Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2127/07.9TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO NOVA
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - APLICAÇÃO DAS LEIS - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Legislação anotada, Petrony, 1983, p. 10 e ss..
- Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, p. 166.
- Garcia Pereira, “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI”, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, Coimbra, Março de 2004, p. 55 e ss..
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, pp. 81 e ss. e 140 e ss..
- Luís Brito Correia, Direito do Trabalho, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, pp. 88 e seguintes.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, pp. 137 e seguintes e 150 a 152.
- Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais, Volume II, Almedina, Julho de 2006, pp. 15 e ss. e 40 e ss.; “De la servidumbre al contrato de trabajo”, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, Coimbra, Março de 2004.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 342.º, N.º1, 1143.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 516.º, 662.º, N.º 4, 674.º, N.º3.
LCT: - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10-12-2009, P. 1168/07.0TTLSB.SB.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 27-01-2010, P. 2127/04.0TBGDM.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 03-07-2014, PROC. N.º 2125/07.2TTLSB.L1.S1.
Sumário :
I - Destinando-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de questão relacionada com a existência de um horário de trabalho, que a A. alega estar provada por documentos com força probatória plena e por confissão da R., porquanto a mesma não questionou tal matéria nas conclusões das alegações do recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1.ª instância, pelo que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre isso, nem tinha que se pronunciar.

II - Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

III - Não obstante estar demonstrado que a A. gozava um período de férias por ano e que em regra exercia as suas tarefas nas instalações da R., com equipamento e meios por esta fornecidos, não é de afirmar a existência de um contrato de trabalho quando ficou também demonstrado, nomeadamente, que: as partes acordaram que entre si vigoraria um contrato de prestação de serviços, o que a A. aceitou sem levantar qualquer objeção; a A. recebia mensalmente um valor variável em função das horas prestadas, emitindo recibos verdes com referência aos montantes auferidos; recebeu participação de lucros no ano de 2001; não auferia subsídios de férias e de Natal; encontrava-se inscrita nas Finanças como profissional liberal desde Setembro de 2008, sendo tributada em IVA; não estava sujeita a controlo de assiduidade; entre as partes não foi estipulada “exclusividade de funções”.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.


1. AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum laboral, contra BB, CC – ARQUITETOS E ASSOCIADOS, LDA., ambas com os sinais nos autos, pedindo, em síntese: i) que seja declarado que a A. foi submetida a despedimento ilícito; ii) a condenação da R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, vindo a optar pela indemnização substitutiva, no respetivo pagamento; iii) a condenação da R. no pagamento dos salários intercalares ou de tramitação, diferenças salariais em dívida, o que se vier a liquidar a título de trabalho suplementar e noturno e indemnização por danos morais sofridos, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Alegou, essencialmente, que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, tendo a ré procedido ao seu despedimento sem justa causa.

2. Na contestação, a R. alega, em suma, que nunca houve qualquer relação laboral entre as partes, mas um contrato de prestação de serviço. Excecionando, para além do mais, que a A. agiu com abuso do direito, porquanto - dotada de conhecimentos que lhe permitiam destrinçar os dois tipos de contrato - sempre soube que foi contratada como prestadora de serviços, pugna pela improcedência da ação.


3. A ação foi julgada improcedente na 1.ª Instância.

4. Interposto recurso de apelação pela A., foi o mesmo julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

5. Do assim decidido, interpôs a A. a presente revista.

6. A R. contra-alegou, pugnando pela sua improcedência.

7. O Ex.m.º Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu a A., reiterando as posições sustentadas na alegação de recurso.

8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes:[2]

a) Se pelo STJ deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como provada a existência de um horário de trabalho fixado à A. pela R.

b) Se o contrato celebrado entre as partes é um contrato de trabalho.


c) Na afirmativa, aferir se a cessação do vínculo contratual consubstancia um despedimento ilícito e apurar as suas consequências jurídicas.

9. À presente revista é aplicável o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (com exceção do regime da dupla conforme), nos termos do art. 7.º, n.º 1, deste diploma.[3]

E decidindo.

II.


10. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

1. A Autora é e exerce a profissão de arquiteta.

2. Em 02/12/1997, a sociedade antecessora da Ré admitiu a Autora para o exercício das funções de arquiteta, na atividade de participação na conceção e na elaboração de projetos de arquitetura e de arquitetura de interiores.

3. Nessa data, foi-lhe transmitido pela Ré que o contrato que vigoraria entre ambas seria de prestação de serviços, em regime de avença e a “recibos verdes”, e não um contrato de trabalho – o que a Autora aceitou sem levantar qualquer objeção.

4. Mais acordaram que:

a) As funções da Autora seriam essencialmente prestadas na sede e atelier da Ré e no seguinte horário de trabalho: de segunda a sexta-feira, das 10:00 às 13:00 e das 15:00 às 19:00 horas, e que b) a Autora receberia 220.000$00 (€1.097,36) mensais, a rever periodicamente.

