Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5371/15.1T8OAZ.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
LIBERALIDADE
SOCIEDADE COMERCIAL
GARANTIA REAL
HOMOLOGAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES - SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE DOMÍNIO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE DÍVIDAS.
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DACLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código das Sociedades Comerciais”, em anotação ao artigo 486.º.
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição,– Abril de 2014, em nota de actualização ao art.679.º, 356, 359 (nota 4).
- Ana Perestrelo de Oliveira, Direito das Sociedades, “A insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial e a subordinação de créditos intragrupo”, 1001 e ss..
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 359/360; Das Obrigações em geral, 3.ª ed. vol. II, 334-335.
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Vol. II, 195.
- Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2002, 745,
- Luís Brito Correia, «Grupos de sociedades, em Novas perspectivas do direito comercial», 1988, 393.
- Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais” Anotado, 2009, em anotação ao art.6.º, n.º 3.
- Ney Ferreira, Da assunção de dívidas, 74.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I.
- Sara Monteiro Maia Machado, «A Insolvência nos grupos de sociedades: o problema da consolidação substantiva», Revista de Direito das Sociedades, Ano V (2013) Números 1 e 2, 339 a 367.
- Vaz Serra, «Assunção de dívida», no Bol., n.º 72, 189, nota 1.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 595.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 86.º, N.º 2.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 6.º, N.º 3, 486.º,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 665.º, N.º 2, 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-PUBLICADO NA R.L.J., ANO 109.º, 201 E SS..
Sumário :
I - No âmbito dos grupos de sociedades em que existem relações de domínio (art. 486.º do CSC), a excepção à aplicabilidade do princípio da especialidade do fim contemplada no n.º 3 do art. 6.º do CSC vale apenas para a prestação de garantias a favor das sociedades dominadas.

II - O acordo ajustado entre a sociedade dominante revitalizanda segundo o qual os bens imóveis das sociedades dominadas responderão pelas dívidas da primeira não configura uma assunção liberatória de dívida dado que o devedor originário não fica exonerado do pagamento com o assentimento do credor.

III - Mesmo que se entendesse que o acordo mencionado em II constitui uma garantia, o certo é que aquele foi celebrado por escritura pública em data anterior ao processo especial de revitalização, pelo que a homologação do plano de revitalização em que aquele foi mantido não poderia ser recusada com base em violação não negligenciável do princípio da especialidade do fim. Importa, ademais, não esquecer o contexto da relação societária e a circunstância de, em relação a duas das sociedades dominadas, estarem em vigor planos de revitalização que contemplam disposições semelhantes àquela.

IV - Em respeito à autonomia jurídica de cada sociedade integrante de um grupo societário, o CIRE não impõe a liquidação societária conjunta, sendo duvidoso que o disposto no seu art. 86.º, n.º 2, se aplique ao processo especial de revitalização.

V - Tendo o acórdão recorrido julgado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente e não sendo admissível que o STJ, em primeira e única instância delas conheça (por a remissão para o regime da apelação não incluir, ademais, o disposto no n.º 2 do art. 665.º do CPC), é inviável conhecer a ampliação do objecto do recurso impetrada pelo recorrente para as contemplar, cabendo ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para a apreciação das mesmas.

Decisão Texto Integral:

Proc.5731/15.1T80AZ.P1

R-592[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

“AA, S.A.” intentou o presente processo especial de revitalização alegando, em síntese, que é uma sociedade anónima que se dedica à actividade de gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo o seu capital social integralmente detido pela sociedade “BB, S.A.”, estando as duas sociedades numa relação de domínio ou de grupo, encontrando-se, contudo, presentemente numa situação económica e financeira difícil, assim como o grupo de sociedades em que está integrada.

Foi proferido despacho liminar, vindo o administrador judicial provisório juntar a lista provisória de credores, a qual foi publicitada no portal Citius no dia 28 de Dezembro de 2015, não tendo sido apresentadas quaisquer impugnações a essa lista.

Na sequência das negociações estabelecidas com os credores veio a ser apresentado o plano de revitalização da devedora, o qual foi aprovado pela maioria dos credores, tendo, contudo, o credor BANCO CC, S.A. votado desfavoravelmente.

Do conteúdo do plano resultam, sumariamente, as seguintes propostas:

PLANO DE RECUPERAÇÃO (…)

 

I - ELEMENTOS GERAIS DE IDENTIFICAÇÃO

 A sociedade BB, SA, pessoa colectiva número 000 000 260, com sede na Rua ..., n.º 00, ..., ..., constituída sob a forma de sociedade anónima (…) objecto social: gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividade económica.

 CAE Principal: 64202 -R3 Capital Social: 20.000.000,00 €

 Administração: a administração está a cargo de DD (Presidente): EE (Vice-Presidente); FF (Vogal); GG (Vogal) e HH (Vogal) Fiscal único: II, JJ, representada por KK (NIF/N1PC: 000000394).

 

II - FINALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO

 

A finalidade deste plano de recuperação é apresentar um conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar os meios financeiros necessários ao desenvolvimento da sua actividade e sua revitalização, que não seria possível de obter caso não fossem aprovadas, e que, permita assim, assegurar o pagamento integral da dívida aos credores.

Visa ainda, através da aplicação das medidas nele propostas, assegurar o seguinte:

 1. Cumprir as obrigações assumidas perante os credores a 100%, mantendo todas as garantias prestadas;

2. Suportar a transição da "Crise Internacional" em geral e dos sectores imobiliário e financeiro em particular;

3. Adequar o seu plano de negócios à nova realidade económica, sem prejuízo da fixação de regras de controlo e acompanhamento do Plano;

4. Assegurar, no imediato, os postos de trabalhos necessários ao desempenho da Empresa, num período em que a taxa de desemprego se mantém em níveis elevados.

(…) A sociedade BB, SA (…) integra o denominado GRUPO LL, que é de génese familiar e detido por DD e família.

 A Devedora é detida, na totalidade do seu capital pela sociedade BB, SA, com sede na Rua ..., n.º 00, ..., ..., 0000-000 ..., com o capital social de 30.152.500,00 Euros, pessoa colectiva n.º 000 000 160, a qual detém também a totalidade do capital da SOCIEDADE MM, SA, com sede na Rua ..., n. ° 00, ..., Portugal, pessoa colectiva n.º 000.000.648 (…).

Por sua vez a AA, detém também a totalidade do capital social da sociedade NN, SA, com sede na Rua ..., n.º 00, ..., ..., com o capital social de 2.500.000,00 Euros, pessoa colectiva n.º 000.000.010 (…) e da sociedade OO, SA, com sede na Rua ..., n.º 00, ..., ..., com o capital social de 50.000,00 Euros (…).

A BB é ainda detentora da maioria do capital social e dos votos das sociedades:

(i) - PP S.A, com sede na Rua …, 00, ..., 0000 000 … …, com o capital social de 250.000,00 Euros (…) e

 (ii) - QQ, S.A, com sede na Praceta ..., nº 00 - 0°, ..., 0000-000 ..., com o capital social de 50.000,00 Euros (…).

 Do exposto resulta que a Devedora e as supra mencionadas sociedades estão coligadas, em relação de domínio ou de grupo, e têm assumidamente uma estreita interdependência, complementaridade e identidade na prossecução dos seus escopos lucrativos e dos seus objectos sociais, formando um grupo empresarial que é comummente conhecido por GRUPO LL, sendo a BB a sociedade holding.

O agora denominado GRUPO LL começou a desenvolver-se em meados da década de 80 numa estrutura empresarial adequada e apetrechada, com recursos patrimoniais e humanos, para as áreas de negócios que escolheu explorar: a financeira, a imobiliária e a agrícola, encontrando-se esses negócios arrumados em diferentes subholdings estruturadas numa lógica de Grupo Empresarial e de racionalidade financeira e fiscal.

Na fase inicial do seu desenvolvimento, o GRUPO LL pouco se apoiou em recursos alheios mas, posteriormente, a alavancagem que o Sistema Financeiro em geral proporcionou, levou a que as sociedades do Grupo, na prossecução dos seus objectivos comuns, tivessem contraído vários financiamentos junto das Instituições Financeiras que foram sendo utilizados no desenvolvimento dos negócios do Grupo e que hoje se traduz numa ainda elevada dívida bancária, na ordem dos 36M€ (mas que em 2012 montava a 84M€) distribuída por treze Instituições Financeiras, na sua maioria nacionais.

Até 2008, o dinamismo e o êxito dos negócios realizados tiveram os melhores resultados que redundaram num elevado crescimento do património das sociedades do GRUPO LL.

Todavia, a partir dessa altura, com conjunturas nacionais e internacionais completamente adversas e impensáveis à luz da actividade económica e financeira que se vinha a desenvolver, destruiu-se uma grande parte do valor investido e criado e entorpeceu-se o curso normal da actividade do GRUPO LL.

Essa conjuntura calamitosa determinou uma situação financeira de curto prazo preocupante pelo desajustamento que se começou a verificar entre as maturidades da dívida do Grupo e as dos seus activos que ela financiou numa parte significativa já que a imprevista e acentuada desvalorização desses activos financeiros, imobiliários e agrícolas - que, mesmo no actual circunstancialismo económico e social, têm um valor claramente superior ao passivo do Grupo - e as sérias dificuldades em transaccioná-los, estão a impedir o GRUPO LL de gerar a liquidez necessária para conseguir amortizar nos prazos ajustados o capital mutuado e para efectuar o pagamento de juros remuneratórios.

Por outro lado, a Devedora e todas as outras empresas do GRUPO LL, à semelhança do que sucede com as demais empresas do país, não estão a conseguir aceder ao crédito bancário para se refinanciarem. A relação de domínio e de grupo existente entre as sociedades do GRUPO LL originou que quase todos os financiamentos que cada uma delas contraiu junto das Instituições Financeiras tenham sido parcialmente distribuídos e tenham vindo a ser fruídos pelas demais sociedades, através de suprimentos e financiamentos efectuados entre elas.

