Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22629/15.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: DEVER DE OBEDIÊNCIA
FALTAS INJUSTIFICADAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 05/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DA NULIDADE DO ACÓRDÃO NEGADA A REVISTA DO AUTOR. CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR / JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO.
DIREITO CIVIL -- RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 821.
- Baptista Machado, «Tutela da Confiança…», in Obra Dispersa, I, 421 e ss..
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 280.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Volume V, 2.ª reimpressão, Almedina, 2011, parágrafo 34.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 637.º, N.º 1, 666.º, 978.º, N.º1
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 77.º, 81.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 126.º, 128.º, 351.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 10/4/2003, C.J., TOMO II/2003, 197.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 16/6/2015, PROCESSO N.º 962/05.1TTLSB.L1.S1 .
-DE 31/01/2012, PROCESSO N.º 70/04.2TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 27/10/2010, PROCESSO N.º 3034/07.0TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11/12/2013, PROCESSO N.º 629/10.9TTBRG.P2.S1 - 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12/6/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. A conduta de um trabalhador, com funções de diretor numa instituição bancária, que não cumpre uma ordem legítima do seu empregador para se apresentar em determinado dia, mantendo-se numa situação de faltas injustificadas de 15/02/2015 a 22/04/2015, e que deu azo a uma quebra da relação de confiança existente, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, integrando justa causa de despedimento.

2. O Autor ao peticionar ao empregador as despesas referentes à renda de habitação, condomínio, propinas das escolas dos filhos e respetivas mensalidades, que o empregador assumiu, contratualmente, pagar-lhe, referentes ao período em que exerceu funções de diretor (01/01/1998 a 31/08/2000 e de 05/11/2014 a 28/07/2015) e de administrador (01/09/2000 a 05/11/2014), quando nunca as peticionou, e sendo que durante parte desse período integrou o Conselho de Administração do empregador, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e o fim social e económico do seu direito.
 
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA (A.) intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do Processo Especial, contra BB, S.A. (R.), tendo apresentado, para o efeito, o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho.

Juntou, com o referido formulário, a decisão, proferida pela empregadora, que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.

Teve lugar a audiência de partes, nos termos do disposto no art.º 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, não se tendo logrado obter a conciliação entre as partes.

O empregador motivou o despedimento, alegando, em síntese: (i) o trabalhador foi transferido para o “BB, S.A.” por efeito da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, proferida nos termos do art.º 145.º-G, n.º 5, do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, clarificada pela Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal. de 11 de agosto de 2014; (ii) o trabalhador foi admitido ao serviço do “Banco CC, S.A.” em 28 de junho de 1995, tendo exercido as funções de diretor no Departamento …; (iii) em 29 de dezembro de 1997, entre o trabalhador e o “Banco CC, S.A.” foi celebrado um aditamento ao contrato de trabalho, com início no dia 1 de janeiro de 1998, nos termos do qual o trabalhador foi colocado pelo “Banco CC, S.A.” na diretoria executiva do Banco DD, em ..., ...; (iv) no dia 31 de agosto de 2000, entre o trabalhador e o “Banco CC, S.A.” foi celebrado um novo aditamento ao contrato de trabalho, por via do qual o trabalhador foi colocado pelo “Banco CC, S.A.” como administrador no “BCC Investimento do ..., S.A” (BCCI ...), com início no dia 1 de setembro de 2000; (v) este último aditamento foi celebrado pelo prazo de três anos, com prorrogações sucessivas por iguais períodos ou outros, e mais ficou estipulado que o mesmo poderia ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo; (vi) o cargo social de administrador no BCCI ... exercido pelo trabalhador cessou com efeitos reportados a 5 de novembro de 2014, sendo que, nessa sequência, a empregadora comunicou-lhe a necessidade de se apresentar ao seu serviço para retomar as suas funções, tendo, para o efeito, fixado a data de 2 de fevereiro de 2015; (vii) o trabalhador não se apresentou ao serviço naquela data, tendo apresentado documento médico atestando a sua incapacidade para o trabalho até ao dia 14 de fevereiro de 2015; (viii) porém, em 15 de fevereiro de 2015, o trabalhador não se apresentou ao serviço da entidade empregadora, não procedendo, concomitantemente, à justificação das suas ausências, não obstante as sucessivas interpelações da entidade empregadora para que assim procedesse; (ix) o trabalhador violou o dever de assiduidade, assim atuando de forma voluntária e consciente, inviabilizando, irremediavelmente, a relação laboral que mantinha com a entidade empregadora; (x) atenta a conduta empreendida pelo trabalhador, opõe-se à reintegração.

Conclui pela verificação dos fundamentos que presidiram ao despedimento, com justa causa, do trabalhador, pedindo, em consequência, a absolvição dos pedidos formulados.

Notificado do articulado motivador do despedimento, o trabalhador respondeu ao mesmo, impugnando os factos imputados e alegando, em síntese: (i) a sua antiguidade deve reportar-se a 1 de novembro de 1990; (ii) à data do despedimento operado pela entidade empregadora auferia a remuneração base ilíquida de € 2.723,11, acrescida de uma denominada remuneração base complementar no valor ilíquido de € 8.999,91, e diuturnidades no valor de € 276,98; (iii) exerceu a sua atividade profissional no ..., por conta e sob a direção e ordens da entidade empregadora e do grupo societário em que este se integrava desde 1 de janeiro de 1998; (iv) cessou a sua atividade como administrador do BCCI ... em 5 de novembro de 2014 após o que se iniciaram conversações entre as partes com vista à revogação do contrato de trabalho, nunca tendo sido perspetivada a possibilidade da sua transferência para Portugal; (v) só em 8 de janeiro de 2015 foi informado pelo diretor de recursos humanos da entidade empregadora que, caso fosse recusada a proposta de revogação do contrato de trabalho, se deveria apresentar a fim de retomar as suas funções em Portugal no dia 2 de fevereiro de 2015; (vi) a ordem de transferência dada pela entidade empregadora é ilegal porquanto não foi observado o período de três meses de denúncia do termo previsto no aditamento ao contrato de trabalho, o qual apenas ocorreria em 31 de agosto de 2015; (vii) além do mais, a entidade empregadora não fundamentou a ordem de transferência, bem sabendo que o trabalhador tinha toda a sua vida profissional e pessoal organizada no ...; (viii) a entidade empregadora não tinha qualquer interesse sério no seu regresso porquanto nunca o integrou formalmente no departamento internacional e não existiam, nesse departamento, quaisquer funções que lhe pudessem ser atribuídas; (ix) recorreu às instâncias judiciais ...eiras, tendo obtido decisões que julgaram ilícita a ordem de transferência dada pela entidade empregadora, mostrando-se, pois, as suas ausências inteiramente justificadas; (x) inexistiu, da sua parte, a prática de factos suscetíveis de ser considerados graves e culposos; (xi) aquando da cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora não procedeu ao pagamento de créditos de natureza laboral; (xii) ao longo da sua permanência no ..., a entidade empregadora nunca procedeu ao pagamento das quantias a que se obrigou nos aditamentos ao contrato de trabalho, maxime, as despesas com renda e condomínio e despesas escolares dos seus filhos.

Conclui pela procedência da ação, devendo, em conformidade, ser declarada a ilicitude do despedimento e o empregador condenado: (i) a reintegrá-lo ou, em alternativa, se o Tribunal excluir a reintegração por força da oposição apresentada pelo empregador, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade no valor de 30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fração de antiguidade; (ii) a proceder ao pagamento das retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento; (iii) em juros de mora sobre as enunciadas quantias.

Mais peticionou a condenação do empregador no pagamento:

(i) das retribuições não pagas de novembro de 2014 a abril de 2015, incluindo o subsídio de Natal de 2014;

(ii) das quantias emergentes da cessação do contrato de trabalho (férias, subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal);

(iii) das quantias despendidas com educação, rendas, condomínio e viagens.

Notificado do articulado do trabalhador, o empregador respondeu ao mesmo, pugnando pela procedência dos fundamentos que conduziram ao despedimento com justa causa e, no mais, pela improcedência dos demais pedidos formulados pelo trabalhador, com exceção de créditos de natureza laboral a cuja regularização afirmou ir proceder. Mais invocou a prescrição dos créditos peticionados pelo trabalhador a título de despesas com educação, rendas e condomínio.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual o trabalhador optou pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração no seu posto de trabalho. 

Foi proferida sentença que julgou ilícito o despedimento, com fundamento em justa causa, promovido pelo empregador, e, em consequência, condenou-o:

a) A pagar ao trabalhador a quantia de € 62.983,62, a título de indemnização de antiguidade vencida até 4 de fevereiro de 2016, à razão de 30 dias por cada ano de antiguidade, e ponderando a retribuição base mensal de € 2.723,11, acrescida de diuturnidades, no valor mensal de € 276,11, quantia à qual acrescem as que, ao mesmo título, se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e sobre a qual incidirão juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do referido trânsito;

b) A pagar ao trabalhador a quantia de € 93.500,00, a título de retribuições vencidas desde 28 de julho de 2015 até 4 de fevereiro de 2016, quantia à qual acrescem as que, a título de retribuições, se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e acrescem juros, à taxa legal, desde a data em que cada retribuição deveria ter sido paga e até efetivo e integral pagamento, tudo sem prejuízo da dedução do subsídio de desemprego que, porventura, haja sido auferido pelo trabalhador, o qual será entregue pela entidade empregadora à Segurança Social;

c) A pagar ao trabalhador, a título de créditos laborais, a quantia de € 8.777,37;

d) A pagar ao trabalhador, pelas despesas com educação, habitação e condomínio, a quantia de € 740.794,11.

- Absolveu, no mais, o empregador dos pedidos.[1]

2. Inconformados com a sentença da 1.ª instância o A. e a R. interpuseram, respetivamente, recurso de apelação para o Tribunal da Relação, tendo suscitado as seguintes questões:

- No recurso da Ré: a reapreciação do fundamento pelo qual o Tribunal da 1ª Instância considerou ilícito o despedimento (se a violação pelo A. dos deveres laborais apurada deve considerar-se culposa), bem como do direito do A. ao reembolso das despesas com rendas da habitação e condomínio, assim como das propinas e mensalidades das escolas dos filhos.

- No recurso do Autor: reapreciação da antiguidade do A. (se inclui o tempo em que trabalhou no CC Bank of ...) bem como do valor da respetiva retribuição base (se deve incluir a remuneração complementar), a considerar no cálculo da indemnização.      

Caso proceda o recurso da R. quanto à 1ª questão, reapreciação, no âmbito da ampliação requerida, se o A. incorreu em ilícito disciplinar e na afirmativa qual a infração cometida, o que importa se discuta se a mesma conduta pode envolver violação de mais do que um dever laboral; se a ordem de regresso era ilegítima; se o A. incorreu em faltas e, na afirmativa, se estas eram injustificadas; se não foram trazidos aos autos elementos concretos que demonstrem a impossibilidade prática da continuação da relação laboral.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão, tendo decidido:

- Julgar parcialmente procedente o recurso da R. revogando o segmento da sentença atinente ao pagamento de despesas com educação, habitação e condomínio, ou seja, a al. d) do dispositivo, pelo que a R. foi absolvida desse pedido;

- Julgar parcialmente procedente o recurso do A., alterando a al. a) do dispositivo, no sentido de fixar em € 12.000,00 (2.723,11+8.999,91+276,98) o valor da retribuição base e diuturnidades a considerar para o cálculo da indemnização por antiguidade, contada desde junho de 1995 até à data do trânsito em julgado, e que nesta data perfaz, € 264.000,00, em que o R. é condenado, sendo devidos juros de mora à taxa supletiva legal a contar da data do trânsito em julgado desta decisão.

A referida decisão do Tribunal da Relação foi tomada por maioria, tendo havido um voto de vencido referente à parte do acórdão que decidiu sobre a ilicitude do despedimento do Autor, com o entendimento de que deveria ser dado provimento ao recurso interposto pela R. e confirmado o despedimento do A. com justa causa.

 

3. Inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação A. e R interpuseram, respetivamente, recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

As conclusões da Ré:

1. Com voto de vencido, e perfilhando o entendimento da sentença recorrida (cf. fls. 55 do acórdão), o presente acórdão decidiu sobre a ilicitude do despedimento do Recorrido, quando o contrário era acontecer, mesmo acompanhando o entendimento a quo.

2. Porém, tal não aconteceu como naturalmente era de se esperar, mesmo quando se atentos aos factos provados que com o presente acórdão se estabilizaram.

3. O acórdão considerou afastada a culpa do trabalhador, Recorrido, porque, como se retira a fls. 56 do acórdão, pelo simples facto do Autor ter obtido da justiça ...eira uma decisão favorável à sua pretensão, no sentido de sustar a ordem de apresentação em Portugal, pois, "estava certamente convicto, pelo menos após tal decisão, que lhe assistia o direito de não cumprir a ordem de regresso a Portugal e ao posto de trabalho que ocupava antes da deslocação para o ...",

4. Para poder concluir que, "Assim sendo por não se poder considerar culposo e censurável o comportamento do A. no período de 15/2 a 21/4/2015, apesar de violar os deveres laborais de obediência e de assiduidade, não se tem por verificada a previsão da cláusula geral contida no art.º 351, n.º 1, inexistindo, pois, justa causa de despedimento, pelo que este não pode deixar de ser declarado ilícito, em conformidade com o estabelecido pela al. b), do art.º 381, do CT (tal como anteriormente citado) - cf. fls. 56 do acórdão.

5. Ora, mesmo que se aceitasse esse fundamento como verdadeiramente essencial para afastar a culpa do Autor, o facto de ter havido uma outra decisão da justiça brasileira que revogou aquela, a verdade é que o Autor continuou com o seu comportamento de desobediência, de ausência injustificada, só se apresentando na Recorrente 22 (vinte e dois) dias após esta última decisão revogatória da primeira.

6. O Acórdão "esqueceu-se" de fundamentar o porquê de tal entendimento, quando resulta provado que o Autor, Recorrido, mesmo quando conheceu em 30/03/2015 a decisão da justiça ...eira que revogou a decisão (facto provado AA), fls. 40 do acórdão), o Autor só se apresentou em Portugal, junto do Recorrente, em 22/04/2015 e já depois de ter sido notificado da nota de culpa com intenção de o despedir.

7. De resto, não fosse aquele "fundamento" considerado, ad cautelam, o Autor veio "justificar" a não obediência à ordem de apresentação com uma alegada doença, entre 02 e 14 de Fevereiro de 2015, remetendo documento médico.

8. O Autor sabia e não podia desconhecer que o recurso a uma decisão judicial brasileira, a fim de conseguir uma justificação para não cumprir a ordem de se apresentar ao serviço no Recorrente, não tinha efeitos na justiça portuguesa, desde logo, porque teria de ser revista e confirmada, como é exigido pelo artigo 978.º, do CPC (factos provados X) a AA), fls. 40 do acórdão).

9. Quando o Acórdão reconhece a validade da ordem, aderindo ao entendimento da decisão recorrida, concluindo que "não se oferece dúvidas ao Tribunal quanto à validade e, por conseguinte, a quanto ao dever do seu cumprimento pelo trabalhador" (cf. fls. 52 do acórdão), nunca poderia desculpar o Autor com fundamento na decisão do tribunal brasileiro, pois se num primeiro momento a decisão lhe foi favorável, a segunda revogou aquela e o comportamento desobediente manteve-se durante vinte e dois dias!

10. De tudo resulta, que o Recorrido conhecia a ordem legítima do Recorrente para se apresentar ao serviço, não a quis cumprir de modo consciente e voluntária, violando culposamente os seus deveres de assiduidade, obediência e lealdade a que estava vinculado por força das alíneas b) e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º, do CT.

11. Donde, uma conclusão se pode extrair: que este comportamento do Recorrido integra a prática das infrações disciplinares previstas no artigo 351.º, n.º 2 alíneas a) desobediência ilegítima a ordens válidas do Recorrente; d) Desinteresse repetido pelo exercício das suas obrigações: g) Cinco faltas seguidas, independentemente de prejuízo ou risco,

12. Que pela sua especial gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, configurando, ao abrigo do artigo 351.º, n.º 1, do CT, justa causa de despedimento.

13. De resto, posição esta doutamente sustentada pelo voto de vencida da Senhora Desembargadora que votou vencida.

14. Razão pela qual, devem Excelentíssimos Conselheiros, revogar, nesta parte, o acórdão, substituindo-o por outro na qual se considere lícito o despedimento do Recorrido, porque feito com justa causa, e,

15. De igual modo, absolver o Recorrente da indemnização que foi fixado em virtude de se ter considerado ilícito aquele despedimento.

As conclusões do Autor:

A. O Recorrente discorda da absolvição do Recorrido, decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, do pedido de pagamento das despesas de habitação, condomínio e de educação e propinas.

B. Entende o Recorrente que o Acórdão do TR Lisboa padece de nulidade de decisão, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 674.º, n.º 1, al. c) e 615.º, n.º 1, al. d) e 666.º, n.º 1, do CPC.

C. Com efeito, a fls. 49 do Acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, substituiu-se ao Recorrido no seu recurso de apelação, na medida em que considerou (i) em primeiro lugar, que o que o ali Recorrente pretendia era suscitar a reapreciação da prova, pretendendo uma alteração da matéria de facto; e (ii) em segundo lugar, que as concretas provas que o Recorrente entendia serem adequadas a esse intento [na perspetiva do Tribunal da Relação], na verdade, não eram/são, afinal, as mais adequadas.

D. Na verdade, perante as conclusões do ora Recorrido na sua apelação, verifica-se que o mesmo nunca especificou os concretos pontos de facto que considerara incorretamente julgados, pelo que a 2.ª instância deveria ter decidido pela imediata rejeição do recurso nessa parte, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC.

E. O Tribunal recorrido violou a imperatividade da norma constante do artigo 640.º, n.º 2, do CPC, nos casos de incumprimento pelos apelantes do ónus específico fixado no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, que determina a rejeição imediata do recurso de impugnação da matéria de facto, como é jurisprudência deste STJ.

F. Entende o Recorrente que o Tribunal da Relação incorreu em excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ao decidir alterar a matéria de facto provada constante do ponto 48 da factualidade provada constante da sentença da primeira instância, quando se lhe impunha a rejeição imediata do recurso nessa parte.

G. Por outro lado, o direito de crédito que o Recorrente tinha a ser reembolsado de todas as despesas de habitação e despesas de condomínio, bem como o pagamento das propinas e mensalidades das escolas dos filhos, nos termos dos aditamentos ao contrato de trabalho celebrados entres as partes, constituía uma retribuição sob a espécie de ajuda de custo, com natureza retributiva, porque prevista no aditamento ao contrato de trabalho, tal como estatuído no artigo 260.º, n.º 1, al. a), parte final, do CT vigente.

H. Em sede de decisão do abuso de direito, verifica-se que o Tribunal recorrido procedeu à aquisição processual de novos factos - em concreto, que o ora Recorrente havia sido administrador do BCC até, pelo menos, ao ano de 2013 - de forma inadmissível e excedendo o princípio do inquisitório, consagrado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do CPC, violando igualmente o princípio do contraditório, pois ao Recorrente não foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre tal facto.

I. Quanto à diligência de prova, consubstanciada na consulta «dos relatórios e contas do BCC, disponíveis online» realizada pelo Tribunal Recorrido na mesma decisão, extravasa, igualmente, em muito, o princípio do inquisitório, nos termos do disposto no artigo 411.º, do CPC e do princípio do contraditório, previsto no artigo 415.º, do CPC, quanto à produção de provas.

J. Da factualidade provada pelas instâncias [em especial, a dos pontos 4.º e 48.º da matéria de facto provada], resulta que foi num contexto de negociação e conversações tendo em vista a revogação do contrato de trabalho que o ora Recorrente reclamou o reembolso das referidas despesas, porquanto tinha um direito de crédito a elas, ex vi dos aditamentos ao contrato de trabalho, pelo que, a apreciação e conclusão feita pelo Tribunal recorrido, não assentou nos factos provados no processo, mas em considerações da 2.ª instância.

K. O Tribunal da Relação ao decidir a apelação, aplicou o instituto do abuso de direito, não obstante não possuir quaisquer factos que preenchessem a previsão de tal instituto jurídico, fazendo errada aplicação do artigo 334.º, do CC.

L. Mas foi mais longe, num entendimento extraordinário e latíssimo do princípio do inquisitório e violando o princípio do contraditório, trazendo factos novos aos autos [termo do cargo de administrador do BCC], procedendo a diligências probatórias [consulta de relatórios e contas do BCC disponíveis online] e, escudando-se na deliberação do Banco de Portugal que determinou a resolução do BCC, imputando, (in) diretamente, ao ora Recorrente a prática de "atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do próprio banco (...)".

