Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
026155
Nº Convencional: JSTJ00008494
Relator: TEIXEIRA DIREITO
Descritores: INJURIAS A AUTORIDADE PUBLICA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194703070261553
Data do Acordão: 03/07/1947
Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 24-03-1947; BOMJ ANO7,215; RLJ 79,395
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1947
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 16.
CP886 ARTIGO 18 ARTIGO 160 ARTIGO 168 ARTIGO 169 ARTIGO 181 PAR1 ARTIGO 379 ARTIGO 407 ARTIGO 410 ARTIGO 420 ARTIGO 453 ARTIGO 483.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1945/12/07 IN BOL OF N32 PAG528.
Sumário :
Constituem o crime do artigo 181 do Codigo Penal as injurias, por escrito, dirigidas as autoridades nele indicadas, por causa das suas funções e fora da sua presença.
Decisão Texto Integral: Acordam em pleno no Supremo Tribunal de Justiça:

Na comarca de Lamego deduziu o Ministerio Publico queixa contra o A, notario e advogado, acusando-o na minuta de agravo em que, com outros, e agravante, apresentada na secretaria judicial em 24 de Outubro de 1944, ter inserto expressões manifestamente ofensivas da honra e consideração do juiz, que destacou, incriminando-o no artigo 181 do Codigo Penal.
Injuriosas as expressões apontadas, considerou-as o juiz abrangidas pelo artigo 410, não recebendo a queixa e ordenando nova vista ao Ministerio Publico.
Recorreu o Ministerio Publico do despacho, nagando-lhe provimento a Relação, de cujo acordão interpos novo recurso para este tribunal, que manteve o que vinha decidido.


Invocando o acordão em contrario de 7 de Dezembro de 1945, no Boletim Oficial n. 32, ano V, pagina 528, foi admitido o recurso para tribunal pleno, a fim de se assentar se ao crime denunciado e aplicavel o artigo 181 ou o 410 do Codigo penal.


O que visto:


Expurgada no artigo 18 do Codigo Penal a interpretação por analogia, indução ou maioria de razão na qualificação dos elementos essencialmente constitutivos do crime, a limitação não repudia nem a do espirito do legislador ao decretar nem a do sentido etimologico e comum das palavras insertas no seu texto, ja por si, ja comparativamente com o seu uso noutras disposições, conforme o principio geral de interpretação fixado no artigo 16 do Codigo Civil.


Na controversia sobre a aplicabilidade do artigo 181 ou do 410 do Codigo Penal as ofensas dirigidas aos magistrados e demais entidades enunciadas no artigo 181 não se recusa que o legislador quis prevenir como segura garantia de respeito ao exercicio das suas funcões.


Daqui, pela simples aproximação das penalidades fixadas naqueles artigos, correspondendo a gravidade da pena a da infracção, impõe-se a aplicabilidade do artigo 181.


No artigo definem-se dois crimes: a) Ofensa directa por palavras, ameaças ou por factos ofensivos da consideração devida as entidades no artigo mencionadas na presença e no exercicio das suas funções, posto que a ofensa se não refira a estas; b) As mesmas ofensas fora das suas funções, mas por causa delas.


Entre os dois crimes definidos no artigo logo se destaca, quanto ao primeiro, que as ofensas, para serem incriminaveis, não necessitam correlação com as funções.


Caberão dentro do segundo as ofensas dirigidas ao juiz por escrito fora das suas funções, mas por causa delas? Dois argumentos a que atribuem relevo opõem os defensores da aplicabilidade do artigo 410 contra o artigo 181 - exigir este a necessidade da presença da autoridade ofendida e que as injurias sejam proferidas por "palavra" falada.


Ora o elemento qualificativo presença, pleonasticamente ligado por copulativa ao exercicio das funções, que o absorve, e pode encontrar razão na punição de ofensas que se não refiram a elas, não se renova no segundo crime qualificado no artigo 181, onde mais justificavelmente caberia, se o legislador pretendesse que as ofensas fora das funções, mas por causa delas e a estas restritas, tivessem lugar na presença.


Demais, a desnecessidade da presença para as injurias serem punidas fora do exercicio das funções flui dos artigos 160, 169 e 410 e o preceituado nos artigos
168 e paragrafo I do artigo 181, so alcança que, com o neles determinado, apenas se pretendeu vincar mais fortemente o crime de injurias contra as pessoas qualificadas, agravando a penalidade.


Limitar o sentido de "palavras" a fala e querer esquecer o significado comum etimologico.


Nas Noções de Estilistica do professor de liceu Dr. Fernandes Agudo, 3 edição, que noutros tempos se chamava Retorica e se ensinava no ultimo ano dos liceus na cadeira de Literatura, expos-se logo na introdução a pagina 5: Linguagem, pois, em geral, e o modo pelo qual nos manifestamos os nossos pensamentos e ideias.