Por sua vez, a interdependência e complementaridade existente entre as sociedades do GRUPO LL e as suas actividades implica que as contingências que se deparam a cada uma delas necessariamente se reflictam nas restantes e condicionem o desempenho global do Grupo, desde logo porque, como se referiu, muitos dos investimentos foram realizados com o suporte financeiro de várias das sociedades e porque, nesse contexto, algumas dessas sociedades prestaram também garantias por dívidas contraídas por outras. (…)

A Devedora e as demais empresas que integram o GRUPO LL, vieram a reduzir os custos de estrutura e bem assim a promover e dinamizar as vendas dos seus activos, quer através da contratação de equipas comerciais competentes, quer através do desenvolvimento de alguns dos projectos imobiliários que ainda careciam de licenciamento e acções de urbanização. A verdade é que apesar de toda a nova dinâmica que estas medidas trouxeram, não foi possível concretizar o volume de vendas pretendido e previsto.

Uma das razões para este insucesso, é sem dúvida, a falta de financiamento que empresas e particulares estão a sentir por parte da banca. De facto, tem havido bastantes contactos com interessados na aquisição de imóveis das empresas que integram o GRUPO LL, só que a vontade dos mesmos esbarra frequentemente na resposta negativa que obtêm quando se dirigem ao banco para obter os fundos necessários à conclusão do negócio. Outra razão é a falta de confiança de alguns dos interessados que manifestam algum receio, fundamentado, em investir enquanto a situação económica do país não melhorar de forma consistente.

O Processo Especial de Revitalização é, neste enquadramento, fundamental para, com o acordo dos credores, promover a adequação do prazo de vencimento e de amortização do seu passivo à previsibilidade de libertação de meios necessários para cumprir com as obrigações e seguir com segurança o seu giro comercial, uma vez que a sociedade dispõe de inegável viabilidade económica.

Motivos pelos quais a Devedora propõe a aprovação de Plano de Recuperação que seja adequado à realidade económico-financeira e onde se acautele a interdependência e a subsidiariedade que existe entre as sociedades do GRUPO LL.

 

IV - OS PRODUTOS/SERVIÇOS

A AA, S.A., (…), tendo iniciado a sua actividade no ano de 2006, integrando, desde 2008 o GRUPO LL.

O seu objecto social consiste, conforme supra indicado, na "Gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividade económica.

A Devedora que conta na sua gestão com profissionais com vários anos de experiência é detentora de participações sociais em sociedades ligadas aos sectores do imobiliário e turismo e está integrada num grupo económico ligado também ao sector agrícola.

 

V - PLANO DE RECUPERAÇÃO

 

MEDIDAS PROPOSTAS

Considerando a relação de grupo existente entre a Devedora e as sociedades do GRUPO LL, a principal preocupação do Plano, para além da adequação à situação económica, será a de se assegurar a sua sintonia e perfeita articulação com os demais Planos de Revitalização das sociedades do grupo e a aprovação de todos eles.

Por outro lado, as relações creditícias existentes entre as sociedades do Grupo exigem que todas elas sejam garantes das obrigações assumidas nos demais Planos de Recuperação.

O pagamento das dívidas será feito pela Devedora ou por outras sociedades do GRUPO LL, sendo certo que, estando alguns créditos, por força das garantias prestadas reflectidos na contabilidade e relação de credores de mais que uma empresa do grupo, apenas por uma delas, a principal Devedora, será pago, mantendo-se as garantias prestadas pelas demais Sociedades do Grupo, sem prejuízo do apuramento de resultados positivos pelas sociedades participadas dever ser remetido para a sociedade holding.

 DA VIABILIDADE ECONÓMICA

Adoptando um conjunto de pressupostos, numa perspectiva da evolução da economia portuguesa e do mercado imobiliário previstos para os próximos anos, conjugados com os pressupostos retirados da prática empresarial da Devedora, sendo estas condições satisfeitas, a empresa é economicamente viável, perspectivando-se a obtenção de meios libertos totais (EBITDA) compatíveis com as condições definidas na medida proposta.

VIABILIDADE FINANCEIRA

O reescalonamento do prazo para liquidação da dívida e a associação da liquidação às vendas de imóveis a realizar pelas sociedades do GRUPO LL, tem uma influência muito positiva, na Liquidez da empresa, assim como na Estrutura e Equilíbrio Financeiro da Empresa, conferindo-lhe viabilidade financeira.

Com efeito, o valor realizado com a venda de imóveis pelas sociedades que integram o GRUPO LL será entregue aos credores, para pagamento dos créditos, de acordo com as regras e condições estipuladas infra. (…)

MEDIDAS PROPOSTAS

A sociedade BB, SA, salvo comprovado regresso de melhor fortuna, as seguintes alterações para as posições jurídicas dos seus credores:

I) - Pagamento aos Credores, nos seguintes termos:

A) Créditos garantidos e créditos comuns que beneficiam de garantia hipotecária dada por escritura celebrada em 18 de Julho de 2013 em que a Devedora é outorgante na qual são hipotecados prédios das sociedades que integram o GRUPO LL (elencados no anexo J a este plano):

i. Fixação do valor do crédito de capital, para cada um dos credores, no que se verifica a 31 de Dezembro de 2015 (…) deduzido dos valores já liquidados pela sociedade em 2016, e que consta da relação que constitui o Anexo I a esta proposta de plano de recuperação;

ii. Pagamento da totalidade do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2018 e de juros vincendos sobre o capital em divida na taxa que se fixa, na taxa Euribor a 12 meses em vigor no dia anterior ao início do período de contagem acrescida de um spread de 2,5% até ao final do ano de 2017 e de um spread de 3,5% durante o ano de 2018 (ficando esclarecido que, caso a taxa Euribor a 12 meses tenha um valor negativo a taxa de juros será constituída apenas pelo spread que se encontrar em vigor);

 iii. O pagamento de juros, calculados a partir de 1 de Janeiro de 2016 e à taxa estabelecida neste Plano (ponto ii., supra) será efectuado no final de cada semestre, vencendo-se o primeiro semestre a 30 de Junho de 2016;

 iv. Perdão de juros moratórios, encargos e despesas devidos(as) até à data da homologação do presente plano ou, no limite, até 30 de Junho de 2016, sendo, contudo, devidas as despesas e encargos inerentes à emissão de termos de cancelamento da hipoteca em paridade bem como quaisquer encargos de natureza fiscal;

 v. A Devedora deverá efectuar aos credores pagamentos parciais do capital em dívida em função das vendas de activos imobiliários das sociedades do GRUPO LL, a saber: BB, S.A., Sociedade MM, SA, PP, SA, NN, S.A., OO, S.A. e QQ, S.A., devendo os valores recebidos da venda desses activos ser pagos aos credores, em função do valor global do seu crédito sobre o GRUPO LL (elencados no anexo L a este plano) no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar data da escritura de venda de cada um dos activos;

vi. A Devedora mantém todos os avais prestados às suas participadas;

vii. Mantêm-se válidos todos os avais prestados pelo accionista e/ou administrador DD obrigando-se a proceder à entrega a cada um dos credores de Declaração devidamente subscrita pelo Avalista;

viii. Mantém-se válida a hipoteca partilhada constituída por escritura pública celebrada em 18 de Julho de 2013, ficando a emissão dos distrates pelos credores hipotecários sujeita às seguintes condições:

 

a) A realização de escrituras de compra e venda dos imóveis dados em garantia hipotecária e que os garantes pretendem desonerar, terá que respeitar as disposições dos Planos de Recuperação da Devedora e das sociedades do GRUPO LL.

b) Assim sendo, a compra e venda dos imóveis dados em garantia, bem como a respectiva desoneração apenas poderão ocorrer caso a compra e venda se realize pelo preço da avaliação constante do Anexo H, ou, caso a Devedora opte pela venda por valor inferior garanta aos credores o pagamento imediato da diferença em relação ao referido valor mínimo; Caso o valor da venda seja superior ao preço de avaliação constante do Anexo H fica a mesma obrigada a proceder à entrega desse mesmo valor aos credores;

c) Cumprido que seja o estabelecido nas alíneas anteriores, as credoras beneficiárias da garantia hipotecária, deverão emitir e entregar à Devedora (ou à sua participada que seja proprietária do prédio a vender e que o solicitar) termo (s) de cancelamento da Hipoteca em Paridade, que incide especificamente sobre os imóveis projectados vender, no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da data da solicitação que lhes seja feita, contendo indicação da data da escritura, identificação do imóvel ou imóveis a vender e o valor de venda.

Para o efeito, fica desde já consignada a obrigação, por parte da Devedora, em proceder ao pagamento de uma comissão pela emissão dos) correspondente(s) termo(s) de cancelamento da Hipoteca em Paridade, nos seguintes termos:

 • comissão de 5/1000 sobre o valor de avaliação constante do Anexo H com um valor mínimo de € 500,00 e valor máximo de € 1.000,00 a liquidar directa e paritariamente a cada um dos credores beneficiários de hipoteca, valor esse acrescido do IVA à taxa em vigor.

d) A Devedora deverá enviar a cada uma das credoras hipotecárias e no prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar da data da celebração da escritura de venda, o comprovativo do pagamento parcial previsto nos pontos v. e vii, alínea b), supra.

 

B) Outros créditos comuns:

i. Fixação do valor do crédito de capital, para cada um dos credores, no que se verifica a 31 de Dezembro de 2015 (…) deduzido dos valores já liquidados pela sociedade em 2016, e que consta da relação que constitui o Anexo I a esta proposta de plano de recuperação;

ii. Perdão de juros vencidos e vincendos;

iii. O pagamento pela Devedora do capital em dívida ocorrerá até 31 de Dezembro de 2018.