*

5. No exercício das suas funções, à Autora cabia executar os seguintes trabalhos:

a) Participar, também quando solicitado ou incumbido pelos gerentes, na análise e avaliação do local, auscultação do cliente e fornecimento de indicações relativamente ao estilo e a outros aspetos das construções em causa;

b) Participar na conceção dos edifícios, elaboração dos desenhos e/ou planos com o pormenor adequado e empreender os contactos necessários para se certificar de que os projetos ou planos eram viáveis quanto ao estilo, custos, calendário de trabalho e relativamente a regulamentos em vigor e soluções técnicas;

c) Equacionar os problemas colocados pela função e pela qualidade dos arranjos interiores e exteriores dos edifícios, encontrar para eles as soluções mais adequadas e executar os esboços, desenhos e/ou planos necessários e eventuais regulamentos;

d) Participar na orientação da construção e assegurar-se da sua conformidade com o projeto ou plano;

e) Consultar outros especialistas em matérias específicas;

f) Executar outras tarefas similares.

6. Sem qualquer intervenção da Autora, os gerentes da Ré contratavam diretamente com os clientes os projetos e outros trabalhos pretendidos e a fornecer, as condições de preços e prazos.

7. Os gerentes da Ré informavam a Autora dos trabalhos a realizar e dos respetivos prazos.

8. Consoante o tipo de trabalho e a liberdade de criação deixada pelo cliente, a Autora poderia receber orientações dos gerentes mais ou menos pormenorizadas, podendo encontrar-se mais ou menos pré-definida a estética dos edifícios ou obras; porém, essa conceção estética ficava geralmente entregue à liberdade de criação da Autora.

9. As criações da Autora estavam sujeitas à aprovação e a eventuais alterações por parte dos gerentes da Ré, que os assinavam como autores.

*

10. A Autora exercia as suas funções nas instalações da Ré ou, sendo caso disso, nos locais das obras.

11. Por vezes a Autora prestava o seu trabalho em casa - doc. de fls. 395.

*

12. Por iniciativa e a pedido da Autora, a Ré deixou de pagar à Autora uma avença mensal, que antes era paga em quantia certa durante 12 meses no ano, passando a pagar-lhe, a partir de 01/11/2004, e no final de cada mês, as horas efetivamente trabalhadas ao longo de 11 meses no ano.

13. A Ré disse à Autora que com essa forma de pagamento iria ficar prejudicada, mas a Autora persistiu.

14. A partir daquela data, a Autora não mais recebeu qualquer remuneração nos fins-de-‑semana, feriados ou férias a não ser que neles prestasse serviço e, se assim fosse, apenas recebia pelo valor base da hora, sem qualquer acréscimo.

*

15. A Ré reduziu a remuneração da Autora e de todos os demais colaboradores (com exceção de uma, por razões de especial dificuldade financeira):

a) Em 30% - entre 01/Janeiro e 30/Junho/2004;

b) Em 15% - em Julho/2004.

16. Antes, a Ré reuniu com todos os colaboradores onde expôs que a redução acentuada na procura de serviços impunha a cessação de alguns contratos e propôs que, para o evitar, e em alternativa, se reduzissem as remunerações de todos naquela percentagem durante um período que se previa na ordem dos 2 a 3 meses.

17. Todos, sem exceção, deram o seu acordo à redução com vista a evitar tais cessações, e que a redução não incidisse sobre a remuneração da referida colega.

18. Foram propostas na reunião a redução proporcional de horário e a reposição dos valores que iriam ser descontados; a primeira foi liminarmente rejeitada e a segunda ficou em aberto, não tendo havido decisão nesse sentido.