M. No entanto, ao realizar tais atos oficiosos, não ponderou que a entidade supervisora e reguladora - Banco de Portugal - arquivou o processo contraordenacional relativamente ao ora Recorrente da prática de atos dolosos de gestão ruinosa, praticados em detrimento de depositantes, investidores e demais credores, infração prevista e punível nos termos do disposto na alínea I), do artigo 211.º, do RGICSF.

N. O ora Recorrente não pode concordar com a aplicação que o Tribunal da Relação de Lisboa fez do artigo 334.º, do CC, na medida em que, estando perante uma obrigação contratual, constituída no âmbito da relação laboral, o Recorrente, nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CT, sempre teria um ano após a cessação do contrato para reclamar o seu pagamento, segundo o prazo prescricional consagrado legalmente (ou de 20 anos, se ponderássemos o previsto no artigo 309.º, do CC).

O. Ora, perante tais regimes legais de prescrição, de 1 ano ou 20 anos, não é possível sustentar que surge na esfera jurídica do devedor (aqui Recorrido) uma tutela da confiança de que o credor não irá exercer o seu direito.

P. Um declaratário normal, empregador, encontrando-se constituída validamente uma obrigação de pagamento de despesas ao trabalhador, conhecendo a tutela jurídica que no ordenamento jurídico português é conferida ao trabalhador, nomeadamente, no que se refere à fixação de uma prazo prescricional de um ano após a cessação do contrato de trabalho para a reclamação do pagamento de créditos laborais, enquanto durar a relação laboral não pode contar que o facto de o trabalhador ainda não ter reclamado tais créditos não significa que não o venha licitamente a fazer (esta é a posição deste STJ no acórdão de 15/12/2011).

Q. Além de, em geral, não ser reconhecido ao empregador, uma tutela da confiança nos termos expostos pelo Tribunal recorrido, acresce que os autos carecem de factos dos quais se possa deduzir o comportamento do ora Recorrente em renunciar ao reembolso das tais despesas, nem tão-pouco dos quais se possa deduzir que o ora Recorrido confiou que o Recorrente não reclamasse o reembolso das mesmas, pelo que, não estão verificados os pressupostos para aplicação do instituto do abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.

R. Dos autos, ao contrário do sustentado pelo Tribunal recorrido, que invocou «um desequilíbrio inadmissível entre as partes» para lograr justificar o que, juridicamente, é injustificável, verifica-se que não existe qualquer facto [nomeadamente alegado pelo Recorrido] do qual se possa retirar que o pagamento das referidas despesas ao ora Recorrente constitui um ato lesivo patrimonial para o Recorrido.

S. O abuso de direito traduz-se no exercício de um direito com a consciência de lesar outrem, através de factos que contrariem os princípios éticos fundamentais do sistema jurídico, pelo que, a prova do abuso de direito, como causa de exclusão do direito, portanto de circunstância impeditiva do mesmo, incumbe a quem o alega (conforme sempre sustentado por este STJ).

T. Pelo que, o Tribunal recorrido fez uma errada aplicação do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334.º, do CC.

U. Se se entender, que existia alguma situação de abuso de direito, o que não se admite, o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, pela absolvição in totum do ora Recorrido BB do pagamento de todas as despesas, tal decisão foi manifestamente desproporcionada, considerando sobretudo, a própria argumentação [jurídica] da Relação.

 V. Entende o Recorrente, subsidiariamente, que a Relação, a ter decidido como decidiu, qualificando como abusivo o exercício do direito de crédito pelo ora Recorrente, deveria ter decidido pela condenação do Recorrido no pagamento dessas despesas num montante equitativamente fixado, como é jurisprudência deste STJ, aplicando um critério moderador, equilibrado, lógico e racional.

O A. apresentou as suas contra-alegações e requereu a ampliação do objeto do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. O Recorrido entende que não assiste qualquer razão ao Recorrente no recurso de revista interposto, razão pela qual deve o mesmo improceder, devendo este STJ concluir pela ilicitude do despedimento, com a consequente condenação da Entidade Empregadora. O Recorrente centrou o seu recurso, sustentando que existiu um comportamento culposo do trabalhador, tese que não se acompanha pelas seguintes razões.

            B. O Recorrente não tomou em linha de conta a relevância e existência das decisões judiciais dos Tribunais brasileiros, as quais permitem concluir que o Recorrido-Trabalhador não adotou nenhum comportamento culposo, não tendo o Recorrente trazido novos argumentos que invalidem esta conclusão.

C. O Recorrido obteve decisões favoráveis dos Tribunais de Trabalho do ..., que suspenderam cautelarmente a ordem da entidade empregadora e tratou de comunicar as mesmas, diligente e lealmente ao Recorrente, como devia.

D. O Recorrente ao sustentar o que defende na presente de revista, apoiando-se na decisão de 30/03/2015 do Tribunal de Trabalho do ..., não só faz um aproveitamento ilegítimo da mesma, porquanto a mesma nunca transitou em julgado, como viola de forma direta o artigo 387.º, n.º 3, do CT, na medida em que nunca invocou, nem se fundamentou em tal decisão, em sede disciplinar, não podendo agora introduzi-la na decisão disciplinar que proferiu.

E. O Recorrido-Trabalhador, ao recorrer às instâncias judiciais do ... (onde residia e trabalhava), mantendo informado o Recorrente dessas decisões, que as conhecia, não pretendia, nem assumia estar a violar qualquer dever perante a Entidade Empregadora, não existindo, por isso, comportamento culposo, não lhe sendo exigível que se apresentasse ao serviço, porque confiava nas decisões judiciais proferidas.

F. O Recorrente não considera propositadamente que, como resulta dos factos provados, em 01 de Outubro de 2015 foi definitivamente julgada procedente a ação cautelar e suspensa a ordem de transferência do Autor para Portugal, com efeitos retroativos desde 04 de fevereiro de 2015 (facto provado AG da matéria de facto a fls. 40-41 do Acórdão recorrido). Além do mais, o Recorrente também não pondera que, uma deslocação do ... para Portugal não é instantânea.

G. O facto de o Recorrido ter justificado as faltas entre o período de 02 e 14 de fevereiro de 2015, não significa que tenha aceitado a ordem de transferência dada pelo Recorrente, sendo prova disso a reação imediata, que a mesma suscitou junto das instâncias judiciais do ..., o que revela um comportamento concludente no sentido de não aceitação da ordem.

H. Em síntese, o trabalhador ora Recorrido, não adotou uma conduta culposa, porque outra conduta não seria expetável de qualquer pessoa colocada nessas circunstâncias, isto é, beneficiária de decisões judiciais que lhe fossem favoráveis, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 1 do CT, o despedimento deve ser qualificado como ilícito.

Caso V.Exas assim não entendam, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se considera, requer-se a ampliação do objeto do recurso, pelos seguintes fundamentos:

I. Não obstante o ora Recorrido ter obtido vencimento na sua pretensão - qualificação do despedimento como ilícito - não deixou de sair vencido num dos pressupostos objetivos do despedimento ilícito, na medida em que as duas Instâncias consideraram que o comportamento do Recorrido integrara, em termos objetivos, um comportamento ilícito disciplinar (ou infração disciplinar), à luz do disposto no artigo 351.º, n.º 2, alíneas a) e g), do CT. Em consequência, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, o ora Recorrido requer, a título subsidiário, que em caso de procedência do recurso do Recorrente, o objeto do recurso seja ampliado.

J. Sem a existência do "Aditamento ao Contrato de Trabalho" de 1997, tendo como objetivo a transferência do trabalhador para o ... (factos provados das alíneas A), B) e C), fls. 19 do Acórdão), a entidade empregadora Recorrente não poderia ter transferido, naquela data, unilateralmente o trabalhador, face à previsão, à data, do artigo 24.º da LCT (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 408, de 24 de novembro de 1969).

K. O facto de os aditamentos ao contrato de trabalho incluírem cláusulas referentes à vigência e à denúncia (mediante aviso prévio de três meses), demonstra que a vontade das partes foi acautelar hipóteses de eventual mudanças de circunstâncias, quer pelo lado do trabalhador, quer pelo da entidade empregadora. Dessa forma, uma ordem de mudança, sem ser observadas aquelas estipulações - que as partes haviam perspetivado de vigência e denúncia - era adequada a produzir prejuízos sérios na vida pessoal e familiar do trabalhador, o que exigiria, sempre, a concordância deste tal como acontecera aquando da mudança de Portugal para o ....

L. Entende o Recorrido, que a ordem unilateral de transferência, formulada fora das previsões constante dos aditamentos ao contrato de trabalho, por não se integrar no poder de direção da entidade empregador, constituiu uma ordem ilegítima, não se encontrando o trabalhador ora Recorrido obrigado a cumpri-la.

M. Ainda que assim não fosse, entende o Recorrido que o contexto e forma em que tal ordem foi proferida, revela um exercício abusivo da mesma, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, quer porque proferida durante um processo negocial de cessação do contrato de trabalho, mas também porque concedida apenas uma antecedência de 3 semanas para se apresentar em Portugal (ao invés dos contratualizados 3 meses).

N. Entende o Recorrido que o prazo de três meses de denúncia também foi perspetivado pelas partes como um prazo que ambas deveriam respeitar em qualquer vicissitude contratual.

O. Mas mesmo que assim não fosse, à luz da aplicação da ratio da norma prevista no artigo 196.º, n.º 1, do CT, previsto para transferências do local de trabalho dentro do mesmo país, conjugado com o facto de o trabalhador prestar a sua atividade no ... há 17 anos, ter de deslocar toda sua vida (pessoal e familiar) para Portugal e a ordem dada pela Recorrente ter sido de mudança definitiva, não era razoável o cumprimento daquela ordem num prazo inferior a três meses (muito menos num prazo de três semanas como aquele que foi fixado pela Entidade Empregadora), pelo que, tal ordem seria qualificada como abusiva, nos termos do artigo 334.º, do Código Civil.

P. A ordem de regresso do trabalhador (ou de transferência do local de trabalho) foi ilegítima e ilegal, porque foi dada pela entidade empregadora num contexto negocial intenso, tendo vista a cessação da relação contratual, além de consubstanciar numa forma de assédio para a cessação do contrato, violadora dos artigos 29.º, n.º 1, 128.º, al. e) e 129.º, n.º 1, al. a), do CT, como é evidente pelo facto de o empregador não ter criado o posto de trabalho e nem o superior hierárquico do trabalhador conhecer ou saber da sua integração na equipa que chefiava em Portugal (ou seja, a ordem era meramente formal para pressionar).

Q. A ordem de regresso proferida a 08/01/2015 foi uma ordem ilegítima, tornando legítima a conduta do trabalhador em não comparecer (justificadamente) no local determinado pelo empregador, em cumprimento das decisões de suspensão proferidas pelos Tribunais de Trabalho do ... (pelo que entende-

-se que existiu errada aplicação dos artigos 29.º, 128.º, nº. 1, al. e), 129.º, n.º 1, al. a) e 351.º, n.º 2, al. a), do CT).

R. Também em sede de análise sobre a existência de infração disciplinar, por alegadas faltas injustificadas, entende o trabalhador que o Tribunal não fez uma correta interpretação e aplicação do artigo 248.º, n.º 1, do CT, visto que, encontrando-se em discussão judicial o "local em que devia desempenhar a atividade", não existe uma ausência qualificada como falta.

S. Mas ainda que este STJ considere tais ausências como faltas, terá de concluir que as mesmas foram justificadas, face à correta aplicação do artigo 249.º, n.º 2, al. d), do CT, visto que a norma consagra um princípio de inexigibilidade da prestação de trabalho, independentemente da verificação em concreto de alguma das causas que prevê exemplificativamente.

T. A suspensão judicial da ordem de transferência /regresso, conjugada com a falta de pagamento de remunerações desde novembro de 2014, e com a comunicação atempada do motivo da ausência, permitem concluir pela justificação da falta, por força da aplicação daquele artigo 249.º, n.º 2, al. d), do CT.

U. Segundo o critério de atuação definido de acordo com a consciência social dominante perante uma decisão judicial suspensiva de uma ordem, torna-se imperativo reconhecer que era inexigível ao trabalhador a prestação de trabalho nas condições impostas pela entidade empregadora.

V. Embora as decisões judiciais proferidas pelos Tribunais de Trabalho do ... não sejam diretamente eficazes e aplicáveis perante os Tribunais Portugueses (por falta de revisão, embora possam vir a sê-lo), não deixam de ter eficácia reguladora da conduta (ou estabelecer padrões de conduta) do trabalhador e da entidade empregadora.

W. Em conclusão, as ausências a serem qualificadas com faltas teriam de ser consideradas ou qualificadas como justificadas, por força do artigo 249.º, n.º 2, al. d), do CT, não incorrendo o trabalhador em infração disciplinar, designadamente, não preenchendo a previsão do artigo 351.º, n.º 2, al. g), do CT.

X. Por outro lado, nos autos não ficou provado o preenchimento do requisito ou conceito de "justa causa" ou inexigibilidade de manutenção da relação laboral, previsto no artigo 351.º, n.º 1 e 3, do CT, como reconheceu o Tribunal da Relação (aliás, esse requisito, nem sequer estava alegado em factos e provado nos autos pela Entidade empregadora - cfr. parte final da decisão de despedimento constante do facto N).

Y. Numa correta interpretação e aplicação do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ao caso em apreço, conclui-se que não foram alegados factos concretos para suportar tal previsão, além de que, os factos provados nos autos permitem, à luz do artigo 351.º, n.º 3, do CT, concluir em sentido inverso, ou seja, que não existia situação que tornasse imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

Z. Em conclusão, deve naufragar o recurso interposto pela Recorrente Entidade Empregadora, porque se encontra destituído de qualquer fundamento que mereça acolhimento por este Supremo Tribunal de Justiça.

A R. contra-alegou, tendo concluído pela manutenção da decisão proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação, que a absolveu do pagamento da quantia de € 740.794,11, improcedendo, por esse efeito, a revista apresentada pelo Autor.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser considerado lícito, porque motivado com justa causa, o despedimento do Autor, assim se concedendo revista da Ré, revogando-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

O Autor apresentou resposta concluindo que o parecer do Ministério Público não contribui para a discussão jurídica sobre as questões objeto dos recursos interpostos pelas partes, pelo que deve ser totalmente desatendido.

4. Nas conclusões dos recursos de revista interpostos são suscitadas as seguintes questões:

a) Recurso da Ré:

- A licitude do despedimento do Autor, por este ter violado os deveres de assiduidade, obediência e lealdade, previstos nas alíneas b), e) e f), do art.º 128.º, do Código do Trabalho.

b) Recurso do Autor:

- Nulidade do acórdão do Tribunal da Relação por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 674.º, n.º 1, alínea c), 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;

- A condenação da R. no pedido referente às despesas de habitação, condomínio e de educação e propinas;

- Ampliação do objeto do recurso, caso se venha a entender, como entenderam as instâncias, que a conduta do A. integra, em termos objetivos, um ilícito disciplinar, devendo então ser apreciada a legitimidade e legalidade da ordem de regresso do A. a Portugal.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

A) O trabalhador foi admitido ao serviço do “Banco CC e …, S.A.” em, pelo menos, 28 de junho de 1995, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo exercido funções de diretor no Departamento Internacional e auferindo, então, um vencimento mensal ilíquido de Esc. 800.000$00.

B) No dia 29 de dezembro de 1997, foi celebrado entre o “Banco CC e …, S.A.” e o trabalhador o convénio documentado a fls. 59 e 60 dos autos, denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, cujo teor é o seguinte:

“(…)

Entre o Banco CC e …, S.A. (…) aqui designado como primeiro outorgante e, como segundo Outorgante, AA, ao serviço do primeiro outorgante, foi acordado aditar ao Contrato de Trabalho as cláusulas seguintes:

Primeira: O segundo outorgante será colocado como diretor na diretoria Executiva do Banco DD, em ..., nas condições expressas no presente documento.

Segunda: As funções terão início no dia 1 de Janeiro de 1998, cabendo ao Banco DD, a partir dessa data, a responsabilidade pelo pagamento de todos os vencimentos.

Terceira: A responsabilidade referente aos encargos fiscais decorrentes dos vencimentos será suportada pelo 2.º outorgante.

Quarta: O tempo de serviço prestado no estrangeiro pelo segundo outorgante contará para efeitos de reforma, tomando-se como fator de cálculo a retribuição que o segundo outorgante auferiria se se tivesse mantido em funções em Portugal.

Quinta: O primeiro outorgante suportará, anualmente, os custos de uma viagem em classe executiva, de ida e volta a Lisboa, por avião, para o segundo outorgante e respetivo agregado familiar.

Sexta: O primeiro outorgante suportará o custo do transporte dos bens pessoais do segundo outorgante no início e fim da colocação deste.

Sétima: O primeiro outorgante suportará o custo da renda de habitação do 2.º outorgante, bem como as despesas de condomínio se as houver.

Oitava: O primeiro outorgante suportará o pagamento integral das propinas das escolas dos filhos do segundo outorgante, bem como as respetivas mensalidades.

Nona: O prazo de vigência do presente acordo é de três anos, com início em 1 de Janeiro de 1998, com prorrogações sucessivas por iguais períodos, ou outros, conforme então for acordado, salvo denúncia por qualquer das partes outorgantes.

Décima: O presente acordo poderá ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo.”

C) No dia 31 de Agosto de 2000, foi celebrado entre o “Banco CC, S.A.” e o trabalhador o convénio documentado a fls. 61 e 62 dos autos, denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, cujo teor é o seguinte:

“(…)

Entre o Banco CC, S.A. (…) aqui designado como primeiro outorgante e, como segundo Outorgante, AA, ao serviço do primeiro outorgante, foi acordado aditar ao Contrato de Trabalho as cláusulas seguintes:

Primeira: O segundo outorgante será colocado como Administrador no BCC … DO ..., em ..., nas condições expressas no presente documento.

Segunda: As funções terão início no dia 1 de Setembro de 2000, cabendo ao BCC..., a partir dessa data, a responsabilidade pelo pagamento de todos os vencimentos.

Terceira: A responsabilidade referente aos encargos fiscais decorrentes dos vencimentos será suportada pelo 2.º outorgante.

Quarta: O tempo de serviço prestado no estrangeiro pelo segundo outorgante contará para efeitos de reforma, tomando-se como fator de cálculo a retribuição que o segundo outorgante auferiria se se tivesse mantido em funções em Portugal.

Quinta: O primeiro outorgante suportará, anualmente, os custos de uma viagem em classe executiva, de ida e volta a Lisboa, por avião, para o segundo outorgante e respetivo agregado familiar.

Sexta: O primeiro outorgante suportará o custo do transporte dos bens pessoais do segundo outorgante no fim da colocação deste.

Sétima: O primeiro outorgante suportará o custo da renda de habitação do 2.º outorgante, bem como as despesas de condomínio se as houver.

Oitava: O primeiro outorgante suportará o pagamento integral das propinas das escolas dos filhos do segundo outorgante, bem como as respetivas mensalidades.

Nona: O prazo de vigência do presente acordo é de três anos, com início em 1 de Setembro de 2000, com prorrogações sucessivas por iguais períodos, ou outros, conforme então for acordado, salvo denúncia por qualquer das partes outorgantes.

Décima: O presente acordo poderá ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo.»

D) O cargo social de Administrador no BCCI ..., exercido pelo trabalhador, cessou com efeitos reportados a 5 de novembro de 2014, por renúncia operada pelo trabalhador.

E) Por via da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, proferida nos termos do artigo 145.º-G, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e clarificada pela deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de agosto, o trabalhador foi transferido para os quadros da entidade empregadora.

F) Por decisão datada de 7 de abril de 2015, a entidade empregadora deliberou instaurar ao trabalhador procedimento disciplinar, nomeando como sua instrutora a Dra. EE.

G) Nessa sequência, por missiva datada de 16 de abril de 2015, constante a fls. 50 dos autos, foi ao trabalhador comunicado o seguinte:

 “(…)

Assunto: Procedimento disciplinar / Notificação de Nota de Culpa

Exmo. Sr. Dr.

Na sequência do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, junto se anexa a nota de culpa que contra si é deduzida.

Comunica-se que é intenção do BB, S.A. proceder ao seu despedimento com justa causa.

Nos termos do disposto no n.º 2 da Cláusula 120.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário, dispõe de 15 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, podendo deduzir por escrito os elementos que considere relevantes, juntar documentos ou requerer outras diligências probatórias.

(…).”

H) Com a missiva antecedentemente referida, foi enviada ao trabalhador a nota de culpa, sendo o seguinte o seu teor:

“NOTA DE CULPA

Deduzida pelo BB, S.A., contra AA, diretor.

1º - O trabalhador é acusado de violar grave e culposamente os deveres de obediência, de assiduidade e de respeito a que está adstrito enquanto trabalhador do Banco pelo facto de estar a faltar injustificadamente ao trabalho desde o dia 15 de Fevereiro de 2015.