C) Créditos Subordinados:

i. Consolidação do valor dos créditos subordinados por 3 (três) anos.

 ii. Sem plano de reembolso pelo período total de 3 (três) anos, com liquidação parcial (pro rata) ou total após o integral cumprimento do plano junto dos demais credores, podendo ser equacionada a transformação em prestações suplementares, desde que com acordo prévio e expresso dos credores Garantidos.

iii. Perdão total de juros vencidos e vincendos.

iv. Não poderá ocorrer qualquer reembolso de créditos subordinados sem que previamente se mostrem integralmente liquidados os créditos garantidos e comuns.

 

D) Créditos sob condição suspensiva:

Para os créditos sob condição suspensiva (incluindo, nomeadamente. as acções judiciais) que no futuro venham a transformar-se em créditos comuns propõe-se que o seu pagamento integral fique subordinado ao plano de pagamento previsto para a classe de créditos comuns em que se insiram, ou seja, com o mesmo regime.

 II) - Âmbito:

As alterações dos créditos sobre a Devedora introduzidas pelo plano de recuperação produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (n.º 1 do artigo 217.° do CIRE).

 Nos termos do artigo 209°, n.º3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação ou acção judicial de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.

E por referência ao disposto neste mencionado preceito todos os créditos que venham a ser reconhecidos em sede do disposto no artigo 129.° do CIRE ficam, igualmente acautelados.

III) Impacto expectável das alterações propostas:

O Plano de Recuperação, apresentado pela Administração da Devedora, tem por finalidade expor as condições em que esta e os credores definem a continuidade da empresa, sob administração da Devedora, e nomeadamente os termos em que serão feitos os reembolsos dos créditos sobre a Devedora.

Na ausência do apoio dos credores ao Plano de Recuperação, torna-se como certo o Cenário de Liquidação abrupta dos activos da empresa a revitalizar.

Este cenário caracterizar-se-á por: venda dos activos e recebimentos de clientes a, como também se depreende, o cenário de não Recuperação não deixará de acarretar perdas substanciais na venda daqueles bens.

Estima-se no cenário de não Recuperação que os credores receberão uma percentagem reduzida dos seus créditos.

Em alternativa, com a aprovação do plano, teremos a garantia de pagamento das obrigações assumidas perante os credores a 100%.

Assim, atendendo-se ao supra exposto, a aprovação do plano afigura-se claramente mais vantajosa.

IV) Preceitos legais derrogados:

Âmbito das derrogações ao CIRE

Com o presente plano foram derrogados os seguintes preceitos legais do CIRE que importa esclarecer: foi derrogado o princípio da igualdade (art. 194.° do CIRE) relativamente ao pagamento de juros aos credores garantidos em virtude do privilégio creditório que lhes assiste.

V) Execução do plano de recuperação e seus efeitos:

Com a sentença de homologação, além dos demais efeitos legais, produzem-se as alterações dos créditos sobre a Devedora introduzidas pelo plano de recuperação, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (art. 217º do CIRE). (…)

Nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 195º do CIRE, juntam-se em anexo os documentos aí elencados, bem como os previstos supra:

 - Anexo A: Balanço corrigido à data de 30 de Setembro de 2015

 - Anexo B: Plano de pagamentos

- Anexo C: Pressupostos de rendimentos e gastos

 - Anexo D: Balanços previsionais

 - Anexo E: Demonstração dos resultados previsionais

 - Anexo F: Demonstração previsional dos fluxos de caixa

- Anexo G: Indicadores e rácios

 - Anexo H: Relação de imóveis com hipoteca partilhada

 - Anexo I: Relação de imóveis alienados após a entrada do PER

 - Anexo J: Relação dos Créditos sobre a Devedora que beneficiam da garantia hipotecária dada por escritura de hipoteca em paridade celebrada em 18 de Julho de 2013

- Anexo L: Relação dos Créditos sobre a globalidade das sociedades que integram o GRUPO LL e que beneficiam da garantia hipotecária dada por escritura de hipoteca em paridade celebrada em 18 de Julho de 2013

- Anexo M: declarações de consentimento de cada uma das sociedades do GRUPO LL que estão representadas na escritura de hipoteca em paridade celebrada em 18 de Julho de 2013 a que o produto da venda dos imóveis hipotecados seja afecto, também, ao pagamento das dívidas das outras sociedades do GRUPO LL.

Por requerimento apresentado a fls. 306 e seguintes, o credor BANCO CC – BANCO RR S. A. veio requerer a não homologação do plano, por violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao seu conteúdo, concretamente por desrespeito do princípio da especialidade da capacidade de gozo das sociedades comerciais e bem assim do princípio da autonomia patrimonial das sociedades comerciais.

Relativamente à primeira, alega, em síntese, que a insolvente faz parte do GRUPO LL, juntamente com outras sociedades, resultando do plano de revitalização que serão algumas das “empresas filhas” a pagar as dívidas das sociedades “mães”. As dívidas da revitalizanda serão pagas pelas forças dos patrimónios de outras sociedades do grupo com prejuízo para os credores que o sejam exclusivamente ou em maior medida das sociedades “pagadoras” que garantem com o seu património o seu crédito e os credores das demais sociedades.

Esta prática viola o princípio da especialidade previsto pelo artigo 6º do CSC, sendo nulos os negócios nos termos do artigo 294º do C. Civil.

 Relativamente à segunda regra alega que o plano viola o princípio da autonomia patrimonial das sociedades, sendo certo que o Código das Sociedades Comerciais, nos seus artigos 501º e 502º, prevê derrogações a esse princípio designadamente nas relações de domínio ou de grupo, elas verificam-se no sentido de responsabilizar as sociedades dominantes pelas dívidas das sociedades dominadas e não o inverso, como considera que se passa com os processos de revitalização das sociedades do GRUPO LL.

Alega ainda que o plano não é exequível, na medida em que assenta numa premissa: a de que todos os planos de revitalização das sociedades do GRUPO LL sejam homologados, o que não se pode saber e o plano não prevê outra solução para o caso de isso não acontecer.

***

Foi proferida sentença que homologou o plano especial de revitalização aprovado pela maioria dos credores.

***

Inconformado, o credor BANCO CC-BANCO RR, S.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do … que, por Acórdão de 15.12.2016 – fls. 649 a 690:

I)- Julgou a apelação procedente, em consequência, decidiu não homologar o plano de revitalização da sociedade “AA, S.A.”, por violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do mesmo;

II) - Determinou o desentranhamento e a devolução às partes dos documentos que ofereceram na alegação e contra-alegação, condenando cada uma delas na multa de uma Uc pelo incidente a que deram causa.

***

Inconformada, a devedora AA, S.A, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª - O plano de recuperação da AA, SA não prevê a assunção da dívida desta por parte das sociedades suas participadas (ou com a mesma em relação de grupo).

2ª - Do plano de recuperação da AA, S.A., ao contrário do concluído no Acórdão recorrido, resulta evidente que inexiste qualquer assunção de dívida por parte das sociedades participadas ou em relação de grupo com a Recorrente AA. S.A. não apenas porque inexiste qualquer contrato entre o antigo devedor e o(s) novo(s) devedor(es) ratificado  pelos credores em que a dívida tenha sido transmitida, como também porque inexiste qualquer contrato entre os novo(s) devedores) e os credores em que a dívida seja transmitida, contratos que, nos termos do disposto no art. 595º do Código Civil seriam exigíveis (um ou outro) numa assunção de dívida.

3ª- O Tribunal a quo, no Acórdão recorrido, não invoca a existência de um tal contrato autónomo de assunção de dívida, antes se limitando a dizer que “Ora, no caso sub judicio, tendo em conta as condições definidas no pano de revitalização aprovado, não estamos em presença de uma “mera”’’ prestação de garantias por banda das sociedades “NN, S.A”, “Sociedade MM, SA” e “OO SA”mas antes perante um verdadeiro negócio de assunção de dívida porquanto serão estas a suportar o pagamento dos débitos da devedora/requerente”, sem especificar as concretas normas do plano de recuperação em que assenta a sua conclusão.

4ª - A hipótese de a assunção de dívida estar contida no próprio plano de recuperação deve ser rejeitada porque a lei (art. 595º do Código Civil) exige, para que a assunção de dívida se verifique, um contrato entre o antigo e o novo devedor ou entre o novo devedor e o (s) cedore(es) e o(s) putativos assuntor(es) da dívida da AA, S.A. não participam neste processo (nem aqui contratam nada com a AA, S.A. ou com os credores da mesma).

5ª - A hipótese da assunção de dívida estar contida no plano de recuperação deve ainda ser rejeitada porque, como decorre dos termos previstos na alínea A) da proposta de pagamento constante do plano de recuperação aprovado, é à AA, S.A. que cabe o pagamento da dívida aos credores, mesmo aos garantidos peia hipoteca partilhada celebrada em 18 de Agosto de 2013.

6ª – Mesmo na eventualidade de o pagamento aos credores da AA, S.A. ser efetuado com o produto da venda dos imóveis hipotecados, as sociedades garantes ficarão sub-rogadas nos direitos dos credores da devedora, ex vi do disposto no n.º1 do art. 592º do Código Civil, não ocorrendo, portanto, in casu, o instituto da assunção de dívida.

7ª - No Acórdão fundamento, que exatamente sobre a mesma questão se pronunciou, pode ler-se: “Desde logo, importa sublinhar que, em linha com a primeira instância, a decisão proferida encontra arrimo legal no disposto no artigo 6º, nº3 do Código das Sociedades Comerciais. “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificação interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”. Por outro lodo, a argumentação aduzida não colide com o expendido pela primeira instância relativamente às garantias já assumidas pelas restantes sociedades do Grupo e que sempre teriam de ser cumpridas.”