*

19. A remuneração recebida pela Autora ao longo da execução do contrato foi a seguinte (docs. fls. 216-322):

ANO/MÊSREMUNERAÇÃORETENÇÃOIVATOTAL RECEBIDO
1997220.000$00--220.000$00
1998
Janeiro220.000$00--220.000$00
Fevereiro220.000$00--220.000$00
Março220.000$00--220.000$00
Abril220.000$00--220.000$00
Maio220.000$00--220.000$00
Junho220.000$00--220.000$00
Julho220.000$00--220.000$00
Agosto220.000$00--220.000$00
Setembro220.000$0088.000$0074.800$00206.800$00
Outubro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Novembro 220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Dezembro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
1999
Janeiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Fevereiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Março220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Abril220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Maio220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Junho220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Julho220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Agosto220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Setembro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Outubro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Novembro 220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Dezembro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
2000
Janeiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Fevereiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Março220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Abril220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Maio220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Junho220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Julho220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Agosto220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Setembro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Outubro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Novembro 220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Dezembro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
2001
Janeiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Fevereiro220.000$0044.000$0034.400$00213.400$00
Março240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Abril240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Maio240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Junho240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Julho240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Agosto240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Setembro240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Outubro240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Novembro 240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
Dezembro240.000$0048.000$0040.800$00232.800$00
2002
Janeiro€ 1.197,11€ 239,42€ 203,51€ 1.161,20
Fevereiro€ 1.197,11€ 239,42€ 203,51€ 1.161,20
Março€ 1.197,12€ 239,42€ 203,51€ 1.161,21
Abril€ 1.197,12€ 239,42€ 203,51€ 1.161,21
Maio€ 1.197,12€ 239,42€ 203,51€ 1.161,21
Junho€ 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Julho€ 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Agosto€ 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Setembro€ 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Outubro€ 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Novembro € 1.197,12€ 239,42€ 227,45€ 1.185,15
Dezembro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
2003
Janeiro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Fevereiro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Março€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Abril€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Maio€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Junho€ 1.080,73€ 216,15€ 205,34€ 1.069,92
Julho€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Agosto€ 1.205,43€ 241,07€ 229,03€ 1.193,39
Setembro€ 1.205,43€ 241,07€ 229,03€ 1.193,39
Outubro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Novembro € 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Dezembro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
2004
Janeiro€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Fevereiro€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Março€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Abril€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Maio€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Junho€ 872,90€ 174,58€ 165,85€ 864,17
Julho€ 1.089,95€ 211,99€201,39€ 1.049,35
Agosto€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Setembro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Outubro€ 1.247,00€ 249,40€ 236,93€ 1.234,53
Novembro € 977,64€ 174,58€ 195,53€ 967,86
Dezembro€ 1.396,63€ 279,33€ 265,36€ 1.382,66
2005
Janeiro€ 1.380,15€ 276,03€ 262,23€ 1.366,36
Fevereiro€ 1.330,00€ 266,00€ 252,70€ 1.316,70
Março€ 1.400,00€ 280,00€ 266,00€ 1.386,00
Abril€.1.150,00€ 230,00€ 218,50€ 1.138,50
Maio€ 1.305,00€ 261,00€ 247,95€ 1.291,95
Junho€ 1.260,00€ 252,00€239,40€ 1.247,40
Julho€ 1.598,00€ 319,60€ 335,58€ 1.613,98
Agosto€ 980,00€ 196,00€ 205,80€ 989,80
Setembro€ 1.050,00€ 210,00€ 220,50€ 1.060,50
Outubro€ 1.450,00€ 304,50€ 290,00€ 1.464,50
Novembro € 1.640,00€ 328,00€ 344,40€ 1.656,40
Dezembro€ 1.170,00€ 234,00€ 245,70€ 1.181,70
2006
Janeiro€ 1.120,00€ 224,00€ 235,20€ 1.131,20
Fevereiro€ 1.500,00€ 300,00€ 315,00€ 1.515,00
Março€ 1.260,00€ 252,00€ 264,60€ 1.272,60
Abril€ 1.180,00€ 236,00€ 247,80€ 1.191,80
Maio€ 1.200,00€ 240,00€ 252,00€ 1.212,00
Junho€ 1.360,00€ 272,00€ 285,60€ 1.373,60
Julho€ 1.460,00€ 292,00€ 306,60€ 1.474,60
Agosto€ 1.045,00€ 209,00€ 219,45€ 1.055,45
Setembro€ 850,00€ 170,00€ 178,50€ 858,50

*

20. No ano de 2001, atendendo aos bons resultados, a Ré decidiu distribuir parte dos seus lucros pelos seus colaboradores, aí se incluindo a Autora.

*

21. A Autora não suportava qualquer custo relativo ao funcionamento do atelier – quer referente às instalações quer aos utensílios que ali utilizava no desenvolvimento do seu trabalho, designadamente documentos, publicações, ferramentas, equipamentos técnicos, máquinas, matérias-‑primas e consumíveis, os quais eram facultados pela Ré a suas exclusivas expensas.

22. No atelier trabalhavam outros arquitetos, pessoal administrativo e auxiliar, num total de 15 pessoas, sendo que, para além dos dois gerentes, duas secretárias e a responsável pelo atelier, todos os demais se encontravam no mesmo regime de prestação de serviços.

*

23. O atelier encerrava na segunda quinzena de Agosto.

24. As férias coincidiriam com aquele período e, relativamente ao remanescente, a Autora e os demais arquitetos apunham as datas que pretendiam gozar num mapa em poder da secretária da gerência, datas essas que apenas ficariam certas após a sua aceitação pela Ré.

25. A Ré nunca pagou qualquer montante à Autora a título de subsídios de férias nem de Natal.

*

26. A Ré nunca realizou para a Segurança Social qualquer retenção sobre as remunerações da Autora nem para ali descontou qualquer contribuição.

