Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1120/12.4TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ATROPELAMENTO
DANO BIOLÓGICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
LUCRO CESSANTE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÔNJUGE
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS PARCIALMENTE AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES DE INDEMNIZAÇÃO – DIREITO DA FAMÍLIA / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGES.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, p. 605;
- Comentário ao Código Civil / Direito das Obrigações / Das obrigações em Geral, FDUCE, 2018, p. 345;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, p. 679-681 e 704-705;
- Sousa Dinis, Colectânea de Jurisprudência, Ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., p. 6 a 12.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 495.º, N.º 2, 496.º, N.º 1, 562.º, 563.º, 564.º, N.º 1, 566.º, N.ºS 1 E 2, 1672.º, 1674.º E 1675.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (AUJ) N.º 6/2014, DE 09-01-2014, IN DR, 1.ª SÉRIE, DE 22-05-2014;
- DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 292/1999-S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-03-2011, PROCESSO N.º 1639/03.8TBBNV.L1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-06-2011, PROCESSO N.º 160/2002.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O denominado dano biológico, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis.

II. Num caso, como o dos autos, em que o sinistrado de acidente de viação, já dantes afetado por incapacidade para o exercício de atividade económica habitual ou episódica, sofra, em consequência daquele acidente, lesões que lhe determinem um défice funcional permanente com limitações significativas para o desempenho das lides domésticas que o mesmo executava anteriormente, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pelo correspetivo custo económico previsível.

III. Não se mostrando viável estabelecer com exatidão o preciso grau dessas limitações mas apenas a sua repercussão de nível significativo no desempenho das lides diárias, a respetiva indemnização patrimonial deverá ser arbitrada com recurso à equidade, segundo parâmetros tipológicos, e não centrada em cálculo financeiro estrito.

IV. Pela assistência prestada ao lesado em acidente de viação por parte do respetivo cônjuge que, para tanto, não pôde exercer a sua atividade profissional, tem este cônjuge direito a indemnização pelas perdas salariais por ele sofridas, a título de lucros cessantes, nos termos conjugados dos artigos 495.º, n.º 2, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, n.º 1 e 2, com referência ainda aos artigos 1672.º, 1674.º e 1675.º todos do CC.

V. Os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge do lesado em acidente de viação sobrevivente só merecem a tutela do direito, a coberto do artigo 496.º, n.º 1, do CC, à luz do firmado no AUJ do STJ n.º 6/2014, de 09/01/2014, em casos de elevada gravidade dupla, ou seja, quanto às lesões da vítima sobrevivente e quanto ao sofrimento do respetivo cônjuge.   

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA(A.) intentou, em 22/10/ 2012, contra a então BB, S.A., atualmente BB, S.A. (R.), ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em resumo, que:

. No dia ...2011, pelas 20h20, na Avenida ... na vila de ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula -BB-, pertencente a CC e conduzido por DD, foi embater na A. quando esta ali atravessava uma passadeira destinada a peões, por culpa exclusiva do respetivo condutor;

. Em consequência desse embate, a A. sofreu lesões várias que lhe determinaram danos patrimoniais e não patrimoniais nos seguintes valores:

   a) – por ITA durante 16,5 meses, no valor de € 17.325,00;

   b) – por IPP de 47% e 100% para a profissão de doméstica, no valor de € 300.000,00;

   c) – por despesas efetuadas, no valor de € 1.150,69;

   d) – por vestuário inutilizado e objetos pessoais, no valor de € 1.190,80;

   e) – com assistência de terceira pessoa, no valor de € 14.400,00;

   f) -  danos não patrimoniais compensáveis em € 100.000,00.

   . A A. necessita ainda de realizar futuras consultas médicas, exames e análises, como submeter-se a intervenções cirúrgicas;

. A responsabilidade civil emergente da circulação daquele veículo encontrava-se transferida para a R..

Pediu a A. a condenação da R. no pagamento de uma indemnização líquida total de € 434.066,49, correspondente à soma dos valores acima discriminados, e ainda no que se viesse a liquidar posteriormente a título de danos futuros.       

2. A R., na contestação, embora aceitando a responsabilidade imputada ao condutor do veículo BB, impugnou parcialmente os factos atinentes ao acidente, bem como os danos e montantes alegados.

3. Por despacho proferido a fls. 251/252, foi ordenada a apensação a estes autos do processo n.º 58/13.2TBPTL instaurado por EE contra a mesma Seguradora emergente do mesmo acidente por danos patrimoniais e não patrimoniais por ele próprio suportados em consequência do sinistro sofrido pela aqui AA, sua mulher, no valor total de € 62.600,00, alegando que:

. Para prestar assistência à sua mulher em virtude das lesões por esta sofridas com o acidente em causa, o A. esteve impossibilitado de desempenhar a sua profissão de carpinteiro de cofragens, deixando de auferir o rendimento mensal de € 2.300,00, durante 12 meses, no montante total de € 27.600,00;

. O A. acompanhou a sua mulher ao longo de todo o período da sua doença e convalescença, sofrendo ele mesmo com os padecimentos dela durante um período superior a um ano, devendo ser, por isso, compensado no valor de € 35.000,00.   

4. A R. também contestou essa ação, sustentando a falta de fundamento legal e impugnando os danos e montantes alegados.

5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 646-668/v.º, datada de 28/12/2017, a julgar ambas as ações parcialmente procedentes, condenando-se a R. nos seguintes termos:

   A – A pagar à A. AA:

    a) – € 61.963,25, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação, a título de danos patrimoniais, incluindo nesse montante, além do mais, € 5.400,00 pelo despesa com a assistência de terceira pessoa e € 55.000,00 pelos danos futuros decorrentes da incapacidade sofrida pela A.;  

    b) - € 75.000,00, acrescida de juros de mora a contar da data da sentença até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais;

     c) - a quantia que se vier a liquidar relativa aos danos futuros aludidos no ponto 62 do elenco dos factos provados;

   B – A pagar ao A. EE:

    a) - € 13.000,00, acrescidos de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação, pelo dano por ele suportado com o acompanhamento da sua mulher, a ora A.;   

b) - € 10.00,00, acrescida de juros de mora a contar da data da sentença até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.

 6. Inconformados, a R. interpôs recurso principal e os A.A. recursos subordinados para o Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito dos quais foi proferido o acórdão de fls. 725-767, datado de 10/07/2018, com um voto de vencido, a julgar parcialmente procedente a apelação da R. e improcedentes as apelações subordinadas dos A.A., tendo-se decidido:

a) – Revogar a sentença da 1.ª instância no respeitante à condenação da R. quer no pagamento à A. da quantia € 5.400,00 pelas alegadas despesas com terceira pessoa, quer no pagamento ao A. da quantia de € 10.000, por danos não patrimoniais; 

b) – Reduzir para € 50.000,00 a indemnização de € 55.000,00 atribuída à A. a título de danos patrimoniais futuros;

c) - Reduzir para € 50.000,00 a indemnização de € 75.000,00 à A. a título de danos não patrimoniais;

d) - Reduzir para € 5.400,00 a indemnização de € 13.000,00 atribuída ao A. pela assistência prestada à A..

  7. Desta feita, vêm agora os A.A. pedir revista para o que formulam as seguintes conclusões:

   I - Revogação da condenação "despesas com terceira pessoa"

  1.ª - A Recorrente sofreu efetivo prejuízo em virtude da factualidade que a este respeito resultou provada - pontos 64, 65, 66, 67 e 68 dos factos assentes;

2.ª - A Recorrente necessitou da assistência de terceira pessoa para deambular no seu domicílio, tratar da sua higiene pessoal e alimentação, tarefas domésticas e deslocações;

3.ª – E, desde logo, em virtude da factualidade dada como provada, deve tal necessidade ser enquadrada a título de dano futuro com o acidente - a este respeito, ver ac. do TRE de 29-1-2015, secundado pelo acórdão da TTG de 2-6-2016;

4.ª – Seguindo tal jurisprudência, impõe-se reconhecer o direito da A. a ser ressarcida a este título, recuperando-se o que foi decidido na 1.ª instância ao condenar a R. no valor de € 5.400,00;

6.ª - A decisão recorrida, na parte em análise, viola frontalmente o disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, sem prejuízo do suprimento, pelo que deve ser alterado em conformidade com o supra alegado;

II - Da redução da indemnização ao A. por assistência prestada à A.

7.ª - O dano que ao A. foi reconhecido [e indemnizado, em 1.ª Instância, no quantitativo de € 13.000,00) é um dano próprio dele, não se confundindo com o dano que é de atribuir à A. em sede de carência que a mesma teve de auxílio de 3.ª pessoa no período de convalescença, confusão essa em que o acórdão recorrido parece incorrer - e que importa retificar;

8.ª - Aquilo que é a causa de pedir do A. a este título e que foi efetivamente sopesado e bem arbitrado em 1.ª instância é o dano patrimonial sofrido pelo próprio A. em virtude da assistência que teve de prestar à sua esposa em virtude das lesões por si sofridas com o acidente;

9.ª - Para tanto releva apurar não a factualidade que presidiu à indemnização do ponto anterior (tipo de tarefas prestadas, duração horário da necessidade diária da A. e valor de mercado praticado para este tipo de serviços), mas sim a factualidade atinente aos cuidados que o A. efetivamente prestou à sua esposa, o período em que os mesmos foram prestados e a remuneração normalmente auferida pelo A. e que deixou e auferir nesse mesmo período, em relação causal com o acidente dos autos - trata-se aqui dos factos vertidos em 65, 66, 67, 69, 78, 79 e 80 dos factos assentes;

10.ª - Trata-se, portanto, de um direito próprio, cuja medida terá de ser aferida pelos factos supra enunciados, em virtude da sua inegável ligação causal com o acidente;

11.ª - A medida desse dano patrimonial só pode aferir-se por aquilo que o A. efetivamente deixou de ver acrescer à sua esfera patrimonial -e não em função daquilo que a sua esposa teria de pagar a trabalhador do sector doméstico;

12.ª - É também isso que resulta da jurisprudência pacífica e dominante nesta matéria, com exemplo dos arestos do STJ de 1.3.2007 e 29.3.2007;

13.ª - Deve assim reconhecer-se o direito do A. a ser ressarcido a este título na exata medida fixada em 1.ª instância e, como tal, recuperando o que aí foi decidido, ao condenar a R. no valor de € 13.000,00;

14.ª – A decisão recorrida, na parte em análise, viola frontalmente o disposto nos artigos 495.º, 496.º e 566.º, n.º 3, do CC, sem prejuízo do suprimento, pelo que deve ser alterado em conformidade com o supra alegado;

III - Redução da indemnização atribuída à A. a título de danos patrimoniais futuros

15.ª - A fundamentação expendida a este título na sentença da 1.ª instância é exaustiva e expõe os critérios que presidem ao ressarcimento do chamado “dano biológico”, bem como os factos pertinentes apurados quanto ao caso dos autos que determinaram a fixação, por recurso a juízo de equidade, do montante de € 55.000,00 a favor da A.;

16.ª - A A. subscreve na íntegra a fundamentação aí exposta, pugnando, no entanto, como fez em sede de apelação subordinada julgada improcedente, pela fixação de valor não inferior a € 90.000,00 a este título;

17.ª - Pese embora se subscreva as considerações que na sentença que expõem sobre as limitações fisiológicas de que a A. ficou a padecer, inclusive na sua capacidade laboral, deve ser fixada a este título, por recurso à equidade, quantia não inferior a € 90.000,00;

18.ª – A decisão recorrida, na parte ora em análise, viola frontalmente o disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do CC, sem prejuízo do suprimento, pelo que deve ser alterado em conformidade com o supra alegado;

IV - Redução da indemnização atribuída à A. a título de danos não patrimoniais

19.ª - É inegável que os danos não patrimoniais sofridos pela A., pela sua dimensão e gravidade, merecem a tutela do direito e traduzem um grau de sofrimento, transtorno e angústia elevadíssimos, que cumpre ao julgador fazer compensar a A., enquanto vítima inocente deste infortúnio, de forma justa e exemplar;

20.ª - A factualidade pertinente para a aferição do ressarcimento da A. a este título encontra-se vertida, em rigor, nos pontos 26 até 62 - sendo inexplicável que, no acórdão recorrido, se entenda ter por excluída da ponderação dos danos morais a factualidade vertida em 52 pelas dores sofridas pela A. e 53 ("incómodos inerentes ao internamento, acamamento, repouso, fisioterapia, uso de cadeira de rodas e canadianas e 59 [Ouantum Doloris];

21.ª - Atenta a factualidade provada, que se dá por integralmente reproduzida, mal andou o Tribunal “a quo”, ao reduzir um montante indemnizatório que já de si era insuficiente para compensar justa e devidamente a A. pelo sofrimento muito acima da média que a atingiu e vai continuar a atingir toda a vida: a A. viu-e sujeita a variadas intervenções cirúrgicas, um período de convalescença extensíssimo [superior a um ano], um especialmente penoso período de nove meses de acamamento e portanto em total privação de liberdade e autonomia, dores e dano estético dentro dos escalões superiores da respectiva métrica, um receio real e objetivo de morte imediata aquando do acidente (a A. foi atropelada por veículo a grande velocidade), e padecerá, para o resto da vida, de intensas dores e limitações de movimento e autonomia;

22.ª - A quantia de € 50.000,00 está muito longe de compensar a A. por tudo quanto aquela sofreu e continuará a sofrer até ao fim dos seus dias.