8ª - A lei (nº3 do art. 6º do Código das Sociedades Comerciais) permite, de forma clara, a prestação de garantias de umas sociedades a outras desde que se encontrem em relação de domínio ou de grupo (sem necessidade de invocar qualquer interesse próprio, pois, nestes casos, o legislador presume-o, sendo inilidível tal presunção) não cuidando o legislador de discriminar as situações em que seja a dominada ou participada a prestar garantia à dominante ou participante, pelo que não pode haver uma violação do princípio da especialidade quando é a lei que permite uma situação de excepção.

9ª - A ter ocorrido alguma violação ao princípio da especialidade (o que não se concede) a mesma teria ocorrido em 18 de Julho de 2013, muito antes da apresentação do plano de recuperação em crise, aquando da celebração da escritura de hipoteca em paridade em que as sociedades do GRUPO LL (no qual se inclui a Recorrente) deram garantia hipotecária sobre imóveis de que eram proprietárias a vários credores bancários da AA, S.A.

10ª - E a recorrida BANCO CC – BANCO RR, S.A. foi parte outorgante dessa mesma escritura de hipoteca, nunca tendo levantado a questão da nulidade desse ato, ou alegado sequer a inexistência de relação de grupo entre a AA, S.A. e as sociedades que prestaram garantia hipotecária.

11ª – Por outro lado a questão da nulidade do negócio jurídico de constituição da hipoteca voluntária pela escritura de 18 de Julho de 2013 já foi apreciada nos processos especiais de revitalização das sociedades do GRUPO LL, tendo aí sido decidido, por sentenças transitadas em julgado, que as garantias prestadas não ofendem o princípio da especialidade do fim.

12ª – A interpretação do nº3 do art. 6º do Código das Sociedades Comerciais feita pelo Tribunal a quo é inadmissível e contrária à lei (art. 9º do Código Civil) pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

13ª – Os planos de recuperação das sociedades participadas da AA, SA e das que com a mesma estão em relação de grupo, têm disposições iguais ou semelhantes ao plano em crise e já foram homologados e a decisão de homologação já transitou em julgado (em três dos casos, em que foi interposto recurso, as decisões de primeira Instância foram até sufragadas pelo Tribunal da Relação do …).

14ª – Mesmo em relação às sociedades proprietárias dos imóveis hipotecados para garantia das dívidas da AA, não há no plano de recuperação em crise qualquer violação do princípio da especialidade do fim, na medida em que o interesse próprio da sociedade garante, havendo uma relação de domínio ou de grupo entre as sociedades garante e garantida, se presume juris et de jure.

15ª – Não ocorre violação do princípio da especialidade quando a própria lei prevê uma situação de excepção: o nº3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais proíbe a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades salvo se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo. O mesmo dispositivo legal não restringe a prestação de garantias reais à situação de uma sociedade ser dominante ou dominada, ou seja, não prevê que só a dominante possa prestar garantais reais (ou pessoais) a dívidas da dominada, ou vice-versa.

16ª – O que também é defendido no Ac. Tribunal da Relação de Lisboa (que pode ser consultado em www.dgsi.pt.), onde pode ler-se: “ (…) é lícito às sociedades comerciais prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades não apenas se existir justificado interesse próprio da sociedade garante mas também (situações não cumulativas) quando, sem excepção, se tratar de sociedades em relação de grupo. E porque nenhuma excepção está estabelecida em relação a essa excepção à regra geral, esse segmento do aludido comando pode e deve ser interpretado no sentido de admitir uma tal prestação de garantia quer quando seja a sociedade dominante a prestá-la a favor da dominada, quer o inverso.”

17ª – Nestes autos não pode ser (re)apreciada a validade do negócio jurídico de constituição de hipoteca voluntária titulada por escritura de 18 de Julho de 2013, não só porque a AA, S.A. é apenas beneficiária das garantias prestadas, como também porque tal questão já foi apreciada e decidida nos PER’s das sociedades garantes, por decisões já transitadas em s em julgado, no sentido da validade do negócio.

18ª – O plano de recuperação aprovado pelos credores da AA, S.A. não enferma também, pelos motivos expendidos na decisão de homologação do Tribunal de primeira Instância, de qualquer dos vícios invocados pela ora Recorrida nas suas alegações de recurso dessa mesma decisão.

19ª – O Tribunal a quo, no aresto recorrido, viola as seguintes disposições legais: - artigos 17º-F/5 e 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; - art. 6º/3 do Código das Sociedades Comerciais – artigos 9º, 592º e 595º do Código Civil.

Termos em que, procedendo os fundamentos expendidos nestas alegações e conclusões, e nos melhores de Exªs doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, concluindo-se pela homologação do plano de recuperação aprovado, tal como decidido no tribunal de primeira Instância. Assim decidindo farão V. Exas., como é hábito, Justiça.

***

O Recorrido BANCO CC, nas suas contra-alegações – fls. 869 a 899 – requereu a ampliação do objecto do recurso invocando o art. 655, nº2, do Código de Processo Civil[2].

Alegando, formulou as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto pela Devedora-Recorrente contra o Acórdão do Tribunal da Relação do …, de 15 de Dezembro de 2016, que revogou a decisão de primeira instância e, bem assim, recusou a homologação do Plano de Revitalização da Recorrente, com fundamento no facto de este Plano violar o princípio da especialidade da capacidade de gozo das sociedades comerciais, por prever uma verdadeira assunção das dívidas da Recorrente pelas sociedades suas filhas – NN e MM – e irmã – OO.

B. Todavia, o Recurso interposto não merece provimento, seja porque, de facto, o Plano viola o princípio da especialidade do fim, como bem entendeu o Tribunal a quo seja porque, ainda que assim não se entenda, sempre se deverá chegar à mesma conclusão, de recusa de homologação, porque o Plano proposto viola i) o princípio da intangibilidade do capital social; e ii) o princípio da autonomia patrimonial.

Com efeito,

C. Como principal medida de recuperação da Recorrente, propõe-se no Plano aprovado que o pagamento dos créditos globais sobre as sociedades do GRUPO LL (incluído a Recorrente) seja feito com o produto da venda dos imóveis que são da titularidade das sociedades NN, da MM, e da OO (listados no Anexo H do Plano – cfr. fls. 298 a 300), dominadas por aquela, e sem qualquer contrapartida.

D. Além disso, estas sociedades expressamente emitiram declarações, juntas ao Plano de Revitalização (cfr. Anexo M do Plano, a fls. 304), “que consentem expressamente que o produto da venda dos imóveis hipotecados seja afeto também ao pagamento das dívidas das outras sociedades do GRUPO LL.”

E. Donde, havendo, no Plano, um encontro de declarações dos credores (por via da deliberação tomada pela maioria), da devedora originária (a ora Recorrente) e das sociedades dominadas e assuntoras das dívidas daquela, há perfeição negocial quanto à assunção de dívida, conforme o disposto no artigo 595.° do Código Civil.

F. Só ó que esta assunção viola, entre outros, o princípio imperativo da especialidade da capacidade de gozo das sociedades comerciais (cf. artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais), o que fere o plano aprovado de nulidade (cf. artigo 294.° do Código Civil).

De facto,

G. A regra do princípio da especialidade é a de que a capacidade das sociedades está limitada aos actos aptos e convenientes à prossecução da finalidade de obtenção de lucro (cf. artigo 6.°, n.°1 do Código das Sociedades Comerciais).

H. Portanto, e em decorrência desta regra, as liberalidades -; como sejam o pagamento de dívidas de terceiro sem contrapartida como as propostas no plano em crise – são contrárias a esse fim de obtenção de lucro e, por conseguinte, excluídas âmbito da capacidade das sociedades (cf. artigo 6.°, n.°2, do Código das Sociedades Comerciais).

I. Como excepção a esta regra, prevê o artigo 6.°, n.°3, do Código das Sociedades Comerciais que uma sociedade possa prestar garantias reais (sem contrapartida) a outra sociedade quando haja entre elas uma relação de domínio ou de grupo.

J. Esta excepção, porém, vale, como resulta da própria letra do preceito, apenas para a prestação por uma sociedade de garantias a outra sociedade em relação de grupo ou domínio.

K. E, portanto, essa excepção não vale para o pagamento, sem contrapartida, das dívidas das demais sociedades do grupo, que é justamente o que se propõe no plano em crise; para essa hipótese vale a regra do n.°2 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais: sendo esse pagamento uma liberalidade, porque feito sem contrapartida ele é contrário ao fim social.

Outros fundamentos, cujo conhecimento pelo Tribunal a quo ficou prejudicado, que levam à necessária recusa de homologação do Plano

L. Mesmo que se admitisse que a excepção do n.°3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais vale, não só para a prestação de garantias, mas também para os pagamentos, sem contrapartida, feitos por uma sociedade, em benefício de outra (ou outras) com a qual se encontre numa relação de “dominada-dominante”, com fundamento no poder de direcção desta sobre aquela e de, outrossim, lhe dar instruções desvantajosas, o certo é que sempre haveria uma violação dos limites de um tal poder.

M. A possibilidade de a dominante dar à dominada instruções desvantajosas como sejam a de ordenar que esta pague, sem contrapartida, as dívidas daquela – tem como limite o princípio da intangibilidade do capital social da sociedade dominada, ínsito no artigo 32.° do Código das Sociedades Comerciais.

N. Portanto, essas instruções da dominante no sentido de que a dominada pague as dívidas daquela, têm como limite a “linha d’água” constituída pelo valor do capital social e das reservas não distribuíveis da sociedade dominada; significando isto que aquelas instruções só são lícitas quando não coloquem o património líquido da sociedade dominada em montante inferior à soma da cifra do capital social e das reservas não distribuíveis.