*

27. Desde a sua admissão, a Autora prestou para a Ré o número de horas aposto nos documentos de fls. 324 a 667.

*

28. No dia 12/09/2006, a Ré comunicou verbalmente à Autora que a partir de 31 de Outubro seguinte estava dispensada.

29. Por carta datada de 29/09/2006, dirigida à Ré e por esta recebida, a Autora comunicou, além do mais, que «o referido contrato é um contrato de trabalho pelo que a pretendida cessação constitui um despedimento sem justa causa, ilícito e nulo (...). Porque não aceito tal despedimento, incumbi um advogado de proceder à instauração da respetiva ação judicial de impugnação e, bem assim, de cobrança dos créditos de que sou titular (...)» – doc. de fls. 61 e 62.

30. Por carta datada de 02/10/2006, a Ré respondeu além do mais que “vem V. Exa. invocar a existência de um contrato de trabalho com este Gabinete quando o que foi convencionado entre as partes foi um contrato de prestação de serviços em regime de avença mensal./ De resto, nunca antes foi, sequer, suscitada por V. Exa. qualquer dúvida a este respeito, muito menos as reclamações ora apresentadas com fundamento numa relação laboral. (...) Na reunião mantida no passado dia 12 de Setembro (...) foi-lhe fito que a prestação de serviços terminaria no dia 31 de Outubro de 2006. Pese embora este facto, V. Exa. deixou de comparecer nas instalações deste Gabinete desde o início do mês de Outubro, mesmo sabendo que tinha sob sua responsabilidade projetos cuja conclusão deveria ocorrer até ao final deste mês (...)” – doc. de fls. 63 e 64.

*

31. A Autora dependia da remuneração que recebia da Ré para, juntamente com o salário auferido por seu marido, fazer face às suas necessidades e de sua família.

32. A decisão da Ré originou na Autora indignação, revolta e angústia.

33. Apossou-se dela tristeza, desgosto e receio do futuro.

*

34. Até Setembro de 2006, a Autora nunca questionou a natureza do contrato como de prestação de serviços.

35. Até Setembro de 2006, a Autora nunca protestou ou reclamou perante a Ré quaisquer créditos que não lhe tivessem sido pagos.

III.


a) Se pelo STJ deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como provada a existência de um horário de trabalho fixado à A. pela R.

11. Ao STJ está à partida vedado alterar o decidido pelo Tribunal da Relação no plano dos factos (cfr. art. 662.º, n.º 4, do NCPC).

Com efeito, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º, nº 3, do mesmo diploma).

Sustenta a A. que a existência de um horário de trabalho está provada por documentos com força probatória plena e por confissão da R., “circunstância que nem a sentença, nem o acórdão ora impugnado atenderam”.

Acontece que a A. não questionou esta matéria nas conclusões[4] das alegações do recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1ª Instância (a então apelante apenas peticionou, na conclusão 1.ª, que se considerassem provados os factos alegados nos arts. 2º, 5º e 6º da petição inicial[5]), matéria sobre a qual, consequentemente, o acórdão recorrido não se pronunciou (ao apreciar a impugnação da matéria de facto, nenhuma referência nele se faz à questão do horário de trabalho da A.), nem tinha que pronunciar (sendo certo que nenhum vício/nulidade foi, a este propósito, assacado à decisão recorrida).

Deste modo, destinando-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, é manifesto que esta questão (nova) não poderá agora ser conhecida por parte deste Supremo.[6]

b)  Se o contrato celebrado entre as partes é um contrato de trabalho.

12. Neste âmbito, cabal e exemplarmente, o acórdão recorrido desenvolveu a seguinte argumentação:

“(...)

E - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

A Autora iniciou a sua relação jurídico-profissional com a Ré em Dezembro de 1997 e viu a mesma findar em Setembro de 2006[-], suscitando-se a dúvida relativamente ao regime jurídico aplicável para efeitos, designadamente, da qualificação jurídica da mencionada relação, perante a inexistência de qualquer presunção de laboralidade no quadro da LCT e legislação complementar, o que já não acontece no quadro do Código do Trabalho de 2003, face ao teor do seu art.º 12.º, em ambas as suas versões (tal disposição sofreu alterações na sua redação, por força da Lei n.º 9/2006, de 20 de Março).

(...)

Ora (...) impõe-se questionarmo-nos acerca dos reflexos que o Ponto 12. e 14. (alteração da forma de pagamento dos trabalhos realizados pela Autora e dos períodos de tempo que estavam cobertos pela avença mensal, mesmo quando a Apelante não desenvolvesse serviço efetivo, o que deixou de acontecer com a compensação à hora, pela qual a mesma optou, apesar de, no entendimento e aviso da recorrida, lhe ser menos favorável) poderá ter nessa matéria, ou seja, se justificará que a partir de 01/11/2004, o contrato então alterado, por consenso das partes, ficará sujeito ao regime do Código do Trabalho de 2003.

