Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
052889
Nº Convencional: JSTJ00008495
Relator: TEIXEIRA DIREITO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
SINAL
NORMA SUPLETIVA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19470307052889
Data do Acordão: 03/07/1947
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 25-03-1947; BOMJ ANO 7,169 ; RLJ 79,411
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1947
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 672 PARUNICO ARTIGO 674 ARTIGO 676 ARTIGO 708 ARTIGO 711 ARTIGO 712 ARTIGO 713 ARTIGO 1548.
Sumário :
" A disposição da 2 parte do artigo 1548 do Codigo Civil tem caracter supletivo".
Decisão Texto Integral: A, de Calata de Majorda, comarca de Salsete, prometeu vender a seu irmão B, de Carmona, por escritura de 28 de Agosto de 1937, determinados bens por 500 rupias, que recebeu.

Na escritura estipulou-se que, se a compra e venda se não realizassem por culpa do promitente comprador, perderia este as 500 rupias e, se por culpa da promitente vendedora teria ela de pagar, alem das 500 rupias recebidas, a quantia de 8000 rupias (documento de folhas 3).
A A casou. E, porque não cumpriu a promessa, foi accionada com o seu marido, C, pelo seu irmão B e mulher deste.


Os Reus foram condenados a pagar aos Autores, pela sentença de folhas 211, 1000 rupias e, pelo acordão de folhas 292 verso, 8500 rupias.
E o Supremo Tribunal de Justiça, por acordão de folhas 375, considerando perceptiva de interesse e ordem publica a disposição da 2 parte do artigo 1548 do Codigo Civil, concedeu a revista interposta pelos Reus, e revogou o acordão de folhas 292 verso, "limitando a indemnização pedida pelo Autores ao pagamento em dobro do sinal passado".


Recorreram os Autores para o tribunal pleno, alegando existir oposição entre o acordão de folhas 375 e os de 16 de Maio de 1933 e 15 de Março de 1935, segundo os quais a disposição referida e de caracter supletivo.
O acordão de folhas 416 decidiu que existe a alegada oposição e o recurso seguiu seus termos.


Alegaram as partes e o Ministerio Publico.


Tudo visto:


Porque ha manifesta oposição entre o acordão recorrido e os outros referidos, no dominio da mesma legislação, sobre se a 2 parte do artigo 1548 do Codigo Civil tem caracter perceptivo ou supletivo, cumpre-nos firmar doutrina.


Segundo o disposto na 1 parte do artigo 1548 do citado Codigo, a promessa de compra e venda e uma convenção de prestação de facto, que se regula nos termos gerais dos contratos.


Podem assim as partes aditar ao respectivo contrato "as condições e clausulas que bem lhe parecerem" (artigo 672), fixar a sua importancia e regular a responsabilidade civil (artigos 674 e 708).
E quem não cumpriu a promessa pode ser obrigado a pagar a pena convencional estipulada ou indemnização por perdas e danos (artigos 676 e 711).
A prestação convencionada representa o valor em que as partes reputam o prejuizo que pode resultar de se não cumprir o contrato e e para garantir o seu cumprimento.


A clausula de garantia tem, pois, um fim moral.


Provando-se que foi excessiva, pode ser reduzida (artigo 674, com referencia ao paragrafo unico do artigo 672).


Se as partes não convencionaram sobre a indemnização pelo não cumprimento da promessa, e porque consideraram a quantia entregue como sinal garantia suficiente para o cumprimento do contrato.
O artigo 1548 não limita a indemnização de perdas e danos pelo não cumprimento da promessa de compra e venda.


A expressão "com a diferença", que inicia a 2 parte desse artigo, tem o alcance de acrescentar uma regra as estabelecidas nos artigos 712 e 713 sobre indemnização de perdas e danos nas prestações de facto.
Segundo essa regra, havendo sinal passado, "a perda dele ou a sua restituição em dobro valera como uma compensação de perdas e danos".
Com esse preceito quis o legislador que em tal hipotese, não se tendo estipulado indemnização, o credor so pudesse pedir, como compensação, a restituição do sinal em dobro.


A disposição não restringe a liberdade contratual, pois so tem por fim uma rapida liquidação de perdas e danos, no interesse das partes, de harmonia com os principios gerais dos contratos.