O. Que é precisamente o contrário do que sucede no caso do Plano em crise: os pagamentos que se propõe venham a ser feitos pela sociedade dominada NN a favor da dominante, a aqui Recorrente, e das demais sociedades do GRUPO LL, colocá-la-ão numa situação líquida (ou com um capital próprio) inferior à soma do seu capital social (€ 2.500.000,00) e das reservas legais mínimas (€ 500.000,00).

P. Pelo que o plano da Recorrente, assentando no pressuposto daqueles pagamentos, é nulo por violação da disposição legal imperativa, seja a do artigo 6.°, seja a do artigo 32.° do Código das Sociedades Comerciais, sendo que, ainda que não fosse pela violação do princípio da especialidade do fim, sempre a decisão recorrida, de recusa de homologação do plano deverá ser mantida, por aplicação daquelas normas.

De outro passo,

Q. O Plano da Recorrente viola, igualmente, o princípio da autonomia patrimonial das sociedades comerciais.

Com efeito,

R. A solução de recuperação proposta no plano da Recorrente é, em boa verdade, uma solução de liquidação conjunta dos patrimónios societários das sociedades que integram o GRUPO LL: os imóveis de algumas sociedades (as dominadas) vão ser vendidos para pagar as dívidas globais de todas as sociedades do Grupo.

S. Esta solução de liquidação conjunta já foi, por diversas vezes, expressamente rejeitada pela jurisprudência dos tribunais superiores, em cenários de insolvência porque contende com o princípio da autonomia patrimonial das sociedades comerciais.

T. Porque os artigos 501.° e 502.° do Código das Sociedades Comerciais prevêem a possibilidade de responsabilizar a “dominante” pelas dívidas da “dominada” mas já não o contrário, como se pretende no plano em questão.

U. E porque o poder de direcção da “dominante”, nos termos do artigo 504.° do Código das Sociedades Comerciais, tem como limite, como já se demonstrou, a intangibilidade do capital social da dominada, não sendo possível que a “distribuição” de bens numa solução de liquidação conjunta, como a proposta no plano, coloque o património líquido da sociedade “dominada” abaixo do valor da cifra do capital social e das reservas não distribuíveis (nos termos do artigo 32.° do Código das Sociedades Comerciais), como, in casu, coloca.

V. Donde, ao propor uma solução de liquidação conjunta em desrespeito daqueles normativos, o plano da Recorrente viola disposições legais imperativas, pelo que também por este motivo, e por aplicação das normas dos artigos 501.°, 502.°, 504,° e 32.° do Código das Sociedades Comerciais, deverá a recusa de homologação ser mantida.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso de Revista ser julgado improcedente e, consequentemente, ser mantida a decisão do Tribunal a quo que recusou a homologação do Plano de Recuperação da Recorrente com fundamento na violação não negligenciável do seu conteúdo.

Assim é de Justiça!

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta o que consta, factualmente, do relatório.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o plano de revitalização da devedora, em sede de Plano Especial de Revitalização, (PER), tendo em conta que é sociedade-mãe de outras sociedades em relação de grupo (dominante-dominada), ao contemplar, nos termos aprovados pelos credores, (com voto contra do Banco recorrido), que imóveis das sociedades dominadas sejam responsáveis pelas dívidas da devedora revitalizanda, ora recorrente, viola o princípio da especialidade das sociedades comerciais, sendo de qualificar o acordo, que a todas as sociedades envolve, como contrato (ilegal) de prestação de garantias ou de assunção de dívida daquela.

Nas contra-alegações, o Recorrido BANCO CC requereu a ampliação do objecto do recurso em relação às questões que o Acórdão recorrido considerou terem ficado prejudicadas e que são: as demais violações não negligenciáveis do Plano de Revitalização, das normas imperativas sobre: i) a intangibilidade do capital social; e ii) a autonomia patrimonial das sociedades comerciais – ut. fls. 870 s 872.

Vejamos:

A recorrente AA, SA, apresentou-se a PER, em função de confessada dificuldade económica. Integra o denominado “GRUPO LL”, que é de génese familiar.

 

É detida, na totalidade do seu capital pela sociedade BB, SA, com o capital social de € 30.152.500,00, que detém também a totalidade do capital da SOCIEDADE MM, SA.

 

Por sua vez, a AA detém também a totalidade do capital social da sociedade NN, S.A., com o capital social de € 2.500.000,00 e da sociedade OO, SA, com o capital social de € 50.000,00.

A BB é ainda detentora da maioria do capital social e dos votos das sociedades:

(i) -  PP S.A, com o capital social de € 250.000,00;

(ii)- QQ, S.A, com o capital social de € 50.000,00.

A complexa teia de participação da Recorrente, como SGPS, no capital das sociedades-filhas e irmãs, foi decisiva para que os credores, no amplo poder de auto e hetero-composição de interesses, aprovassem o plano de revitalização.

Aspecto da maior relevância é que, como se colhe do processo, e também dos dois Acórdãos do Tribunal da Relação do …, invocados como estando em oposição com o aresto recorrido, que quatro sociedades dominadas, integrantes do GRUPO LL, foram alvo de PER.

 Assim: “BB, S.A.” (PER nº5361/15.4T80AZ), “NN, S.A.”, (PER nº5362/15.2T80AZ) – (processo onde foi proferido o Acórdão-fundamento em oposição com o Acórdão ora recorrido), “Sociedade MM, S.A.” (PER nº5364/15.9T80AZ) e “OO, S.A.” (PER nº 5363/15.0T8OAZ).

Entre a sociedade devedora e as sociedades terceiras, concretamente “NN, S.A.”, “Sociedade MM, S.A.” e “OO, S.A.”, existe, como a decisão recorrida reconhece, uma relação de grupo, sendo a devedora a “sociedade-mãe”: as duas primeiras “sociedades-filhas”, e a terceira é “sociedade-irmã”.

Em todos os Processos de Revitalização destas empresas o plano aprovado pelos credores é, com apertada semelhança, o que foi aprovado pelos credores da ora recorrente, homologado pela sentença da 1ª Instância, decisão que foi revogada pelo Acórdão recorrido que sentenciou em clara contradição com o sentenciado nos Acórdãos-fundamento.

Naqueles processos, o BANCO CC, como recorrente, sustentou argumentação que agora esgrime em sede de ampliação do recurso como parte recorrida.

O Acórdão recorrido revogou, como dissemos, a sentença homologatória do Plano de Revitalização, essencialmente por ter considerado que as medidas insertas no Plano violam o princípio da especialidade de gozo das sociedades comerciais, exprimindo violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano – art. 215º do CIRE aplicável ex vi do art. 17º-F, nº5.

Afirma-se no Acórdão recorrido:

“O juiz a quo considerou inexistir, in concreto, violação do enunciado princípio da especialidade por entender que a devedora/requerente e as sociedades que, por força do plano, assumem o pagamento das dívidas daquela, se encontram numa relação de grupo (o denominado “GRUPO LL”), legitimando e reconduzindo a legalidade da assunção dessa responsabilidade à exceção contemplada no art. 6º, nº3, in fine, adiantando outrossim que “não decorre da lei que tenha de ser a sociedade dominante a prestar a garantia à sociedade dominada”, podendo ser esta a prestá-la a favor daquela. 

Não se nos afigura, contudo, que essa assunção caía no âmbito de previsão da aludida exceção, sendo certo que dada a natureza excecional da norma que a contempla, está, por conseguinte, afastada a sua aplicação analógica (art. 11º, 1ª parte do Cód. Civil).

É que a lei, como exceção ao princípio da especialidade, apenas contempla a prestação de garantias (reais ou pessoais) entre sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não abarcando na sua fattispecie a assunção de dívida, o que se compreende já que na assunção de dívida a sociedade assuntora não se limita apenas a garantir o pagamento da dívida, antes a assume como própria.

Portanto, uma coisa é a prestação de garantia entre sociedades em relação de domínio ou de grupo (que a lei admite), coisa distinta é a assunção da dívida por uma sociedade terceira (embora em relação de domínio ou de grupo) relativamente à dívida da requerente/devedora, que se assume como ato gratuito muito mais oneroso para o património societário da entidade assuntora, tanto mais que por força dessa assunção esta assume, como se referiu, a dívida como própria não podendo, consequentemente, obter o seu subsequente reembolso ou integração […].        

[…] Ora, no caso sub judicio, tendo em conta as condições definidas no plano de revitalização aprovado, não estamos em presença de uma (mera) prestação de garantias por banda das sociedades “NN, S.A.”, “Sociedade MM, S.A.” e “OO, S.A.”, mas antes perante um verdadeiro negócio de assunção de dívida porquanto serão estas a suportar o pagamento dos débitos da devedora/requerente.

Consequentemente a assunção de dívida nos termos estabelecidos no plano de revitalização não cai no âmbito de previsão do segmento normativo do art. 6º, nº3, in fine, consubstanciando antes uma verdadeira liberalidade não permitida nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, afrontando, nessa medida, o enunciado princípio da especialidade do fim.

Registe-se, aliás, que, ao invés do entendimento sufragado no ato decisório sob censura – que considera que a parte final do nº3 se aplica independentemente da posição da sociedade garante na coligação -, não se nos afigura sequer que a lei permita a prestação de garantia por banda da sociedade dependente ou dominada a favor da sociedade dominante ou diretora, numa interpretação teleológica do citado segmento normativo.” (destaque e sublinhado nosso)

O art.6º do Código das Sociedades Comerciais, que rege sobre a capacidade das sociedades, consigna:

“1. A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.  

2. As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.

3. Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.

4. As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticar esses actos.

5. A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários.”

Os grupos de sociedades estão regulados no Código das Sociedades Comerciais, Sociedades coligadas – art. 481º - versando a lei sobre quatro tipos de sociedades coligadas: sociedades em que existem relações de simples participação (arts. 483º e 484º); relações de recíprocas participações (art.485º); relações de domínio (art.486º) e relações de grupo (total inicial – art.488º) e total superveniente (art.489º).