23.ª – É francamente diminuto o montante fixado a este título - sendo aliás perfeitamente genérica e não fundamentada a telegráfica fundamentação (alusiva a termos comparativos com a demais prática jurisprudencial, não se apontando qualquer exemplo concreto) avocada no acórdão recorrido para uma redução de 50% ao quantum indemnizatório arbitrado;

24.ª - Mostra-se arbitrária esta redução, sem qualquer fundamentação de facto ou direito que a sustente, e altamente lesiva - porque inapta a compensar devidamente - dos direitos indemnizatórios da A..

25.ª - Tudo ponderado, para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos conforme resulta dos factos provados, deve ser também alterada a quantia arbitrada pela Relação e fixada em valor não inferior a € 100.000,00 - ou no limite e sem conceder, ser reposto o valor arbitrado pela primeira instância - € 75.000,00;

26.ª - A decisão recorrida, na parte ora em análise, viola frontalmente o disposto no artigo 498.º do CC, sem prejuízo do suprimento, pelo que deve ser alterado em conformidade com o supra alegado.

V - Redução da indemnização atribuída ao A. a título de danos não patrimoniais

27.ª - Assenta a discordância do Tribunal da Relação, neste segmento decisório, na diferente interpretação que, dos factos concretamente apurados, efectua na confrontação do aresto invocado em primeira instância sobre a matéria, e que permite o reconhecimento, por via de excepção, de direito de ressarcimento a título de danos morais a terceiros (não lesados) com especial relação afetiva familiar com a vítima em caso de sobrevivência da mesma - AUJ STJ 9-1-2014.

28.ª - Importa portanto analisar a factualidade do caso concreto para aferir se tal preenchimento é de admitir nos autos.

29.ª - Relevam para esta sede os factos assentes n.ºs 65, 66, 67, 69, 76, 77, 78, 79, 80, 81,82 e 83;

30.ª - Dos mesmos resulta resumidamente que, tendo por causa exclusiva e necessária o acidente de viação que vitimou a A.: - o A. viu-se forçado a abandonar, em definitivo, a sua atividade profissional habitual (que não mais pôde retomar, em face da idade), pela qual auferia um valor mensal muito superior à média nacional e àquilo que, presentemente, é o rendimento mensal médio do agregado;

31.ª - O A. viu-se forçado a abandonar o país onde exercia a sua atividade profissional (…) para prestar assistência diária e permanente (ao nível da higiene pessoal, alimentação, vestuário, deslocações, todas as tarefas domésticas de limpeza e arrumação, etc.), o que fez ininterruptamente por período superior a um ano da sua vida;

32.ª - O A. teve de fazer os sacrifícios descritos no ponto precedente enquanto ele mesmo recuperava de um profundo choque emocional fruto do receio pela vida da sua esposa; enquanto sofria e se compadecia com a angústia de a ver sofrer; lidava com a dor, sofrimento e receio de que a mesma ficasse totalmente incapacitada para todas as atividades do dia-a-dia;

33.ª – O quadro fáctico supra descrito consubstancia um verdadeiro drama familiar, e uma total subversão daquilo que era a vida pessoal e profissional do A., com efeitos que perdurarão por toda a sua vida.

34.ª - A vida do casal, enquanto tal, foi abruptamente interrompida pelo acidente em causa - e nunca retomará o seu curso original.

35.ª - É uma vida nova para ambos marcada de forma indelével pelo sofrimento que padeceram e continuarão a padecer por força do atropelamento da A.;

36.ª - Reduzir a factualidade relativa ao A. e nestes autos provada a mero “constrangimento” e “preocupação”, dentro de “um contexto de normalidade”, com fez o Tribunal “a quo”, constitui manifesto erro de interpretação dos pressupostos legais aplicáveis e subsunção dos factos ao direito e redundará - se confirmado, o que não pode admitir-se - numa profunda injustiça;

37.ª - Em face do acidente dos autos, foi gravemente violado o direito de personalidade do A. - direito esse de cariz absoluto, eficaz perante todos -, o que se traduziu numa irreversível alteração das suas circunstâncias e perda irremediável da sua qualidade de vida;

38.ª - É inegável que o A. sofreu danos não patrimoniais “particularmente graves” e portanto meritórios da tutela excecional prevista pela jurisprudência citada e demais aludida na sentença da 1.ª instância;

39.ª - Tudo ponderado, para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos conforme resulta dos factos provados, deve ser também revogada a decisão recorrida e fixada indemnização em valor não inferior a € 40.000,00 – ou, no limite, ser reposto o valor arbitrado pela 1.ª instância - € 10.000,00;

39.ª - A decisão recorrida, na parte ora em análise, viola frontalmente o disposto no artigo 496.º do CC, sem prejuízo do suprimento, pelo que deve ser alterado em conformidade com o supra alegado.

8. Por sua vez, a R., além de apresentar contra-alegações, vem recorrer subordinadamente, rematando com as seguintes conclusões:

1.ª - O facto alegado pela R. no art.º 69.º da sua contestação constituía matéria de exceção, incluída nos temas da prova, pelo que sobre esse facto se deveria ter pronunciado o julgador;

2.ª - Não se tendo o tribunal da 1.ª instância pronunciado quanto aos factos alegados pela R. nos artigos 12.º e 69.º da contestação apresentada no processo apenso, verificou-se a nulidade dessa sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que deveria ter sido declarada pela Relação, ao invés de recusada;

3.ª - Logo, deve ser revogado o acórdão na parte em que não conheceu da dita nulidade e, em consequência, deve ser ordenado o regresso dos autos ao tribunal “a quo” para ordenar o que se mostrar necessário ao suprimento da nulidade em causa, o que se requer;

4.ª - Apesar de se ter dado como provado que é provável que a A venha a ser submetida a uma intervenção cirúrgica ao joelho, neste momento não se pode ter como certo que tal sucederá, pelo que estamos perante um dano que é, na verdade, meramente possível, o qual deve ser equiparado ao dano incerto ou imprevisível.

5.ª - Como tal, impõe-se a revogação do acórdão na parte em que confirmou a condenação da R. em quantia a liquidar ulteriormente por força dos danos provados no ponto 62 da matéria de facto e que seja agora proferida decisão que absolva a R. do pedido quanto à condenação no pagamento à A de indemnização pela necessidade futura de realização de uma cirurgia ao joelho (artoplastia).

6.ª - Ainda que assim não se entendesse, do facto dado como provado no ponto 62 apenas resulta que a A terá de suportar gastos com os tratamentos aí mencionados, mas nada se provou quanto a outras consequências da realização dessa intervenção ou tratamentos, sendo certo que na fixação da compensação por danos morais o Tribunal já teve em conta a realização futura desses tratamentos;

7.ª - Ademais, não sendo certo, mas apenas provável, que a A venha a realizar uma intervenção cirúrgica, só quanto esta se mostrar, de facto, necessária poderá a R. ser condenada a suportar o seu custo;

8.ª - E, assim sendo, deve ser revogada, nessa parte, o acórdão e a R. condenada a pagar à A “a quantia que se vier a liquidar relativamente ao custo dos tratamentos mencionados no ponto 62 do elenco dos factos provados, sendo que, quanto à cirurgia, essa indemnização será devida se e quando se mostrar efetivamente necessária, em face das lesões e sequelas decorrentes do acidente"

9.ª - Ou, assim não se entendendo, subsidiariamente, não se tendo provado qualquer outro dano futuro senão o custo desses tratamentos, ao invés de se condenar a R. no pagamento de uma indemnização pelos mesmos, deveria antes ser condenada a pagar “a quantia que se vier a liquidar relativa ao custo dos tratamentos mencionados no ponto 62 do elenco dos factos provados”.

10.ª – O nosso ordenamento jurídico não confere ao cônjuge da vítima do acidente, ou a qualquer outro terceiro, o direito a ser indemnizado por perdas salariais sofridas no período em que acompanhou o sinistrado, antes conferindo, tão só, o direito a ser reembolsado de despesas;

11.ª - Não tem, pois, o A direito à indemnização por danos patrimoniais que peticiona, decorrente de alegado abandono do trabalho, devendo ser revogado o acórdão na parte em que atribuiu ao demandante EE a verba de € 5.400,00 a esse título.

12.ª - O período a considerar no cálculo das perdas salariais do A EE – a considerar que são devidas - situa-se entre 18/07/2011 (data da alta hospitalar) e o dia 27/11/2011, data em que terminava o contrato de trabalho do A. EE celebrou (cfr documento 18 junto com a sua PI), sendo certo que não foram alegados factos que permitam concluir que este continuaria a exercer a sua atividade profissional depois desta data;

13.ª - Não se provou que entre 18/07/2011 e 26/07/2012 a A tenha necessitado do apoio permanente de uma terceira pessoa;

14.ª - Se o A. EE residisse e trabalhasse em Portugal, pelo menos durante parte do seu dia, poderia desempenhar a sua atividade profissional e prestar à A o auxílio restante para além do seu horário de trabalho.

15.ª - Assim, considera a R. que, em equidade, deve ser considerado que só metade do rendimento perdido pelo A. EE pode ser considerado um dano decorrente do acidente, porque poderia ter prestado o apoio necessário à sua esposa e, simultaneamente, trabalhado a tempo parcial, auferindo os correspondentes rendimentos.

16.ª - Isto posto, considera a Ré que, a entender-se ser devida ao A EE alguma indemnização, esta deve reduzida ao valor correspondente a metade da sua retribuição mensal de € 1.000,00 durante quatro meses (entre 18/07/2011 e 27/11/2011) - € 2.000,00

17.ª - À data do acidente, a A encontrava-se reformada por invalidez, não exercia qualquer atividade profissional remunerada e não foram alegados factos que permitam concluir que seja provável que a A venha a exercer no futuro qualquer profissão remunerada

18.ª - Tão pouco se provou que as sequelas de que a A ficou portadora a impeçam de executar as tarefas domésticas que realizava antes do sinistro, sabendo-se apenas que as mesmas a limitam (mas não impossibilitam) em termos funcionais na realização de algumas dessas tarefas (nomeadamente as que exijam atividade bi­manual ou transporte de objetos pesados).

19.ª - Não se provou que as sequelas acarretem qualquer perda de rendimentos, nem foram dados como demonstrados quaisquer factos que tornem previsível essa perda no futuro.

20.ª - Perante os factos provados, não há qualquer dano a indemnizar por perda futura de rendimentos decorrente da incapacidade permanente, a qual só acarreta danos de natureza não patrimonial.

21.ª - Neste contexto, o dano biológico da A deverá, apenas, corresponder a mais um elemento a ter em consideração na quantificação da compensação pelos danos morais da demandante, não se justificando a atribuição de uma compensação autónoma.

22.ª - Lendo-se a sentença e o acórdão, verificamos que, na quantificação da compensação por danos não patrimoniais, o Tribunal teve em consideração não só o sofrimento físico da A. no período de cura (tratamentos, internamentos, dores, etc..), como, também, as consequências definitivas do acidente no seu organismo.