2.º- Antes de mais, cabe referir que o trabalhador foi transferido para o BB, S.A. por efeito da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, proferida nos termos do n.º 5 do artigo 145.º-G do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras) e clarificada pela deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014.

3.º - O trabalhador não se apresentou ao serviço no dia 2 de Fevereiro de 2015, conforme legitimamente ordenado pelo Banco no exercício do seu poder de direção, e a situação de incapacidade para trabalhar entretanto verificada e comunicada pelo trabalhador ao Banco, cessou no dia 14 de Fevereiro de 2015, sendo que o trabalhador está a incorrer em faltas injustificadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015.

4.º -De facto, o trabalhador foi admitido ao serviço do Banco CC, S.A. (“BCC") em 28 de Junho de 1995 por contrato de trabalho por tempo indeterminado (“Contrato de Trabalho”).

5.º - No BCC o trabalhador exerceu as funções de diretor no Departamento Internacional, conforme cópia de declaração datada de 14 de Dezembro de 1995 que ora se junta como Documento 1 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

6.º - Em 29 de Dezembro de 1997, entre o trabalhador e o BCC, então denominado “Banco CC e …, S.A.”, foi celebrado um “Aditamento ao Contrato de Trabalho” (“Aditamento de 1997”) com início no dia 1 de Janeiro de 1998, conforme cópia que ora se junta como Documento 2 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

7.º- No âmbito do Aditamento de 1997, o trabalhador foi colocado pelo BCC como diretor na “Diretoria Executiva” do Banco DD, em ..., por um período determinado de tempo.

8.º- No Aditamento de 1997 acordou-se que o tempo de serviço prestado no estrangeiro pelo trabalhador contaria para efeitos de reforma, tomando-se como fator de cálculo a retribuição que o trabalhador auferiria se se tivesse mantido em funções em Portugal (vide Cláusula Quarta do Documento 2).

9.º - O Aditamento de 1997 foi celebrado pelo prazo de três anos, com início em 1 de Janeiro de 1998, “com prorrogações sucessivas por iguais períodos, ou outros, conforme então for acordado, salvo denúncia por qualquer das partes outorgantes” (vide Cláusula Nona do Documento 2).

10.º- Mais ficou acordado entre o BCC e o trabalhador que o Aditamento de 1997 poderia “ser denunciado por qualquer das partes mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo” (vide Cláusula Décima do Documento 2).

11.º - Em 31 de Agosto de 2000, entre o trabalhador e o BCC foi celebrado um novo “Aditamento ao Contrato de Trabalho” (“Aditamento de 2000”), pelo qual aquele foi colocado pelo BCC como Administrador no “BCC Investimento do ..., S.A.” (“BCCI ...”), com início no dia 1 de Setembro de 2000, conforme cópia que ora se junta como Documento 3 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

12.º- O Aditamento de 2000 foi celebrado pelo prazo de três anos, com prorrogações sucessivas por iguais períodos ou outros, conforme acordado pelas partes (vide Cláusula Nona do Documento 3).

13.º- Mais ficou estipulado que o Aditamento de 2000 poderia “ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo” (vide Cláusula Décima do Documento 3).

14.º- Na Cláusula Quarta do Aditamento de 2000 ficou acordado entre as partes que o tempo de serviço prestado no estrangeiro pelo trabalhador contaria para efeitos de reforma, tomando-se como fator de cálculo a retribuição que o trabalhador auferiria se se tivesse mantido em funções em Portugal (vide Documento 3).

15.º- O cargo social de Administrador no BCCI ... exercido pelo trabalhador cessou com efeitos reportados a 5 de Novembro de 2014.

16.º- Na sequência do termo do exercício do referido cargo social no BCCI ..., o Banco entrou em conversações com o trabalhador, tendo-lhe comunicado nesse âmbito a necessidade daquele se apresentar ao serviço no Banco para retomar as suas funções.

17.º- A data que foi fixada para o regresso do trabalhador foi 2 de Fevereiro de 2015, dia a partir do qual aquele se deveria apresentar ao serviço para exercer as funções de diretor responsável pelas sucursais da América Latina e América do Norte, integrado no Departamento de Desenvolvimento Internacional e com reporte ao Dr. FF.

18.º - O trabalhador recebeu a ordem de regresso do Banco, conforme resulta da leitura da carta datada de 15 de Janeiro de 2015, recebida pelo Dr. GG, diretor coordenador do Departamento de Recursos Humanos (“DRH”) do Banco por e-mail em 16 de Janeiro de 2015, cuja cópia ora se junta como Documento 4 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

19.º- Em resposta, o Banco esclareceu ao trabalhador os aspetos suscitados por este a propósito do restabelecimento dos efeitos do contrato de trabalho existente entre si e o Banco, reiterando a necessidade de se apresentar ao serviço no dia 2 de Fevereiro de 2015, conforme cópias de correio eletrónico de 23 de Janeiro de 2015 e de carta datada do mesmo dia que ora se juntam como Documento 5 e 6 e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

20.º- O trabalhador, por carta datada de 30 de Janeiro de 2015, remetida por e-mail ao cuidado do Dr. GG e do Dr. HH, diretor de Recursos Humanos, comunicou ao Banco ser impossível cumprir a ordem de regresso ao serviço no dia 2 de Fevereiro de 2015 por motivos de saúde que o incapacitavam para trabalhar no período de 15 dias a contar do dia 30 de Janeiro de 2015, conforme cópia de carta que ora se junta como Documento 7 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

21.º- Para o efeito o trabalhador apresentou um atestado médico, assinado no dia 30 de Janeiro de 2015, o qual confirmava a sujeição do trabalhador a tratamento psiquiátrico que determinava a ausência de “condições laborativas” por um período de 15 dias (vide Documento 7).

22.º- Tendo o período de incapacidade para o trabalho cessado no dia 14 de Fevereiro de 2015, conforme atestado médico apresentado pelo trabalhador, o Banco reiterou a necessidade do trabalhador se apresentar imediatamente ao serviço, conforme cópia de carta de 23 de Fevereiro de 2015 que ora se junta como Documento 8 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

23.º- Na referida carta o Banco comunicou ao trabalhador que deveria apresentar justificação das faltas ao trabalho dadas até à data no prazo máximo de 5 dias a contar da data de receção da carta, sob pena de considerá-las injustificadas e “daí retirar as consequências que considere adequadas no âmbito do quadro jurídico aplicável” (vide Documento 8).

24.º - A carta datada de 23 de Fevereiro de 2015 foi remetida pelo Dr. HH ao trabalhador para a sua morada de correio eletrónico no dia 25 de Fevereiro de 2015, conforme cópia que ora se junta como Documento 9 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

25.º- No mesmo dia 25 de Fevereiro de 2015, o Banco remeteu a mesma carta por correio registado com aviso de receção para a morada no ... que o trabalhador tinha recentemente comunicado como morada de contacto a figurar no registo do Banco.

26.º- O trabalhador recebeu a referida carta em 12 de Março de 2015, conforme cópia de aviso de receção que ora se junta como Documento 10 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

27.º- Em carta datada de 10 de Março de 2015, o Banco reiterou derradeiramente a necessidade do trabalhador apresentar a justificação das faltas ao trabalho dadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015, sob pena de considerar tais ausências injustificadas e do trabalhador incorrer numa “violação grave e culposa do dever de assiduidade a que está adstrito, a qual é passível de ser sancionada disciplinarmente, designadamente com a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação”, conforme cópia de carta que ora se junta como Documento 11 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

28.º- O trabalhador recebeu a referida carta no dia 16 de Março de 2015, conforme cópia de registo eletrónico que ora se junta como Documento 12 e aqui se dá por integralmente reproduzida.

29.º- O trabalhador não apresentou justificação para as faltas dadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015.

30.º- E desrespeitou frontalmente a ordem do Banco.

31.º- Ora, em face do exposto, o trabalhador incorreu em faltas injustificadas a partir do dia 15 de Fevereiro de 2015 inclusive, atento o disposto nos artigos 253.º e 254.º do Código do Trabalho.

32.º- Tais faltas injustificadas, em número superior a cinco seguidas, são ilícitas e culposas, constituindo, portanto infrações disciplinares graves.

33.º- A ilicitude e culpa são agravadas atento o cargo de direção que o trabalhador ocupa no Banco e posição de destaque que detém.

34.º- O comportamento do trabalhador acima descrito determina a perda absoluta e definitiva da confiança do Banco em si, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

35.º- Com efeito, o Banco, no uso de uma faculdade legítima que detém no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador e do que ficou acordado no Aditamento de 2000, comunicou ao trabalhador a cessação deste acordo com a antecedência devida, tendo-o expressamente advertido mais do que uma vez das consequências resultantes da falta de apresentação ao serviço na data indicada.

36.º- O trabalhador não só não se apresentou ao serviço na data em que havia cessado a situação de doença que o impossibilitava de trabalhar, como não justificou as ausências ao trabalho verificadas e também comunicou que não tinha intenção de se apresentar ao serviço do Banco.

37.º- O trabalhador desrespeitou frontalmente uma ordem legítima do seu empregador, violando o dever de obediência a que está adstrito.

38.º- As faltas injustificadas do trabalhador constituem uma quebra grave do seu dever de lealdade e um ato de desobediência ao empregador.

39.º- Nada justifica o comportamento do trabalhador, sendo-lhe exigível cumprir com os seus deveres de assiduidade e de obediência perante o Banco.

40.º- O comportamento descrito do trabalhador quebrou de forma irremediável a confiança nele depositada pelo Banco.

41.º- O trabalhador violou gravemente os deveres de assiduidade, de lealdade e de obediência a que está adstrito e que estão previstos nomeadamente nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho e na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 34.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário.

42.º- Neste contexto, o comportamento do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, subsume-se no conceito de justa causa de despedimento tal como este é definido no n.º 1 e designadamente na alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho.

(…).”

I) A carta de comunicação da nota de culpa e a nota de culpa deduzida pela entidade empregadora contra o trabalhador foi comunicada à Comissão Nacional de Trabalhadores (cfr., fls. 80).

J) No dia 22 de abril de 2015, foi entregue, em mão, ao trabalhador, a comunicação constante de fls. 82, cujo teor é o seguinte:

“(…)

Assunto: Suspensão Preventiva

Exmo. Sr. Dr.,

Tendo sido instaurado um procedimento disciplinar com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, conforme oportunamente comunicado aquando da notificação da nota de culpa, e mostrando-se a sua presença ao serviço inconveniente no decurso do referido procedimento disciplinar, determina-se a suspensão preventiva de V. Exa. com efeitos imediatos.

(…).”

L) O trabalhador, em 12 de Maio de 2015, respondeu à nota de culpa, fazendo-o nos seguintes termos:

“BB, S.A.

Processo Disciplinar

Trabalhador: AA

Exma. Senhora Instrutora

AA, Trabalhador-Arguido no Procedimento Disciplinar que lhe foi instaurado pela sua Entidade Empregadora, BB, S.A. (doravante designada por “Entidade Empregadora”), notificado da Nota de Culpa, vem apresentar a sua RESPOSTA À NOTA DE CULPA, o que faz nos termos do artigo 355.º do Código do Trabalho (doravante “CT”), nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. Dos Factos

1º -O Trabalhador-Arguido aceita como verdadeiros os factos descritos nos pontos 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º e 28º da Nota de Culpa, impugnando os factos 1º, 3º, 4º, 16º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33.º 34º, 35º, 36º, 27º, 38º, 39º, 40º, 41º e 42º, porque desconformes com a realidade.

I. 1) Da contratação do Trabalhador e respetiva antiguidade:

2º- O Trabalhador-Arguido, contrariamente ao alegado pela Entidade Empregadora, não foi admitido ao serviço do Banco CC, S.A. (BCC), em 28 de Junho de 1995 por contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas sim em Novembro de 1990, inicialmente ao serviço do CC Bank em ..., tendo sido posteriormente transferido para a Entidade Empregadora (pelo que, tem uma antiguidade de quase 25 anos) – (cfr. Doc.1 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

3º - O Trabalhador-Arguido foi transferido/destacado por ordem do BCC, para ..., ..., sendo-lhe atribuídas as funções de Vice-Presidente Executivo e membro do Conselho de Administração do Banco DD, com início em 01 de Janeiro de 1998, funções que exerceu até 31 de Agosto de 2000,

4º- Data a partir da qual iniciou o exercício das funções de Administrador e Presidente Executivo no BCC Investimento do ..., S.A, ao abrigo de novo aditamento ao Contrato de Trabalho, celebrado em 31 de Agosto de 2000.

5º- Funções que exerceu até 05 de Novembro de 2014.

6º- Assim, o Trabalhador-Arguido tem exercido a sua atividade profissional, no ..., por conta e sob a direção e ordens da Entidade Empregadora, desde 01 de Janeiro de 1998, ou seja, há 17 anos, sendo a sua antiguidade total na Entidade Empregadora contabilizada desde Novembro de 1990.

7º- Por via da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, proferida nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras) e clarificada pela deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de Agosto, o Trabalhador-Arguido foi transferido para os quadros do BB, S.A.

I. 2) Da Suspensão da ordem de transferência para Portugal

8º - Não obstante existir um processo negocial para a cessação do contrato de trabalho por acordo, a Entidade Empregadora notificou o Trabalhador-Arguido, em Dezembro de 2014, (desrespeitando a Entidade Empregadora o pré-aviso de 3 meses a que se havia contratualmente obrigado), para se apresentar imediatamente ao serviço em Lisboa, ordem essa que veio a ser dada sem efeito, por força do processo negocial em curso.

9º- Em 8 de Janeiro de 2015, ainda no decurso das negociações para a cessação do contrato de trabalho, a Entidade Empregadora, através do diretor de Recursos Humanos Dr. GG, notificou, novamente, o Trabalhador–Arguido para se apresentar ao serviço em Lisboa, desta feita, para o dia 2 de Fevereiro de 2015 (novamente, não sendo concedido o pré-aviso de 3 meses previsto no aditamento, que determinaria como data de reinício de funções o dia 8 de Abril de 2015) (cfr. Doc. nº 5 abaixo junto).

10º - Essa atitude da Entidade Empregadora de pressionar o Trabalhador-Arguido para assumir funções em Portugal de nível inferior àquele que já vinha exercendo na organização há mais de 17 anos e, ainda, com remuneração inferior àquela que seria devida, desestabilizou-o emocionalmente de forma tal, que por determinação médica foi considerado incapaz para o exercício da atividade profissional, por motivos de saúde, até ao dia 14.02.2015, tendo comunicado tal facto à Entidade Empregadora, em 30.01.2015.

11º- Acresce também que, o Trabalhador-Arguido, perante a ordem de transferência para Portugal, reagiu judicialmente, recorrendo às instâncias judiciais do ..., para suspender tal ordem.

12º- Tal processo judicial correu termos sob o processo n.º 0002857-62.2014.5.02.0029, na 29.ª Vara do Trabalho de ..., do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região - conforme despacho judicial que aqui juntamos sob o Doc. 2 -, já comunicado à Entidade Empregadora em 12 de Fevereiro de 2015, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

13º- No âmbito do identificado processo, em 04.02.2015, por aquele Tribunal foi, naquele momento, judicialmente dada sem efeito a ordem de transferência emitida pela Entidade Empregadora para Portugal, facto que o Trabalhador comunicou à Entidade Empregadora, justificando a sua não comparência, como resulta da carta de 12.02.2015 (cfr. Doc. 2 e 3, que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

14º- A referida ordem judicial emitida pelo Juiz do Trabalho do ... deferindo a providência cautelar requerida pelo Trabalhador no sentido de suspender a ordem judicial foi mantida até 24 de Março de 2015, data em que aquele Tribunal proferiu sentença julgando improcedente o pedido da providência cautelar do Trabalhador-Arguido de cessação da ordem de transferência para Portugal e, consequentemente, revogou a decisão cautelar de deferimento da suspensão daquela ordem de transferência.

15º- Todavia, o Trabalhador-Arguido interpôs recurso desta última decisão, em 07 de Abril de 2015, sendo que em 05 de Maio de 2015 foram já apresentadas a resposta / contra-alegações pela entidade Requerida naquele processo. Na presente data, aquele processo cautelar aguarda a remessa para a instância superior, aguardando-se igualmente a realização de diligências no processo principal (cfr. documentos que se protestam juntar, comprovativos do alegado referente a tal processo judicial pendente no ...).

16º- Desse modo, e não tendo até à presente data sido decidido o recurso, a ordem de transferência para Portugal emitida pela Entidade Empregadora foi inicialmente suspensa, aguardando-se a decisão definitiva sobre a sua validade e eficácia, a ser decidida pelos Tribunais do ... onde o processo encontra-se pendente.

17º- Ademais, a Entidade Empregadora através do BCC Investimento do ..., S.A. apresentou embargos de declaração em face da decisão proferida, tendo-lhes sido negado provimento (cfr. Doc. 4 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

18º- Em face do exposto, a ordem de transferência emitida pela Entidade Empregadora para que o Trabalhador-Arguido retornasse para Portugal não produziu quaisquer efeitos jurídicos.

19º- Ademais a ordem de apresentação em Portugal apenas foi emitida em 08/01/2015, pelo que, por força do pré-aviso de 3 meses, só seria obrigado a comparecer a partir de 08/04/2015, sendo que nessa data a apreciação da validade da decisão de transferência estava pendente de decisão do recurso, razão pela qual, o Trabalhador não se apresentou ao serviço em Portugal, nem violou ou desrespeitou qualquer comando jurídico.

I. 3) Ordem de Transferência do Local de Trabalho Abusiva

20º- Como referido acima, as funções de Administrador exercidas pelo Trabalhador, cessaram em 05.11.2014, sendo que o BB, S.A., desde Novembro de 2014, que não cumpre a sua obrigação de pagamento da remuneração do Trabalhador-Arguido, sem qualquer fundamento legal para o efeito.

21º- Ou seja, é ainda relevante salientar que o Trabalhador-Arguido deixou de ser Administrador e Presidente Executivo do BCC Investimento do ..., S.A., e desde esse facto a Entidade Empregadora deixou de pagar a remuneração que o Trabalhador deveria auferir a título de diretor.

22º- Porém, a Entidade Empregadora exige que o Trabalhador-Arguido se apresente ao serviço em Lisboa-Portugal, sem atender com razoabilidade, a todas as necessidades logísticas que implica a mudança de “17 anos de vida” no ... para Portugal,

23º- Nomeadamente, para além de não pagar as remunerações devidas, pelo menos desde Novembro de 2014 a Maio de 2015, a Entidade Empregadora não tem respeitado o disposto no artigo 194.º, n.º 4 do Código do Trabalho, na medida em que não se disponibilizou para custear as despesas inerentes à deslocação e à mudança de residência do Trabalhador-Arguido e da sua família para Portugal (na verdade, a Entidade empregadora, não pagou as remunerações, nem custeou as passagens de avião para o Trabalhador Arguido, nem para a sua família).

24º- Acresce ainda, que a Entidade Empregadora viola manifestamente o que se encontra contratualmente fixado com o Trabalhador, na medida em que, não obstante sucessivamente reclamado, até esta data não pagou as despesas que se obrigou a suportar da renda de habitação, despesas de condomínio, bem como as propinas devidas pelo ensino dos filhos do trabalhador e as respetivas mensalidades (cfr. cláusulas sexta, sétima e oitava dos Aditamentos ao Contrato de Trabalho, celebrados em 29.12.1997 e 31.08.2000).

25º- Perante este quadro factual, a Entidade Empregadora tem agido em manifesto abuso de direito, não pagando qualquer retribuição ao Trabalhador-Arguido e exigindo, concomitantemente, que o mesmo custeie todas as despesas e encargos inerentes à sua deslocação e fixação para Portugal.