No caso, estando em causa sociedades em relação de domínio, o que não é discutido, importa ponderar o regime do art. 486º do Código das Sociedades Comerciais.

“1. Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.°, n.°2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.

2. Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:

a) Detém uma participação maioritária no capital;

b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.

 3. Sempre que a lei imponha a publicação ou declaração de participações, deve ser mencionado, tanto pela sociedade presumivelmente dominante, como pela sociedade presumivelmente dependente, se se verifica alguma das situações referidas nas alíneas do n.º2 deste artigo”.

“Às sociedades em relação de domínio aplicam-se as regras sobre a proibição de aquisição pela sociedade participada de quotas ou acções da sociedade participante (art. 487.°), bem como os deveres de comunicação (art. 484.°) e de publicidade (art. 486.°, n.°3).

É de salientar também a importância dada à relação de domínio no art. 6.°, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, que proíbe em regra, a prestação por uma sociedade de garantias reais ou pessoais (hipotecas, penhores, fianças, avales, etc.) a dívidas de outras entidades, ressalvando, todavia, dessa proibição, entre outras, a concessão de garantias a dívidas de sociedades em relação de domínio (Luís Brito Correia, “Grupos de sociedades, em Novas perspectivas do direito comercial, 1988, pág. 393) ” – “Código das Sociedades Comerciais”, Abílio Neto, em anotação ao art.486.

São vários os motivos por que se podem estabelecer relações de domínio, avultando os de ordem económica, financeira, administrativa, concorrencial, relevando a “direcção unitária” que não derroga a personalidade jurídica das sociedades dominadas, nem a substituição dos seus órgãos directivos.

No que concerne à prestação de garantias, a dívidas de outras sociedades, rege o art. 6º, nº3, do Código das Sociedades Comerciais, “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.”

O normativo consagra o princípio da especialidade do fim: na sua 1ª parte consagra uma regra e, na parte final, duas excepções; assim, a proibição de prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades é a regra; a excepção é que a prestação de garantias pela sociedade é legítima se a sociedade que presta a garantia tiver um justificado interesse próprio, ou quando exista uma relação de domínio quanto à sociedade a quem é prestada a garantia (a sociedade dominada).

Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, Vol. II – Das Sociedades” – pág.195, sobre o nº3 do art.6º, escreve quanto às excepções:

“A prestação de garantia é justificada pelo interesse próprio da sociedade garante quando ela se mostre objectivamente apta para satisfazer o desejo de todo o sócio enquanto tal de obter lucros através dessa mesma sociedade […] passemos à segunda excepção prevista no n.°3 do art. 6.º “se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”.

Segundo uma interpretação, a sociedade H tem sempre capacidade para prestar garantias a dívidas da sociedade I quando ambas se encontrem em relação de domínio ou de grupo, independentemente de se saber se H é a dominante ou a dependente (v. art. 486.°), a totalmente dominante ou a totalmente dependente, a directora ou a subordinada (v. arts. 488.°, ss.).

A lei (art. 6.°, 3) não distingue nem há razões para o intérprete distinguir. Há em qualquer caso “grupo” de sociedades (“grupo de facto” quando as sociedades estejam “em relação de domínio”, “grupo de direito” quando estejam “em relação de grupo”) e, portanto, solidariedade de interesses; há um “interesse de grupo” que possibilita que seja qual for a sua posição, preste garantias a dívidas de I”. Depois de considerar tal interpretação como simplista e, virtude das diferenças entre sociedades em relação de grupo e a sociedades em relação de domínio, escreve na pág. 200. “Ora, o n.°3 do art. 6.°, ao permitir que uma sociedade preste garantias (gratuitas) a dívidas de outra sociedade que com aquela esteja em relação de domínio ou de grupo, há-de fazê-lo com fundamento na ideia de que a sociedade garante não descura com isso o seu próprio interesse e o interesse dos seus credores (dispensando então a lei a necessidade de se provar o “justificado interesse próprio da sociedade garante” para a afirmação da validade da garantia). Mas, já se vê, esta ideia não vale para toda e qualquer sociedade garante em relação de domínio ou de grupo, independentemente da sua posição nessas relações. Vale, nas relações de domínio, para a sociedade dominante, não para a dependente.

Em maior ou menor medida, a dominante, enquanto sócia da dependente, tem sempre interesse no bom andamento da segunda; é lícito, pois, que ela garanta dívidas desta.

Não assim com respeito à sociedade dependente.”

 Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2009, em anotação ao art.6º, nº3, Garantias a terceiros, ensina:

 “O 6.°/3, pela perífrase da contrariedade ao fim da sociedade proíbe a prestação de garantias a terceiros, salvo em duas circunstâncias: (a) justificado interesse próprio da sociedade garante; (b) situação de domínio ou de grupo. A prática tem alargado as excepções ponto de consumirem a regra. O interesse justificado da sociedade garante, é fácil de invocar, admitindo a jurisprudência que seja “indirecto”. A situação de domínio (486.°) e a de grupo (488.° ss.) podem ser alargadas aos grupos de facto. A jurisprudência e a parecerística reduzem ainda a invalidação das garantias para protecção da boa fé de terceiros. As restrições do 6.°/3 reportam-se, apenas, às garantias gratuitas.”  

No Acórdão recorrido considerou-se, a fls. 681 – “Ora, no caso sub judicio tendo em conta as condições definidas no plano de revitalização aprovado, não estamos em presença de uma (mera) prestação de garantias por banda das sociedades “NN, S.A.”, ‘Sociedade MM, S.A.” e “OO, S.A.”, mas antes perante um verdadeiro negócio de assunção de dívida porquanto serão estas a suportar o pagamento dos débitos da devedora/requerente.

Consequentemente a assunção de dívida nos termos estabelecidos no plano de revitalização não cai no âmbito de previsão do segmento normativo do art. 6°, n°3, in fine, consubstanciando antes uma verdadeira liberalidade não permitida nos termos do nº2 do mesmo preceito legal, afrontando, nessa medida, o enunciado princípio da especialidade do fim.” (destaque e sublinhado nosso)

Vejamos acerca da assunção de dívida.

O art. 595º do Código Civil estatui: “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.

2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, em nota ao preceito, escrevem: “Como o próprio nome indica, a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.

A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação…A lei não exige ratificação expressa, mas isso não tem inconveniente para o credor, dada a doutrina do n.º2. Será tácita a ratificação, por exemplo, se o credor aceitar juros do novo devedor.

Mas, num caso ou noutro, o nº2 estabelece ainda, como medida de protecção do credor, que este, não exonerando expressamente o antigo devedor, pode exigir o cumprimento da obrigação de qualquer deles. Os devedores são solidários (cfr. arts. 512.° e 518.° e segs.).

Neste caso, fica existindo aquilo que os autores designam por co-assunção de dívida, assunção cumulativa, acessão ou adjunção à dívida (vide o caso decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 109.°, págs. 201 e segs.), que na prática é muitas vezes difícil de distinguir da fiança (Vaz Serra, Assunção de dívida, no Bol., n.º72, pág. 189, nota 1).

Verdadeira assunção (liberatória) de dívida existe no caso de o antigo devedor ser exonerado e ficar apenas vinculado o novo devedor. Embora a assunção cumulativa se traduza num benefício para o credor, ela não será eficaz enquanto este não lhe der a sua anuência (cfr. a alínea a) do nº 1). Assim o impõe o chamado princípio do contrato e a regra segundo a qual a ninguém pode ser imposto um benefício contra sua vontade (neste sentido, Antunes Varela, Das obrigações em geral, 3.ª ed. vol. II, págs. 334-335; vide também Ney Ferreira, Da assunção de dívidas, pág. 74).  

No caso em apreço, tendo em conta a sua particularíssima especificidade: processo de revitalização, sociedades em relação de grupo e o plano de recuperação, o negócio atípico, celebrado entre a devedora/requerente do PER e os seus credores, não sendo de desconsiderar que a revitalização coenvolve a implicação das sociedades-filhas, já objecto de PER onde interveio o BANCO CC, não estamos perante um contrato de assunção liberatória de dívida, desde logo, porque esta pressupõe a exoneração do primitivo devedor, com o assentimento do credor.

 No Acórdão afirma-se que, por força dessa assunção, a sociedade assuntora assumia a dívida da Requerente “como própria”. Não cremos que tenha sido essa a solução que emergiu da assembleia de credores que aprovou o plano: quando muito estar-se-ia perante assunção cumulativa da dívida.

Ensina Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 359/360:

“Mas há situações com uma fisionomia diferente, como expressamente se afirma no artigo 595.°, n.°2: são aquelas em que a assunção da divida coloca o assuntor ao lado do primitivo devedor, mas sem exonerar este, dando assim ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com os devedores solidários […].

[…] A doutrina, quer nacional, quer estrangeira, procura realçar a profunda diferença existente entre as duas variantes da transmissão, crismando-as com designações diferentes.

Aos casos em que o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou privativa de divida…Àqueles em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele, dão os autores a designação de assunção cumulativa de dívida, co-assunção de dívida, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida.

Como deixamos entrever, o facto de se tratar de um plano de revitalização de uma SGPS cujo objecto é a gestão de participações sociais, existindo uma relação de grupo em que a sociedade-mãe detém a maioria do capital social das sociedades dominadas, todas tendo recorrido a PER, e não constando do CIRE qualquer tratamento expresso da insolvência de sociedades em relação de grupo (como também no contexto de PER), lidar com o art. 6º, nº3, do Código das Sociedades Comerciais e a proibição de garantias no contexto dessa relação societária, como se a sociedade dominante e as dominadas não passassem pelo transe económico pré-insolvencial que a crise lhes causou, seria desconsiderar o melindre das implicações intrínsecas à revitalização de sociedades comerciais em relação de domínio.