Se conjugarmos tais Pontos de Facto com a restante factualidade dada como assente - designadamente, com aquela que ressalta dos Pontos 2. a 11., 19., 20., 22. a 25., 26. e 27. -, constatamos que, fora o aspeto indicado no transcrito Ponto 14. - e que seria compensado pela perspetiva de obtenção de um maior rendimento mensal, por força das horas trabalhadas e do valor mais elevado que, nesse regime por cada hora prestada, seria eventualmente pago -, não se verificaram alterações de fundo, estruturais, essenciais, fraturantes, na maneira como a Autora continuou a desenvolver a sua atividade no e para o “atelier” da Ré, que imponham a aplicação do novo regime de cariz laboral a partir da aludida data.

Sendo assim, será com base na LCT e legislação complementar, que iremos analisar, de forma unitária e global, a natureza jurídica do contrato de cariz profissional que as partes firmaram entre si.                                

          

H - SENTENÇA RECORRIDA

A sentença impugnada, quanto ao primeiro ponto aqui em análise e no sentido da negação  da natureza laboral à relação jurídico profissional dos autos, desenvolveu a seguinte argumentação de facto e de direito:


«Descemos então ao caso dos autos.

No caso em apreço, não temos um documento que plasme as declarações e evidencie as vontades das partes, encontrando-se porém demonstrado que esse contrato verbal foi por ambas apelidado de “prestação de serviços, em regime de avença e a recibos verdes”. No plano da execução, vemos também que: a Autora recebia o valor acordado durante 12 meses no ano, sem subsídios de férias nem Natal, contra a entrega dos ditos recibos verdes/a própria solicitação da Autora, a quantia certa que antes recebia foi substituída por um pagamento por hora trabalhada, ao longo de 11 meses /nada indica que tenham existido descontos no valor acordado na sequência de qualquer falta dada pela Autora/a Segurança Social estava a cargo da Autora, nunca tendo a Ré realizado qualquer retenção ou contribuição nessa área/ invocado pela Autora nos arts. 2.º, 7.º e 22.º da petição, não conseguiu a mesma demonstrar que vivia exclusivamente do rendimento do seu trabalho, que tivesse que justificar qualquer atraso relativamente ao horário que lhe havia sido transmitido aquando da contratação ou, sequer, que beneficiasse de um seguro de acidentes de trabalho com prémios pagos pela Ré / inexiste qualquer elemento que aponte que, ao longo dos cerca de 9 anos em que trabalhou para a Ré, esta tivesse exercido sobre a Autora qualquer manifestação de poder disciplinar, designadamente por meio de repreensão / a maior ou menor liberdade criativa da Autora dependia do tipo de trabalho e da margem concedida pelo cliente, sendo certo que a Autora assumia na maior parte das vezes o encargo da concepção estética/ poderia trabalhar, embora essa não fosse a regra, em casa.
Donde, o quadro traçado aponta claramente para a existência de um contrato de prestação de serviços – quadro esse que as partes aceitaram reciprocamente ao longo de cerca de 9 anos, concretamente a Autora que nunca questionou a natureza do contrato nem nunca reclamou serem-lhe devidos quaisquer valores na qualidade de trabalhadora subordinada da Ré.
É certo que, por outra banda, existem também elementos indiciadores de um contrato de trabalho: a Ré transmitiu à Autora que as funções que iria desenvolver seriam essencialmente prestadas no atelier, de segunda a sexta-feira das 10:00 às 13:00 e das 15:00 às 19:00 / a contrapartida financeira era inicialmente fixa por mês e depois por hora trabalhada / os materiais usados eram fornecidos pela Autora / os períodos de férias dependiam da aceitação da Ré / os gerentes decidiam diretamente com os clientes, incluindo prazos, transmitindo à Autora as linhas pré-definidas mais ou menos pormenorizadas dependendo do trabalho e do cliente / as suas criações estavam sujeitas à aprovação e a eventuais alterações por parte dos gerentes da Ré, que as assinavam como autores / embora não dependendo em exclusivo do valor que recebia da Ré, esse valor era determinante para, juntamente com o salário do marido, fazer face às necessidades do agregado.
Contudo, visto o referido quadro geral em que tais elementos se inserem, afigura-se-nos que os mesmos se revelam insuficientes para demonstrar a existência de um qualquer contrato de trabalho. Na verdade, havendo que enquadrar a situação no seu contexto próprio, vemos que a Ré desenvolvia a sua atividade social por intermédio de um atelier onde trabalhavam vários arquitetos, resultando da normalidade das coisas que o próprio atelier fornecesse os materiais que haveriam de ser usados na execução dos projetos – não num assumir de subordinação do arquiteto mas porque os trabalhos eram, de facto e de direito, pertença e negócio da Ré.
Daí que entendamos que a indicação feita para centralizar o serviço no atelier em determinado período do dia, e bem ainda o de as férias carecerem de aprovação mais não são que uma manifestação do normal funcionamento de um atelier onde várias pessoas prestam simultaneamente funções e onde existe ou pode existir a necessidade de articular atividades multidisciplinares, para além de os responsáveis da Ré quererem legitimamente acompanhar a evolução dos projetos, assim garantindo que as eventuais correções a contento do cliente haveriam de ser feitas em tempo oportuno nos prazos convencionados.
Nada disto, a nosso ver, retira qualquer autonomia à Autora – a qual, conforme ficou demonstrado, gozava não raras vezes de liberdade criativa para a concepção estética.
Donde, recaindo sobre a Autora o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito (art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil), ou seja, aqueles que, com segurança, permitissem concluir pela existência de um contrato de trabalho, resta afirmar que esse objetivo não foi alcançado e, como tal, concluir pela não demonstração da existência de tal contrato.»    