26º- Acresce ainda que a Entidade Empregadora tem utilizado o recurso ao instituto da transferência para outro local de trabalho, pretendendo, desta forma, pressionar o Trabalhador a aceitar uma compensação pela cessação do vínculo contratual bastante desfavorável face aos direitos indemnizatórios deste perante uma eventual cessação do contrato pela Entidade Empregadora (cfr. e-mail dos Recursos Humanos datado de 08/01/2015, que aqui se junta sob o Doc. 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

27º- Nesse sentido, a Entidade Empregadora, desde Outubro de 2014, pelo menos, que vem negociando com o Trabalhador-Arguido as condições – especialmente, as indemnizatórias – para a revogação do seu contrato de trabalho, sempre pressionando o mesmo com a mudança do local de trabalho (cfr. e-mail datado de 24/10/2014 e carta de 11/11/2014, que aqui se juntam sob o Doc.6 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

28º- O que demonstra que a real vontade da Entidade Empregadora não é a de ter sob a sua direção e as suas ordens o Trabalhador-Arguido mas, pelo contrário, fazer cessar o vínculo laboral, com recurso à violação dolosa das garantias contratuais e legais do Trabalhador com o objetivo de o constranger a aceitar uma compensação pela cessação do contrato de trabalho bastante menor do que aquela a que o Trabalhador terá direito, constituindo tal conduta um assédio, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

29º- Acresce que o Trabalhador-Arguido, por via de uma procuração outorgada em 07.07.2010, pelos Administradores em representação do Banco CC, S.A., II e JJ, ficou constituído procurador do Banco CC, S.A. para representá-lo perante as autoridades da República … do ..., inclusive na Secretaria da Receita Federal, no respeito pela Instrução Normativa n.º 748, de 28 de Junho de 2007, conforme alterada, e segundo os termos do Ato Declaratório Interpretativo n.º 23, de 7 de Novembro de 2002, ambos emanados pela Secretaria da Receita Federal (cfr. Doc. 7 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

30º- Paradoxalmente, a Entidade Empregadora ainda não revogou aquela procuração, de modo a desonerar o Trabalhador de quaisquer obrigações perante as autoridades da República …  do ..., bem como não nomeou outro procurador do Banco CC S.A / BB SA, para representá-lo perante as autoridades brasileiras, em especial, Receita Federal e Banco Central do ..., consoante determina a legislação do referido país, mas pretende que o mesmo, em violação daquelas, se apresente ao serviço em Portugal.

31º- Manifestamente, a Entidade Empregadora não cuida pelo cumprimento das normas e das obrigações perante as Autoridades do ..., impondo ao Trabalhador o cumprimento de uma conduta também ela violadora de obrigações perante aquelas autoridades.

32º - Em síntese, não existe qualquer fundamento válido e eficaz para que o Trabalhador seja transferido para Portugal e aí preste serviço de imediato.

33º- Acresce que, a ordem de transferência para Portugal e integração no Departamento da Área Internacional, sob a Direção de FF, invocada pela Entidade Empregadora é também ela falsa.

34º- Com efeito, o Trabalhador Arguido nunca foi integrado formalmente nesse Departamento, nem o respetivo diretor conhecia a sua integração no Departamento que dirige (pelo menos só teve conhecimento desse facto em Abril de 2015), nem tem trabalho para lhe atribuir.

35º- Na verdade, a integração do Trabalhador Arguido naquele departamento servia apenas para a Entidade Empregadora justificar a ordem de transferência e mudança para Portugal, não sendo justificada em qualquer interesse sério do empregador.

36º- Com efeito, a Entidade Empregadora esconde na Nota de Culpa que a Entidade Empregadora já praticamente não tem sucursais na América Latina e na América do Norte, pelo que, o Trabalhador Arguido não teria e não tem trabalho para executar em Lisboa.

37º- Na verdade a Sucursal de ... encerrará em Junho de 2015, ou seja, daqui a um mês.

38º- A Sucursal da ... encerrará, estima-se, até ao final de 2015.

39º- Ou seja, a ordem de transferência mais não constitui do que uma forma de pressão sobre o Trabalhador Arguido, que associada à falta de pagamento da remuneração, assume uma forma evidente de assédio.

Mas mais,

40º- O próprio diretor desse Departamento Dr. FF desconhecia, pelo menos até Abril de 2015, que o Trabalhador Arguido estava integrado (formalmente) no seu departamento,

41º - Não tem trabalho para lhe atribuir.

42º- Esse departamento está em processo de redução ou quase extinção parcial.

43º - O Trabalhador Arguido não tem um posto físico de trabalho nesse Departamento, nem atividade ou pessoas para dirigir, na qualidade e no exercício das funções de diretor.

44º- Mas a inexistência de um interesse sério e a demonstração de que a mudança para Portugal visa pressionar e constranger o trabalhador a aceitar uma cessação do contrato de trabalho em condições mais prejudiciais para si, resultam ainda do facto de a Entidade Empregadora estar a determinar a mudança para um posição e estatuto remuneratório inferior.

45º- Com efeito, a Entidade Empregadora colocou o Trabalhador Arguido a trabalhador sob a direção de um outro diretor seu colega, que aqui seria seu superior hierárquico.

46º- A Entidade Empregadora, apesar das sucessivas reclamações do Trabalhador não só não lhe paga qualquer remuneração desde Novembro de 2014, como informou o mesmo que apenas pagará uma remuneração base de € 12.000,00, a qual é inferior à recebida por todos os demais diretores, com essa categoria e colocado no Nível 18 do ACT do Sector bancário, não obstante a antiguidade do Trabalhador e a sua antiguidade na categoria.

47º- Ou seja, a Entidade empregadora, com o objetivo de pressionar o Trabalhador informou o mesmo que procederia apenas ao pagamento da remuneração de € 12.000,00, sendo que, a ser assim, o Trabalhador Arguido seria, por certo, o único diretor, com nível 18 do ACT do Sector Bancário na Entidade Empregadora, com a antiguidade na Empresa e antiguidade na categoria a receber tal remuneração, o que constitui uma forma de discriminação negativa para o pressionar (visto que os demais diretores auferem remunerações superiores a € 14.000,00, sendo que na categoria e antiguidade do Trabalhador Arguido, a remuneração devida seria de € 16.352,43).

II. DO DIREITO

48º - Estabelece o artigo 351º nº 2 al. g) do CT que constitui justa causa de despedimento faltas não justificadas ao trabalho, que determinem diretamente prejuízo ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de risco ou prejuízo.

49º- Como demonstrado, o Trabalhador não faltou ao trabalho desde o dia 15 de Fevereiro como invocado pela Entidade Empregadora, porque a ordem de transferência é ilegal e ilegítima, além de ter sido considerada sem efeito, por decisão de um Tribunal judicial no ....

50º- Além do mais, o próprio trabalhador justificou a sua não comparência, por comunicação prévia do dia 12 de Fevereiro, informando não só a decisão judicial, como o facto de não poder deslocar-se com a sua família, sem que a entidade Empregadora custeasse a deslocação, despesas de fixação em Portugal e pagamento das remunerações em atraso.

51º- Por outro lado, mesmo que assim se não entendesse, a análise do contexto em que surge a decisão de mudança de local de trabalho para Lisboa, no contexto de um trabalhado colocado há 17 anos no ..., para um posto de trabalho inexistente, sem que tivesse funções efetivas, com a promessa de remuneração inferior e desigualitária com os demais da sua categoria e antiguidade, permite concluir que a entidade empregadora, ao ordenar a mudança de local de trabalho não cumpriu os requisitos do artigo 194º do CT.

52º- Isto porque:

a- Não tem subjacente um motivo sério de interesse da empresa;

b- Sabia que essa mudança causaria um prejuízo sério ao trabalhador;

c- Não custeou, nem se disponibilizou a pagar as despesas de deslocação e mudança de residência (sendo que, ao não pagar a remuneração do trabalhador durante 5 meses, inviabilizava e tornar inexigível que o trabalhador adiantasse tais custos);

d- Pretendia com tal mudança constranger o trabalhador a resolver o contrato de trabalho ou a aceitar uma revogação com prejuízo dos créditos a que tinha direito;

53º - Ou seja, a ordem de mudança de local de trabalho é manifestamente ilegal e, por isso, inexigível de ser cumprida pelo Trabalhador, porque violadora dos requisitos do artigo 194º do CT e ainda, por que representativa de uma forma de assédio e pressão, nos termos do artigo 29º do CT.

54º- Além de que, a ordem de transferência foi emitida em 8 de Janeiro de 2015, pelo diretor de RH, termos em que, por força do pré-aviso previsto no aditamento ao contrato, tal prazo só terminaria em 8 de Abril de 2015 ou mesmo em Setembro de 2015.

55º- Pelo exposto, o Trabalhador-Arguido entende que o presente procedimento disciplinar deve ser arquivado, porque demonstrado que não praticou qualquer infração disciplinar.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se o arquivamento dos autos por manifesta falta de fundamentos de facto e/ou de direito.

(…).”

M) Por missiva datada de 16 de julho de 2015, constante a fls. 198, dos autos, recebida pelo trabalhador no dia 28 de julho de 2015, foi comunicado ao trabalhador o seguinte:

“(…)

Assunto: Procedimento disciplinar / Deliberação final

Exmo. Sr. Dr.,

Na sequência do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, junto envio cópia da deliberação final proferida pelo Conselho de Administração do BB, S.A., aplicando-lhe a seguinte sanção disciplinar: despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.

(…).”

N) Com a missiva antes referida, foi enviada ao trabalhador a deliberação final proferida pelo Conselho de Administração da entidade empregadora, sendo o seguinte o seu teor:

“DELIBERAÇÃO

Analisado o procedimento disciplinar instaurado a AA, diretor, verifica-se que se encontra provada a acusação que contra o arguido foi deduzida na nota de culpa e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Com efeito, o arguido faltou injustificadamente ao trabalho e violou gravemente os deveres de assiduidade, lealdade e obediência a que está adstrito perante o Banco.

O arguido não se apresentou ao serviço do Banco no dia 2 de Fevereiro de 2015, conforme legitimamente ordenado por este no exercício do seu poder de direção, e a situação de incapacidade para trabalhar entretanto verificada e comunicada pelo arguido cessou no dia 14 de Fevereiro de 2015, sendo que o arguido está a incorrer em faltas injustificadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015.

O arguido foi admitido ao serviço do Banco CC, S.A. (“BCC”), por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 28 de Junho de 1995, para o exercício das funções de diretor, com a categoria profissional de diretor, tendo sido colocado no Departamento Internacional do BCC. Em 29 de Dezembro de 1997 foi celebrado entre o arguido e o BCC, então denominado “Banco CC e … Lisboa, S.A.”, um “Aditamento ao Contrato de Trabalho” (“Aditamento de 1997”) com início no dia 1 de Janeiro de 1998, pelo qual o arguido foi colocado pelo BCC como diretor na “Diretoria Executiva” do Banco DD, em ..., por um período de três anos, com início em 1 de Janeiro de 1998, “com prorrogações sucessivas por iguais períodos, ou outros, conforme então for acordado, salvo denúncia por qualquer das partes outorgantes”. Em 31 de Agosto de 2000, entre o arguido e o BCC foi celebrado um novo “Aditamento ao Contrato de Trabalho” (“Aditamento de 2000”), pelo qual aquele foi colocado pelo BCC como Administrador no “BCC Investimento do ..., S.A.” (“BCCI ...”), com início no dia 1 de Setembro de 2000. O Aditamento de 2000 foi celebrado pelo prazo de três anos, com prorrogações sucessivas por iguais períodos ou outros, conforme acordado pelas partes. Mais ficou estipulado que o Aditamento de 2000 poderia “ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo”. Na Cláusula Quarta do Aditamento de 2000 ficou acordado entre as partes que o tempo de serviço prestado no estrangeiro pelo arguido contaria para efeitos de reforma, tomando-se como fator de cálculo a retribuição que o arguido auferiria se se tivesse mantido em funções em Portugal. Entretanto, o arguido foi transferido para o BB, S.A. por efeito da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, proferida nos termos do n.º 5 do artigo 145.º-G do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras) e clarificada pela deliberação do mesmo órgão de 11 de Agosto de 2014.

O cargo social de Administrador no BCCI ... exercido pelo arguido cessou com efeitos a 5 de Novembro de 2014. Consequentemente, o Banco entrou em conversações com o arguido, tendo-lhe comunicado nesse âmbito a necessidade daquele se apresentar ao serviço no Banco para retomar as suas funções. A data que foi fixada para o regresso do arguido foi 2 de Fevereiro de 2015, dia a partir do qual aquele se deveria apresentar ao serviço para exercer as funções de diretor responsável pelas sucursais da América Latina e América do Norte, integrado no Departamento de Desenvolvimento Internacional e com reporte ao Dr. FF.

O arguido recebeu a ordem de regresso e compreendeu-a enquanto tal, o que resulta claramente do texto da carta que remeteu por e-mail no dia 16 de Janeiro de 2015 ao Dr. GG, diretor coordenador do Departamento de Recursos Humanos (“DRH”) do Banco, onde levanta algumas questões relacionadas com o regresso ao Banco. Em resposta a esta carta, o Banco esclareceu ao arguido os aspetos suscitados por este a propósito do restabelecimento dos efeitos do contrato de trabalho existente entre si e o Banco, reiterando a necessidade de se apresentar ao serviço no dia 2 de Fevereiro de 2015. Posteriormente, o arguido, por carta datada de 30 de Janeiro de 2015, remetida por e-mail ao cuidado do Dr. GG e do Dr. HH, diretor de Recursos Humanos, comunicou ao Banco ser impossível cumprir a ordem de regresso ao serviço no dia 2 de Fevereiro de 2015 por motivos de saúde que o incapacitavam para trabalhar no período de 15 dias a contar do dia 30 de Janeiro de 2015. Para este efeito, o arguido apresentou um atestado médico, assinado no dia 30 de Janeiro de 2015, o qual confirmava a sujeição do arguido a tratamento psiquiátrico que determinava a ausência de “condições laborativas” por um período de 15 dias.

Tendo o período de incapacidade para o trabalho cessado no dia 14 de Fevereiro de 2015, conforme atestado médico apresentado pelo arguido, o Banco reiterou a necessidade deste se apresentar imediatamente ao serviço por carta datada de 23 de Fevereiro de 2015, remetida por e-mail para a morada de correio eletrónico habitual e amplamente utilizada pelo arguido nos contactos com o Banco e também por correio registado com aviso de receção para a morada de contacto indicada pelo arguido, a qual foi recebida no dia 12 de Março de 2015. Nesta carta o Banco comunicou ao arguido que deveria apresentar justificação das faltas ao trabalho dadas até à data no prazo máximo de 5 dias a contar da data de receção da carta, sob pena de considerá-las injustificadas e “daí retirar as consequências que considere adequadas no âmbito do quadro jurídico aplicável”. Por carta datada de 10 de Março de 2015, o Banco reiterou derradeiramente a necessidade do arguido apresentar a justificação das faltas ao trabalho dadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015, sob pena de considerar tais ausências injustificadas e do arguido incorrer numa “violação grave e culposa do dever de assiduidade a que está adstrito, a qual é passível de ser sancionada disciplinarmente, designadamente com a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação”. O arguido recebeu a referida carta no dia 16 de Março de 2015.

O arguido não apresentou justificação para as faltas dadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015. E desrespeitou frontalmente a ordem do Banco, colocando-se conscientemente numa situação de faltas injustificadas ao trabalho desde o dia 15 de Fevereiro de 2015. Esta situação apenas cessou com a apresentação do arguido ao serviço do Banco no dia 22 de Abril de 2015, data em que foi determinada a sua suspensão preventiva.

Tais faltas injustificadas, em número superior a cinco seguidas e a dez interpoladas, são ilícitas e culposas, constituindo portanto infrações disciplinares graves. A ilicitude e a culpa são agravadas atento o cargo de direção que o arguido ocupa no Banco e posição de destaque e de responsabilidade que detém. O comportamento do arguido determinou a perda absoluta e definitiva da confiança do Banco em si, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Com efeito, o Banco, no uso de uma faculdade legítima que detém, comunicou ao arguido a cessação do Aditamento de 2000 com a antecedência devida, tendo-o expressamente advertido mais do que uma vez das consequências resultantes da falta de apresentação ao serviço na data indicada. O arguido não só não se apresentou ao serviço na data em que havia cessado a situação de doença que o impossibilitava de trabalhar, como não justificou as ausências ao trabalho verificadas. Mais, o arguido comunicou de forma clara ao Banco que não tinha intenção de se apresentar ao serviço e de cumprir a ordem deste, violando de forma grave o dever de obediência a que está adstrito.

O arguido foi regularmente notificado da nota de culpa e apresentou defesa, na qual arrolou cinco testemunhas e requereu a junção de seis documentos.

No que diz respeito à defesa apresentada, o arguido aceitou como verdadeiros quase todos os factos constantes da nota de culpa, tendo impugnado três aspetos, a saber: a data de admissão no BCC, a ineficácia da ordem de regresso dada pelo Banco e a ilicitude desta.

Ora, quanto à antiguidade, alega o arguido que foi admitido ao serviço do “CC Bank” em ... em Novembro de 1990 e que foi transferido para Lisboa em Junho de 1995, reclamando a contagem da antiguidade desde o início do contrato de trabalho que alegadamente celebrou com a primeira entidade. Não assiste qualquer razão ao arguido neste aspeto porquanto os vínculos laborais invocados são independentes, tendo aquele sido admitido ab initio pelo BCC em 28 de Junho de 1995 sem qualquer reconhecimento de antiguidade anterior. E foi este o contrato de trabalho que foi transferido para o Banco por efeito da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal acima identificada.

Mais alega o arguido ter reagido judicialmente perante as instâncias judiciais do ... em relação à ordem de transferência para Portugal dada pelo Banco e ter obtido uma decisão de suspensão da mesma, facto de que deu conhecimento ao Banco. Ora, o Banco desconhece ter sido parte em qualquer processo judicial no âmbito do qual tenha sido proferida uma decisão que lhe seja aplicável, como oportunamente informou o arguido (vide Documento n.º 11 junto à nota de culpa), o que se mantém até à presente data. A ordem dada pelo Banco ao arguido insere-se no âmbito do poder de direção do empregador inerente ao contrato de trabalho celebrado entre o BCC e o arguido, e posteriormente transferido para o Banco, não podendo considerar-se suspensa por uma qualquer decisão judicial proferida no âmbito de um processo do qual o Banco não foi parte. O facto de o arguido fundamentar a sua desobediência a uma ordem do Banco e a sua ausência ao serviço na referida decisão judicial bem demonstra que não constitui sua intenção cumprir a ordem do Banco, mas continuar a protelar o cumprimento desta e mesmo a justificar o seu incumprimento definitivo.

A respeito deste segundo aspeto, alega ainda o arguido que a ordem de apresentação em Portugal não foi dada com a devida antecedência, ou seja, três meses. Mais uma vez, não assiste qualquer razão ao arguido. É importante ter presente que o facto que justificou a celebração do Aditamento de 2000 cessou no dia 5 de Novembro de 2014 com o termo do exercício do cargo de administração pelo arguido no BCCI ..., razão pela qual deixou de existir fundamento objetivo à manutenção do referido acordo. E sempre se diga que a ordem de apresentação ao serviço é dada para o dia em que se completam precisamente três meses após o termo do referido cargo de administração no BCCI ..., razão pela qual não pode o arguido declarar-se surpreso com a mesma. Ademais, sempre se diga que a faculdade de fazer cessar o Aditamento de 2000 por vontade unilateral do BCC e do Banco sempre existiu, independentemente do termo do fundamento que lhe deu origem. Acresce que o arguido não só recebeu a ordem de regresso do Banco, como também se conformou com a mesma ao justificar a ausência ao serviço verificada entre 2 e 14 de Fevereiro de 2015. Sem prejuízo do exposto, se a verdadeira intenção do arguido fosse cumprir a ordem do Banco, aquele deveria pelo menos ter-se apresentado ao serviço na data em que considerasse cumprido o prazo de aviso prévio cujo incumprimento alega, o que não sucedeu.

Finalmente, alega o arguido que o Banco utilizou abusivamente o instituto da transferência de local de trabalho para pressionar aquele a aceitar condições para a cessação do respetivo contrato de trabalho prejudiciais para si e que a ordem de transferência é falsa porque não corresponde a uma verdadeira vontade do Banco. Neste aspeto o enquadramento dado pelo arguido à ordem do Banco está incorreto e as ilações retiradas também são erradas. O Aditamento de 2000 não se traduz num acordo pelo qual se procedeu à alteração do local de trabalho: de facto, o contrato de trabalho celebrado entre o BCC e o arguido, entretanto transferido para o Banco, não foi plenamente executado entre os dias 1 de Setembro de 2000 e 5 de Novembro de 2014 em ..., tendo estado suspensos os seus principais deveres laborais, ou seja, os deveres de prestação de trabalho ao BCC / Banco e do pagamento da retribuição pelo empregador. Daqui resulta que a ordem de apresentação ao serviço dada pelo Banco não pode ser considerada uma ordem de transferência de local de trabalho como se o contrato de trabalho se tivesse ininterruptamente executado em plenitude durante todo este tempo em .... Não configurando uma transferência de local de trabalho, esta ordem não tem de obedecer ao disposto no artigo 194.º do Código do Trabalho.

Para além do mais, a ordem dada pelo Banco consiste num esforço considerável deste, atentas as circunstâncias atuais, em enquadrar o arguido na sua estrutura organizativa, respeitando a sua categoria profissional, funções, retribuição e até a experiência profissional até à data. E esta ordem é verdadeira, porque existem o posto de trabalho indicado ao arguido e as funções inerentes ao mesmo; é legítima, porque dada no âmbito do poder de direção do empregador; e corresponde à vontade real do Banco em executar o contrato de trabalho que o vincula ao arguido, o mesmo não se podendo dizer do arguido, que manifestamente não tem vontade em cumprir este contrato de trabalho.