Não se compreende que o legislador quisesse imprimir caracter perceptivo a tal preceito, deixando as partes a faculdade de fixarem o sinal a seu arbitrio ou de estipularem uma clausula de garantia que dispensasse o recebimento de qualquer quantia.


O fim da lei ao fixar os danos e, como disse o conselheiro Luis Osorio na sua douta declaração de voto de vencido no acordão recorrido, o interesse particular da sua rapida fixação.


O conselheiro Dias Ferreira tambem dissera no seu Codigo Civil Anotado, 2 edição, volume 3, paginas 156, que o fim da lei e "evitar liquidações dificeis e dispendiosas, e na presunção de que as partes teriam considerado o valor do sinal suficiente indemnização dos prejuizos resultantes da não realização do contrato".


O respectivo preceito e, pois, inaplicavel se no contrato se estipulou a indemnização de perdas e danos pelo não cumprimento da promessa.
São excepcionais os casos em que a prestação convencionada pode ser reduzida e não são de aplicar por analogia os preceitos que a limitam.
Não se compreenderia que razões morais ou de interesse e ordem publica tivessem determinado a limitação da indemnização somente para o caso de haver sinal passado.


E, pois, de concluir que a disposição da 2 parte do artigo 1548 do Codigo Civil tem caracter supletivo.


Diz o acordão recorrido que, pelo que consta da escritura, a convenção invocada pelo Autor e manifestamente violadora da liberdade na prestação do consentimento, mas o acordão não atendeu a que as instancias consideraram provado, contrariamente ao alegado pelos Reus, que foi por culpa da re e sugestão do seu noivo que se não realizou o contrato.
E, tendo os Autores alegado que, segundo os costumes da India, a doação que consta da mesma escritura, feita a favor da re por seu pai, foi na realidade um dote de 6000 rupias, com a obrigação da Clelia cumprir a promessa de venda referida, e que os Reus querem aumentar o montante das suas legitimas a Relação, no seu acordão de folhas 295 verso, considerou tais factos provados e disse: "Quem conhece este meio social não fica com sombra de duvida de que a irmã, sob os auspicios do marido, recusando-se a vender, pretende fazer um bom negocio a custa do irmão".
"Este e o aspecto moral da questão".


E manifesto que tais factos não podem ser devidamente apreciados com os elementos existentes nos autos e ao Supremo Tribunal não compete resolver questões de facto.


Pelos fundamentos expostos, e concedido provimento ao recurso, revogado o acordão recorrido e confirmado o da Relação, com custas pelos recorridos.
E, como consequencia da doutrina exposta, se lavra o seguinte:
Assento. A disposição da 2 parte do artigo 1548 do Codigo Civil tem caracter supletivo.



Lisboa, 07 de Março de 1947

- Oliveira Pires - Magalhães Barros - Raul Duque - Amaral Cabral - A. Cruz Alvura - Sampaio e Melo - Roberto Martins-
- Pedro de Albuquerque - Teixeira Direito (vencido como relator. O artigo 1548 do Codigo Civil recusa, tanto pela letra como pelo seu espirito, qualificação de disposição supletiva. Fixado que "a simples promessa reciproca de compra e venda, sendo acompanhada de determinação da coisa, constitui uma mera convenção de prestação de facto, que sera regulada nos termos gerais dos contratos", logo excepciona "com a diferença, porem, de que, se houver sinal passado..., a perda dele ou a sua restituição em dobro valera como compensação de perdas e danos", " Valera", expressão imperativa, não supre, limita a vontade das partes, caracterizando norma preceptiva (Doutor Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, paginas 320).


Pretender que o artigo 1548 tenha o "alcance de acrescentar uma regra as estabelecidas nos artigos 712 e 713 sobre a indemnização de perdas e danos nas prestações de facto", regras de caracter geral, revela, salvo o merecido respeito pelos Excelentissimos juizes vencedores, o absurdo de atribuir sentido geral a uma norma que preveniu um caso especial de prestação de facto e que ate, so por tal, excluiria caracter supletivo.
Para que a disposição do artigo 1548, se a indemnização pelo não cumprimento da prestação de facto da promessa de compra e venda pode ser fixada livremente pelas partes, e, assim, nos termos das disposições gerais de lei citadas no acordão?


Que, alem da letra da lei, pelo seu espirito, o legislador quis estatuir com o artigo 1548 uma norma preceptiva, e evidente.