23.ª - O que resulta do acórdão sob censura é, pois, a atribuição à demandante de duas indemnizações pelo mesmo dano, o que não pode, em justiça, suceder.

24.ª – Impõe-se a revogação do acórdão, quer na parte em que atribuiu à A a indemnização pelos seus danos não patrimoniais, quer na parte em que lhe ficou compensação pelo seu dano biológico.

25.ª - E deve ser atribuída a uma compensação única pelos seus danos não patrimoniais, incluindo o seu dano biológico e bem assim, o sofrimento físico subsequente ao acidente.

26.ª - Pelo menos, impõe-se que ambas as compensações (por dano biológico e danos morais) sejam reduzidas, porque são excessivas.

27.ª - Não existindo uma efetiva perda de rendimentos, a quantificação da compensação do dano biológico da A deve ser feita, essencialmente, com recurso à equidade;

28.ª - Devendo, no entanto, ser usados elementos coadjuvantes, como os critérios da portaria n.º 377/2008, as tabelas financeiras e as decisões judiciais em casos análogos;

29.ª - Recorrendo às regras da aludida portaria, a compensação da A. pelo dano biológico ascenderia ao valor de € 28.055 (cfr tabela IV da portaria n.º 679/09).

30.ª - Quanto às tabelas financeiras, o seu uso no presente caso está, obviamente, dificultado, na medida em a A. não exercia, como se disse, qualquer atividade remunerada, nem auferia rendimentos.

31.ª - No entanto, tendo-se em consideração que a A já estava reformada por invalidez e afetada por patologias degenerativas e que foi dado como não provado que exercesse as suas tarefas domésticas ao longo de 8 horas diárias, não é de admitir que a A. trabalhasse em casa mais do que, em média, 3 horas por dia e, em equidade, que o trabalho que executava tivesse um valor económico (ficionado) superior ao de cerca de € 250,00 a € 300,00 por mês.

32.ª - Tendo em consideração, ainda, que o recebimento imediato da indemnização corresponde a uma vantagem que impõe a capitalização da verba arbitrada, que não seria de esperar que a A, com as patologias que a afetavam, continuasse a exercer as tarefas domésticas para além dos seus 75 anos e um rendimento de cerca de € 300,00, obtemos, com recurso às tabelas financeiras, uma indemnização na ordem dos € 14.136,00.

33.ª - E face destes elementos e ainda da jurisprudência em casos análogos, entende a recorrida que é ajustada a compensar o dano biológico da A, ainda que se considere ter uma repercussão patrimonial - o que não se concede - verba na ordem dos € 28.000,00;

34.ª - Na quantificação da compensação pelos danos não patrimoniais da A. e sem desvalorizar os incómodos que esta sofreu, não se pode deixar de ter em conta que o período de cura da demandante durou, apenas, um ano e que o quantum doloris, apesar de superior à média, não atinge os valores máximos da tabela usada.

35.ª - Recorrendo aos critérios da já falada portaria, a compensação pelos danos não patrimoniais da A. ascenderia a € 4.439,00;

36.ª - Ora, perante os factos provados, a compensação pelos danos morais sofrido pela demandante deveria situar-se nos € 20.000,00;

37.ª - E, assim sendo, a soma das duas compensações parcelares acima mencionadas (€ 28.000,00 a título de dano biológico, ou IPP e € 20.000,00 pelos demais danos não patrimoniais) ascende a quantia de € 48.000,00.

38.ª - Por conseguinte, deve ser revogado o acórdão na parte em que atribuiu à A. as verbas de € 50.000,00 pelo seu dano biológico e € 50.000,00 pelos seus danos morais.

39.ª - E, em sua substituição, deve antes ser-lhe atribuída uma indemnização única de € 48.000,00 a € 50.000,00 pelo dano biológico/ IPP e danos morais sofridos pela demandante.

40.ª - Ou, se se entender ser de manter a atribuição de uma verba autónoma pelo dano biológico da demandante, deve esta ser reduzida dos € 50.000,00 atribuídos para € 28.000,00, a compensação pelos danos morais dos € 50.000,00 fixados para € 20.000,00.

41.ª - E mesmo que, porventura, se considerassem inadequadas tais verbase, sempre se imporia a redução das quantias indemnizatórias atribuídas pelo dano biológico/IPP e pelos danos não patrimoniais para valores inferiores aos fixados;

42.ª - O acórdão sob censura violou as normas dos artigos 496.º, 564.º e 566.º do CC.

     9. Os A.A. apresentaram também contra-alegações ao recurso subordinado.   

         Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.             

II – Delimitação do objeto dos recursos

         Atento o teor das conclusões dos Recorrentes em função das quais de delimita o objeto dos recursos, as questões ali delineadas são as seguintes:

         I – No âmbito da revista principal interposta pelos A.A.

  A - Quanto à A. AA, as questões dos montantes indemnizatórios devidos:  

a) – por danos patrimoniais futuros relativos ao dano biológico decorrente do défice funcional permanente de 31 pontos, que a A. pretende seja fixado em valor não inferior a € 90.000,00;     

b) – a título de despesas com assistência de 3.ª pessoa, que pretende seja fixado em € 5.400,00;

c) – por danos não patrimoniais, que pretende seja fixado em valor não inferior a € 100.000,00 ou pelo menos em € 75.000,00;

B – Quanto ao A. EE, as questões dos montantes indemnizatórios devidos:

a) – pela assistência prestada à A., no valor de € 13.000,00;

b) – por danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 40.000,00 ou no mínimo de € 10.000,00;

         II – No domínio da revista subordinada interposta pela R.:    

a) – A questão do invocado erro na apreciação da nulidade da sentença da 1.ª instância, arguida em sede de apelação, com fundamento em omissão de pronúncia quanto aos factos alegados nos artigos 12.º e 69.º da contestação deduzida no processo apenso;

b) – A questão do montante indemnizatório arbitrado à A. a título de danos patrimoniais futuros relativo ao dano biológico, que a R. pugna que seja fixado ou autonomamente na valor de € € 28.000,00 ou em parcela deste montante em conjunto com a indemnização por danos não patrimoniais, no total de € 48.000,00;

c) – A questão do montante indemnizatório atribuído à A. a título de danos não patrimoniais, que a R. pretende que seja fixado ou autonomamente no valor de € 20.000,00 ou em parcela nesse montante em conjunto com a indemnização pelos dano biológico, no total de € 48.000,00;    

d) – A questão da indemnização arbitrada ao A. pela alegada perda salarial em virtude da assistência por ele prestada à A., que a R. sustenta não ser devida ou, caso assim não se entenda, ser fixada apenas em € 2.000,00;

e) – A questão relativa à condenação da R. em quantia ilíquida relativamente ao custo dos tratamentos mencionados no ponto 62 dos factos provados, que a mesma R. pretende que seja revogada por não estar suficientemente provada.     

       Por razões metodológicas, as questões acima enunciadas serão apreciadas pela seguinte ordem:

i) – A questão do invocado erro na apreciação da nulidade da sentença da 1.ª instância com fundamento em omissão de pronúncia, enunciada em II – a);  

ii) – A questão relativa à indemnização por danos patrimoniais futuros derivados do dano biológico da A., quer suscitada por esta, quer pela R., enunciada em I – A – a) e em II – b);

iii) – A questão da indemnização pretendida pela A. a título de assistência de 3.ª pessoa, enunciada em – I – A – b);  

iv) – A questão da indemnização ao A. pela perda salarial, enunciada em I – B - a) e em II – d);

v) – A questão respeitante à condenação da R. em quantia ilíquida por despesas com tratamentos futuros, enunciada em II – e);

vi) – A questão relativa à indemnização da A. pelos danos não patrimoniais, enunciada em I – A – c) e em II – c);

vii) – A questão respeitante à indemnização pelos danos não patrimoniais ao A., enunciada em I – B - b).

III – Fundamentação   

1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias

Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No dia …2011, pelas 20h20, ocorreu um embate, na Avenida ..., da vila e concelho de ....

1.2. Nesse embate, foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula -BB- e a A. AA, como peão.

1.3. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula -BB- pertence a CC e na altura da ocorrência do embate era conduzido por DD.

1.4. A Avenida ... configura uma reta, com uma extensão de 400 metros, situada entre a Rotunda do Tribunal, a nascente, e a Praceta da …, a poente.

1.5. E apresenta-se em plano descendente, tendo em conta o sentido nascente / poente, numa percentagem de 4 metros de desnível, em cada 100 metros.

1.6. A sua faixa de rodagem é dividida em dois corredores de tráfego, sendo o situado a sul destinado ao trânsito que desenvolve a sua marcha no sentido poente / nascente e a situada a norte ao trânsito que desenvolve a sua marcha em sentido contrário.

1.7. Cada corredor tem 3 metros de largura e são divididas uma da outra através de um separador central com uma largura de 3,5 metros, o qual não apresentava qualquer tipo de vegetação.

1.8. O seu piso era pavimentado a asfalto e, à data do embate, encontrava-se seco e em bom estado de conservação.

1.9. A Avenida ... era ladeada pelas suas duas margens por casas de habitação e por estabelecimentos comerciais e situa-se no centro urbano, habitacional e comercial da Vila de ....

1.10. No local do embate existe na margem direita da referida avenida, tendo em conta o sentido nascente / poente, um espaço destinado à paragem dos autocarros dos serviços dos transportes coletivos públicos de passageiros, com o respetivo abrigo.

1.11. Essa paragem encontrava-se assinalada pela correspondente placa aí fixada em suporte vertical, sinal H21a.

1.12. Para quem circulava pela dita avenida, no sentido nascente / poente, existia antes do local do embate e na margem direita um sinal fixo em suporte vertical, com a inscrição “Saída …” – sinal A29.

1.13. E quatro passadeiras, pintadas a cor branca no pavimento, destinadas ao atravessamento de peões – marcas M11, cada uma delas precedida de uma linha de paragem – marca M8 e do correspondente sinal vertical H7. 

1.14. Para quem se situa no local do embate consegue avistar-se a referida avenida, em toda a sua largura e em qualquer dos sentidos, ao longo de uma distância superior a 200 metros.

1.15. À data e hora do embate, encontravam-se diversas pessoas sobre o passeio situado do lado norte da dita avenida, junto à paragem dos autocarros.

1.16. E a A. caminhava a pé, pelo passeio destinado ao trânsito de peões, situado na margem sul da dita avenida, desenvolvendo a sua marcha no sentido poente / nascente, acompanhada de outras sete pessoas. 

1.17. A A. pretendia proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido sul / norte, e dirigir-se para a margem oposta da referida via, com destino à sua casa de habitação.

1.18. Ao chegar ao local onde existia uma passadeira destinada ao atravessamento de peões junto ao edifício do tribunal, a A. imobilizou a sua marcha e quando se encontrava assim parada olhou para o seu lado esquerdo e certificou-se de que, naquele momento, não transitava pelo corredor de tráfego do lado sul, atento o sentido poente / nascente, qualquer veículo.

1.19. A A. olhou, depois, para o seu lado direito e certificou-se que naquele momento também não transitava qualquer veículo no sentido nascente / poente.

1.20. Então a A. iniciou e desenvolveu o atravessamento da faixa de rodagem da referida avenida, no sentido sul / norte, totalmente sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões.

1.21. Quando a A. já se encontrava sobre a zona média do corredor de tráfego situado do lado norte da avenida, foi embatida pelo veículo de matrícula -BB-.

1.22. O referido veículo circulava na Avenida ..., no sentido nascente / poente, animado de uma velocidade não concretamente apurada.

1.23. O condutor do veículo de matrícula -BB- não travou, nem reduziu a velocidade antes de embater na A..

1.24. O embate ocorreu sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões e entre a parte frontal do veículo de matrícula -BB- e o corpo da A..

1.25. Em consequência do embate, a A. caiu no solo, sobre a faixa de rodagem da referida via, com a sua cabeça apontada no sentido nascente.