I – CONTRATO DE TRABALHO OU DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS? 

Tendo em linha de conta que, como já acima frisámos, a relação jurídica dos autos teve início em 02 de Dezembro de 1997, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1143.º do Código Civil e 1.º da LCT:  

Tais dispositivos legais (com redação idêntica) rezam o seguinte:  

Artigo 1152.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Artigo 1.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, páginas 15 e seguintes e Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes.  

        

Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, como ressalta, nomeadamente, dos autores e Arestos dos nossos tribunais superiores adiante indicados.

No âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:

- Dr. Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:
“(...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.
E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...
Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.
Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)
3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.
Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)
A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...
Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.

- Dr. Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, página 166:
A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”.

- Dr. Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes:
A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.
Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:
1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);
2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);
3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);
4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;
5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);
6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);
7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).”[-]

Já no quadro do Código do Trabalho de 2003, sustenta o Dr. Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, o seguinte:
«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)
Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)
A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)           
Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?
Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)
Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)
A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)
Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.
Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico. 
É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.
II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.

Por seu turno, a Professora Palma Ramalho, na obra e local citados, especificamente, páginas 29, 31, 32 e 34 a 36, sustenta o seguinte:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)
Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)              
iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)
Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:
i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)
ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)
iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)
iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)
v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)
vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)
vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)
viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…) 
ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)
(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)
(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)
(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho(…)».[-]

O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º, uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, nas suas duas versões, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 40 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150 a 152).         

(...)

Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da primeira e crucial questão suscitada nesta Apelação pelo Autor e atendendo aos factos dados como provados, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre o Apelante e a Ré ressaltam dos mesmos ou, ao invés, de uma relação diversa de prestação de serviços?

Importa recordar que nos achamos face a um acordo verbal entre as partes no sentido da celebração de um «contrato de prestação de serviços» (Pontos 1, 2 e 3).  

No sentido de que estaríamos face a uma relação juridicamente subordinada estão os seguintes factos:

- Integração mínima da Autora na estrutura administrativa e organizativa da Ré, com a criação tendencial de um “posto de trabalho” para a mesma (Pontos 4, 5, 6,7,8,9,10, 12, 21, 22 e 23) [-];

- O desempenho da Atividade de arquiteta era essencialmente efetuado nas instalações da Ré (Pontos 4 e 10);

- Tal atividade era realizada com os equipamentos, mobiliário, materiais, documentos e publicações existentes no “atelier” e pertencentes à Ré (Ponto 21);

- Estabelecimento, numa primeira fase, de uma contrapartida pecuniária certa mensal por tais funções e, a partir de 1/11/2004, por opção da Autora, uma contrapartida pecuniária variável mensal, em função das concretas horas executadas, que se radicou certamente na redução do valor pago a título de avença que se operou entretanto (Pontos 4, 12 e 14 a 19) [-];

- A Autora, por força das funções prestadas à Ré e da contrapartida recebida, encontrava-se numa situação (relativa) de dependência económica (Ponto 31) [-];

- Prestação de tais serviços dentro de um horário de trabalho [a expressão utilizada no Ponto 4 - “horário de trabalho” - possui uma dupla conotação - fáctica e jurídica - que permite a sua inserção nos factos dados como assentes, muito embora fosse preferível evitar a utilização de tal menção, num litígio como o dos autos] previamente fixado, muito embora as horas prestadas pudessem ultrapassar tal moldura temporal, sendo certo que a partir de 1/11/2004, a Autora passou a ser paga à hora, havendo um preenchimento diário de folhas com o número de horas prestado pela Autora, que servia também para controlar o serviço dedicado a cada cliente (Pontos 4, 27 e 13) [-];

- Gozo de férias, obrigatoriamente durante 15 dias do mês de Agosto e depois por acerto com a Ré, que procurava conciliar, dessa forma, os interesses pessoais dos arquitetos com os interesses económicos do “atelier”, recebendo também o valor da avença nesse período ou períodos de férias (mas somente enquanto tal montante era fixo) – Pontos 14, 19, 23 e 24[-]; 

- Realização de tais funções ao longo de cerca de 9 anos (Pontos 2, 6, 15 e 21) [-].