De entre as testemunhas arroladas, apenas foi possível inquirir duas, por indisponibilidade das restantes. Da inquirição destas testemunhas não resultaram factos que contrariassem o que consta da nota de culpa e que confirmassem a defesa nos termos em que é exposta pelo arguido.

Os documentos cuja junção foi requerida pelo arguido foram considerados uma diligência patentemente dilatória e/ou impertinente para o esclarecimento da verdade, pelos fundamentos constantes do procedimento disciplinar, pelo que foi decidido indeferir a sua junção.

A Comissão de Trabalhadores, não obstante ter sido notificada para o efeito, não apresentou parecer fundamentado.

Atento o exposto, cumpre dizer que o arguido incorreu em faltas injustificadas entre os dias 15 de Fevereiro e 22 de Abril de 2015 inclusive, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 249.º, 253.º e 254.º do Código do Trabalho. De facto, o Banco, no uso de uma faculdade legítima integrada no seu poder de direção, e a qual se manteve intacta durante a execução do Aditamento de 2000, procedeu à denúncia deste nos termos aceites e conformados por ambas as partes e determinou o regresso do arguido a Portugal. Ao arguido cabia-lhe acatar e cumprir a ordem do Banco. Assim, o arguido, ao incumprir a ordem legítima que lhe foi dada pelo Banco de se apresentar ao serviço, violou gravemente os deveres de assiduidade, de lealdade e de obediência a que está adstrito no âmbito da execução do contrato de trabalho que mantém com o Banco. Tais faltas injustificadas são ilícitas e culposas e constituem infrações disciplinares graves. Esta gravidade assume especial relevância atento o cargo de direção e de responsabilidade ocupado pelo arguido, cabendo-lhe dar o exemplo e não desrespeitar frontalmente as ordens do seu empregador. O Banco não pode admitir este comportamento do arguido, nem é exigível que o admita sejam quais forem as circunstâncias.

O comportamento do arguido acima descrito determinou a perda absoluta e definitiva da confiança do Banco em si, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Assim, o arguido violou culposamente e de forma grave e continuada os deveres de assiduidade, de lealdade e de obediência a que está adstrito, e que estão previstos nomeadamente nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho e na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 34.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário. Tais deveres são essenciais na execução do contrato de trabalho e não devem ser descurados em momento algum pelo arguido, pelo que o seu comportamento constitui justa causa de despedimento.

Deste modo, tudo visto e ponderado, aceitando o enquadramento legal constante da nota de culpa, atendendo às circunstâncias que dos autos ressaltam, o Conselho de Administração delibera aplicar ao trabalhador AA, por justa e adequada, a sanção prevista na alínea f) do n.º 1 da cláusula 117.ª do ACT para o Sector Bancário: - Despedimento sem qualquer indemnização ou compensação –  (…).”

O) Por e-mail datado de 8 de janeiro de 2015, constante a fls. 114, enviado por GG (BB DRH Direção) ao trabalhador, bem como a KK, LL, com conhecimento a MM, NN, OO e HH, foi-lhe comunicado o seguinte:

“(…)

Caro AA,

Em relação à carta recebida de ti eis a nossa contraproposta final:

a) Aceitamos os pontos (1) e (3) da tua carta, fixando assim a indemnização bruta final a pagar pelo BB em 439.200 euros por rescisão do contrato de trabalho ao que acrescem os montantes legais do teu ponto (4).

b) Recusamos liminarmente o teu ponto (2) porque não são remunerações mas antes fringe benefits que, se não foram utilizados, a ti se deve porque não os quiseste. Nunca tive qualquer reclamação ou pedido da tua parte para pagamento deste montante pelo que não é razoável incluí-los nesta negociação.

c) Se aceitares o montante global referido em a) posso passar a contrato e fechamos o assunto.

d) Em caso de recusa, dever-te-ás apresentar em Portugal no próximo dia 2 de Fevereiro para reportares ao Dr. FF da área internacional com a responsabilidade das sucursais da América Latina e América do Norte. O teu salário será de 12 000 euros mensais, nível 18, e terás direito a uma viatura Volkswagen Passat;

(…).”

P) Por e-mail datado de 15 de janeiro de 2015, endereçado pelo trabalhador a GG, (BB DRH Direção), com conhecimento a OO, recebido em 16 de janeiro de 2015, o trabalhador comunicou o seguinte (cfr., fls. 64 a 66):

“(…)

Prezados Senhores,

Em resposta ao e-mail enviado em 08.01.15, reitero o quanto disposto anteriormente no sentido que o BCC – BB, na pessoa de seus representantes, sempre deixou claro que não tinha interesse em dar continuidade à relação de emprego mantida entre mim e o grupo económico (Grupo CC). Tanto isso é verdade que o e-mail enviado em 07.01.15 teve como base uma solicitação do próprio diretor de Recursos Humanos (GG).

Assim, causa-me estranheza a determinação contida no item “d” do referido e-mail datado de 08.01.15, no sentido que em caso de recusa à proposta ofertada no item “a” equivalente a indemnização no valor de € 439.200 euros, eu deveria apresentar-me em Portugal no dia 02.02 próximo perante o Dr. FF da área internacional para fins de assumir o cargo de diretor coordenador, com responsabilidades pelas sucursais da América Latina e América do Norte, cargo esse que, visivelmente, representa um rebaixamento de funções. Isso porque, as várias correspondências já trocadas sempre deixaram claro que a intenção do BCC-BB e BCCI (empresas integrantes do mesmo grupo económico) sempre foram no sentido de encerrar o meu contrato de trabalho e não no sentido de pretender o meu retorno para Portugal.

Nesse contexto, se eu decidir acatar a ordem de vocês e retornar a Portugal, para fins de exercer o cargo de diretor coordenador, conforme está sendo imposto na carta recebida em 08.01.15, após tantos dissabores ocorridos entre nós, desde já enfatizo que a minha remuneração não poderá corresponder ao valor que está sendo estabelecido de forma unilateral (€ 12.000,00), mas sim deverá ter como base a remuneração que é paga aos demais diretores coordenadores tão antigos quanto eu nesse grupo económico, em respeito ao princípio da igualdade retributiva, o qual também deverá ser observado no que se refere a quaisquer outros benefícios pagos aos demais diretores em posições semelhantes, afastando-se, ainda, qualquer intenção desse grupo económico em proceder a uma transferência para Portugal para fins de inserir-me numa situação de inatividade.

Ademais, nos termos da cláusula 6ª dos dois aditamentos ao meu contrato de trabalho, observo a existência de obrigação contratual atinente aos custos relativos à minha transferência para outra unidade do grupo (tais como transporte, bens pessoais entre outros), que como devem imaginar, após tantos anos residindo no ... são de valor relevante. Entretanto, o item “d” da carta recebida, não informa qual o procedimento que seria adotado para fins de antecipação dos valores necessários para custear o meu regresso, assim como o regresso dos meus familiares, para Portugal, caso assim optar.

(…).”

Q) À antecedente comunicação respondeu HH (BB DRH Direção), com conhecimento a GG (BB Direção), KK, EE (BB DAJ) por e-mail datado de 23 de janeiro de 2015, constante a fls. 68, dos autos, sendo o seguinte o teor da resposta:

“(…)

Exmo. Sr. Dr.

Por referência à sua carta datada de 15 de Janeiro de 2015, e por nós recebida por e-mail em 16 de Janeiro de 2015, vimos pela presente esclarecer três aspetos que foram suscitados a propósito do restabelecimento dos efeitos do contrato de trabalho existente entre si e o BB, S.A. (“BB”).

As funções que lhe foram determinadas enquadram-se na atividade para a qual foi contratado aquando da sua admissão em 28 de Junho de 1995, são adequadas às suas aptidões e qualificação profissional e não implicam qualquer desvalorização profissional. O exercício de tais funções enquadra-se na categoria profissional de diretor, com o nível 18 (nível retributivo máximo constante do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário), pelo que não se verifica qualquer diminuição de categoria ou despromoção.

Por outro lado, é errada e, por isso, não acompanhamos, a sua afirmação de que também está a ser violado o princípio da igualdade retributiva.

Em cumprimento do disposto nas Cláusulas Quinta e Sexta do “Aditamento ao Contrato de Trabalho” celebrado em 31 de Agosto de 2000, o BB suportará os custos da viagem de avião de regresso a Lisboa, classe executiva, para si e para o respetivo agregado familiar e do transporte dos bens pessoais. Quanto a este último ponto, ficamos a aguardar o envio de orçamento prévio à realização da despesa para efeitos de aprovação pelo BB e posterior disponibilização.

Finalmente, reiterando o nosso interesse na continuidade da relação laboral existente, ficamos a aguardar a sua apresentação ao serviço na data indicada.

(…).”

R) O trabalhador não se apresentou ao serviço no dia 2 de fevereiro de 2015, tendo apresentado documento médico a atestar a sua incapacidade para o trabalho cujo termo ocorria em 14 de fevereiro de 2015.

S) Por e-mail enviado ao trabalhador no dia 25 de fevereiro de 2015 – e também por carta registada para a sua morada – HH (BB DRH Direção), com conhecimento a PP (BB DRH Direção), EE (BB DAJ), QQ (BB DRH), comunicou-lhe o seguinte (cfr., fls. 76):

“(…)

Exmo. Senhor Dr.,

Na sequência da sua carta datada de 30 de Janeiro de 2015, e por nós recebida por e-mail no dia 1 de Fevereiro de 2015, verificámos que terminou no passado dia 14 de Fevereiro o período de incapacidade para trabalhar, conforme atestado médico apresentado, pelo que deverá de imediato apresentar-se ao serviço do BB, S.A. (“BB”), nos termos anteriormente indicados.

Mais informamos que deverá apresentar a justificação das faltas ao trabalho entretanto dadas no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da receção da presente carta, sob pena do BB considerar as mesmas injustificadas e daí retirar as consequências que considere adequadas no âmbito do quadro jurídico aplicável.

(…)».

T) Por e-mail datado de 12 de fevereiro de 2015, constante de fls. 105 a 107, o trabalhador comunicou a GG (BB DRH Direção), HH, com conhecimento a MM, NN e OO, o seguinte:

“(…)

Ref: Ordem Judicial; pagamento de remunerações em atraso e substituição de procuração;

Prezados Senhores,

Conforme já do conhecimento de V.Ex. as tramita na Justiça do Trabalho da cidade de ..., ação judicial por mim proposta (Processo n. 00028576220145020029) objetivando a cessação da determinação/ordem de V.Ex. as no sentido que em 02-02-15 eu deveria ser transferido do ... para Portugal e comparecer perante o Dr. FF da área internacional para fins de assumir o cargo de diretor coordenador, com responsabilidades pelas sucursais da América Latina e América do Norte.

Em 06.02.12, foi proferida decisão judicial na referida demanda no sentido de tornar nula e sem efeito a determinação de V.Ex. as de transferência para Portugal, conforme comprova o documento em anexo, motivo pelo qual se torna sem efeitos legais a ordem de transferência emitida.

Reitero, novamente, a necessidade de V.Ex. as providenciarem o pagamento dos meus salários em atraso desde Novembro de 2014, bem como a retirada do meu nome como representante legal do Banco CC/BB no ..., conforme já solicitado em diversas oportunidades.

Com efeito, como será do vosso conhecimento, a falta de pagamento pontual da minha retribuição, apesar de insistentemente ter solicitado a mesma, por comunicações eletrónicas e por carta, constitui uma situação de violação do meu contrato, que não só constitui contraordenação grave, como confere-me o direito a reclamar tais pagamentos e as indemnizações devidas pelos prejuízos causados.

Desta forma, solicito que no prazo de 10 dias me seja transferida para a minha conta bancária as quantias em dívida, acrescidas de juros de mora, bem como procedam à minha substituição na procuração que me indicou como representante legal, na qual continuo designado como vosso representante perante as autoridades da República Federativa do ..., sob pena de ter de iniciar os procedimentos legais necessários.

(…).”

U) Por correio registado e por e-mail, foi enviada ao trabalhador a missiva constante de fls. 76, dos autos, subscrita por HH PP, datada de 10 de março de 2015, cujo teor é o seguinte:

“(…)

Exmo. Sr. Dr.

Reportamo-nos às duas cartas de V. Exa. datadas de 12 de Fevereiro e 3 de Março de 2015, por nós recebidas por e-mail nessas datas, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.

Não obstante, o BB, S.A. (“BB”) desconhece ter sido parte em qualquer processo judicial no âmbito do qual tenha sido proferida uma decisão que lhe seja aplicável.

Deste modo, reiteramos derradeiramente a necessidade de apresentar a justificação das faltas ao trabalho dadas desde o dia 15 de Fevereiro de 2015 inclusive no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data da receção da presente carta. A falta de apresentação da referida justificação determinará que o BB considere tais ausências ao trabalho como injustificadas, incorrendo V. Exa. numa violação grave e culposa do dever de assiduidade a que está adstrito, a qual é passível de ser sancionada disciplinarmente, designadamente com a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação.

(…).”

V) Na sequência do recebimento da missiva antecedentemente referida, o trabalhador não se apresentou ao serviço da entidade empregadora, apenas o tendo feito no dia 22 de abril de 2015.

X) O trabalhador intentou uma ação cautelar (providência cautelar), distribuída com o n.º 0002857-62.2014.5.02.0029, na 29.ª Vara do Trabalho de ..., do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, pedindo que fosse dada sem efeito a ordem de transferência para Portugal emitida pela entidade empregadora.

Z) No dia 04 de fevereiro de 2015 foi proferida decisão judicial que deu sem efeito a ordem de transferência emitida pela entidade empregadora.

AA) A referida ordem judicial emitida pelo Juiz do Trabalho do ..., deferindo a providência cautelar requerida pelo trabalhador no sentido de suspender a ordem da entidade empregadora vigorou até 30 de março de 2015, data em que foi publicada a sentença que julgou improcedente o pedido de providência cautelar do trabalhador de cessação da ordem de transferência para Portugal e, consequentemente, revogou a primeira decisão cautelar de deferimento da suspensão daquela ordem de transferência.

AB) Em 7 de abril de 2015, o trabalhador interpôs recurso desta última decisão.

AC) Sendo que, em virtude de ao recurso interposto não ser conferido efeito suspensivo, o trabalhador intentou nova providência cautelar inominada para concessão do efeito suspensivo ao recurso interposto, tendo a essa nova medida cautelar sido atribuído o número 0000558-68.2015.5.02.0000.

AD) No âmbito desta providência cautelar, em 25.05.2015 foi concedida a medida liminar, para conferir efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto pelo trabalhador na ação cautelar – processo n.º 00028576220145020029 –, sustando, consequentemente, os efeitos da decisão que revogou a decisão concedida.

AE) Posteriormente, em 10 de junho de 2015, foram as entidades BCCI ... e BCC, S.A. citadas no âmbito do processo n.º 0000558-68.2015.5.02.0000.

AF) Em 01 de outubro de 2015, no âmbito do processo n.º 0000558-68.2015.5.02.0000, foi julgada procedente a ação cautelar, tornando definitiva a decisão cautelar, sustando os efeitos da decisão que revogou a providência cautelar concedida no âmbito do processo n.º 00028576220145020029.

AG) No dia 01 de outubro de 2015, no âmbito do recurso ordinário interposto pelo trabalhador, no processo n.º 0002857-62.2014.5.02.0029, foi julgada procedente pelo Tribunal Regional de Trabalho do ... – 2ª Região, a ação cautelar e suspensa a ordem de transferência do autor para Portugal, com efeitos retroativos desde 04 de fevereiro de 2015, resultando das certidões emitidas pelas autoridades judiciais do Trabalho do ..., que: “De todo o exposto, depreende-se que, essa nova liminar restabeleceu a ordem liminar anterior, sendo que o comando de transferência pelo empregador em Portugal, está sem efeito, desde 04.02.2015 (…)”.

AH) Em 6 de março de 2015 e 27 de março de 2015, as advogadas do trabalhador endereçaram à entidade empregadora, ao cuidado de HH e PP, as missivas constantes a fls. 351 a 358, dos autos, recebidas em 10 de abril de 2015, sendo a primeira com o seguinte teor:

“(…)

Prezado Senhor,

Na qualidade de advogadas do Sr. AA, esclarecemos que a vária correspondência já trocada entre nosso cliente e essa instituição sempre ficou claro que não é interesse desse grupo o seu retorno para Portugal e sim o encerramento do contrato de trabalho.

Entretanto, objetivando amenizar os ânimos entre as partes e evitar futura alegação de faltas injustificadas, nosso cliente sem prejuízo do quanto disposto na ação judicial que já tramita no ..., esclarece que está à disposição para se apresentar em Portugal perante o Dr. FF da área internacional, em data a ser determinada por V.Ex. as para fins de assumir o cargo de diretor coordenador que está sendo determinado por essa instituição com responsabilidades pelas sucursais da América Latina e América do Norte.

Destaque-se, novamente, o quanto arguido em cartas anteriores, que o cargo que está sendo apresentado ao requerente, visivelmente, representa um rebaixamento de suas funções.

Assim, solicitamos que V.Ex. as providenciem para o nosso cliente as passagens aéreas necessárias e os valores para a sua manutenção em Portugal, eis que o nosso cliente está sem receber salários desde Novembro de 2014.

Ressalte-se, posto que oportuno, que o Sr. AA, ainda mantém a condição de responsável fiscal pelo BES/BB no ..., devendo ser substituído por outro responsável residente no ... antes de sua transferência para Portugal para fins de cumprimento do quanto disposto na legislação ...eira, com as necessárias garantias de resguardo em todos os tempos de seu património pessoal.

(…)”.

E a segunda com o seguinte teor:

“(…)

Prezado Senhor,

Na qualidade de advogadas do Sr. AA e em resposta a carta encaminhada em 10.03.15 e recebida por nosso cliente Sr. AA, no dia 23,’3.15 em sua residência esclarecemos que nos causa espanto e surpresa a alegação de V.Ex. as no sentido de que essa empresa desconhece que é parte numa demanda judicial em que foi proferida decisão, no sentido de ser ilegal a ordem de transferência para Portugal do Sr. AA.

Isso porque, além do nosso cliente ter encaminhado cópia da referida decisão através de carta datada de 27.02.15, informando a determinação emitida pelo Juiz do Trabalho, Josley Soares da Costa, nos autos do processo n. 00028576220145020029, que tramita da 29.ª Vara do Trabalho de ..., consta daqueles autos petição elaborada pelos advogados do BCCI – Banco CC Investimento S/A, que deixa claro, em suas entrelinhas, que o BB S/A é o sucessor do Banco CC S/A.

Ressalte-se que para o direito brasileiro, qualquer alteração na estrutura da empresa não afeta as relações de trabalho, motivo pelo qual a inclusão no polo passivo da lide do BB como sucessor do BCC – BANCO CC S/A é mera questão de alteração da nomenclatura, já que a sucessão é inquestionável.

Outra questão que merece melhor atenção de V. SAS., cinge-se a insistente tentativa no sentido de negar a existência de um grupo económico e a validade da citação já concretizada naquela demanda através de Oficial de Justiça.

Isto porque, é inquestionável que BCCI – BANCO CC I… S/A e BES – BANCO CC, S/A ou BB, sempre estiveram no mesmo endereço e compõem o mesmo grupo económico.

A farta documentação já contida no processo em referência, não permite dúvidas quanto à existência de um grupo económico consoante documentos financeiros já anexados aos autos.

Esclarecemos, por oportuno, que para o direito brasileiro, as empresas integrantes do Grupo Económico respondem solidariamente pelas obrigações trabalhistas (artigo 2.º§ 2.º, da CLT), inclusive, por direitos que tenham nascido durante o trabalho prestado para empresas do Grupo no exterior. Por conclusão lógica o Bcc – BANCO CC S/A ou BB, BCCI – BANCO CC I… S/A ou qualquer outra subsidiária são responsáveis solidariamente para efeitos da relação de emprego e respondem com património próprio por qualquer direito devido ao nosso cliente.

Lembramos que o Sr. AA, manteve contrato de trabalho único com o Grupo CC desde 1987 e que nos últimos 17 anos laborou, preponderantemente, no ..., na medida em que foi transferido para o ... no final de 1997, sendo que sempre atuou em favor de outras unidades do Grupo, reportando-se a Portugal, mantendo-se vivo o contrato de trabalho com o Grupo BCC, que inclusive recolhe contribuições para seu plano de previdência complementar em Portugal.

Por essas razões e dentre outras que não merecem detalhamento nesse momento, entendemos ser temerária, à luz do direito brasileiro os procedimentos que estão sendo adotados por essa entidade, no sentido de:

- Recusar-se a receber citações;

- Obrigar nosso cliente a retornar a Portugal;

- Impor-lhe o dever de justificar ausências ao serviço desde 15.02.15, mesmo já tendo pleno conhecimento da determinação judicial sustando a ordem emitida de retorno a Portugal.