1.26. Em consequência do embate, a A. AA sofreu ferida no couro cabeludo, escoriações na face, fratura cominutiva da cabeça e do colo do úmero com luxação, dos ossos da perna direita e do ramo isquiopúbico direito, rotura de ligamentos do joelho esquerdo e fratura do planalto tibial esquerdo.

1.27. A A. foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de ....

1.28. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.

1.29. Foram-lhe aí efetuados exames radiológicos, às regiões do seu corpo atingidas; lavagens e desinfeções às escoriações sofridas; efetuados curativos e sutura à ferida do couro cabeludo; efetuados TAC’s e prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, os quais a A. se viu na necessidade de ingerir.

1.30. A A. ficou internada no Serviço de Ortopedia da referida unidade hospitalar entre o dia ...2011 e o dia …2011.

1.31. Durante esse período de internamento hospitalar, a A. foi submetida a intervenções cirúrgicas aos ossos da perna direita e ao colo do úmero.

1.32. Como preparativo dessas cirurgias, a A. fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral.

1.33. Foi-lhe ainda colocado gesso cruro-podálico no joelho esquerdo que manteve durante seis semanas.

1.34. Durante o referido período de internamento, a A. manteve-se sempre retida no leito, deitada na mesma posição.

1.35. E tomou todas as refeições no leito, com o auxílio de terceira pessoa.

1.36. E foi também no leito que fez todas as suas necessidades, com o auxílio de uma arrastadeira.    

1.37. No dia …2011, a A. obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de residência.

1.38. Onde se manteve doente, combalida e retida no leito, pelo menos, até …/2011 [rectius 2012], tendo-lhe nessa data sido dada indicação para fazer levante diário sem efetuar carga.

1.39. Durante o referido período de acamamento, na sua casa de habitação, a A. tomou as suas refeições na cama que lhe foram servidas por terceira pessoa.

1.40. E fez também no leito todas as suas necessidades, com o auxílio de aparadeira que lhe era servida por terceira pessoa.

1.41. Durante esse período de acamamento apenas saiu de casa para obter consultas médicas e tratamentos de que necessitou.

1.42. Para as suas deslocações e locomoção, a A. necessitou de uma cadeira de rodas que manteve durante um ano.

1.43. Após a alta da …, de …, a A. passou a frequentar o Hospital Particular de …, por conta e a expensas da R..

1.44. Onde realizou consultas de ortopedia e exames radiológicos.  

1.45. E foi aí internada em …/2011, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica para colocação de prótese total do ombro direito, extração do material metálico que lhe havia sido aplicado na perna direita, extração de vareta da tíbia e osteossíntese com placa e colocação de enxerto ósseo e extração de placa do úmero e artroplastia do ombro com prótese total do ombro invertida.

1.46. Para o efeito, a A. fez novamente análises clínicas e foi-lhe ministrada anestesia.

1.47. A A. veio a ter alta em …/2011.

1.48. Em …/2011, a A. foi submetida a nova cirurgia por apresentar deformidade da perna, vindo a ter alta em …/2011.

1.49. A partir de …/2012, a A. passou a utilizar um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, o que manteve até julho de 2012.

1.50. Ainda em consequência das lesões sofridas, a A. fez fisioterapia durante cerca de ano e meio.

1.51. No momento do embate, a A. sofreu um enorme susto e receou pela vida.

1.52. Em consequência do embate e da lesão sofrida, a A. teve e tem dores.

1.53. Sofreu os incómodos inerentes ao período de tempo de internamento, de acamamento e de repouso na sua casa de habitação e os inerentes aos tratamentos e às sessões de fisioterapia, bem como ao uso da cadeira de rodas e das canadianas.

1.54. Como queixas das lesões sofridas, a A. apresenta marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia e “picadelas” no local onde o couro cabeludo foi suturado.

1.55. Como sequelas das lesões sofridas, a A. apresenta cicatriz nacarada, não hipertrófica e não aderente aos planos profundos, paramediana direita, na região frontal do crânio, em área coberta por cabelo, com 8 cm e hipoestesia ao toque da mesma; dor na palpação das articulações sacro-ilíacas, bilateralmente e localizada; cicatriz nacarada no membro superior direito de características cirúrgicas, não hipertrófica e não aderente aos planos profundos, estendendo-se desde a face anterior do ombro até ao terço superior do braço, com 17 cm de comprimento; mobilidade ativa do ombro direito com moderada limitação, realizando um arco de flexão de 0º a 160º e uma abdução de 0º a 170º, com as restantes mobillidades dentro dos parâmetros de normalidade, mas dolorosas nos graus máximos de amplitude; cicatriz nacarada no membro inferior direito, de aspecto cirúrgico, não aderente aos planos profundos e não hipertrófica, estendendo-se desde o terço superior até ao terço médio da face anterior da perna com 30 cm; joelho direito com derrame de volume intra-articular, crepitante à mobilização; desvio do eixo em varo em 11,3º no membro inferior direito; síndrome fémuro-patelar; dor à palpação do bordo infero-interno da rótula do membro inferior esquerdo e dor à palpação do joelho esquerdo.

1.56. O que lhe causa tristeza e desgosto.

1.57. A A. obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 26/07/ 2012.

1.58. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram para a A. um período de tempo de défice funcional temporário total de 36 dias e de défice funcional temporário parcial de 396 dias.

1.59. A A. sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7.

1.60. Um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7.

1.61. E, a final, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 31 pontos, o que é causa de sofrimento físico, limitando-a em termos funcionais, nomeadamente, na realização de tarefas domésticas ou outros atos do dia-a-dia que exijam atividade bimanual ou transporte de objetos pesados.

1.62. Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. vai necessitar de ajudas medicamentosas e de consultas de ortopedia regulares, sendo provável ter de sujeitar futuramente a cirurgia de artroplastia do joelho.

1.63. Na altura da ocorrência do embate, a A. encontrava-se reformada por invalidez devido a doença oftalmológica e auferia uma pensão de reforma, no valor de € 274,79.

1.64. Sendo que era a A. quem executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação.

1.65. A A., durante o período de tempo entre a data de 18/07/2011 até 29/03/2012, necessitou da assistência de uma terceira pessoa para a ajudar a efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia, todos os dias.

1.66. E de 29/03/2012 até à data de 26/07/2012 necessitou da ajuda de uma terceira pessoa para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia, todos os dias.

1.67. E desde a data do embate e até, pelo menos, 26/07/2012 necessitou da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações.

1.68. Uma empregada doméstica, na área da residência da A., aufere cerca de € 5/hora.

1.69. Os cuidados de saúde, de alimentação e de higiene de que a A. necessitou desde a alta hospitalar, bem como a execução dos trabalhos domésticos desde a data do sinistro, foram assegurados essencialmente pelo seu marido, o A. EE, com a colaboração durante várias horas por dia, de uma vizinha, de nome FF.

1.70. Em consequência do embate, a A. despendeu a quantia de € 135,85 em medicamentos, a quantia de € 129,50 numa aparadeira, colchão e tala; a quantia de € 45,90 num par de canadianas; a quantia de € 98,22 em transportes de ambulâncias e a quantia de € 100,98 em transportes para tratamentos e consultas.

1.71. Para instruir a presente ação, a A. despendeu a quantia € 300,00 na obtenção de relatório médico, a quantia de € 37 em certidões e o valor de €, em fotos.

1.72. Em consequência do embate, a A. viu inutilizadas as peças de vestuário e de calçado que usava, no valor global não inferior a € 240,00.

1.73. E perdeu uns brincos de ouro que usava, em valor não inferior a € 50,00.

1.74. E viu danificados os óculos que usava, tendo despendido na aquisição de outros óculos a quantia de € 762,80. 

1.75. A A. nasceu no dia …1960, conforme documento de fls. 198 a 199;

1.76. Tendo casado com o A. EE em …1990, conforme documento de fls. 171 do processo apenso;

1.77. À data do embate, o A. exercia a profissão de carpinteiro de cofragens.

1.78. E encontrava-se a trabalhar na ..., onde auferia um vencimento não inferior a € 1.000,00 mensais.

1.79. Logo após o embate aludido em 1.1, o A. regressou a Portugal para prestar assistência e cuidar da A. AA.

1.80. Não tendo podido continuar a desempenhar a sua atividade profissional de carpinteiro de cofragens para poder prestar assistência à A. durante o período de convalescença da mesma.

1.81. Ao receber a notícia do sinistro em que interveio a sua mulher, o A. sofreu um choque emocional e receou pela vida daquela.

1.82. O A. acompanhou a sua mulher ao longo de todo o período da sua doença e convalescença e acompanhou e viveu todos os sofrimentos que aquela padeceu.

1.83. Em consequência, o A. sofreu angústia, dor e sofrimento e receou que a mulher ficasse totalmente incapacitada para todas as atividades do dia-a-dia.

1.84. A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula -BB-, à data do sinistro, encontrava-se, transferida para a BB, S.A., através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice n.º ....

1.85. A R. procedeu a vários pagamentos por virtude do embate, designadamente, a quantia de € 5.491,16 a título de despesas de transporte à sociedade “GG, Ldª”, o montante de € 18.784,39 em despesas e tratamentos hospitalares às entidades que os prestaram e € 258 na averiguação do sinistro.

2. Factos dados como não provados

Vem dado como não provado pelas instâncias que:

2.1. O condutor do veículo seguro na R. seguia por um itinerário que o proprietário do veículo lhe havia, previamente, determinado e às ordens deste;

2.2. O veículo BB circulava a velocidade superior a 70 km/ hora;

2.3. Antes do embate, a A. desempenhava as tarefas domésticas ao longo de um período nunca inferior a 8 horas por dia;

2.4. A A. retirava do seu trabalho doméstico um rendimento no valor de € 1.050,00 por mês;

2.5. A A. tenha sofrido um prejuízo de € 17.325,00 durante o período em que não pode realizar as tarefas domésticas;

2.6. A A., só após o embate, passou a necessitar da presença, do auxílio e da ajuda de terceiras pessoas para a realização de tarefas domésticas;

2.7. A A. despendeu com terceira pessoa a quantia de € 14.400,00;

2.8. A A. vai ter necessidade de usar canadianas e/ou muletas como auxiliar de locomoção toda a vida e suportar os respetivos custos.

3. Do mérito dos recursos

3.1. Quanto à questão do erro de apreciação da nulidade da sentença da 1.ª instância, arguida na apelação, com fundamento em omissão de pronúncia

A R., na sua apelação, arguiu a nulidade da sentença da 1.ª instância com fundamento em omissão de pronúncia sobre os factos alegados nos artigos 12.º e 69.º da sua contestação deduzida no processo apenso, sustentando que os mesmos não foram considerados na matéria dada como provada nem na dada como não provada, apesar da sua relevância para a decisão da causa.

Sobre essa questão, no acórdão recorrido, foi considerado que tais factos se enquadravam na defesa por impugnação motivada contraposta ao alegado pelo do A. na petição inicial para justificar as sequelas de que ficou a padecer a sua mulher, a também aqui A., e a necessidade de cessar as suas funções exercidas na ... por força de um contrato de trabalho outorgado a 28/05/2011 e a cessar a 27/11/2011, para lhe dar assistência, e as perdas salariais daí emergentes.

Assim, considerou a Relação que não se tratava de matéria excetiva a ser objeto de especificação como factos provados ou não provados, mas que foram tidos em consideração na análise da matéria de facto dada por provada e por não provada, como resulta da respetiva motivação.

Nessa base, concluiu-se pela não verificação de tal nulidade.

Todavia, a R. vem insistir em que, não se tendo o tribunal da 1.ª instância pronunciado quanto aqueles factos, ocorreu a nulidade dessa sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade que deveria ter sido declarada pela Relação, em vez de recusada.

Nessa base, pede a R. que seja revogado o acórdão naquela parte e, em consequência, seja ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância com vista ao respetivo suprimento. 

Vejamos.

Antes de mais, importa ter presente que o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC ocorre nos casos em que o juiz deixe de apreciar questões que as partes hajam suscitado ou que devam ser oficiosamente conhecidas, conforme o exigido no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código.

Como é sabido, para tanto, as questões relevantes consistem nas pretensões ou exceções deduzidas, ou de conhecimento oficioso, integradas pelos respetivos fundamentos[1].

