ao alienado pelos insolventes.

Porém, o douto acórdão acaba por concluir não estar preenchida aquela al .h) referida por considerar que “ o que está provado não é que a fração em causa tenha aquele valor, mas sim que um imóvel com as caraterísticas e localização da fração tem esse valor, o que é algo diverso e impreciso porque o negócio jurídico em causa tem por objeto esta fração e não outra qualquer, sendo que duas frações com a mesma localização e caraterísticas podem ter uma valor diferente, designadamente em função do seu estado de conservação ou mesmo do estado de conservação do edifico de que fazem parte”.

Não podemos concordar com este entendimento.

O facto apurado do nº 38 da especificação do acórdão recorrido refere que “ Um imóvel com as caraterísticas e localização da fracção “AR” é superior a € 250 000,00”.

Logo ter-se-á de entender que este valor se refere a um imóvel em idêntico estado de conservação e integrado num imóvel em semelhantes condições de conservação, pois é o que resulta da expressão apurada: mesmas “caraterísticas “.

Assim, daquele facto apurado resulta que o valor do imóvel efetivamente alienado é superior a € 250 000,00.

O acórdão recorrido refere, ainda,  como impeditivo de concluir pelo preenchimento da referida al. h), a circunstância de o valor da alienação haver sido fixado em acordo anterior com a data de 19-02-2009 e a alienação ter-se efetuado apenas cinco anos e quatro meses depois, o que também altera os fatores em causa.

Também não podemos concordar com tal raciocínio.

Tal como é do conhecimento público, em face da crise económica e financeira em que o nosso país tem estado mergulhado, desde, sobretudo, 2011 – com a intervenção da Troika e das suas necessariamente anteriores causas – e que se tem prolongado mais intensamente até à data da alienação do imóvel, não houve valorização significativa dos imóveis, antes tendo havido até uma desvalorização daqueles bens, em termos gerais.

Desta forma um imóvel que em meados de 2014 valia mais de € 250 000,00, devia valer o mesmo, ou muito provavelmente até mais, em 2009, o que torna a desproporção entre o valor pelo qual foi efetuada a alienação igual ou maior relativamente ao valor real do imóvel em causa.

Desta forma concluímos que dos factos apurados se preenche a previsão ao al. h) do nº 1 do art. 121º e, por isso, tem a resolução incondicional de proceder, com a consequente improcedência da respetiva impugnação aqui peticionada.

E com a procedência desta questão fica prejudicado o conhecimento da outra questão aqui levantada, que era subsidiária da primeira.

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e consequentemente se revoga o acórdão recorrido, declarando-se improcedente a ação e absolvendo a recorrente do pedido.

Custas pela revista, pela apelação e pela ação a cargo dos autores recorridos.

*

Nos termos do art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil, sumaria-se o presente acórdão da seguinte forma:

A venda de um imóvel por um casal, menos de três meses antes de ter sido requerida a insolvência daqueles com êxito, venda essa pelo valor de € 200 000, quando o prédio valia mais de € 250 000, preenche a causa de resolução incondicional prevista na al. h) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE daquela venda, em benefício da massa insolvente.

2017-10-03.

João Camilo - Relator

Fonseca Ramos

Ana Paula Boularot