No sentido de uma relação jurídica de carácter liberal, teremos os seguintes factos:

- Tipo de contrato firmado entre as partes (“prestação de serviços”), com afastamento expresso da figura do “contrato de trabalho”, nunca tendo a Autora contestado alguma vez o tipo contratual que ao longo dos 8 anos e 10 meses manteve com a Ré (Pontos 3, 34 e 35) [-];

- Integração num «atelier» onde todos os arquitetos estavam ligados à Ré pelo mesmo tipo de vínculo jurídico-profissional (Ponto 22); 

- Desenvolvimento dos trabalhos com (relativa) autonomia técnica (Ponto 8);

- Desempenho de funções na sua residência (Ponto 11) [-];

- Realização dos serviços que, no quadro da atividade económica da Ré, lhe eram conferidos pelos sócios-gerentes da mesma (pontos 5 a 9);

- Recebimento de informações e orientações mais ou menos pormenorizadas, bem como sujeição à apreciação, alteração e aprovação final dos arquitetos que eram sócios-gerentes da Ré no que respeitava às criações da Autora, pois eram eles que surgiam como autores e responsáveis pelos projetos (Ponto 5 a 9);

- A Autora encontrava-se inscrita nas Finanças como profissional liberal desde, pelo menos, Setembro de 2008 (Ponto 19 e Recibos juntos aos autos) [-];  

- A Ré não emitia recibos relativamente às quantias entregues à Autora, sendo esta que emitia recibos verdes com referência aos montantes auferidos (Pontos 3, 19 e Documentos respetivos juntos aos autos);

- A Autora era tributada em IVA (Ponto 19 e recibos juntos aos autos);

- A Autora recebeu participação de lucros no ano de 2001 (Ponto 20) [-];

- A Ré não entregou à Autora quantias pecuniárias destinadas a pagar subsídio de férias e subsídio de Natal, quer durante o período em que durou a relação profissional, quer no termo da mesma (Ponto) [-];

- A Ré não efetuava quaisquer descontos para a Segurança Social (Pontos 19, 26 e Recibos juntos aos autos) [-];

- Não definição de exclusividade de funções (Ponto 2,3 e 4).

Importa também realçar que a Autora não logrou provar, como lhe competia, de acordo com as regras do ónus da prova os seguintes factos:

- Que a Autora tivesse de justificar os seus atrasos para além das 10:00 ou das 15:00 horas.

- A Autora estava segura contra acidentes de trabalho contratado e com prémios pagos pela Ré.    

Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade.

Bastará olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do setor terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”).

No caso dos autos, tal caracterização revela-se impossível de fazer, por escassez de elementos que, de uma forma suficientemente segura e objetiva, nos insinuem, para além da dúvida insanável, a existência de uma relação pautada, ainda que potencialmente, por uma situação de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pela Autora durante os perto de nove anos da sua prestação funcional.

Se bem que nos encontremos face a uma atividade de natureza intelectual, desenvolvida essencialmente nas instalações da entidade beneficiária de tal atividade e com equipamentos e matérias a ela pertencentes - muito embora a Autora trabalhasse igualmente em casa, certamente com equipamento seu, e nas obras dos clientes -, sujeita a um enquadramento mais ou menos apertado do produto final da mesma, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal certa e, mais tarde, variável, que visa pagar os trabalhos executados e dentro de um determinado quadro temporal (horário de trabalho), havendo ainda gozo de férias remuneradas (em singelo), certo é que tal cenário, só por si, não é incompatível, com uma relação firmada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

Dir-se-á mesmo que os aspetos ou indícios da natureza laboral que não foram demonstrados pela Apelantes (controle de assiduidade e seguro de acidentes de trabalho) ou os de índole liberal de tal vínculo que deixámos enunciados contrariam os elementos antes enumerados como potenciadores da provável existência de um contrato de trabalho e colocam em crise e em dúvida a celebração deste último ou, pelo menos, a sua posterior transformação num vínculo desse género, muito embora não se ignore que alguns deles são meramente formais e, em muitos casos, rebatíveis e reversíveis (inscrição nas Finanças, recibos verdes, não recebimento de subsídios, não descontos pela Ré para a Segurança Social).

A otimização e concentração da atividade da recorrida naquele espaço, a sua dimensão, o número de trabalhos anual e simultaneamente realizados, a forma como o seu “atelier” está estruturado e organizado e a responsabilidade última e externa dos seus sócios-gerentes (também arquitetos) pelo produto final vendido aos seus clientes (projetos de arquitetura e/ou sua concretização em obra), pode explicar, ainda que num registo de prestação de serviços, o facto das funções da Autora se desenvolverem, fundamentalmente, nas instalações daquela, com equipamento e materiais da mesma, dentro do horário de trabalho acordado e com o preenchimento das mencionadas “folhas de ponto/obra”.     