Nessa perspetiva, um facto alegado, embora de relevo, não se configura por si só como uma questão a resolver, constituindo apenas um elemento dela integrante.

Assim, a não consideração de tal facto, caso se encontre controvertido, poderá implicar, quando muito, a anulação da decisão nessa parte e, mostrando-se indispensável, a sua ampliação com vista a submeter aquele facto a instrução com a repetição do julgamento, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, e n.º 3, alínea c), do CPC. Nunca essa situação se reconduzirá a vício de nulidade fundado em omissão de pronúncia.

Quanto à questão em apreço, verifica-se que a R. alegou nos artigos 12.º e 69.º da contestação deduzida no processo apenso o seguinte:


Art.º 12.º

   (…) parte das alegadas sequelas referidas na petição inicial não são mais do que manifestações de patologias degeneráveis de que a AA sofria antes do acidente, nomeadamente:

   - fenómenos de gonartrose tricompartimental acentuada do joelho esquerdo, acentuada alteração estrutural do menisco externo com fragmentação do corpo e corno anterior, alterações degenerativas de tipo mixóide do menisco interno, condropatia grau III/IV 


Art.º 69.º

Além disso, a crer no documento n.º 18 junto com a petição inicial corresponde a contrato de trabalho celebrado pelo A., a sua prestação laboral só se estenderá até 27 de novembro de 2011, data do termo desse contrato.

    Sustenta a R. que tais factos são relevantes para a determinação das prestações devidas aos A.A. a título de indemnização pelas consequências do acidente, nomeadamente no tocante aos danos não patrimoniais, ao dano biológico e aos danos futuros.

      E argumenta que essa matéria reveste a natureza de factos impeditivos ou modificativos do direito do A. EE, no sentido de que, mesmo que este tivesse deixado de trabalhar para prestar auxílio à sua mulher, as suas perdas salariais só poderiam ocorrer até à data em que aquela prestação laboral se mantivesse, o que impediria ou modificaria o direito que exerce, consubstanciado numa perda de rendimento laboral para além do prazo limite do seu contrato de trabalho.

Ora, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 571.º correspondente ao anterior artigo 487.º do CPC, a defesa por impugnação de facto consiste em o réu contradizer os factos articulados na petição inicial, enquanto que a defesa por exceção perentória se traduz na alegação de factos que servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado, sob o pris-ma da repartição do ónus probatório.

Assim, enquanto que a defesa por impugnação de facto importa uma incompatibilidade total ou parcial entre os factos alegados pelo autor e os alegados pelo réu, na defesa por exceção perentória, a incompatibilidade não ocorre no plano factual, mas apenas no plano jurídico.

No caso presente, o A. alegou, nos artigos 223.º a 231.º e 259.º a 261.º da petição inicial do processo apenso, como dano patrimonial próprio, as perdas salariais que tivera pelo facto de estar impossibilitado de desempenhar a sua profissão de carpinteiro de cofragens, na ..., durante 12 meses, em virtude de ter de prestar auxílio à sua mulher, ora A., pelas lesões por ela sofridas em consequência do acidente. E juntou a fls. 172-173 do referido processo apenso, o documento n.º 18, datado de 24/05/2011, no sentido de comprovar o respetivo contrato de trabalho a termo certo de seis meses, automaticamente renovável por igual período.

Foi perante tal alegação que a R. contrapôs com o alegado sob o artigo 69.º da sua contestação também ali apresentada.

Essa matéria foi incluída nas alíneas q), t) e u) dos temas da prova enunciados no despacho de fls. 292/v.º e 293 dos autos principais.     

Nesse contexto, os mencionados factos alegados pela R. na contestação não são mais do que factos tendentes a contradizer, parcialmente, o alegado pelo A. com vista a concretizar o pretenso dano por ele suportado, bem como o respetivo valor, resultante daquela prestação de auxílio.

Com efeito, enquanto ao A. incumbia provar a impossibilidade de exercer a sua profissão no âmbito do referido contrato de trabalho, durante os alegados 12 meses de convalescença da sua mulher, à R. bastava, em sede de contraprova, tornar duvidosa essa impossibilidade ao longo desse período, nomeadamente através do facto instrumental relativo à duração daquele contrato.   

Em síntese, o alegado pela R. nos artigos 12.º e 69.º da sua contestação reconduz-se a defesa impugnativa destinada a fazer contraprova, nos termos do artigo 346.º do CC, sobre o referido dano e o seu montante que cabia ao A. provar como um dos factos constitutivos que é do direito de indemnização invocado.

Nesta conformidade, salvo o devido respeito, tal matéria impugnativa não configura minimamente qualquer facto que sirva de causa impeditiva da emergência desse direito ou de causa superveniente modificativa ou extintiva do mesmo que à R. incumbisse provar a título de exceção perentória.

Na esteira desse entendimento, o tribunal a quo considerou que tal matéria impugnativa fora já tida em conta na apreciação e valoração da prova produzida como resulta da respetiva motivação, julgando, por isso, não verificada a nulidade arguida pela R.. De resto, essa matéria foi dada por provada nos termos dos pontos 78 a 82 da sentença, dos quais a R. só impugnou especificadamente, na respetiva apelação, o ponto 78, mas que não mereceu provimento. 

Posto isso, conclui-se que o segmento decisório do acórdão recorrido que apreciou a invocada nulidade da sentença da 1.ª instância não padece de erro de qualificação quanto à caracterização daqueles factos como impugnativos, sendo que tal segmento é ainda enquadrável no disposto na alínea c), parte final, do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, de que não cabe recurso para o STJ nos termos preceituados no n.º 4 do mesmo artigo.

Termos em que improcedem as razões da R./Recorrente neste particular.  

 

3.2. Quanto à questão respeitante à indemnização por danos patrimoniais futuros derivados do dano biológico da A.

Neste capítulo, a A. pretende que a indemnização patrimonial pelo dano biológico por ela sofrido seja fixada na quantia de € 90.000,00, enquanto que a R. pugna pela sua fixação, autónoma ou em conjunto com a devida pelas danos patrimoniais, no valor parcelar de € 28.000,00.   

A 1.ª instância, recorrendo à equidade, arbitrou essa indemnização no valor de € 55.000,00, atendendo a que o défice funcional permanente da A. de 31 pontos tem repercussão nas suas atividades diárias, mormente na execução das tarefas domésticas.

Por sua vez, a Relação reduziu tal montante para € 50.000,00 com base nas seguintes considerações:

«Apesar de a autora não exercer, profissionalmente, a atividade de doméstica, porque tinha uma patologia ao nível da visão, que determinou a atribuição de uma pensão por invalidez para a sua profissão habitual de doméstica, executava a maioria das atividades na sua casa de habitação, cuja incapacidade fixada em 31% afeta-a ao nível da execução destas tarefas, restringindo-lhe algumas, que exijam maiores esforços e obrigando-a a um maior esforço na execução das outras. Não recebia uma remuneração pela atividade desenvolvida, mas esta terá de ser valorizada, porque se fosse executada por terceiro, teria um preço. Face às debilidades que tinha, à data do acidente, e ao custo da prestação de uma profissional doméstica – 5€/hora – julgamos que a sua atividade, neste caso permanente, mais do que o horário de 8h diárias, valeria 60% do custo duma profissional, o que corresponderia a 525€ mensais. Será este o valor a ter em conta para se determinar o cálculo da indemnização por danos futuros, conjugado com outros elementos, sem descurar a equidade.

Para a determinação da quantia indemnizatória dos danos patrimoniais futuros teremos de lançar mão dos artigos 562, 564 nº2 e 566 do Código Civil.

A jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pontos:

1 – Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida ativa do lesado, suscetível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

2 – Utilização de fórmulas abstratas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objetivo de tornar o mais possível justas, atuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.

3 – Uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exato dos danos sofridos pelo lesado.

Estes três pontos são indissociáveis, necessários para se encontrar, em cada caso, o montante indemnizatório mais adequado.

Há quem utilize fórmulas matemáticas mais ou menos sofisticadas, ligadas a tabelas financeiras, reduzindo substancialmente, para não dizer totalmente, a intervenção do julgador na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Tabelas essas que, além de serem redutoras da intervenção do julgador, são complicadas, e, por vezes, de difícil utilização.

Através dum estudo apresentado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis, na Coletânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., a fls. 6 a 12, foram delineados dois critérios, que atingem os mesmos resultados, que se revelam menos rígidos, e, em que o julgador acaba por ter grande intervenção na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade ativa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes.

E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros fatores influentes, que possam existir.

O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida ativa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respetivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.

Julgamos que estes critérios, e, em especial, o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem do julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa.

Em face do exposto, julgamos que é de aplicar ao caso sub judice, o último critério enunciado, em detrimento das fórmulas matemáticas complicadas, apresentadas e usadas nas alegações da recorrente.

Para a resolução desta questão, objeto do recurso, interessa a seguinte matéria de facto dada como assente na decisão recorrida – 51 anos de idade à data do acidente, 31% de incapacidade geral permanente parcial, e ainda quantia de 528€ mensais.

Atendendo a esta matéria de facto e ao critério apontado, iremos calcular o montante indemnizatório mais ajustado ao caso concreto, tendo em conta ainda que a idade provável de vida ativa não se esgota com a reforma (apesar de ser controversa esta posição na jurisprudência do STJ, mas defendida em vários acórdãos, com destaque para os Ac. de 7/6/2011, 2/5/2012, 10/10/2012 disponíveis em www.dgsi.pt ), mas prolonga-se, em termos médios, no nosso país, pelo menos até aos 83 anos, para as mulheres, segundo o I.N.E., triénio de 2014/ 2016 (a esperança média de vida e não apenas laboral).

Efetuados os cálculos e ponderando as variáveis mais influentes, como a idade da autora, o nível de vida económico no país, o custo de vida, a nossa integração na U.E., e a equidade, é de concluir que o montante adequado ao caso concreto é 50.000€.»    

No entanto, a A. e a R. contrapõem com as razões a esse propósito constantes das respetivas conclusões acima transcritas.

Vejamos.

  Desde logo, da factualidade provada, no que aqui releva, colhe-se o seguinte:

i) - À data do acidente ocorrido em ...2011, a A., nascida em …/1960, encontrava-se reformada por invalidez devido a doença oftalmológica, auferindo uma pensão de reforma, no valor de € 274,79, mas era ela quem executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação;

ii) - A A. apresenta marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia e “picadelas” no local onde o couro cabeludo foi suturado;

  iii) – Na decorrência das lesões sofridas em consequência daquele acidente, a A. obteve a sua consolidação médico-legal em 26/07/ 2012, ficando a padecer de um défice funcional permanente de 31 pontos, o que é causa de sofrimento físico, limitando-a em termos funcionais, nomeadamente na realização de tarefas domésticas ou de outros atos do dia-a-dia que exijam atividade bimanual ou transporte de objetos pesados;

  iv) - Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. vai necessitar ainda de ajudas medicamentosas e de consultas de ortopedia regulares, sendo provável ter de sujeitar futuramente a cirurgia de artroplastia do joelho.

  iv) - Uma empregada doméstica, na área da residência da A., aufere cerca de € 5,00/hora.

Porém, não se provou que:

- Antes do embate, a A. desempenhava as tarefas domésticas ao longo de um período nunca inferior a 8 horas por dia;

- A A. retirava do seu trabalho doméstico um rendimento no valor de € 1.050,00 por mês.

Como tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, o chamado dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro compreende a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, posto que a força de trabalho humano é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[2].    

Em suma, o dito dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis.     

Ora, do quadro factual acima exposto resulta, em síntese, que a A., à data do acidente, contava mais de 51 anos de idade (mais de 52 anos à data da consolidação das sequelas), encontrando-se reformada por invalidez devido a doença oftalmológica, auferindo uma pensão de reforma no valor de € 274,79, mas que era ela quem executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação.

Em consequência das lesões sofridas, a A. apresenta marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita com irradiação desde o joelho até ao tornozelo.

Na decorrência dessas sequelas a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente de 31 pontos, o que lhe causa sofrimento físico e limitações funcionais, nomeadamente na realização de tarefas domésticas ou de outros atos do dia-a-dia que exijam atividade bimanual ou transporte de objetos pesados.