Frise-se que, nos termos da legislação brasileira, o procedimento adotado por Vossas Ex. as no sentido de utilizar todos os subterfúgios para recusar o recebimento de uma citação poderá ser interpretado como prática de litigância de má-fé nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil do ..., o que poderá resultar em multa processual de valor expressivo, a qual recairá sobre qualquer uma das empresas do grupo económico.

Assim, não há que se falar em ausências injustificadas ao trabalho desde 15.02.15, eis que as ausências do nosso cliente estão amparadas por determinação judicial emitida pela Justiça do Trabalho do ... a qual reconhece ser ilegal a ordem de transferência eis que nosso cliente foi transferido para o ... em carácter definitivo e aqui presta serviços há mais de 17 anos.

Por fim, quanto à advertência constante da sua missiva no sentido de que essa instituição considerará as ausências ao trabalho ocorridas desde 15.02.15, se não justificadas, como violação grave ao dever de assiduidade, entendemos se tratar de atitude abusiva, tendo em vista o conteúdo da determinação judicial emitida pela justiça brasileira, já mencionada e do conhecimento de V.Ex. as.

Assim, a aplicação de qualquer sanção ao signatário, será considerada uma sanção disciplinar abusiva, passível de ser objeção de indemnização e contraordenação, no quadro jurídico em vigor. (…)”.

AI) O trabalhador foi admitido ao serviço do CC Bank of ... em novembro de 1990, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de diretor responsável pela área internacional e Banca Privada, mantendo-se ao serviço dessa entidade até 28 de junho de 1995.

AJ) Ultimamente, o trabalhador auferia a remuneração base de € 2.723,11, acrescida de uma denominada remuneração complementar no valor de € 8.999,91, e diuturnidades no valor de € 276,98.

AL) A quantia referente à remuneração complementar – no valor de € 8.999,91 – sempre foi paga pelo empregador todos os meses, incluindo nos meses de férias, bem como paga com os correspondentes subsídios de férias e de Natal.

AM) O BCCI ..., onde o trabalhador exercia ultimamente funções, continuava com a sua atividade em pleno, no ..., não tendo sofrido qualquer vicissitude por efeito da deliberação referida em E).

AN) Sendo que só em 7 de setembro de 2015 foi vendida a totalidade do capital social do BCCI ... pela entidade empregadora, só nesta data deixando aquele de estar integrado no grupo societário da entidade empregadora.

AO) A fls. 120 a 122, dos autos, consta procuração, datada de 7 de julho de 2010, outorgada pelo “Banco CC, S.A.” a favor do ora trabalhador, procuração essa cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

AP) A entidade empregadora pagou ao trabalhador, a título de subsídio de Natal de 2015, a quantia de € 3.220,59.

AQ) A entidade empregadora pagou ao trabalhador, a título de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de janeiro de 2015, as quantias de 7.755,97 e € 75,97, respetivamente.

AR) A entidade empregadora pagou ao trabalhador, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias vencidos no ano da cessação do contrato, a quantia de € 6.059,36 e € 6.059,36, respetivamente.

AS) No dia 27 de outubro de 2015, a entidade empregadora procedeu ao pagamento ao trabalhador da quantia de € 40.000,03, referente: (i) Reg. Vencimento base Act., no valor de € 9.007,03; (ii) Reg. Diuturnidades Ativos, no valor de € 923,27; e (iii) Reg. Remun. Complementar, no valor de € 29.999,73.

AT) A entidade empregadora não pagou ao trabalhador o subsídio de Natal do ano de 2014.

AU) A fls. 1307, dos autos, consta e-mail subscrito pelo trabalhador, datado de 11 de dezembro de 2014, endereçado a GG (BB DRH direção), KK e RR, com conhecimento a NN, cujo teor é o seguinte:

“(…)

Prezados Senhores,

Registro que, apesar das várias conversas que tivemos, das diversas comunicações e pedidos de reunião com vossos representantes seja no ... seja em Portugal, e das promessas que recebi de encerramento do meu contrato de trabalho com pagamento de indemnização e outras verbas devidas, promessas que foram sucessivamente descumpridas, em nome da boa-fé e da transparência, comunico-lhes que instrui meus advogados a ingressar com a devida reclamação trabalhista, independentemente das negociações.

Com relação à vossa convocação para me apresentar no departamento de recursos humanos do BB em 12 de Dezembro do corrente ano, venho informar que uma vez que não me foram facultados meios de transporte para a dita viagem, é impossível a minha presença nessa data».

AV) A sucursal da entidade empregadora, em ..., encerrou em julho de 2015.

AX) O pagamento enunciado em AS) refere-se às remunerações do trabalhador atinentes ao período complementar entre 5 de novembro de 2014 e 14 de fevereiro de 2015.

AZ) Em novembro de 2015, a entidade empregadora pagou ao trabalhador a quantia de € 3.353,40, sob a denominação de “REG Subsídio de Natal Ativos”.

II. Factos que, constantes da base instrutória, resultaram provados.

1.º  - A entidade referida em AI) integrava o grupo do, então, Banco CC, S.A.”.

2.º - O Banco CC de Investimento, S.A. reconheceu ao trabalhador, para efeitos de Fundo de Pensões, antiguidade reportada a novembro de 1990, tendo transferido para a entidade empregadora, em 2015, os respetivos fundos.

3.º- A quantia referida em AL) destinava-se a complementar a retribuição base do trabalhador, sendo esta última a prevista para a sua categoria no ACT, cujo nível máximo é o 18, sendo a remuneração complementar atribuída, por decisão da Administração, de acordo com as funções exercidas e o grau de responsabilidade inerente.

4.º - Já em momento anterior ao referido em D), mormente por força do facto referido em E), existiram conversações entre o trabalhador e a entidade empregadora tendo em vista a revogação do contrato de trabalho, embora, concomitantemente, nelas estivesse também em causa o regresso do trabalhador em ordem a retomar as suas funções na entidade empregadora.

5.º- As conversações referidas em 4.º, visando a revogação do contrato de trabalho mantiveram-se até 8 de janeiro de 2015 e, em consequência de as mesmas se terem gorado, a entidade empregadora determinou, formalmente, ao trabalhador o regresso para Portugal.

6.º- A fls. 120 a 122, dos autos, consta procuração, datada de 7 de julho de 2010, outorgada pelo “Banco CC, S.A.” a favor do ora trabalhador, procuração essa cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7.º- A partir de 28 de junho de 1995 a até 29 de dezembro de 1997 – data em que foi firmado o convénio referido em B), dos factos assentes –, o trabalhador desempenhou, no “Banco CC e …, S.A.” as funções de diretor do Departamento Internacional, sendo que, quando lhe foi determinado o regresso a Portugal, foi-lhe, igualmente, comunicado que iria desempenhar funções na área Internacional com responsabilidade pelas sucursais da América Latina e América do Norte, reportando ao Dr. FF.

8.º- Ao diretor do Departamento Internacional da entidade empregadora, o Dr. FF, não foi comunicado, pela entidade empregadora, a integração do trabalhador no Departamento Internacional.

9.º- Nunca chegou a ser criado no Departamento Internacional um posto físico de trabalho para o trabalhador, embora aí existisse espaço para que o trabalhador fosse acomodado.

10.º- No ano de 1998, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$33.085,50, correspondente a EUR: € 23.237,46 (PTE: 4.658.692$45) à data de 04.01.1999.

11.º- No ano de 1999, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 29.751,00 EUR, correspondente a € 16.567,91 (PTE: 3.321.568$18) à data de 31.12.1999.

12.º- No ano de 2000, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 52.972,00, correspondente a EUR: € 29.187,28 (PTE: 5.851.524$87), à data de 31.12.2000.

13.º- No ano de 2001, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 49.360,74, correspondente a EUR: € 24.120,77 (PTE: 4.835.779$85), à data de 31.12.2001.

14.º- No ano de 2002, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 52.253,00, correspondente a EUR: € 14.075,26, à data de 31.12.2002.

15.º- No ano de 2003, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 61.897,24, correspondente a EUR: € 16.890,58, à data de 31.12.2003.

16.º- No ano de 2004, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 61.743,6 correspondente a EUR: € 17.081,72, à data de 31.12.2004.

17.º- No ano de 2005, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 54.888,92, correspondente a EUR: € 20.003,25 e $41.667,13, correspondente a EUR: € 35.320,11, à data de 31.12.2005.

18.º- No ano de 2006, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 45.692,80, correspondente a EUR: €16.250,37 e $45.082,00 correspondente a EUR: € 34.230,83, à data de 31.12.2006.

19.º- No ano de 2007, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 24.032,70 correspondente a EUR: € 9.256,52 e $35.233,00 correspondente a EUR: € 23.933,84, à data de 31.12.2007.

20.º- No ano de 2008, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 25.840,42 correspondente a EUR: € 7.966,59 e $37.419,00 correspondente a EUR: € 26.887,26, à data de 31.12.2008.

21.º- No ano de 2009, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 30.032,70 correspondente a EUR: € 11.959,03, à data de 31.12.2009.

22.º- No ano de 2010, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 38.594,00 correspondente a EUR: € 17.402,71, à data de 31.12.2010.

23.º- No ano de 2011, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 41.203,67 correspondente a EUR: € 17.055,21, à data de 31.12.2011.

24.º- No ano de 2012, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 45.502,00 correspondente a EUR: € 16.830,15, à data de 31.12.2012.

25.º- No ano de 2013, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 23.063,05 correspondente a EUR: € 7.079,77, à data de 31.12.2013.

26.º- No ano de 2014, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 13.990,10 correspondente a EUR: € 4.343,81, à data de 31.12.2014.

27.º- No ano de 2015, o trabalhador pagou, a título de propinas e mensalidades, a quantia de R$ 2.662,74 correspondente a EUR: € 617,56, à data de 31.01.2015.

28.º - A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2001, a quantia de R$ 38.115,66, correspondente a EUR: € 18.625,72 (PTE: 3.734.120$28), à data de 31.12.2001.

29.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2002, a quantia de R$ 53.423,00 correspondente a EUR: € 14.390,42, à data de 31.12.2002.

30.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2003, a quantia de R$ 64.666,64 correspondente a EUR: € 17.646,30, à data de 31.12.2003.

31.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2004, a quantia de R$ 64.729,84 correspondente a EUR: € 17.907,88, à data de 31.12.2004.

32.º-A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2005, a quantia de R$ 159.952,79 correspondente a EUR: € 58.291,83, à data de 31.12.2005.

33.º-A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2006, a quantia de R$ 90.226,60 correspondente a EUR: € 32.088,56, à data de 31.12.2006.

34.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2007, a quantia de R$ 79.937,46 correspondente a EUR: € 30.788,99, à data de 31.12.2007.

35.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2008, a quantia de R$ 83.575,08 correspondente a EUR: € 25.766,15, à data de 31.12.2008.

36.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2009, a quantia de R$ 87.769,31 correspondente a EUR: € 34.949,75, à data de 31.12.2009.

37.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2010, a quantia de R$ 101.202,89 correspondente a EUR: € 45.634,17, à data de 31.12.2010.

38.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2011, a quantia de R$ 138.246,06 correspondente a EUR: € 57.223,42, à data de 31.12.2011.

39.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2012, a quantia de R$ 107.651,16 correspondente a EUR: € 39.817,71, à data de 31.12.2012.

40.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2013, a quantia de R$ 115.759,50 correspondente a EUR: € 35.535,21, à data de 31.12.2013.

41.º- A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2014, a quantia de R$ 129.502,00 correspondente a EUR: € 40.209,27, à data de 31.12.2014.

42.º - A título de despesas de condomínio, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2015, a quantia de R$ 23.921,92 correspondente a EUR: € 7.342,74, à data de 29.02.2015.

43.º - A título de despesas de renda, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 1998, a quantia de R$ 25.807,00 correspondente a EUR: € 21.890,75 (PTE: 4.388.700$46), à data de 04.02.1999.

44.º- A título de despesas de renda, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 1999, a quantia de R$ 58.700,00 correspondente a EUR: € 58.431,22 (PTE: 11.714.407$13), à data de 31.12.1999.

45.º- A título de despesas de renda, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2000, a quantia de R$ 62.400,00 correspondente a EUR: € 67.060,72 (PTE: 13.444.467$28), à data de 31.12.2000.

46.º- A título de despesas de renda, com a sua habitação, o trabalhador pagou, em 2001, a quantia de R$ 5.200,00 correspondente a EUR: € 5.900,00 (PTE: 1.182.918$87) à data de 31.12.2001.

47.º- Na sua deslocação de ..., ..., para Portugal, em 22 de abril de 2015, o trabalhador despendeu, em viagens, o valor de USD 2350,00.

48.º- Alterado pelo Tribunal da Relação, tendo sido introduzida a seguinte redação:

Até às conversações referidas em 4., o A. nunca reclamara junto da entidade empregadora o pagamento de quaisquer quantias a título de propinas e mensalidades, despesas de condomínio e renda com a habitação.

A redação original da decisão da 1.ª instância era a seguinte:

Pelo menos no período em que decorreram as conversações referidas em 4.º, o trabalhador reclamou, junto da entidade empregadora, o pagamento das quantias referentes a “propinas e mensalidades”, “despesas de condomínio com a sua habitação” e “ rendas de casa”.

2. Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, instaurada em 17 de agosto de 2015.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n. os 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

3. Atentas as questões suscitadas nos recursos interpostos, já equacionadas, por razões de ordem lógica, iremos apreciá-las pela ordem seguinte:

- A alegada nulidade do acórdão do Tribunal da Relação por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 674.º, n.º 1 alínea c), 615.º n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, suscitada pelo Autor;

- A licitude do despedimento do Autor, por este ter violado os deveres de assiduidade, obediência e lealdade, previstos nas alíneas b), e) e f) do art.º 128.º, do Código do Trabalho, questão suscitada pela Ré.

A propósito desta questão, se for caso disso, será apreciada a legitimidade e legalidade da ordem de regresso a Portugal, dada pela R. ao Autor, questão que foi suscitada por este, nas suas contra-alegações.

- A condenação da R. no pedido referente às despesas de habitação, condomínio e de educação e propinas, questão suscitada pelo Autor.

a) Nas suas alegações, o A. veio arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 674.º, n.º 1 alínea c), 615.º n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Para o efeito, alegou que em face da decisão proferida pela 1.ª instância, no que concerne às despesas de habitação, condomínio e de educação e propinas, a R. interpôs recurso de apelação, cujas conclusões delimitaram o objeto do recurso, tendo o Tribunal da Relação se substituído à R. quando considerou, por um lado, que esta pretendia suscitar a reapreciação da prova, pretendendo uma alteração da matéria de facto, e por outro, que as concretas provas que entendia serem adequadas a esse intento, na verdade, não eram, afinal, as mais adequadas.

Nesta linha, o A. concluiu que o Tribunal da Relação não deveria ter alterado a redação do ponto 48 dos factos provados.

A alegada nulidade, por excesso de pronúncia, não foi arguida pelo A., expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, que se encontra a folhas 1843 dos autos.

Em processo laboral, resulta do art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho, que existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença, que se traduz no facto de a arguição ter de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, e, quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

Apesar de no processo laboral o requerimento de interposição de recurso dever conter a alegação do recorrente (art.º 81.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), não pode confundir-se o requerimento de interposição de recurso com a alegação de recurso. O requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão – art.º 637.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação.

 O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou inúmeras vezes sobre esta questão, sempre de forma unânime, no sentido de que a arguição de nulidades não deve ser atendida, caso a arguição de nulidades de sentença não seja feita pela forma prevista no art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho, nomeadamente quando tal arguição foi só suscitada na alegação de recurso.

No recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/6/2015, processo n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1, pode ler-se no seu sumário:

 «Só se mostra cumprido o desiderato constante do art.º 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, quando o recorrente, no próprio requerimento em que interpõe recurso da decisão, consigna, de forma expressa e em separado – dizer, em separado do pedido ou da intenção de recurso -, que argui nulidades dessa mesma decisão, explicitando--as.»

O mesmo aresto desenvolve a questão nos seguintes termos:

“ Efetivamente, aí se dispõe (art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho) que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, tendo vindo a ser firmado, de forma consistente, por esta Secção do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que só se mostra cumprido o desiderato constante deste normativo quando o recorrente, no próprio requerimento em que interpõe recurso da decisão, consigna, de forma expressa e em separado, isto é, em separado do pedido ou da intenção de recurso, que argui nulidades dessa mesma decisão, explicitando-as, ainda que minimamente.”

A razão de ser, como se salienta em todos esses arestos, tem a ver com os princípios da celeridade e economia processual, na medida em que o cumprimento daquela norma comporta a vantagem de permitir ao juiz a imediata perceção de que está colocada a questão da nulidade da sentença, dela podendo conhecer, suprindo-a ou tendo-a por infundada.

Como se consignou, no aresto desta Secção de 31/01/2012, na Revista n.º 70/04.2TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «nos termos do disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades tem de ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso de forma explícita e concreta, dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal “a quo” e estas o são ao tribunal “ad quem”».

Ou, ainda, como de forma mais explícita, foi sumariado no aresto de 27/10/2010, Revista n.º 3034/07.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt:

I - A exigência contida no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – no sentido de a arguição de nulidades da sentença ter que ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso – justifica-se por razões de celeridade e economia processual que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara deteção das nulidades arguidas e respetivo suprimento.

II - A mera referência aos textos legais que preveem as nulidades não é suficiente para permitir que o tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios invocados.

Em suma, a norma contida no n.º 1, do art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho, própria do contencioso laboral, também aplicável à arguição de nulidades apontadas ao Acórdão da Relação (art.º 666.º do Novo Código de Processo Civil), exige, a par da necessidade do anúncio da nulidade que se aponta à decisão recorrida, a invocação da motivação que sustenta esse vício, devendo essa motivação ser explanada de forma expressa e separada, de molde a facilitar ao juiz a perceção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.»

Apreciando o requerimento de interposição de recurso logo se vê que o A./recorrente não arguiu a nulidade do acórdão recorrido de forma expressa e separadamente, limitando-se a fazer referência à mesma nas suas alegações e conclusões, pelo que não respeitou o estatuído no art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho, razão pela qual não se pode conhecer da sobredita arguição.

b) A R., nas suas conclusões, defende que o A. violou os deveres de assiduidade, obediência e lealdade, previstos nas alíneas b), e) e f), do art.º 128.º, do Código do Trabalho, que pela sua especial gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, integrando o conceito de justa causa de despedimento, nos termos do art.º 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), d) e g), do mesmo diploma legal.

A R./recorrente impugna o acórdão recorrido, que julgou o despedimento do A. ilícito, estribando-se, em síntese, na seguinte argumentação:

- Mesmo que se aceitasse o fundamento invocado no acórdão recorrido para afastar a culpa do trabalhador – o facto de ter obtido da justiça brasileira uma decisão favorável à sua pretensão, no sentido de sustar a ordem de apresentação em Portugal – não se pode ignorar o facto de ter havido uma outra decisão da justiça brasileira que revogou aquela, conhecida pelo A. em 30/03/2015, tendo este continuado com o seu comportamento de desobediência, de ausência injustificada, só se tendo apresentado em 22/04/2015, vinte e dois dias após a decisão que revogou a primeira;

- O A. sabia e não podia desconhecer que a decisão judicial brasileira, a fim de conseguir uma justificação para não cumprir a ordem de se apresentar ao serviço do R., não tinha efeitos na justiça portuguesa, desde logo, porque teria de ser revista e confirmada, como é exigido pelo artigo 978.º, do Código de Processo Civil;

- O acórdão recorrido reconhece a validade da ordem, aderindo ao entendimento da decisão da 1ª instância, concluindo que “não se oferece dúvidas ao Tribunal quanto à validade e, por conseguinte, a quanto ao dever do seu cumprimento pelo trabalhador" (cf. fls. 52 do acórdão), nunca poderia desculpar o A. com fundamento na decisão do tribunal brasileiro, pois se num primeiro momento a decisão lhe foi favorável, a segunda revogou aquela e o comportamento desobediente manteve-se durante vinte e dois dias.

Vejamos então a posição defendida no acórdão recorrido, que nesta parte manteve a decisão da 1.ª instância, no sentido da ilicitude do despedimento:

O R. insurge-se contra tal avaliação, (efetuada pela 1ª instância) alegando que a matéria de facto provada impunha avaliação diversa quanto ao carácter culposo da atitude premeditada e voluntariosa do A., que, escudando-se nos ditames de um ordenamento que não era o competente para dirimir as questões suscitadas na relação de trabalho, violou os deveres de assiduidade, obediência e lealdade, com gravidade e consequências que tornavam impossível a subsistência da relação laboral; que o tribunal recorrido ignorou que o A. não era um trabalhador qualquer, mas sim com o mais elevado nível hierárquico do banco, o de diretor coordenador, e que, além do mais, tinha sido administrador durante 17 anos.