Importa ponderar, dado o fim precípuo do PER, que a não homologação do plano de revitalização da Recorrente, que supõe uma complexa operação jurídica e económica de “entreajuda” entre a sociedade-mãe as sociedades-filhas e irmãs, comprometeria a recuperação já decretada judicialmente de, pelo menos, duas delas. De muito relevante é que, o plano de revitalização das sociedades dominadas, contempla, pari e passu, a medida a validade da “garantia” – hipoteca partilhada – estabelecida entre elas, com a concordância dos credores, e que aqui no Acórdão recorrido se considerou ilegal.

Com efeito, consta do Plano no item “Medidas Propostas”, “Considerando a relação de grupo existente entre a Devedora e as sociedades do GRUPO LL, a principal preocupação do Plano, para além da adequação à situação económica, será a de se assegurar a sua sintonia e perfeita articulação com os demais Planos de Revitalização das sociedades do grupo e a aprovação de todos eles.

Por outro lado, as relações creditícias existentes entre as sociedades do grupo exigem que todas elas sejam garantes das obrigações assumidas nos demais Planos de Recuperação.

O pagamento das dívidas será feito pela Devedora ou por outras sociedades do GRUPO LL, sendo certo que, tendo alguns créditos, por força das garantias prestadas reflectidos na contabilidade e relação de credores de mais que uma empresa do Grupo, apenas por uma delas, a principal Devedora, será pago, mantendo-se as garantias prestadas pelas demais Sociedades do Grupo, sem prejuízo do apuramento de resultados positivos pelas sociedades participadas dever ser remetido para a sociedade holding.” (destaque e sublinhado nosso).

De notar que a garantia em causa é uma garantia hipotecária dada por escritura pública de 18.7.2013, em data anterior ao PER como resulta do ponto viii do Plano:

 

“Mantém-se válida a hipoteca partilhada constituída por escritura pública celebrada em 18 de Julho de 2013, ficando a emissão dos distrates pelos credores hipotecários sujeita às seguintes condições: a) A realização de escrituras de compra e venda dos imóveis dados em garantia hipotecária e que os garantes pretendem desonerar, terá que respeitar as disposições dos Planos de Recuperação da Devedora e das sociedades do GRUPO LL.”

A ter havido violação do princípio da especialidade, que dizer da celebração, em 18 de Julho de 2013, da hipoteca partilhada, onde o Banco recorrido, como credor das sociedades, outorgou, e na qual são hipotecados imóveis das sociedades que, tal como a AA, S.A., integram o GRUPO LL?

Como afirma a Recorrente, a ter ocorrido nulidade do negócio jurídico de constituição de hipoteca voluntária, por violação do princípio da especialidade do fim, tal garantia beneficia, não só as sociedades que deram os imóveis em garantia, mas também a requerente, dada a relação de grupo existente. Acontece que os planos de recuperação das sociedades participadas (ou do grupo) da AA, SA, proprietárias dos imóveis hipotecados, têm disposições iguais ou semelhantes ao plano ora em crise, planos que já foram homologados e as decisões de homologação transitaram em julgado (nalguns dos casos as decisões de primeira Instância foram até sufragadas pelo Tribunal da Relação), como demonstram as decisões desse Tribunal, proferidas no Proc. nº5361/15.4TB8OAZ.P1[3], de 11.10.2016 – fls. 669 a 685 e no Proc. nº5362/15.2T8OAZ[4], de 27.9.2016 – fls. 811 a 826.

 

Na “Revista de Direito das Sociedades”, Ano V (2013) Números 1 e 2, no importante Estudo “A Insolvência nos grupos de sociedades: o problema da consolidação substantiva” da autoria de Sara Monteiro Maia Machado – págs. 339 a 367 – pode ler-se:

A (in)existência de um conceito de grupo de sociedades para efeitos do CIRE

 O primeiro aspeto que cumpre salientar traduz-se no facto de o CIRE não conter um regime específico aplicável ao grupo de sociedade. Como não contém, também, um conceito específico de grupo de sociedades. Quando pretende ressaltar a especificidade dos grupos, o CIRE limita-se a remeter para as noções oferecidas por outros sectores do ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, no artigo 49º do CIRE, que se refere às pessoas especialmente relacionadas com o devedor (cujos créditos podem ser considerados subordinados nos termos do artigo 48.º’) prevê-se na al. b) do n.°2 “as pessoas que, se forem o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários (…)”. Há, portanto, uma remissão expressa para a noção prevista no Código dos Valores Mobiliários. Mas, se atentarmos no artigo 86.º, nº 2, do CIRE, determina-se que, sendo o devedor uma sociedade comercial, podem ser apensados, a requerimento do administrador da insolvência, os processos em que “tenha sido declarada a insolvência de sociedades que, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, domine ou com ela se encontrem em relação de grupo”.

A remissão é agora efetuada para o conceito de grupo previsto no Código das Sociedades Comerciais.

Assim, embora a não tenha ignorado por completo a realidade dos grupos, o legislador concursal absteve-se de um conceito de grupo de sociedades específico para efeitos do CIRE, optando antes pela técnica da remissão quando pretende salientar a sua especificidade em matéria de insolvência.

Sujeitos passivos da declaração de insolvência: O grupo de sociedades?

A propósito do artigo 2.º do CIRE cuja epígrafe é “sujeitos passivos da declaração de insolvência” cumpre colocar uma questão: será procedente a declaração de insolvência de um grupo de sociedades como tal?

A resposta parte da contradição existente entre a ausência de personalidade jurídica do grupo e a sua presença como sujeito empresarial unitário. O primeiro e fundamental obstáculo que se coloca assenta, portanto, nos limites derivados da personalidade jurídica de cada uma das sociedades que o integram ou na correlativa ausência de personalidade jurídica do grupo. A tensão entre essa vinculação patrimonial e a autonomia formal é permanente no processo de insolvência desde o seu início até ao seu fim. Sendo certo que o grupo compreende um número variado de sujeitos independentes, não é menos certo que para o exterior aparenta, não raras vezes, uma unidade patrimonial do conjunto das sociedades que o integram. Frente aos credores é frequente invocar a solvência patrimonial conjunta do grupo como elemento de garantia. De facto, à margem da existência de uma garantia do grupo em sentido estrito – v.g. as cartas de patrocínio – a pertença ao mesmo e, em especial, a capacidade patrimonial da sociedade-mãe pode ser vista pelos credores como um fator que atenua o risco de incumprimento de qualquer das filiais.

No entanto, o grupo também implica riscos do mesmo ponto de vista. A dependência que é tão útil para assegurar a solvência e o cumprimento das suas obrigações pode converter-se numa via para que as sociedades que aparecem como solventes se vejam arrastadas para um processo de insolvência. Por razões de coerência teríamos que admitir que uma mesma circunstância – integração num grupo – serve não só para reforçar a confiança dos credores na solvabilidade mas também para cumprir as obrigações. Ou seja, se a solvência da sociedade dominante ou de outras sociedades do grupo serviram para que uma sociedade filial obtivesse crédito, não parece anómala a predisposição favorável a reconhecer aos credores a faculdade de reclamarem daquelas o pagamento do crédito quando a filial não está em condições de o fazer. Dir-se-á que a confiança no grupo não deve servir só para contrair dívidas mas também para a sua satisfação. A aparência unitária gera uma confiança nos terceiros que também deve ser valorada nas crises económicas. Por outro lado, a participação das demais sociedades do grupo pode ser importante na hora de se tomar uma decisão quanto àquela que será a solução concursal.

Pense-se, por exemplo, num plano de insolvência com vista à recuperação da sociedade insolvente.

Nestes casos, a participação das outras sociedades do grupo pode ser importante, desde logo, porque será a elas a quem primeiro se irá solicitar um esforço especial com vista ao saneamento da sociedade insolvente.

Esforço que não raras vezes é imprescindível na medida em que a continuidade da sociedade insolvente reclama que continue recebendo um tratamento funcional e financeiro adequado do grupo”.  

A finalizar a apreciação, a Tratadista conclui – “pela inadmissibilidade de um pedido conjunto de declaração de insolvência”.

O art. 86º, nº2, do CIRE, sobre a apensação de processos de insolvência, confere ao administrador da insolvência a faculdade de requerer a apensação, estabelecendo “Sendo o devedor uma sociedade comercial, relativamente aos processos em que tenha sido declarada a insolvência de sociedades que, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, ela domine ou com ela se encontrem em relação de grupo”, norma que não se vislumbra que não possa ser aplicada, no contexto do PER, sendo devedora a sociedade-mãe.

Dentro de um grupo societário, que mais não é que uma só empresa plurissocietária, a separação patrimonial entre as diversas pessoas jurídicas deixa de ser estanque e conhece desvios significativos.

Engrácia Antunes, in “Os Grupos de Sociedades”, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2002, p. 745, escreve: “A circulação e a realocação dos recursos produtivos no interior dos grupos empresariais constitui uma prática frequente da sua vida interna, representando justamente uma das vantagens essenciais que explica o seu sucesso como forma alternativa de organização da empresa moderna: com efeito, […] a estrutura do grupo constitui uma espécie de “micro-mercado organizado” para os vários recursos gerados pela empresa plurissocietária global (recursos patrimoniais, financeiros, laborais, tecnológicos), os quais são distribuídos entre os seus diversos membros individuais de acordo com o critério da maximização da eficiência produtiva e rentabilidade do todo económico (tal como concebido e definido pela sociedade-mãe).”.

Ana Perestrelo de Oliveira, in Direito das Sociedades, “A insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial e a subordinação de créditos intragrupo”, pág. 1001 e segs., ensina:

“ […] A norma do 86.º/2 [do CIRE] deve ter directa incidência material, permitindo afastar a ideia do processo de insolvência como processo exclusivamente dirigido à liquidação do património de cada sociedade individual.