     Apesar de o referido défice funcional permanente de 31 pontos não representar incapacidade para o exercício de atividade profissional da A., já que se encontrava dantes reformada, não poderá deixar de traduzir, ainda assim, diminuição da sua capacidade económica geral com relevo em sede do chamado dano biológico patrimonial, suscetível, portanto, de indemnização reparatória daquela diminuição do rendimento económico potencial, com vem sendo seguido pela jurisprudência.

      Tal diminuição consubstancia-se aqui como limitação na execução das tarefas domésticas que a A. desempenhava antes do acidente, com tendência a agravar-se, segundo as regras da experiência, no decurso dos anos da sua previsível expetativa de vida ativa.

     Nesses termos, não se tratando de um impedimento absoluto de realização de tais tarefas, não se afigura também como causa de meros esforços suplementares, constituindo antes limitação na execução daquelas tarefas diárias e que não poderá deixar de importar o correspondente custo económico. Ponto é saber como calcular tal indemnização.

No tipo de situações como a dos presentes autos, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza.

Temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto das tarefas que o sinistrado desempenhava antes do acidente com o correspetivo custo económico.  

Ora, enquanto que a 1.ª instância arbitrou a indemnização em € 55.000,00 sobretudo com apelo à equidade, a Relação reduziu aquele montante para € 50.000,00 na base dum cálculo financeiro, tendo como fatores 60% do custo médio mensal duma profissional do serviço doméstico computado em € 528,00, o défice funcional permanente de 31%, a idade da A. (51 anos, à data do acidente) e uma expetativa média de vida até aos 83 anos, tudo isso, ponderado segundo a equidade, em função do contexto do nível económico e do custo de vida no País.

Vem agora a A./Recorrente pugnar pela fixação dessa indemnização em valor não inferior a € 90.000,00 com referência genérica à equidade, enquanto que a R. contrapõe a quantia de € 28.000,00, lançando mão mormente da tabela IV anexa à Portaria n.º 679/09,de 25-06 e convocando alguma jurisprudência atinente das Relações e do Supremo, de 2012 e 2014 sobre casos com índices de incapacidade inferiores ao do caso dos autos (25%, 10%, 8%, 3% 13%) e compreendendo idades de sinistrados também variáveis (19 anos, 24 anos, 50 anos e 24/25 anos). 

   

No âmbito da revista, caberá apenas ajuizar sobre a adequação dos parâmetros utilizados pelas instâncias em ordem a evitar, na medida do possível, um tratamento desigual em relação a situações do mesmo tipo de gravidade e consequências.   

Desde logo, importa observar que o presente caso denota uma especificidade algo singular, porquanto, como já foi dito, o défice funcional permanente da A., de 31 pontos percentuais, pouco releva em termos de repercussão em exercício de atividade profissional habitual ou episódica, uma vez que ela, à data do acidente já se encontrava reformada por invalidez devido a doença oftalmológica, estando a sua atividade circunscrita a quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação.

Daí que o custo económico das limitações que esse défice funcional implica para o exercício de tais tarefas domésticas não seja facilmente determinável com recurso centrado nos habituais cálculos financeiros. Por mais que se ficione uma percentagem de custo médio do serviço doméstico, o certo é que o nível concreto das necessidades e da periodicidade de suprimento daquelas limitações mostra-se algo difuso. Por exemplo, a aplicação da percentagem do custo médio do serviço doméstico, tal como aquela em que se baseou o acórdão recorrido, a uma prestação temporalmente contínua e ininterrupta não parece adequada, por não ser presumível, no caso, que a A. necessita de uma empregada doméstica a tempo inteiro.

Por outro lado, as tabelas de determinação do dano biológico constantes das Portarias n.º 377/2008, de 26-05 e n.º 679/2009, de 25-06, ficam, como é sabido, muito aquém dos padrões que têm vindo a ser progressivamente delineados pela jurisprudência mais recente.

Neste quadro, não se vislumbrando que a dificuldade possa ser superada em sede de ulterior liquidação de sentença, com o inerente protelamento do julgado, resta-nos atentar no padrão indemnizatório mais condizente com as características tipológicas do caso.

Assim, considerando que o défice funcional permanente da A. de 31 pontos percentuais, atentas as sequelas descritas no ponto 1.54 da factualidade provada - marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia -, se traduz em fator, neste quadro, significativo de limitação na execução das tarefas domésticas que ela vinha desempenhando antes do acidente, considerando a idade de 52 anos à data da consolidação médico-legal e uma perspetiva de vida ativa para além da idade-limite da reforma, tendo em conta, segundo a experiência comum, que tais sequelas tendem a agravar-se ao longo da idade, afigura-se ajustado, abrigo do art.º 566.º, n.º 3, do CC e à luz dos padrões indemnizatórios mais recentes da jurisprudência, fixar a indemnização pelo referido dano biológico em € 40.000,00 (quarenta mil euros), tendo-a por atualizada à data da sentença em 1.ª instância, acrescida, portanto, de juros de mora desde a data desta.  

Termos em que, nesta parte, se conclui pela improcedência total da revista da A. e parcial da revista da R..

3.3. Quanto à questão da indemnização pretendida pela A. a título de assistência de 3.ª pessoa

 

Neste domínio, pretende a A./Recorrente lhe seja fixada, a título de indemnização com assistência de 3.ª pessoa, em face dos factos provados nos pontos 64, 65, 66, 67 e 68, a quantia de € 5.400,00.

A 1.ª instância arbitrou-lhe tal verba por considerar que, após o regresso da A. a casa e até …/2012, ou seja, ao longo de 12 meses, foi indispensável a presença de terceira pessoa durante algumas horas por dia, quer para os trabalhos domésticos quer para a restante assistência, quantia essa correspondente a 3 horas diárias, à razão de € 5,00/hora, durante 12 meses.

Por seu turno, a Relação considerou que foi o marido da A. quem acabou por substituir a terceira pessoa, fazendo o seu trabalho com maior assistência permanente, de dia e de noite, pelo que só a ele seria devida tal indemnização.

Da factualidade provada colhe-se o seguinte:             

   - Era a A. quem executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação – ponto 1.64;

   - A A.., durante o período de tempo entre a data de …/2011 [data da alta hospitalar] até …/2012, necessitou da assistência de uma terceira pessoa para a ajudar a efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia, todos os dias – ponto 1.65;

   - De 29/03/2012 até à data de 26/07/2012 necessitou da ajuda de uma terceira pessoa para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia, todos os dias – ponto 1.66;

   - E desde a data do embate e até, pelo menos, 26/07/2012 necessitou da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações – ponto 1.67;

   - Uma empregada doméstica, na área da residência da A., aufere cerca de € 5/hora – ponto 1.68;  

   - Os cuidados de saúde, de alimentação e de higiene de que a A. necessitou desde a alta hospitalar, bem como a execução dos trabalhos domésticos desde a data do sinistro, foram assegurados essencialmente pelo seu marido, o A. EE, com a colaboração, durante várias horas por dia, de uma vizinha, de nome FF – ponto 1.68.

Mas não se provou que a A. tivesse despendido com terceira pessoa a quantia de € 14.400,00.

Dos factos acima descritos resulta, no fundamental, que a A. necessitou de ajuda de terceira pessoa para a prestação dos cuidados de saúde, de alimentação e de higiene, desde a alta hospitalar, bem como para a execução dos trabalhos domésticos desde a data do sinistro. E que tais tarefas foram assegurados essencialmente pelo seu marido, o A. EE, com a colaboração, durante várias horas por dia, de uma vizinha.

Não se apura, no entanto, que esta colaboração tenha importado qualquer custo económico para a A., nem tão pouco se mostra viável presumi-lo apenas na base do assim dado como provado.

Termos em que improcedem, nesta parte, as razões da A..

3.4. Quanto à questão da indemnização pela assistência prestada pelo A. 

Pretende o A./Recorrente ser indemnizado no valor de € 13.000,00 pelas perdas salariais que suportou por se ver forçado a deixar a sua atividade profissional para prestar assistência à sua mulher, durante o período de convalescença.

Por seu lado, a R. sustenta que tal indemnização não é devida, mas que, a entender-se que o seja, deve ser reduzida ao valor correspondente a metade da retribuição mensal do A. de € 1.000,00 durante quatro meses (entre 18/07/2011 e 27/11/2011), ou seja no total de € 2.000,00.

A 1.ª instância fixou essa indemnização em € 13.000,00 por considerar ser esse o valor do rendimento perdido pelo A. resultante do abandono do seu emprego para realizar a referida prestação de assistência.

Por sua vez, a Relação reduziu tal indemnização para € 5.400,00 com as seguintes considerações: 

«Esta questão diz respeito à necessidade de ajuda de terceira pessoa à autora num período de convalescença, em sua casa, entre a data de 18.07.2011 até 29.03.2012, durante 4 horas todos os dias, e entre 29.03.2012 até à data de 26.07.2012, durante uma hora diária, cuja ajuda foi prestada pelo autor, que regressou da ..., onde trabalhava e auferia 1.000€ mensais, logo após o acidente, tendo a colaboração, durante várias horas por dia, da vizinha FF.

O tribunal contabilizou 12 meses de assistência de terceira pessoa à autora, durante 3 horas por dia, que, à razão de 450€ por mês, fixou em 5.400€ o montante devido.

Por sua vez, face à deslocação do autor da ... para prestar a assistência à autora, sua esposa, tendo em conta o vencimento que auferiria, atribuiu-lhe uma indemnização de 13.000€.

(…)

É certo que houve uma assistência por parte do autor, marido da autora. Foi prestada no exercício de um dever conjugal, pelo que não foi remunerada. A autora não viu o seu património diminuir no montante questionado, porque não pagou esta quantia ao seu marido.

(…)  

Por sua vez, o autor, ao denunciar o contrato de trabalho que o vinculava à sua execução, na ..., para cumprir um dever conjugal, veio a ser prejudicado, porque deixou de receber uma determinada retribuição, que, em termos normais auferiria. Daí que se justifique que o autor seja indemnizado pelo prejuízo sofrido, uma vez que nada recebe da autora por força do dever conjugal de assistência, e a ré seria beneficiada porque nada pagaria porque não foi contratada uma terceira pessoa para executar os trabalhos que o autor realizou, que, se não interviesse, teria de ser contratada e a ré iria ressarcir a autora desta despesa. O autor acabou por substituir a terceira pessoa, fazendo o seu trabalho, com maior assistência, porque permanente dia e noite, que a autora necessitava, como resulta das respostas aos pontos de facto 65, 66, 67, o que, se fosse contratada, por oito horas diárias, durante 30 dias, seriam gastos 1.200€ mensais. Assim é justo que o autor seja indemnizado pelo trabalho que executou por uma quantia que a ré teria de pagar a terceira pessoa contratada. Apenas ficou provado que a autora precisava de ajuda de uma terceira pessoa durante 3 horas diárias, que o tribunal calculou em 450€ mensais e 5.400€ durante 12 meses.

Em face do exposto julgamos que (…) é de reduzir o montante fixado de 13.000€ ao autor para 5.400€, que executou a atividade de uma terceira pessoa, que se fosse contratada, durante todo o tempo de recuperação, nas circunstâncias apontadas, a ré iria pagar.

 

O artigo 495.º, sob a epígrafe indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal, no que aqui releva, dispõe que:

1 – No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem excetuar as do funeral.

2 – Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles (…) que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.   

         Prevê-se assim uma situação excecional de indemnização de danos reflexos ou indiretos de terceiros consistentes em despesas por eles suportados com tratamento ou assistência do lesado. 

        Questão controversa é saber se estão do mesmo modo abrangidos os lucros cessantes desses terceiros, como no caso em que deixem de exercer determinada atividade profissional para cuidarem do lesado.

       Apesar de posições num e noutro sentido, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido no sentido positivo, particularmente nos casos de auxílio prestado por cônjuges, em face do dever conjugal de cooperação e assistência consagrado nos artigos 1672.º, 1674.º e 1675.º do CC[3], não se vendo razões ponderosas para nos afastarmos dessa orientação predominante.    