Adiantemos desde já que não cremos que lhe assista razão, afigurando-se-nos correta e muito bem fundamentada a valoração efetuada pela Sr.ª Juíza, pelo que a acolhemos.

É certo que se tratava de um trabalhador com elevado estatuto hierárquico dentro do banco R. – embora não conste que fosse diretor coordenador, mas apenas diretor - e que, além do mais, acabava de desempenhar, em nome do empregador e desde 1/9/2000, funções de administrador de um outro banco participado pelo empregador (e, conforme afirma o A. no art.º 15.º da contestação, tivesse integrado também o Conselho de Administração do BCC, S.A. a partir de 27/3/2002) pelo que a exigibilidade de uma conduta conforme à disciplina interna do banco, maxime em matéria de obediência e assiduidade, terá de ser consentânea com a elevada responsabilidade inerente a tais funções. Porém, tendo o A. requerido e obtido em 4/2/2015 na justiça brasileira providência cautelar no sentido de sustar a ordem de regresso a Portugal, embora tal decisão seja ineficaz no nosso país, por não ter sido revista e confirmada conforme exigido pelo art.º 978.º, nº 1, do Código de Processo Civil (valendo, pois, apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador) e nos esteja vedado ajuizar da competência ou incompetência internacional daquela jurisdição para conhecer do caso, não podemos deixar de reconhecer que o A., justamente porque tinha obtido decisão judicial favorável à sua pretensão, estava certamente convicto, pelo menos após tal decisão, que lhe assistia o direito de não cumprir a ordem de regresso a Portugal e ao posto de trabalho que ocupava antes da deslocação para o ... ao abrigo dos convénios referidos nos pontos B) e C). Tanto assim que, após ter sido notificado da decisão da justiça brasleira de 30/3/2015 que revogou a primeira decisão cautelar [referida em AA) ], o A. acabou por se apresentar em Portugal em 22/4/2015 [cfr. ponto V)]. Ou seja, estando o A. como tudo indica, intimamente convicto que o seu comportamento era lícito e não se vendo razões para ter por censurável tal convicção, bem andou a Sr.ª Juíza em considerar ilidida a presunção de culpa inerente ao incumprimento pelo A. da obrigação contratual de, em obediência à ordem que lhe fora transmitida, passar a apresentar-se, para o exercício da sua atividade profissional, no Departamento Internacional do Banco, em Lisboa.

Assim sendo, por não se poder considerar culposo e censurável o comportamento do A. no período de 15/2 a 21/4/2015, apesar de violar os deveres laborais de obediência e de assiduidade, não se tem por verificada a previsão da cláusula geral contida no art.º 351.º, nº1, do Código do Trabalho, inexistindo, pois, justa causa de despedimento, pelo que este não pode deixar de ser declarado ilícito, em conformidade com o estabelecido pela al. b), do art.º 381.º do Código do Trabalho (tal como o anteriormente citado).

Mas, ainda que assim se não entendesse, sobretudo após a notificação da mencionada decisão de 30/3, a gravidade da conduta do A., decorre sobretudo do facto de provir de alguém que, devido ao seu estatuto hierárquico, mais se lhe impunha que acatasse a disciplina da empresa; no que concerne à gravidade das respetivas consequências, além daquela que decorre da repercussão que, pelo efeito de exemplo, tem sobre a autoridade disciplinar do empregador, afigura-se-nos que, na parte que tem a ver propriamente com a repercussão do absentismo na prossecução das finalidades visadas pelo empregador com a respetiva atividade - em geral considerada muito perniciosa na vida das empresas -, no caso concreto, porém, atenta a situação em que o banco se encontrava (a reduzir a sua atividade no exterior, como mostra o facto de ter encerrado a sucursal de ... em Julho de 2015), não poderem as consequências ser consideradas, muito graves. Classificamos, assim, em cômputo geral, de gravidade média a conduta em si mesma e nas respetivas consequências. E, assim sendo, não considerando muito elevado o grau de lesão dos interesses do empregador, atendendo, no quadro de gestão da empresa, ao carácter das relações entre as partes, afigura-se-

-nos não poder afirmar que a conduta do A. tivesse tornado inexigível a manutenção da relação, sendo a aplicação de uma sanção conservatória, suficiente para repor o equilíbrio na relação contratual (visto o disposto pelo art.º 330.º, nº 1, do Código do Trabalho), pelo que sempre seria de manter o juízo sobre a ilicitude do despedimento.

Nesta parte improcede, pois, o recurso do R..

Esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi tomada por maioria, tendo havido um voto de vencido do seguinte teor:

Voto vencida na parte do acórdão que decidiu sobre a ilicitude do despedimento do Autor. Entendo que deveria ser dado provimento ao recurso interposto pelo Réu e confirmado o despedimento do Autor com justa causa.

O presente acórdão aderiu ao entendimento perfilhado na sentença recorrida (cf. fls. 55 do acórdão), e considerou que pelo facto do Autor ter obtido na justiça brasileira uma decisão favorável à sua pretensão, no sentido de sustar a ordem de apresentação em Portugal “estava certamente convicto, pelo menos após tal decisão, que lhe assistia o direito de não cumprir a ordem de regresso a Portugal e ao posto de trabalho que ocupava antes da deslocação para o ....” E concluiu: Assim sendo por não se poder considerar culposo e censurável o comportamento do A. no período de 15/2 a 21/4/2015, apesar de violar os deveres laborais de obediência e de assiduidade, não se tem por verificada a previsão da cláusula geral contida no art.º 351.º n.º 1, inexistindo, pois, justa causa de despedimento, pelo que este não pode deixar de ser declarado ilícito, em conformidade com o estabelecido pela al. b) do art.º 381,º do CT (tal como o anteriormente citado). Nesta parte improcede, pois, o recurso do R.” (cf. fls. 56 do acórdão).

O acórdão concluiu, assim, pelo afastamento da culpa por parte do trabalhador que terá de existir na subsunção ao despedimento com justa causa.

Afigura-se-me, porém, tal como à Exma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer de fls. 1776, que face à matéria de facto dada como provada, não podia ter sido retirada tal conclusão, pelas razões que se enunciam:

1.ª O Autor não só teve conhecimento da ordem do Réu para se apresentar ao serviço como a aceitou pois justificou as suas faltas entre os dias 2 e 14 de Fevereiro com apresentação de um atestado médico. Após esta data, não obstante as solicitações da entidade empregadora para que se apresentasse ao serviço e justificasse as faltas subsequentes, o Autor apenas se apresentou ao serviço do Réu no dia 22/04/2015 - factos provados sob as alíneas O) Q) R) S) da matéria de facto - (fls. 36 a 38 do acórdão).

2.ª O Autor sabia que recorrer a uma decisão da justiça brasileira, a fim de conseguir uma justificação para não cumprir a ordem se apresentar ao serviço do Réu, não tinha efeitos na justiça portuguesa, desde logo, porque teria de ser revista e confirmada, como é exigido pelo art.º 978.º, do CPC - factos provados sob as alíneas X) a AA) da matéria de facto provada - (fls. 39 e 40 do acórdão).

No entanto, o presente acórdão reconhece também a validade da ordem do Réu, pois aderiu ao entendimento do tribunal recorrido que expressamente concluiu, "não se oferecem dúvidas ao Tribunal quanto à validade e, por conseguinte, a quanto ao dever do seu cumprimento pelo trabalhador." (cf. fls. 52 do acórdão)

3.ª Mas mesmo que se admitisse eficácia à decisão liminar da justiça brasileira, proferida no âmbito de uma providência cautelar que considerou sem efeito a ordem emanada pelo Réu, o Autor, em 30/3/2015, teve conhecimento da sentença da justiça brasileira que revogou aquela decisão, mas só se apresentou ao serviço do Réu em 22/4/2015, ou seja, após 22 dias, depois de receber a nota de culpa em 16/04/2015, no âmbito do procedimento disciplinar que o Réu lhe instaurou — factos provados sob as alíneas G) J) V) da matéria de facto (fls.21, 25 e 39 do acórdão).

Assim sendo, a única conclusão que é possível extrair dos factos apurados, é a de que o Autor conhecia a ordem legítima do Réu para se apresentar ao seu serviço, não a quis cumprir de modo consciente e voluntário, violando culposamente os seus deveres de assiduidade, obediência e lealdade a que estava vinculado por força das alíneas b), e) e f) do nº 1, do art.º 128.º, do CT.

Este comportamento do Autor integra a prática das infracções disciplinares previstas no art.º 351.º, n.º 2, nas alíneas: a) Desobediência ilegítima a ordens válidas do Réu; d) Desinteresse repetido pelo exercício das suas obrigações; e g) Cinco faltas seguidas, independentemente de prejuízo ou risco, que pela sua especial gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, configurando, ao abrigo do n.º 1, do art.º 351.º, do CT, justa causa de despedimento.

Vejamos então se assiste razão à R/recorrente, quando defende a licitude do despedimento do Autor.

A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 53.º, garante aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

O art.º 351.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento” estatui:

1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

m) Reduções anormais de produtividade.

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

  O art.º 126.ºdo mesmo diploma legal estatui que as partes numa relação laboral devem pautar a sua conduta com observância pelo princípio da boa-fé, referindo:

1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Por seu turno, o art.º 128.º do CT, sob a epígrafe “ Deveres do Trabalhador” dispõe:

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;

 …

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;

2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no n.º 2, do art.º 351.º, do Código do Trabalho, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos suscetíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.

Da noção fornecida pelo legislador no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar de a lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, o Professor António Menezes Cordeiro[2], citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infração, ou seja, uma violação, por ação ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

Voltando ao caso dos autos, vejamos se o comportamento do A. preencheu os aludidos requisitos para se poder considerar que a relação laboral se tornou inviável, havendo, assim, justa causa para o despedimento.

O A. foi admitido ao serviço do então Banco CC e …, S.A., em 28/06/1995, para exercer funções de diretor no departamento internacional.

Em 01/01/1998, por aditamento ao contrato de trabalho, passou a desempenhar funções na diretoria executiva do Banco DD, em ..., no ....

Também por aditamento ao contrato de trabalho, em 01/09/2000, passou a exercer funções de administrador no BCC Investimento do ..., em ..., no ....

O A. foi transferido para os quadros da R., por via da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, proferida nos termos do artigo 145.º-G, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e clarificada pela deliberação de 11 de agosto, proferida pela mesma entidade.

Em 05/11/2014, o A. renunciou ao cargo social de administrador no BCC Investimento do ....

Em 08/01/2015, na sequência de negociações, com vista à cessação do contrato de trabalho, que não lograram êxito, a R. comunicou ao A. que se devia apresentar em Portugal no dia 02/02/2015, para integrar a área internacional da R., com a responsabilidade das sucursais da América Latina e América do Norte.

No dia 02/02/2015, o A. não se apresentou ao serviço, tendo apresentado documento médico a atestar a sua incapacidade para o trabalho, cujo termo ocorria em 14/02/2015.

O A. apresentou-se ao serviço no dia 22/04/2015.

As instâncias reconheceram a validade da ordem dada pela R. ao A. para se apresentar em Portugal no dia 02/02/2015.

Nas suas contra-alegações, o A. requereu a ampliação do objeto do recurso, para a hipótese de se entender, como entenderam as instâncias, que a sua conduta integra, em termos objetivos, um ilícito disciplinar, devendo então ser apreciada a legitimidade e legalidade da ordem de regresso a Portugal.

O A. sustenta a ilegitimidade e ilegalidade da ordem de regresso que lhe foi dada na seguinte argumentação que se sintetiza:

- Sem a existência do “aditamento ao contrato de trabalho” de 1997, tendo como objetivo a sua transferência para o ..., a R. não o poderia ter transferido, naquela data, unilateralmente, atento o disposto da legislação, então, em vigor, o artigo 24.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 408, de 24 de Novembro de 1969;

- O facto de os aditamentos ao contrato de trabalho de 1997 e de 2000 incluírem cláusulas referentes à vigência e à denúncia (mediante aviso prévio de três meses), demonstra que a vontade das partes foi acautelar hipóteses de eventuais mudanças de circunstâncias, quer pelo lado do trabalhador, quer pelo lado do empregador;

- Desta forma, uma ordem de mudança, sem serem observadas aquelas estipulações - que as partes haviam perspetivado de vigência e denúncia - era adequada a produzir prejuízos sérios na sua vida pessoal e familiar, o que exigiria, sempre, a sua concordância, tal como acontecera aquando da mudança de Portugal para o ....

- O contexto e forma em que tal ordem foi proferida revelam abuso, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, quer porque proferida durante um processo negocial de cessação do contrato de trabalho, mas também porque concedida apenas uma antecedência de 3 semanas para se apresentar em Portugal (ao invés dos contratualizados 3 meses);

- O prazo de três meses de denúncia também foi perspetivado pelas partes como um prazo que ambas deveriam respeitar em qualquer vicissitude contratual;

- Atento o disposto no artigo 196.º, n.º 1, do Código do Trabalho, previsto para transferências do local de trabalho dentro do mesmo país, conjugado com o facto de o trabalhador prestar a sua atividade no ... há 17 anos, ter de deslocar toda sua vida pessoal e familiar para Portugal e a ordem dada pela R. ter sido de mudança definitiva, não era razoável o cumprimento daquela ordem num prazo inferior a três meses, muito menos num prazo de três semanas como aquele que foi fixado pelo empregador, pelo que tal ordem foi abusiva, nos termos do artigo 334.°, do Código Civil.

- A ordem de regresso do trabalhador, ou de transferência do local de trabalho, foi ilegítima e ilegal, porque foi dada pela entidade empregadora num contexto negocial intenso, tendo em vista a cessação da relação contratual, além de consubstanciar uma forma de assédio para a cessação do contrato, violadora dos artigos 29.º, n.º 1, 128.º, al. e), e 129.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, como é evidente pelo facto de o empregador não ter criado o posto de trabalho e nem o superior hierárquico do trabalhador conhecer ou saber da sua integração na equipa que chefiava em Portugal, ou seja, a ordem era meramente formal para pressionar.

Vejamos se as razões invocadas pelo A. têm consistência para se qualificar de ilegítima e ilegal a ordem de regresso que lhe foi dada pela Ré.

O A. foi transferido para os quadros da R., por via da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, tendo, em 05/11/2014, renunciado ao cargo social de administrador no BCC Investimento do ....

Resulta da matéria de facto provada (alínea O.) que, a partir de então, terá decorrido um processo negocial entre o A. e a R. com vista à cessação do contrato de trabalho que não terá logrado êxito.

Foi no decorrer dessas negociações que a R., ao apresentar uma contraproposta, através de e-mail de 08/01/2015, comunicou ao A. que, em caso de recusa da mesma, deveria apresentar-se em Portugal no dia 02/02/2015 para integrar a área internacional com a responsabilidade das sucursais da América Latina e América do Norte.

Atentas as circunstâncias, a ordem de regresso a Portugal insere-se na sequência da renúncia pelo A. ao cargo social de administrador no BCC Investimento do ... e à deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, que transferiu o A. para os quadros da Ré.

Não estamos assim perante uma transferência de local de trabalho, mas antes perante uma situação excecional derivada da vontade do A., que renunciou ao cargo que ocupava no BCC Investimento do ..., e à sua, consequente, integração na R., por via da aludida deliberação do Banco de Portugal.

Tratando-se de uma situação excecional importa ponderar os interesses em causa, de forma a avaliar se a aludida ordem de regresso a Portugal dada pela R. ao A. violou as disposições contratuais subscritas pelas partes, ou alguma disposição legal.

Nos aditamentos ao contrato de trabalho de 1997 e de 2000, celebrados entre o A. e R., constava na cláusula 10.ª “ O presente acordo poderá ser denunciado por qualquer das partes, mediante um aviso prévio com um mínimo de três meses antes do termo”.

Recorde-se que o aditamento de 1997 foi celebrado quando o A. foi deslocado para o ... para desempenhar as funções de diretor na diretoria executiva do Banco DD, em ... e o aditamento de 2000 foi celebrado quando o A. foi colocado como administrador no BCC Investimento do ..., na mesma cidade.

Temos assim que as partes acordaram quanto ao teor da referida cláusula quer na situação em que o A. foi colocado como diretor quer na situação em que foi colocado como administrador.

De qualquer forma, o aditamento ao celebrado em 1997 deixou de produzir efeitos quando o A. deixou de exercer funções como diretor na diretoria Executiva do Banco DD, em ... e o aditamento ao contrato celebrado em 2000 deixou de produzir efeitos quando o A. renunciou ao cargo social de administrador no BCC Investimento do ....

Na verdade, o A. após ter renunciado ao cargo social de administrador no BCC Investimento do ..., em 05/11/2015, ficou numa situação que se pode designar de disponibilidade face à deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 11/08/2015, que o transferiu para os quadros da Ré.

Encontrando-se o A. desvinculado, por sua vontade, do BCC Investimento do ..., era legítimo à R. determinar a sua apresentação, uma vez que foi transferido para os seus quadros.

O A. alega que a ordem foi abusiva, nos termos do artigo 334.°, do Código Civil, pois o prazo que lhe foi concedido de três semanas não era razoável, pois tendo prestado a sua atividade no ... durante 17 anos era difícil nesse lapso de tempo de deslocar toda sua vida pessoal e familiar para Portugal, uma vez que se tratava de uma mudança definitiva.

Como já se referiu, estamos perante uma situação excecional derivada da vontade do A., que renunciou ao cargo que ocupava no BCC Investimento do ..., e à sua, consequente, integração na R., por via da aludida deliberação do Banco de Portugal.

Assim, desejando o A. a sua integração na R. deveria ter acatado a ordem que lhe foi dada de regresso a Portugal para integrar a área internacional com a responsabilidade das sucursais da América Latina e América do Norte.

Tendo o A. sido integrado na R. num nível de elevada responsabilidade era de esperar que se mostrasse disponível, de forma imediata, para colaborar com o seu empregador, tendo até em consideração as razões que motivaram a deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal.

Quanto à falta de razoabilidade do prazo não se vislumbra da matéria de facto provada que o A. tenha solicitado à R. alguma prorrogação do mesmo e que esta a tenha recusado.

O que se constata é que o A. no dia 02/02/2015, não se apresentou ao serviço, tendo apresentado documento médico a atestar a sua incapacidade para o trabalho, cujo termo ocorria em 14/02/2015, tendo vindo a apresentar-se em 22/04/2015.

Entretanto, o A. recorreu à Justiça do ... pedindo que fosse dada sem efeito a ordem de regresso para Portugal.

Vejamos o que se provou quanto a essas diligências empreendidas pelo Autor na Justiça do ....

X) O trabalhador intentou uma ação cautelar (providência cautelar), distribuída com o n.º 0002857-62.2014.5.02.0029, na 29.ª Vara do Trabalho de ..., do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, pedindo que fosse dada sem efeito a ordem de transferência para Portugal emitida pela entidade empregadora.

Z) No dia 04 de fevereiro de 2015 foi proferida decisão judicial que deu sem efeito a ordem de transferência emitida pela entidade empregadora.

AA) A referida ordem judicial emitida pelo Juiz do Trabalho do ..., deferindo a providência cautelar requerida pelo trabalhador no sentido de suspender a ordem da entidade empregadora vigorou até 30 de março de 2015, data em que foi publicada a sentença que julgou improcedente o pedido de providência cautelar do trabalhador de cessação da ordem de transferência para Portugal e, consequentemente, revogou a primeira decisão cautelar de deferimento da suspensão daquela ordem de transferência.

AB) Em 7 de abril de 2015, o trabalhador interpôs recurso desta última decisão.

AC) Sendo que, em virtude de ao recurso interposto não ser conferido efeito suspensivo, o trabalhador intentou nova providência cautelar inominada para concessão do efeito suspensivo ao recurso interposto, tendo a essa nova medida cautelar sido atribuído o número 0000558-68.2015.5.02.0000.

AD) No âmbito desta providência cautelar, em 25.05.2015 foi concedida a medida liminar, para conferir efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto pelo trabalhador na ação cautelar – processo n.º 00028576220145020029 –, sustando, consequentemente, os efeitos da decisão que revogou a decisão concedida.

AE) Posteriormente, em 10 de junho de 2015, foram as entidades BCCI ... e BCC, S.A. citadas no âmbito do processo n.º 0000558-68.2015.5.02.0000.

AF) Em 01 de outubro de 2015, no âmbito do processo n.º 0000558-68.2015.5.02.0000, foi julgada procedente a ação cautelar, tornando definitiva a decisão cautelar, sustando os efeitos da decisão que revogou a providência cautelar concedida no âmbito do processo n.º 00028576220145020029.