A consolidação processual não poderá deixar de ter correspondência – sob pena da extraordinária limitação do impacto prático – numa consolidação dos activos e das responsabilidades das várias sociedades, tendo em vista a reposição da justiça na distribuição dos riscos que a presença do grupo terá destruído ou perturbado.

Em tais hipóteses, a apensação de processos constitui, simplesmente, o instrumento processual da realização do princípio material da igualdade de tratamento entre os credores, nos casos em que estes contratam com uma sociedade individual, contando com a responsabilidade do respectivo património, mas a separação patrimonial entre as sociedades é meramente formal: o sistema, através do princípio da boa fé, determina uma imputação das situações jurídicas activas e passivas em termos distintos daqueles que formalmente resultam da personalidade jurídica autónoma das diversas sociedades do grupo e da consequente limitação das responsabilidades legalmente prescrita.

No caso de insolvência simultânea da sociedade-mãe e da sociedade-filha, os credores da sociedade-filha assumem a posição de credores da insolvência tanto em relação à sociedade-mãe como em relação à sociedade-filha. (…).

Se assim é, justificar-se-á que a apensação de processos, legalmente prevista, se traduza também numa liquidação conjunta das sociedades. Sendo a sociedade-mãe responsável também perante os credores da subsidiária, a consolidação das massas patrimoniais e das responsabilidades de ambas as sociedades favorece a justa repartição das massas patrimoniais pelos diferentes credores do grupo (da sociedade-mãe e da sociedade-filha) devendo ser afirmada.

O artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais pretende, em rigor, reconhecer uma “unidade de responsabilidade” entre empresa-mãe e empresa-filha, pelo que não se vê que obstáculos se colocam à liquidação conjunta, quando é certo que tudo aponta para a realização da “par conditio creditorum” ao nível do grupo, sobretudo se considerarmos o impacto que a integração no grupo tem também na situação dos credores da sociedade dominante.

Nestes termos, parece que deve reconhecer-se que a via mais adequada para garantir a igualdade entre os credores da sociedade-mãe e os credores da sociedade-filha é a consolidação das obrigações e das massas insolventes, procedendo-se à liquidação em conjunto (…) Ainda que o CIRE não comine expressamente essa consequência para a apensação, ela decorrerá das regras materiais do Direito societário.

Aqui chegados, impõe-se a conclusão de que, no caso de haver confusão de patrimónios, é mais simples, mais justo e mais económico haver um processo de insolvência do grupo.

(…) Só assim se realiza o objectivo material do artigo 86.º/2 de garantir a igualdade dos credores.”.

Como antes se disse, o CIRE não impõe a liquidação societária em conjunto, sequer no caso de insolvência, certamente em respeito pela autonomia jurídica de cada sociedade, pelo que duvidoso será que o art. 86.º, nº2, do CIRE seja aplicável ao PER. De todo modo, o que o processo demonstra é que, não só o Recorrente requereu o PER, como quatro das sociedades suas dominadas o fizeram, mas separadamente, o que frustra a possibilidade de aplicação de um Plano de revitalização que a todas abrangesse.

De todo modo, não se pode considerar, pelas razões sobreditas, que as sociedades dominadas prestaram uma garantia à recorrente.

 A haver garantia ela teria sido prestada, antes do PER, pela “hipoteca partilhada” através da qual as sociedades dominadas deram imóveis seus, como garantia da dívida da recorrente, garantia de que beneficiou o Recorrido BANCO CC, pelo que, não pode manter-se o Acórdão recorrido que considerou que foi violado o princípio da especialidade das sociedades dominadas “NN, S.A”, “Sociedade MM, SA” e “OO S.A” e, como tal, que o plano não podia ser homologado por a violação de tal princípio constituir violação não negligenciável.

Pelo que, em consequência, procedem as conclusões do recurso, com a inerente revogação do Acórdão recorrido.

Quanto à ampliação do recurso, requerida pelo recorrido BANCO CC.

O PER deu entrada em juízo em 19.11.2015 pelo que se aplica o Novo Código de Processo Civil, como decorre do art. 7º, nº1, do nCódigo de Processo Civil.

Nos termos do art. 679º - Aplicação do regime da apelação

“São aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação interposta para a Relação, com excepção do que se estabelece nos artigos 662º e 665º e o disposto nos artigos seguintes.”

O artigo 665[5]º - Regra da substituição ao Tribunal recorrido – no seu nº2 estatui:

“Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por aí considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão m que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.   

O Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição – Abril de 2014, em nota de actualização ao art.679º, pág. 356, escreve:

“Corresponde ao art. 726º do anterior Código de Processo Civil, sendo afastada, no entanto, a aplicabilidade de todo o art. 665º e não apenas do seu nº1, como ocorria com a remissão que era feita para o disposto no nº1 do art. 715º do anterior Código de Processo Civil.”

Na nota 4., pág. 359, acrescenta: “Mais atenção merece a não aplicação de todo o art. 665º, por comparação com o regime pregresso em que apenas se excluía o nº1 do art. 715º do anterior Código de Processo Civil.

No sistema anterior, uma vez que não estava vedada a aplicação à revista do nº2 do art. 715º, quando a Relação tivesse deixado de conhecer de certas questões, por considerá-las prejudicadas pela solução dada ao litígio, se o Supremo Tribunal de Justiça dispusesse de todos os elementos, deveria substituir-se à Relação e proferir a decisão sobre o mérito do recurso em toda a sua extensão.

No NCPC o art. 679º exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no art. 665º, incluindo o nº2 que trata das aludidas situações que no Código de Processo Civil anterior constavam do nº2 do art. 715º

Tal significa que foi retirada a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação, devendo agir do seguinte modo:

a) Detectada alguma nulidade decisória que afecte o acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o prescrito pelo art. 684º, nuns casos (als. c) e e) e 2ª parte da al. D), do art. 615º), decidirá em regime de substituição, noutros casos, maxime quando a nulidade corresponder a omissão de pronúncia, limitar-se-á a cassar a decisão, remetendo os autos para a Relação;

b) Quando o acórdão da Relação não estiver afectado por uma nulidade mas dele emergir apenas que não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, se tal acórdão for revogado, impõe-se a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciadas em primeira mão as questões omitidas. ” (destaque e sublinhado nosso)

 Sufragando tal entendimento não cumpre apreciar da requerida ampliação do objecto do recurso, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das questões que no Acórdão recorrido considerou prejudicadas[6].

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão, no que respeita ao fundamento do recurso apreciado – violação do princípio da especialidade societária - determinante da revogação da homologação do plano de revitalização da Recorrente.

Mais se decide ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do …, para apreciar as questões que o Acórdão recorrido foram consideradas prejudicadas, objecto da ampliação do recurso de revista formulado pelo Recorrido BANCO CC.

Custas, provisoriamente, pelo Recorrido.

           

Supremo Tribunal de Justiça, 04 de abril de 2017

Fonseca Ramos – Relator

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

_______________________________________________________
[1] Relator - Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] Cita, para fundamentar a ampliação, o “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3.º, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2008, p.44, §2 e “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2010, p, 107.
[3] Neste recurso onde foi Recorrente (s): BANCO SS, S.A. e BANCO CC-BANCO RR, entretanto adquirido pelo primeiro, e recorrida BB, S.A., estava em causa PER que foi aprovado em 5.4.2016. O recurso foi julgado improcedente. Consta provado que – “No dia 17/07/2013, no Cartório Notarial de …, foi outorgada uma escritura pública de constituição de uma hipoteca cm paridade, sobre diversos imóveis do Grupo, para garantir o pagamento das dívidas das sociedades do Grupo a favor dos credores BANCO TT, BANCO UU, BANCO VV, BANCO CC, BANCO WW, BANCO XX, BANCO YY, BANCO ZZ, BANCO AAA e BANCO BBB, nos termos constantes de fls. 474/513 destes autos.”
[4] Foram Recorrente(s): BANCO SS, S.A. e BANCO CC-BANCO RR e Recorrida “NN, S.A.”. O Recurso foi julgado improcedente. Da sua leitura colhe-se que as questões colocadas foram as seguintes: “Se o plano de revitalização deve ser rejeitado por: a) Violação do princípio da especialidade da capacidade de gozo das sociedades comerciais; b) Violação do princípio da autonomia patrimonial das sociedades comerciais; c) Violação do princípio da intangibilidade do capital social das sociedades; c) Inexequibilidade”.
[5] Correspondente ao art.715º do anterior Código de Processo Civil.
[6] O douto Acórdão, a fls. 668, indicou como questões solvendas (além da junção de documentos), “determinar se o plano aprovado e homologado viola regras imperativas, concretamente o princípio da especialidade da capacidade de gozo das sociedades comerciais, o princípio da intangibilidade do capital social da sociedade dominada e bem assim o princípio da autonomia patrimonial das sociedades comerciais; determinar se o plano aprovado e homologado é inexequível, por assentar no pressuposto (condicional) de que os planos de revitalização apresentados pelas outras sociedades integrantes do grupo serão aprovados: determinar se a apelante litiga com má-fé”. A fls.683 e antes da apreciação da litigância de má-fé, está escrito, “Como assim, em face da manifesta inobservância dos limites decorrentes do princípio da especialidade (que, como se sublinhou, assume inequivocamente natureza cogente), segue-se, pois, estarmos em presença de violação não negligenciável de regras sobre o conteúdo do plano, o que, per se, implica a inviabilidade da sua homologação à luz do disposto no art. 215° (ex vi do n°5 do art. 17°-F), mostrando-se, nessa medida, prejudicada a apreciação dos demais argumentos aduzidos pela apelante nas suas alegações recursórias que, de forma reforçativa, visavam demonstrar a ocorrência de vício de conteúdo impeditivo dessa homologação. (destaque nosso)