De "simples" e de "mera convenção de prestação de facto", qualifica o artigo a promessa reciproca de compra e venda, expressões que, de si, importam limitação de vontade contratual que vai chocar-se contra o "mutuo consenso", vontade firme, condição esta imperativa da validade dos contratos (artigo 10 do Codigo Civil), determinada no n. 2 do artigo 643.
Consequentemente, a sua prestação, ilidindo a pureza do consentimento, absorve interesse e ordem publica.


Como doutamente expõs na sua alegação sobre o recurso o ilustre magistrado do Ministerio Publico, "A 2 parte do artigo 1548 tem por fim estabelecer duas regras fundamentais: a) Que a entrega do sinal não tem necessariamente caracter confirmatorio, e antes admite a faculdade de desdizer; b) Que, no caso de falta de cumprimento do contrato, a indemnização de perdas e danos esta integrada na perda do sinal ou na sua restituição em dobro.


A primeira destas regras e admitida por todos os nossos civilistas e resulta implicitamente dos termos em que se encontra redigido o artigo 1548.
A segunda regra esta expressamente consignada no texto da lei".
Irrecusaveis as premissas postas pelo distinto magistrado, repelem, todavia a conclusão de supletiva atribuida a disposição do artigo 1548.
Com efeito, "não tendo necessariamente caracter confirmatorio" e adstringindo " a faculdade de desdizer" a promessa de compra e venda, o que importa, irrecusavel e logicamente, limitação de vontade perfeita para a validade dos contratos, afere-se a disposição imperativa do n. 2 do artigo 643, impondo como preceptiva a do artigo 1548 na fixação da indemnização.
Definido o que se considerava sinal, não era necessaria a determinação, entendido como supletivo o artigo 1548, de que a sua perda ou a restituição valeria como compensação de perdas e danos, estatuido o principio geral de liberdade contratual.


Sem mais desenvolvimento quanto as razões de vencido que se contem no acordão que deu lugar ao pleno publicado no Boletim Oficial, ano V, pagina 308, uma referencia ao aspecto moral do recurso.

Pela propria qualificação de supletivo atribuida ao artigo 1548 deveria ter-se revogado o acordão da Relação, que, em satisfação dos usos e costumes da India Portuguesa, mantem como imoral fraude a lei a de 19 de Maio de 1863, que extinguiu os vinculos, chamando a operar, em relação a clausula leonina, que concede ao promitente comprador o valor fixado aos imoveis em promessa de venda, acrescida de dezasseis vezes, o n. 4 do artigo 671 do Codigo Civil, por força da excepção contida no corpo do artigo 672.
E não se pretenda obscurecer a imoralidade invocando a doação do pai a nubente, promitente vendedora, feita por conta da legitima e na finalidade de vincular, em fraude, os imobiliarios do casal paterno) - Rocha Ferreira (vencido pelos mesmos fundamentos) - Heitor (vencido.
Para por em evidencia a sem razão juridica do assento basta considerar: pelo artigo 708 do Codigo Civil a responsabilidade civil pode ser regulada por acordo das partes, "salvo nos casos em que a lei expressamente ordenar o contrario". Ora o artigo 1548, 2 parte, ordena expressamente o contrario, pois fixa, categorica e invariavelmente, em que consiste a responsabilidade quando ha sinal passado, " considerando-se como tal qualquer quantia recebida pelo promitente vendedor.
Assim, e manifestamente inadmissivel que tal preceito seja de natureza supletiva. As palavras "com a diferença porem..." do artigo estabelecem a excepção que o artigo 708 manda imperativamente respeitar. Logo, desde que ha sinal passado, não pode regular-se a responsabilidade civil, a arbitrio de quem quer que seja, por forma diversa da imposta pelo artigo 1548. De resto... a moralidade de certos negocios da India, sobretudo no que respeita as mulheres, e bem conhecida de todos os julgadores, tornando-se por isso desnecessario parafrasea-la) - Azevedo e Castro (vencido pelos fundamentos invocados nas precedentes declarações de voto)
- Tavares da Costa (vencido pelos fundamentos constantes das declarações de voto anteriores) - Artur de Almeida Ribeiro (vencido pelas mesmas razões) - Tem o voto do Excelentissimo juiz conselheiro Francisco Mendonça, que não assina por ter atingido o limite de idade, Oliveira Pires.