 

Dos factos provados decorre que:

   - A A., durante o período de tempo entre a data de 18/07/2011 até 29/03/2012, necessitou da assistência de uma terceira pessoa para a ajudar a efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia, todos os dias – ponto 1.65;

   - De 29/03/2012 até à data de 26/07/2012 necessitou da ajuda de uma terceira pessoa para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia, todos os dias – ponto 1.66;

   - Desde a data do acidente e até, pelo menos, 26/07/2012 necessitou da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações – ponto 1.67;

   - Os cuidados de saúde, de alimentação e de higiene de que a A. necessitou desde a alta hospitalar, bem como a execução dos trabalhos domésticos desde a data do sinistro, foram assegurados essencialmente pelo seu marido, o A. EE, com a colaboração durante várias horas por dia, de uma vizinha, de nome FF – ponto 1.69;

   - A A. era casada com o A. EE desde …/1990 – ponto 1.76;  

   - À data do acidente, o A. exercia a profissão de carpinteiro de cofragens – ponto 1.77;

   - E encontrava-se a trabalhar na ..., onde auferia um vencimento não inferior a € 1.000,00 mensais – ponto 1.78;

   - Logo após o acidente, o A. regressou a Portugal para prestar assistência e cuidar da A. AA– ponto 1.79;

   - Não tendo podido continuar a desempenhar a sua atividade profissional de carpinteiro de cofragens para poder prestar assistência à A. durante o período de convalescença da mesma – ponto 1.80.

 

Verifica-se assim que a A. necessitou de ajuda de terceira pessoa, desde logo, a partir da data do acidente e até, pelo menos, 26/07/2012 para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações.

Necessitou ainda de ajuda de terceiro durante entre 18/07/2011 (data da alta hospitalar) e 29/03/2012, para efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia. E de 29/03/2012 a 26/07/2012 necessitou da ajuda para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia.

Toda essa assistência foi prestada essencialmente pelo marido da A., também aqui A., que, para tanto, durante o período de convalescença da A., não pode continuar a exercer a sua atividade profissional de carpinteiro de cofragens na ... onde auferia um vencimento não inferior a € 1.000,00.

Nessas circunstâncias, não se divisa como tal acompanhamento e assistência pudessem ser prestados, de forma continuada como foram, sem que o A. abdicasse de exercer a sua atividade profissional no estrangeiro.

Nessa medida, afigura-se que a perda salarial que o A. suportou para prestar tal acompanhamento e assistência à A., sua mulher, constitui a frustração de um benefício patrimonial que ele não teria sofrido, não fora a necessidade de cumprir o seu dever conjugal de auxílio.

Por isso, assiste-lhe o direito a ser indemnizado, nos termos conjugados dos artigos 495.º, n.º 2, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, n.º 1 e 2, com referência ainda aos artigos 1672.º, 1674.º e 1675.º todos do CC, na exata medida do prejuízo sofrido.

Nessa base, mostra-se adequado que o A. seja ressarcido das perdas salariais que suportou desde a data do acidente ocorrido em ...2011 até pelo menos 26/07/2012, sensivelmente durante treze meses, e portanto no valor total de € 13.000,00 (treze mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação.              

Termos em que procede, nesta parte, a revista do A..

3.5. Quanto à questão respeitante à condenação da R. em quantia ilíquida por despesas futuras

 

        A 1.ª instância condenou a R. a pagar quantia ilíquida pelos danos futuros descritos no ponto 62 da matéria dada como provada.  

        A R., na sua apelação, impugnou essa matéria, pedindo que fosse revogada a decisão nessa parte ou, subsidiariamente, alterada no sentido de só ser condenada no que se viesse a liquidar relativamente ao custo dos tratamentos mencionados naquele ponto. 

       Porém, a Relação manteve tal matéria nos seus precisos termos e que são os seguintes:

Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. vai necessitar de ajudas medicamentosas e de consultas de ortopedia regulares, sendo provável ter de sujeitar futuramente a cirurgia de artroplastia do joelho.

       Nessa base, confirmou aquele segmento decisório, mas a R. persiste em tal revogação.

       Ora, a matéria de facto acima transcrita, que a este Supremo compete acatar, mostra-se inequívoca no sentido da comprovação de danos patrimoniais futuros previsíveis com suficiente probabilidade e, como tal, atendíveis ao abrigo do preceituado no artigo 564.º, n.º 2, do CC, cujo valor só poderá ser apurado em sede de ulterior liquidação.

       Termos em que, sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões da R./Recorrente.

        

 

3.6. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais devidos à A. AA

       A 1.ª instância fixou a indemnização em referência no montante de € 75.000,00, que a Relação baixou para € 50.000,00.

Pretende agora a A. que tal indemnização seja fixada em valor não inferior a € 100.000,00 ou pelo menos em € 75.000,00, enquanto que a R. pugna pela sua fixação em € 20.000,00.   

O artigo 496.º, n.º 1, do CC prescreve que:

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Por sua vez, o n.º 3 do mesmo normativo determina que o montante de indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, nos termos estatuídos no art.º 494.° do referido Código.

Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, entre outros, e a jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva[4].

Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, secundariamente, servir de sancionamento da conduta do agente. Daí que se torne enganador, para tais efeitos, estabelecer comparações entre pretensas categorias de padecimentos como, por exemplo, entre o sofrimento decorrente da perda de vida e sofrimentos corporais ou psíquicos mais ou menos persistentes.    

Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios resultantes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação, tanto quanto possível,  tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Para tal, são relevantes, no tipo de casos como o dos autos, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris e o dano estético, se os houver.

        Da factualidade provada, no que aqui interessa, colhe-se o seguinte:

i) - Em consequência do embate, a A. AA sofreu ferida no couro cabeludo, escoriações na face, fratura cominutiva da cabeça e do colo do úmero com luxação, dos ossos da perna direita e do ramo isquiopúbico direito, rotura de ligamentos do joelho esquerdo e fratura do planalto tibial esquerdo – ponto 1.26;

ii) - A A. foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de ..., onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência – pontos 1.27 e 1.28;

iii) - Foram-lhe aí efetuados exames radiológicos, às regiões do seu corpo atingidas; lavagens e desinfeções às escoriações sofridas; efetuados curativos e sutura à ferida do couro cabeludo; efetuados TAC’s e prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, os quais a A. se viu na necessidade de ingerir – ponto 1.29;

iv) - A A. ficou internada no Serviço de Ortopedia da referida unidade hospitalar entre o dia ...2011 e o dia …/2011 – ponto 1.30;

v) - Durante esse período de internamento hospitalar, a A. foi submetida a intervenções cirúrgicas aos ossos da perna direita e ao colo do úmero – ponto 1.31;

vi) - Como preparativo dessas cirurgias, a A. fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral – ponto 1.32;

vii) - Foi-lhe ainda colocado gesso cruro-podálico no joelho esquerdo que manteve durante seis semanas – ponto 1.33;

viii) - Durante o referido período de internamento, a A. manteve-se sempre retida no leito, deitada na mesma posição, tomando todas as refeições no leito, com o auxílio de terceira pessoa, sendo também no leito que fez todas as suas necessidades, com o auxílio de uma arrastadeira – pontos 1.34, 1.35 e 1.36; .    

ix) - No dia 18/07/2011, a A. obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de residência, onde se manteve doente, combalida e retida no leito, pelo menos, até 13/07/2012, tendo-lhe nessa data sido dada indicação para fazer levante diário sem efetuar carga – pontos 1.37 e 1.38;

x) - Durante o referido período de acamamento, na sua casa de habitação, a A. tomou as suas refeições na cama que lhe foram servidas por terceira pessoa e fez também no leito todas as suas necessidades, com o auxílio de aparadeira que lhe era servida por terceira pessoa – pontos 1.39 e 1.40;

xi) - Durante esse período de acamamento apenas saiu de casa para obter consultas médicas e tratamentos de que necessitou – ponto 1.41;

x) - Para as suas deslocações e locomoção, a A. necessitou de uma cadeira de rodas que manteve durante um ano – ponto 1.42;

xi) - Após a alta da …, de ..., a A. passou a frequentar o Hospital Particular de ..., por conta e a expensas da R. onde realizou consultas de ortopedia e exames radiológicos – pontos 1.43 e 1.44;

xii) - E foi aí internada em 26/10/2011, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica para colocação de prótese total do ombro direito, extração do material metálico que lhe havia sido aplicado na perna direita, extracção de vareta da tíbia e osteossíntese com placa e colocação de enxerto ósseo e extração de placa do úmero e artroplastia do ombro com prótese total do ombro invertida – ponto 1.45;

xiii) -  Para o efeito, a A. fez novamente análises clínicas e foi-lhe ministrada anestesia e veio a ter alta em 01/11/2011 – pontos 1.46 e 1.47;

xiv - Em 21/12/2011, a A. foi submetida a nova cirurgia por apresentar deformidade da perna, vindo a ter alta em 23/12/2011 – ponto 1.48;

xv) - A partir de 29/03/2012, a A. passou a utilizar um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, o que manteve até julho de 2012 – ponto 1.49;

xvi) - Ainda em consequência das lesões sofridas, a A. fez fisioterapia durante cerca de ano e meio – ponto 1.50;

xvii) - No momento do embate, a A. sofreu um enorme susto e receou pela vida – ponto 1.51;

xviii) - Em consequência do embate e da lesão sofrida, a A. teve e tem dores – ponto 1.52;

xix) - Sofreu os incómodos inerentes ao período de tempo de internamento, de acamamento e de repouso na sua casa de habitação e os inerentes aos tratamentos e às sessões de fisioterapia, bem como ao uso da cadeira de rodas e das canadianas – ponto 1.53;

xx) - A A. apresenta marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia e “picadelas” no local onde o couro cabeludo foi suturado – ponto 1.54;

xxi) - Como sequelas das lesões sofridas, a A. apresenta cicatriz nacarada, não hipertrófica e não aderente aos planos profundos, paramediana direita, na região frontal do crânio, em área coberta por cabelo, com 8 cm e hipo-estesia ao toque da mesma; dor na palpação das articulações sacro-ilíacas, bilateralmente e localizada; cicatriz nacarada no membro superior direito de características cirúrgicas, não hipertrófica e não aderente aos planos profundos, estendendo-se desde a face anterior do ombro até ao terço superior do braço, com 17 cm de comprimento; mobilidade ativa do ombro direito com moderada limitação, realizando um arco de flexão de 0º a 160º e uma abdução de 0º a 170º, com as restantes mobillidades dentro dos parâmetros de normalidade, mas dolorosas nos graus máximos de amplitude; cicatriz nacarada no membro inferior direito, de aspecto cirúrgico, não aderente aos planos profundos e não hipertrófica, estendendo-se desde o terço superior até ao terço médio da face anterior da perna com 30 cm; joelho direito com derrame de volume intra-articular, crepitante à mobilização; desvio do eixo em varo em 11,3º no membro inferior direito; síndrome fémuro-patelar; dor à palpação do bordo infero-interno da rótula do membro inferior esquerdo e dor à palpação do joelho esquerdo – ponto 1.55;

xxii) - O que lhe causa tristeza e desgosto – ponto 1.56;

xxiii) - A A. obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 26/07/ 2012 – ponto 1.57;

xxiv) - As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram para a A. um período de tempo de défice funcional temporário total de 36 dias e de défice funcional temporário parcial de 396 dias – ponto 1.58;

xxv) - A A. sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7 – pontos 1.59 e 1.60;

xxvi) - E, a final, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 31 pontos, o que é causa de sofrimento físico, limitando-a em termos funcionais, nomeadamente, na realização de tarefas domésticas ou outros atos do dia-a-dia que exijam atividade bimanual ou transporte de objetos pesados – ponto 1.61;

xxvii) - Na altura da ocorrência do embate, a A. encontrava-se reformada por invalidez devido a doença oftalmológica e auferia uma pensão de reforma, no valor de € 274,79, sendo ela quem executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação – pontos 1.63 e 1.64;

xxviii) - A A., durante o período de tempo entre a data de 18/07/ 2011 até 29/03/2012, necessitou da assistência de uma terceira pessoa para a ajudar a efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia, todos os dias – ponto 1.65

xxix) - De 29/03/2012 até à data de 26/07/2012 necessitou da ajuda de uma terceira pessoa para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia, todos os dias – ponto 1.66

xxx) - E desde a data do embate e até, pelo menos, 26/07/2012 necessitou da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações – ponto 1.67.