AG) No dia 01 de outubro de 2015, no âmbito do recurso ordinário interposto pelo trabalhador, no processo n.º 0002857-62.2014.5.02.0029, foi julgada procedente pelo Tribunal Regional de Trabalho do ... – 2ª Região, a ação cautelar e suspensa a ordem de transferência do autor para Portugal, com efeitos retroativos desde 04 de Fevereiro de 2015, resultando das certidões emitidas pelas autoridades judiciais do Trabalho do ..., que: “De todo o exposto, depreende-se que, essa nova liminar restabeleceu a ordem liminar anterior, sendo que o comando de transferência pelo empregador em Portugal, está sem efeito, desde 04.02.2015 (…)”.

O A. não provou a existência de decisão emanada pelos tribunais portugueses no sentido de que a ordem de regresso a Portugal era ilegal ou ilegítima.

O art.º 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que dispõe: “ Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.

No caso concreto, as decisões da Justiça do ..., nos termos do n.º 2, da disposição legal referida, apresentam-se como simples meios de prova sujeitos à apreciação de quem haja de julgar a causa.

A análise jurídica feita pela Justiça do ..., integrando o pedido do A. na figura da transferência do local de trabalho, não coincide com a integração jurídica que consideramos conforme à situação concreta dos autos, como já foi explanado.

Entendemos assim que não existem quaisquer razões de ordem jurídica suscetíveis de por em causa a legalidade da ordem de regresso a Portugal que foi dada pela R. ao Autor.

Como refere a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[3] “o dever de obediência é o dever acessório mais importante do trabalhador, a par do dever de lealdade.

A importância do dever de obediência é reconhecida genericamente pela doutrina (que o considera a manifestação, por excelência, da subordinação jurídica), a ponto de autores como o Professor António Monteiro Fernandes referirem, de uma forma expressiva, que, para o trabalhador, cumprir é, essencialmente, obedecer, bem como pela jurisprudência, que se refere a este dever como a pedra angular do contrato de trabalho”.

A Senhora Professora na análise que faz ao dever de obediência conclui que o seu incumprimento “constitui uma infração disciplinar, a sancionar nos termos gerais (art.º 328.º e seguintes do Código do Trabalho). Se esta infração for grave e culposa pode integrar uma situação de justa causa para despedimento imediato do trabalhador, nos termos previstos pelo art.º 351.º, n.º 2, alínea a)”.

Por seu turno, o dever de assiduidade é um dever instrumental do dever principal de prestação de trabalho, podendo também constituir justa causa de despedimento, nos termos do disposto no art.º 351.º, n.º 2, alínea g), do Código do Trabalho.

Como já se referiu, desejando o A. a sua integração na R. deveria ter acatado a ordem que lhe foi dada de regresso a Portugal para integrar a área internacional com a responsabilidade das sucursais da América Latina e América do Norte.

A não apresentação do A. no dia 02/02/2015, mantendo-se em falta após o termo do atestado médico, que ocorreu em 14/02/2015, até 22/04/2015, assume uma grande gravidade, quebrando a necessária relação de confiança inerente ao vínculo laboral.

O nível de elevada responsabilidade a que o A., como trabalhador do R., estava adstrito impunha uma disponibilidade imediata, no sentido de colaborar com o empregador que se encontrava na situação que motivou a deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal.

A conduta do A. pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, integrando justa causa de despedimento, pelo que o seu despedimento promovido pela R. é lícito.

c) O A., nas conclusões do recurso que interpôs, insurge-se contra o acórdão recorrido, que revogou a decisão da primeira instância que tinha condenado a R. a pagar-

-lhe a quantia de € 740.794,11 pelas despesas com educação, habitação e condomínio.

Estriba a sua posição na seguinte argumentação, que se sintetiza:

- O direito de crédito que tinha a ser reembolsado de todas as despesas de habitação e despesas de condomínio, bem como o pagamento das propinas e mensalidades das escolas dos filhos, nos termos dos aditamentos ao contrato de trabalho celebrados entres as partes, constituía uma retribuição sob a espécie de ajuda de custo, com natureza retributiva, porque prevista no aditamento ao contrato de trabalho, tal como estatuído no artigo 260.º n.º 1 al. a) parte final do CT vigente;

- Ao concluir pela existência de abuso de direito, o tribunal recorrido procedeu à aquisição processual de novos factos - em concreto, que o ora Recorrente havia sido administrador do BCC até, pelo menos, ao ano de 2013 - de forma inadmissível e excedendo o princípio do inquisitório, consagrado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, violando igualmente o princípio do contraditório, pois não foi dada a oportunidade ao A. de se pronunciar sobre tal facto;

- A diligência de prova, consubstanciada na consulta «dos relatórios e contas do BCC, disponíveis online realizada pelo tribunal recorrido na mesma decisão, extravasa, igualmente, em muito, o princípio do inquisitório, nos termos do disposto no artigo 411.º, do Código de Processo Civil, e do princípio do contraditório, previsto no artigo 415.º, do Código de Processo Civil, quanto à produção de provas;

- Não se provaram factos suscetíveis de preencher a previsão do instituto do abuso de direito;

- Tratando-se de créditos laborais, nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sempre teria um ano após a cessação do contrato para reclamar o seu pagamento, segundo o prazo prescricional consagrado legalmente (ou de 20 anos, se ponderássemos o previsto no artigo 309.º, do Código Civil);

- Perante tais regimes legais de prescrição, de 1 ano ou 20 anos, não é possível sustentar que surge na esfera jurídica do devedor uma tutela da confiança de que o credor não irá exercer o seu direito;

- Os autos carecem de factos dos quais se possa deduzir o comportamento do ora Recorrente em renunciar ao reembolso das tais despesas, nem tão-pouco dos quais se possa deduzir que o ora Recorrido confiou que o Recorrente não reclamasse o reembolso das mesmas, pelo que, não estão verificados os pressupostos para aplicação do instituto do abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium;

- Entende, subsidiariamente, que a Relação, a ter decidido como decidiu, qualificando como abusivo o exercício do direito de crédito pelo ora Recorrente, deveria ter decidido pela condenação do Recorrido no pagamento dessas despesas num montante equitativamente fixado, como é jurisprudência deste STJ, aplicando um critério moderador, equilibrado, lógico e racional.

O Tribunal da Relação apreciou esta questão nos seguintes termos:

Não oferece dúvidas que, nos aditamentos ao contrato de trabalho referidos em B) e C), o empregador, antecessor do ora R., se obrigou a suportar os custos com a renda de habitação e despesas de condomínio do A., se as houvesse, bem como o pagamento das propinas e mensalidades das escolas dos filhos do A. (vide cláusulas 7ª e 8ª), o que configura, ao fim e ao cabo, uma espécie de ajuda de custo (cfr. art.º 260.º, n.º 1, al. a), do CT em vigor, 260.º, do CT de 2003 e 87.º, da LCT).

Se bem que o A. tivesse sido deslocado para o ... para exercer funções em outros bancos participados pelo empregador, sobre os quais passou a recair a obrigação de suportar os respetivos vencimentos (cfr. cláusula 2.ª), e (como referiu a testemunha GG), fosse mais curial que as aludidas despesas também fossem suportadas pelo banco no país de destino em que o A. iria exercer funções, o certo é que não foi isso que foi acordado entre as partes e ficou consignado no documento então subscrito que as partes denominaram de “aditamento ao contrato de trabalho”, sendo inequívoco que a obrigação em causa recaía sobre o BCC. Sendo as funções do A. no segundo desses bancos (BCCI ...) as de administrador, por força do disposto no art.º 398º nº 2 do CSC, o contrato de trabalho do A. com o antecessor do R. ficou suspenso. Porém, porque nos termos do art.º 295.º, do CT vigente (tal como do 311º do CT de 2003 e art.º 2.º, n.º 1, do DL 398/83 de 2/11), durante a suspensão do contrato se mantêm os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, afigura-se-‑nos manifesto ser esse o caso da referida obrigação, que assim terá permanecido incólume.

Também é verdade que, não tendo sido quantificados os valores devidos, caberia necessariamente ao A. comunicar ao empregador os valores pagos, certamente mediante a apresentação do respetivo comprovativo (até por razões de natureza fiscal), sempre tendo pois de partir dele a iniciativa para obter o respetivo reembolso, sendo o mais curial que isso fosse sucedendo ao longo do tempo de deslocação, tratando-

-se como se trata de prestações continuadas.

O A., porém, só no decurso da negociação referida no ponto 4 reclamou o pagamento de tais despesas relativamente a todo o período de deslocação no ... (desde 1998).

Daí conclui o recorrente ser de considerar de má-fé o comportamento do recorrido, mais alegando não ser plausível que um administrador tivesse deixado passar mais de uma década sem receber as despesas de que se diz credor e não ser aceitável pretender o mesmo fazer um mealheiro, quando ele próprio representava o poder. Mais alega que, não sendo contrapartida específica da prestação de trabalho e sendo o exercício do cargo suportado por um mandato, não são de considerar créditos laborais, não sendo aplicável o disposto no art.º 337.º, nº 1, do Código do Trabalho.

Na realidade, não podemos deixar de considerar claramente anómalo que, durante todo o tempo de deslocação no ... (desde Janeiro de 1998), o A. nunca tivesse desencadeado o procedimento indispensável para poder ser reembolsado pelo empregador das aludidas despesas (apresentando os respetivos comprovativos). Será isso suficiente para concluir, como o recorrente, ter havido má-fé da sua parte ao vir reclamá-los só quando se iniciou a negociação com vista à revogação do contrato de trabalho (na sequência da deliberação do Banco de Portugal de 3/8/2014, clarificada pela deliberação de 11/8/2014)?

Afigura-se-nos ser a resposta afirmativa, pelas razões que passamos a expor: Em face da alegação pelo A., no artigo 15.º da contestação, de que integrou o Conselho de Administração do BCC a partir de 27/3/2002 verifica-se, pela consulta aos relatórios e contas do BCC disponíveis online, que essa situação ocorreu até, pelo menos, ao ano de 2013. Ora, nesse contexto, não nos parece, de forma alguma conforme ao princípio da boa-fé - que deve estar presente em todos os momentos da vida dos contratos - que o A. se tivesse abstido durante largos anos, mormente naqueles em que foi administrador do antecessor do R. (e não apenas de outras sociedades do grupo), de reclamar o pagamento das prestações acordadas nas cláusulas 7.ª e 8.ª dos aditamentos ao contrato de trabalho e apenas o tivesse vindo fazer em momento subsequente à medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal na sua deliberação de 3/8/2014 (devida, como se pode ler na própria deliberação, à prática, pela anterior administração do BCC - de que o A., afinal, fazia parte - de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do próprio banco que o colocaram numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das respetivas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, determinando a criação do ora R. e recorrente).

Nestas circunstâncias, a falta do exercício do direito, durante tão largo período de tempo, torna, a nosso ver, o exercício do direito relativamente a todo aquele período apenas naquele momento - após a resolução do BCC deliberada pelo BP - efetivamente contrário aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico e social do direito. Com efeito, tratando-se do reembolso de despesas constantes e regulares, decorrentes da situação de deslocação no estrangeiro, o que seria razoável e adequado, ou por outras palavras, conforme ao respetivo fim económico e social, é que o pedido de reembolso fosse sendo apresentado sucessivamente, à medida que as despesas fossem sendo pagas. A omissão do pedido de reembolso durante largos anos, por um lado, é apta a criar no devedor a convicção de que não haveria pedido de reembolso, sendo este, quando efetuado tardiamente e relativamente a um período de 17 anos, de algum modo, um venire contra factum proprium (em que a omissão prolongada de reclamação constitui o factum  proprium), integrando, pois, a figura do abuso de direito (art.º 334.º, do CC).

Apesar de aparentemente ser inegável a existência do direito, o seu exercício naquelas concretas circunstâncias contraria materialmente o sentido de justiça. A tutela da confiança, apoiada no princípio da boa-fé impõe, pois, solução diferente daquela que o direito aparente conferiria.

Poder-se-á outrossim considerar tratar-se de um caso de supressio, outra das modalidades do abuso de direito, que também tem a ver com o exercício tardio. O exercício acumulado do direito em causa relativamente a tão longo período, constitui uma demora desleal, contrária à boa-fé, na medida em que cria um desequilíbrio inadmissível entre as partes, devido ao elevado valor global que acaba por atingir, e, além do mais, ter lugar precisamente num momento em que o banco atravessa sérias dificuldades financeiras, provocadas pela administração de que requerente fez parte.

Entendemos, pois, que assiste razão ao recorrente nesta parte, sendo de qualificar como de má-fé e abuso de direito o pedido de reembolso das despesas com a renda de habitação e condomínio, bem como as propinas e mensalidades escolares dos filhos relativas aos últimos dezassete anos, pelo que, deve a sentença ser revogada nesta parte e o R. absolvido desse pedido.

Vejamos então se assiste razão ao A/recorrente, quando defende que deve ser revogado, quanto a este ponto, o acórdão do Tribunal da Relação e mantida a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, que lhe foi favorável.

O A. foi admitido ao serviço do Banco CC e …, S.A. em 28/06/1995, tendo em 01/01/1998, por aditamentos ao contrato de trabalho, exercido funções de diretor no Banco DD, em ..., ..., e posteriormente, em 01/09/2000 , iniciou o exercício de funções de administrador do BCC Investimento do ..., em ..., cargo social que desempenhou até ter renunciado ao mesmo em 5/11/2014.

Nesses aditamentos ao contrato de trabalho constavam duas cláusulas, a 7.ª e a 8.ª, nas quais se estipulou que era o Banco CC e …, S.A. que suportava o custo da renda de habitação do A., bem como as eventuais despesas de condomínio e ainda o pagamento integral das propinas das escolas dos filhos do A., bem como as respetivas mensalidades.

Considerando o lapso de tempo em o A. prestou serviço no ..., de 01/01/1998 a fevereiro de 2015, onde tinha a sua vida organizada, e as funções que desempenhava, o pagamento destas despesas assumia o carácter de benefícios marginais (fringe benefits), que muitos empregadores concedem no âmbito da sustentabilidade do contrato de trabalho dos seus altos dirigentes, não integrando, em regra, o conceito de retribuição.

Estamos perante benefícios individualizados, negociados caso a caso, de forma reservada, em que as regras para a sua atribuição e manutenção são mínimas, dependendo das leis do mercado, que nesta vertente influenciam a relação laboral.

Estes benefícios fazem parte de um compromisso estabelecido entre o empregador e o trabalhador que visa o aprofundamento da relação com a estrutura empresarial, pelo que a conduta das partes deve ser norteada pelo princípio da boa-fé, como decorre do art.º 126.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

No caso concreto dos autos, nos aludidos aditamentos ao contrato de trabalho, na parte referente ao compromisso de pagamento das referidas despesas, não foram estipulados montantes, nem sequer foi estabelecido um limite máximo.

Perante esta ausência de regulamentação ainda mais se impõe o apelo ao princípio da boa-fé como fiel numa relação que se pretende equilibrada.

Face ao convencionado pelas partes era legítimo que o A. exercesse os seus direitos e que o empregador cumprisse as suas obrigações.

Existindo, da parte do empregador, o compromisso de pagamento de despesas que, pela sua natureza, são mensais, trimestrais, semestrais ou até anuais, pois trata-se de rendas de casa, despesas de condomínio, propinas e mensalidades, é razoável exigir ao beneficiado, no caso o trabalhador, que apresentasse essas despesas ao empregador regularmente, no máximo no final de cada ano, para que as mesmas pudessem ser imputadas ao respetivo exercício anual.

A falta de apresentação regular das despesas pode causar a vários níveis grandes dificuldades ao empregador, sobretudo quando ocorrer um grande lapso de tempo e as mesmas sejam avultadas.

Por outro lado, a não apresentação das despesas durante um longo lapso de tempo, pode criar no empregador a convicção que o trabalhador prescindiu de as apresentar, ou até que não as teve de suportar.

No caso dos autos, o A. só terá começado a peticionar o pagamento das referidas despesas aquando da deliberação do Conselho de Admistração do Banco de Portugal, de 11/09/2014 (cfr. ponto 4 e 48.º dos factos provados, resultantes da base instrutória e alineas d. e e. da matéria de facto assente).

Temos assim que o A. peticiona o pagamento de despesas referentes aos anos de 1998 a 2015, totalizando um montante de € 740.790,11, sendo certo que, durante parte desse tempo, integrou o Conselho de Administração do Banco CC, S.A., como decorre do alegado no art.º 15.º da sua contestação, nunca as tendo então peticionado.

E esta exigência do A., quanto ao pagamento das aludidas despesas, surge quando o Conselho de Admistração do Banco de Portugal o transfere para os quadros do R., BB, S.A.

Parece-nos, perante este quadro, e pelas razões já expostas, que o A. excedeu manifestamente os limites da boa-fé e o fim social e económico do seu direito, integrando assim a previsão do art.º 334.º do Código Civil, que considera “ ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

Acerca do abuso de direito, no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2013, no processo 629/10.9TTBRG.P2.S1 - 4.ª Secção, publicado na Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, relatado pelo Juiz Conselheiro Fernandes da Silva escreveu-se:

“A vocação da figura do abuso do direito tem como objetivo primordial – funcionando como que uma ‘válvula de segurança’ do sistema – obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante.

Na síntese do ensinamento dos ilustres mestres referidos…diremos que se configurará uma situação de abuso do direito se/quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.

Na elaboração dogmática à volta do instituto do abuso do direito, o venire contra factum proprium assume, como é consabido, uma das suas manifestações mais características, cuja estrutura pressupõe duas condutas, sucessivas mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o factum proprium, seguido, em contradição, do venire.

A sua proibição é corolário do fundamental princípio ético-jurídico da confiança, condição básica da convivência pacífica e da cooperação entre os homens – nas sábias palavras de Baptista Machado, citado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/6/2012, consultável no site da dgsi.pt –, não podendo a Ordem Jurídica deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.

A inação, inércia ou omissão do exercício de um direito por parte do seu titular, durante um mais ou menos longo lapso de tempo, constitui um dos elementos da modalidade do abuso do direito na vertente da proibição do venire contra factum proprium, apelidada pela doutrina, na expressão original alemã, de Verwirkung (apud Baptista Machado, ‘Tutela da Confiança’…in ‘Obra Dispersa’, I, pg. 421/ss., também referido no Acórdão da Relação do Porto de 10/4/2003, C.J., tomo II/2003, pg. 197) ou de supressio, na terminologia introduzida por Menezes Cordeiro.

Refletindo sobre o instituto em causa (estudo da origem, evolução, consolidação dogmática e regime, a que dedica o parágrafo 34.º do Volume V do seu ‘Tratado de Direito Civil’, na edição da 2.ª reimpressão, Almedina, 2011, que acompanhamos de perto), Menezes Cordeiro sustenta que, sendo embora variável o quantum de tempo necessário para concretizar a supressio, o mesmo há de ser sempre inferior ao da prescrição, por óbvias razões, mas equivalente ao período, decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo julgador, já não será de esperar o exercício do direito atingido.

Nesta abordagem, buscando a afinação do conceito à luz do vetor tempo, consigna o insigne autor que …a supressio não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição.

Além disso, remata, traduzindo-se a supressio numa omissão – a que falta, por isso, a precisão do positivo factum proprium – a sua caracterização demanda a verificação de outros elementos complementares (circunstâncias colaterais, ibidem, pg. 323) que, para além do não-exercício prolongado do direito, melhor alicercem a confiança do beneficiário, a saber: uma situação de confiança; uma justificação para essa confiança (baseada na conduta circunstancial do titular do direito, a contraparte convence-se, justificadamente, que o direito já não será exercido); um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente (a contraparte, convicta e movida por essa confiança, tomou medidas ou passou a atuar em conformidade, causando-lhe ora o exercício tardio do direito maiores desvantagens do que o seu exercício atempado. A omissão do titular do direito, por via desse nexo de imputação da confiança, constituiu-se assim numa situação que torna, ética e socialmente aceitável/ajustado, o seu sacrifício).”

Por todas as razões expostas, entendemos que, nesta parte, é de manter o acórdão recorrido, que revogou a sentença da 1.ª instância e absolveu a R. deste pedido.

           

                                               III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não tomar conhecimento da nulidade do acórdão recorrido, arguida pelo Autor;

b) Negar a revista interposta pelo Autor, quanto ao mais alegado, confirmando nessa parte o acórdão recorrido;

c) Conceder a revista interposta pela R., julgando o despedimento do A. lícito, e consequentemente absolvê-la do pedido daí resultante, revogando nessa parte o acórdão recorrido.

Custas das revistas a cargo do Autor.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 18 de maio de 2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

_________________
[1] O relatório foi elaborado tendo por base o constante no acórdão do Tribunal da Relação.
[2] Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 821.
[3] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, pág. 280.