A circunstância de a Apelante desenvolver as suas funções de forma criativa e tendencialmente autónoma e independente – «…porém, essa concepção estética ficava geralmente entregue à liberdade de criação da Autora» (Ponto 8) –, não recebendo propriamente ordens da Ré ou sendo por ela controlada ou fiscalizada, nas diversas facetas da sua prestação profissional, mas antes ficando os trabalhos que lhe eram atribuídos dependentes das informações, orientações e aprovação final por parte dos sócios-gerentes da recorrida, compreendendo-se essa intervenção técnica por parte dos mesmos, dado que não só as entidades para quem os referidos trabalhos eram concretizados eram clientes da empresa e não da Autora ou dos seus colegas em idêntica situação como, sendo os referidos legais representantes da Apelada também arquitetos, eram eles quem davam a cara, assinando e responsabilizando-se perante o cliente, entidades públicas e terceiros, por tais projetos.

Também não nos impressiona o facto de a Autora receber o montante da avença durante 12 meses – logo, durante os seus períodos de férias ao longo de cada ano, sendo obrigatório o gozo de parte das mesmas na segunda quinzena do mês de Agosto e a restante nos demais meses, de forma repartida ou não, desde que compatível com a atividade e funcionamento da Ré -, pois não só é habitual no contrato de avença como, nas circunstâncias em que a Apelada desenvolve a sua atividade, é necessário que a Autora mantenha um permanente vínculo jurídico dessa natureza (avença), sem interrupções e ao longo de todo o ano, em termos internos como externos.         

O que se deixou exposto levanta-nos sérias e plausíveis dúvidas quanto à caracterização da relação profissional estabelecida entre as partes como sendo de trabalho, pois o cenário descrito, atentas as particularidades assinaladas, é também conciliável com o contrato de prestação de serviços.

Competia à Autora demonstrar a verificação dos diversos elementos que, no seu conjunto e devidamente conjugados, impusessem uma diversa conclusão - a saber, a existência, ainda que potencial ou tendencial, de subordinação jurídica no âmbito do vínculo estabelecido com a Ré -, tendo criado, no mínimo, a dúvida insanável quanto à sua realidade, dúvida essa que tem de ser resolvida contra ela, por ser o mesmo o beneficiário de tal prova (artigo 342.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil).                       

Logo, pelos fundamentos expostos, esta outra vertente do recurso de Apelação da Autora tem (...) de ser julgada improcedente, confirmando-se (...) a sentença impugnada.“




13. Essencialmente, subscrevemos os termos em que esta questão foi refletida e argumentada na 2ª instância, bem como o sentido decisório atingido.


Aliás, num processo também movido contra a ora R. por um colega da A., no qual estavam em causa factos com evidentes semelhanças com os que constituem o objeto dos presentes autos, a questão em apreço foi muito recentemente discutida e decidida no mesmo sentido por este Supremo Tribunal - acórdão de 03.07.2014 (Proc. n.º 2125/07.2TTLSB.L1.S1/Leones Dantas), no qual o ora relator interveio como adjunto -, sendo certo que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8.º, n.º 3, C. Civil).

Nada de útil havendo a acrescentar, improcede, pois, a revista (ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso que pressupunham a existência de uma relação de trabalho subordinado).

IV.


14. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela A.

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 9 de Julho de 2014

Mário Belo Morgado (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

_____________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas à versão mencionada no ponto n.º 9 do presente acórdão.

[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.

[3] A presente ação foi instaurada em 29 de Maio de 2007. Por seu turno, o Acórdão recorrido data de 18 de Dezembro de 2013.
[4] Cfr. fls. 1291 – 1299 dos autos.
[5] Artigos com o seguinte teor:

2. Vivendo exclusivamente do rendimento do seu trabalho como tal.

5. Admitiu a A., em 2 de Dezembro de 1997, para trabalhar, como arquiteta, por conta dela e sob as ordens, direção e fiscalização dos seus sócios-gerentes, na atividade de participação na conceção e na elaboração de projetos de arquitetura e de arquitetura de interiores, a que a ARQUII III e a aqui R. se dedicam.

6. Aquando da admissão da A. foi determinado e comunicado pelos mencionados dois sócios gerentes que o local de trabalho da A. seria na sede e atelier da R.

[6] Neste sentido, v.g. Ac. de 10-12-2009, P. 1168/07.0TTLSB.SB.S1 (Bravo Serra), desta Secção, e Ac. de 27-01-2010, P. 2127/04.0TBGDM.S1, 7ª Secção (Custódio Montes), ambos in www.dgsi.pt.