Acresce que a produção do acidente foi atribuída a culpa exclusiva do condutor do veículo BB com fundamento em velocidade excessiva.

         Das circunstâncias em que ocorreu o acidente conforme o descrito na factualidade provada e do quadro factológico tão exaustivo e eloquente ora convocado resulta, em síntese, que, em consequência do acidente da exclusiva responsabilidade culposa do condutor do veículo BB, por velocidade excessiva, a A., com 51 anos de idade, no essencial:

  - sofreu múltiplas lesões corporais, na cabeça, na face, no colo do úmero, na perna direita, no joelho esquerdo e planalto tibial esquerdo;

  - teve de submeter-se a internamento hospitalar durante um mês e  as intervenções cirúrgicas aos ossos da perna direita e ao colo do úmero;

   - após a alta hospitalar, esteve acamada em casa durante quase um ano (de 18/07/2011 a 13/07/2012), dependendo de terceira pessoa para satisfazer as suas necessidades de alimentação e de cuidados de saúde e de higiene;

   - durante esse período, teve ainda outro internamento hospitalar em 26/10/2011, submetendo-se a uma intervenção cirúrgica para colocar prótese do ombro direito, extração do material que lhe havia sido aplicado na perna direita, extração de vareta da tíbia e osteossíntese com placa e colocação de enxerto ósseo e extração de placa do úmero e artroplastia do ombro com prótese total do ombro invertida;

- em 21/12/2011, foi submetida a nova cirurgia por apresentar deformidade da perna, vindo a ter alta em 23/12/2011;

- a partir de 29/03/2012, passou a utilizar um par de canadianas para locomoção até julho de 2012;

- fez fisioterapia durante cerca de ano e meio;

- submeteu-se as diversas consultas e análises clínicas;

- ficou, finalmente, a padecer de um défice funcional permanente de 31%, com sofrimento físico e limitações funcionais, nomeadamente, na realização de tarefas domésticas ou outros atos do dia-a-dia que exijam atividade bimanual ou transporte de objetos pesado;

- apresenta marcha claudicante e dificuldades de mobilidade, conforme o acima descrito;

- sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7.

       Não obstante a A. padecer, já antes do acidente, de invalidez devida a doença oftalmológica, mas que não a impedia da realização das suas lides domésticas, o quadro das lesões sofridas com aquele acidente, a multiplicidade de tratamentos a que teve de se submeter e o tipo de imobilização a que esteve sujeita são de molde a provocar, segundo as regras da experiência comum, grande angústia, sofrimento e ansiedade pelo que daí pudesse decorrer.

       Ainda que as sequelas consolidadas se situem a um nível de gravidade média, já aqueles padecimentos durante a enfermidade e convalescença se perfilam num nível mais elevado, de padrão médio-alto.

      Tudo isso ponderado com o facto de o acidente se ter devido a culpa exclusiva do condutor do veículo atropelante, atento ainda ao tempo decorrido entre a data da propositura da ação (22/10/ 2012) e a data da sentença final (28/12/2017), tem-se por mais ajustado às circunstâncias do caso e à luz dos padrões da jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal, fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais devidos à A. no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a que acrescem juros de mora desde a data da sentença da 1.ª instância.    

3.7 Quanto à indemnização por danos não patrimoniais pretendida pelo A. EE

O A. EE pediu a condenação da R. na indemnização de € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais para compensação dos padecimentos por ele sofridos aquando do acompanhamento da sua mulher ao longo de todo o período de convalescença desta, superior a um ano.  

A 1.ª instância arbitrou-lhe, a título dessa indemnização, a quantia de € 10.000,00, mas a Relação revogou tal decisão, absolvendo a R. do pedido nessa parte.

Vem agora o mesmo A. insistir na fixação dessa indemnização como fora decidido pela 1.ª instância.

 

É por demais conhecida a problemática de saber se assiste a terceiros, designadamente a familiares, o direito a indemnização a título de danos não patrimoniais próprios sofridos em consequência dos padecimentos do lesado, fora do alcance do artigo 496.º, n.º 2, do CC. A tese da inadmissibilidade de tal indemnização tem radicado na doutrina tradicional que exclui, em regra, a cobertura dos danos reflexos ou indiretos.

Entretanto, emergiu e foi-se desenvolvendo uma linha de orientação doutrinária e jurisprudencial no sentido de abranger no artigo 496.º n.º 1, do CC, pelo menos nos casos mais graves, a possibilidade de compensação dos danos não patrimoniais sofridos por pessoa diversa da vítima, quando esta se mantiver viva.  

E foi o intensificar da divergência jurisprudencial sobre tal questão que desembocou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2014, de 09/01/2014, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 22/05/2014, cujo segmento uniformizador é o seguinte:

Os artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.   

         Todavia, naquele aresto inovador, dá-se conta da “brecha” por ele aberta “na dogmática geral de que é a vítima, se sobreviver, a pessoa a indemnizar”.

       Por isso, ali se entendeu que tal extensão compensatória deve ser reservada apenas para os casos de “particular gravidade em duas vertentes: uma, quanto aos ferimentos da vítima sobrevivente e outra quanto ao sofrimento do cônjuge.” 

 

Vejamos agora se o caso presente reflete essa dupla gravidade.

Desde logo, as lesões sofridas pela A. AA não lhe determinaram sequelas consolidadas que devam ser qualificadas de particular ou elevada gravidade, à luz do entendimento adotado no AUJ n.º º 6/2014, não obstante os diversos e múltiplos padecimentos que ela teve de suportar durante a enfermidade e convalescença.

        Todo o quadro factual acima convocado aponta no sentido de uma situação definitiva de gravidade média, ainda que mais expressiva no respeitante à situação temporária relativa aos tratamentos a que a A. teve de se submeter, como já foi salientado.

Por outro lado, provou-se que:

- O A. EE era casado com a A. AA, desde …/ 1990 – ponto 1.54;

- À data do acidente em causa, o A. exercia a profissão de carpinteiro de cofragens, encontrando-se a trabalhar na ..., onde auferia um vencimento não inferior a € 1.000,00 mensais – pontos 1.77 e 1.78;

- Logo após aquele acidente, o A. regressou a Portugal para prestar assistência e cuidar da A. AA– ponto 1.76;

- Não tendo podido continuar a desempenhar a sua atividade profissional de carpinteiro de cofragens para poder prestar assistência à A. durante o período de convalescença da mesma – ponto 1.80;

- Ao receber a notícia do sinistro em que interveio a sua mulher, o A. sofreu um choque emocional e receou pela vida daquela – ponto 1.81;

- O A. acompanhou a sua mulher ao longo de todo o período da sua doença e convalescença e acompanhou e viveu todos os sofrimentos que aquela padeceu – ponto 1.82;

- A A., durante o período de tempo entre a data de 18/07/2011 até 29/03/2012, necessitou da assistência de uma terceira pessoa para a ajudar a efetuar pequenas deambulações pelo domicílio, assim como para tratar da sua higiene pessoal e alimentá-la, durante pelo menos 4 horas por dia, todos os dias – ponto 1.65;

- De 29/03/2012 até à data de 26/07/2012 necessitou da ajuda de uma terceira pessoa para tratar da sua higiene pessoal, durante pelo menos 1 hora por dia, todos os dias – ponto 1.66;

- Desde a data do acidente e até, pelo menos, 26/07/2012 necessitou da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas na sua casa de habitação e para a acompanhar nas suas deslocações – ponto 1.67;

- Os cuidados de saúde, de alimentação e de higiene de que a A. necessitou desde a alta hospitalar, bem como a execução dos trabalhos domésticos desde a data do sinistro, foram assegurados essencialmente pelo seu marido, o A. EE, com a colaboração durante várias horas por dia, de uma vizinha – ponto 1.69;

- Em consequência, o A. sofreu angústia, dor e sofrimento e receou que a mulher ficasse totalmente incapacitada para todas as atividades do dia-a-dia – ponto 1.83.

        

        Daqui resulta que a dor, angústia e sofrimento do A. ocorreram perante a situação de enfermidade e convalescença da sua mulher, com receio de que ficasse de todo incapacitada para as atividades quotidianas, o que não veio a verificar-se, sendo portanto de carácter meramente temporário. Nem as sequelas consolidadas e os tratamentos futuros ainda previsíveis são de molde a justificar um particular e elevado grau de sofrimento por parte do A..

         Em suma, os demonstrados sofrimentos do A. pelas lesões sofridas por sua mulher em consequência do acidente em causa não traduzem um padrão de elevada gravidade e persistência que mereçam a tutela do direito a coberto do artigo 496.º, n.º 1, do CC, à luz do entendimento jurisprudencial firmado no AUJ n.º 6/2014.

         Termos em que improcedem, nesta parte, as razões do A..        

        

V - Decisão

        Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente as revistas dos A.A. e da R. e decide-se:

  a) – Julgar parcialmente procedente a pretensão do A. EE quanto à indemnização pedida a título de prestação de auxílio à A., condenando-se a R. a pagar àquele a quantia de € 13.000,00 (treze mil euros), acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde a citação; 

b) – Reduzir a indemnização devida à A. AA, a titulo de dano biológico patrimonial, para o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da sentença da 1.ª instância, em que fica a R. condenada;

c) – Alterar a indemnização devida à A. AA, a título de danos não patrimoniais, condenando-se a R. a pagar-lhe a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da sentença da 1.ª instância; 

d) – Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

        As custas da ação, na parte impugnada, e nos recursos ficam a cargo dos Recorrentes na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento pelos A.A. por virtude do apoio judiciário de que beneficiam.



Lisboa, 28 de março de 2019


Tomé Gomes (Relator)


Maria da Graça Trigo (com declaração de voto)*


Maria Rosa Tching



_______________________


Declaração de voto


Votei o acórdão, também quanto à decisão de não atribuição de indemnização por danos não patrimoniais reflexos ao Autor por, tanto a decisão como a fundamentação, se encontrarem em conformidade com a jurisprudência uniformizada deste Supremo Tribunal nessa matéria, jurisprudência que é de manter no caso dos autos, tendo designadamente em conta que o acidente ocorreu em 18/06/2011.
Reservo porém a faculdade de rever a minha posição quanto à amplitude da relevância dos danos não patrimoniais reflexos sofridos por familiares próximos de vítimas directas não mortais, quando estiver em causa sinistro ocorrido após a entrada em vigor do inovador regime do art. 493º-A, aditado ao Código Civil pela Lei nº 8/2017, de 3 de Março, cujo nº 3 prevê que seja atribuída indemnização por danos não patrimoniais ao proprietário do animal“[n]o caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção”. Conforme a doutrina mais recente vem assinalando, “a disciplina introduzida pelo n.º 3 do artigo 493.º-A suscita uma importante questão: a L n.º 8/2017 atribuiu direito a indemnização por dano não patrimonial ao proprietário de animal de companhia, não apenas no caso de morte do animal, mas também de privação de um seu importante órgão ou membro; todavia, não alterou o artigo 496.º, n.ºs 2 a 4, por forma a reconhecer expressamente o direito de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares de vítima imediata que sofra lesão grave, mas não mortal. Desta omissão resulta uma incoerência valorativa no sistema jurídico, a ser interpretado literalmente o artigo 496.º, nos seus n.ºs 2 a 4” (Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, anotação ao artigo 493º-A, pág. 332).

Maria da Graça Trigo


______
[1] A esse propósito, vide, por todos, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, pp. 679-681 e 704-705.
[2] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] A este propósito, veja-se Comentário ao Código Civil / Direito das Obrigações / Das obrigações em Geral, Faculdade de Direito, Universidade Católica Editora 2018, p. 345, com citação de doutrina e jurisprudência atinentes; de entre os acórdãos do STJ ali citados, vide, a título exemplificativo, o de 17/ 09/2009 proferido no processo n.º 292/1999-S1 e o de 02/03/2011 proferido no processo n.º 1639/03. 8TBBNV.L1, acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[4] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.