...Deste modo temos de considerar como especies de linguagem: a palavra falada, a palavra escrita, os gestos, os gritos, a pintura, a caricatura e a escultura.
As palavras são sons ou combinação de sons articulados produzidos pelos orgãos vocais e destinados a exprimir os pensamentos.


A escrita e a fixação do pensamento por meio de sinais que o tornam inteligivel a vista e se destinam a reproduzir as ideias.


O mesmo significado atribui Morais no seu conhecido e aceite dicionario a expressão "palavra".


Mas que e, irrepudiavelmente, o proprio fixa-o o eminente Herculano no 1 tomo dos Opusculos, a pagina 9 da sua introdução a voz do profeta: "A liberdade da palavra falada e escrita tinha-se conquistado não so contra os defensores da censura e do absolutismo, mas tambem para eles".
Os argumentos especiosos deduzidos na redacção dada aos artigos 160, 169, 379, 407, 410, 420, paragrafo unico, e 453 do Codigo Penal, onde se leem ate no mesmo artigo expressões sinonimas "verbalmente e de viva voz", artigo 379, "discursos ou palavras" proferidas em "voz alta", forma nova de "viva voz" (artigo 483), varios deles referindo "gestos", "desenhos" de nenhuma forma conduzem a que "palavras" houvesse sido empregado no sentido unico "falada", so convencendo que dentro do seu sentido generico", na redacção dos artigos se usaram as modalidades que assumiu, sem perda da sua etimologia comum e aceite.


Quanto ao argumento buscado na redacção do paragrafo 1 do artigo 181, acentuou, e bem, o acordão de 7 de Dezembro de 1945, no Boletim Oficial n. 32, ano V, pagina 528, "que ai se trata de actos de um funcionario para com outros, o que e diverso dos casos previstos no corpo do artigo, do sentido lato, que e o mais consentaneo com as expressões nele empregadas. E notorio que a ofensa escrita e mais grave do que a feita de viva voz e absurdo seria, portanto, tratar com mais benevolencia o caso mais grave do que o menos grave, pressupondo a premeditação.
Em conformidade com o exposto, e dentro do que vem declarado das instancias em materia de facto, revogam o acordão recorrido, mandando baixar os autos para o juiz receber a queixa do Ministerio Publico como a deduziu e assentam nos termos do artigo 768 do Codigo de Processo Civil:


Constituem o crime do artigo 181 do Codigo Penal as injurias, por escrito, dirigidas as autoridades nele indicadas, por causa das suas funções e fora da sua presença.


Lisboa, 07 de Março de 1947

Teixeira Direito - Heitor Martins - Raul Duque - Rocha Ferreira - Tavares da Costa - Amaral Cabral - Azevedo e Castro - Oliveira Pires - Pedro de Albuquerque - Roberto Martins - Sampaio e Melo (vencido. As razões aduzidas contra a doutrina agora fixada no assento convenceram-me de que esta não e a melhor. Saliento, delas, o artigo 181, exige que a ofensa seja directa e por palavras e na presença. A ofensa tem de ser verbal: o Codigo Penal, em varios passos, logo no paragrafo 1 desse artigo, distingue a ofensa por palavras da ofensa por escrito e o Codigo Penal Frances de 1810, uma das fontes do nosso, igual distinção fazia; a omissão de referencia a ofensa por escrito, no corpo do artigo, significa que ele so incriminou a ofensa verbal. E esta deve considerar-se, em regra, mais grave do que aquela, pelo impulso que a informa, pelo desprestigio e abalo que causa, efeitos perniciosos e perduraveis. A ofensa tem de ser na presença, como ja o exigiam as nossas Ordenações (e poderia ser directa, não o sendo na presença?). O requisito de presença do arguido informa todo o artigo 181: deduz-se de varios textos legais apontados em numerosos acordãos e artigos doutrinais, e da proposta, sua discussão e destino, sobre os artigos 168 e 169 da N. R. P. de 1884, respeitantes a ofensa do Supremo Representante da Nação, ofensa em condições identicas as consignadas no artigo 181 citado, e que exigia sempre a sua presença (ver respectivo Diario das Sessões da Camara dos Srs. Deputados de 25 de Abril de 1884). O principio da estrita legalidade do direito penal consignado no artigo 18 do Codigo Penal rejeita a forçada, mas fixada, incriminação do artigo 181) - Magalhães Barros (vencido pelos fundamentos constantes do voto que antecede) - A.
Almeida Ribeiro (vencido pelas mesmas razões) - Cruz Alvura (vencido pelos mesmos fundamentos); tem voto de vencido o Excelentissimo Conselheiro Francisco Mendonça, que não assina por ter deixado de fazer parte do Tribunal, Teixeira Direito.