Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1060/11.4T2STC.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ERRO
BASE NEGOCIAL
ANULAÇÃO
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
CADUCIDADE
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- Mota Pinto, Teoria Geral, 4ª edição, p. 514 e nota 703.
- Oliveira Ascensão Direito Civil, Teoria Geral III, p.. 199.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, 2012, p. 571.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 252.º, N..º 2, 287.º, N.º1, 437.º.
Referências Internacionais:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/10/12, PROCESSO N.º 2224/08.3TBLRA.C1.S1.
Sumário :
1. Face à remissão contida no nº2 do art. 252º do CC, o erro sobre a base negocial subjectiva tanto pode determinar um efeito resolutivo/anulatório do negócio ( implicando a destruição retroactiva do negócio inquinado pela invalidade), como a menos gravosa modificação do conteúdo ou das cláusulas viciadas, reconfigurando-se equitativamente o seu conteúdo, de modo a permitir compatibilizar-se a invalidade existente com a subsistência da relação contratual afectada por vício da vontade de um dos contraentes.

2. Porém, a referida remissão para a disciplina constante do art. 437º tem de ser vista com as necessárias adaptações, que tenham na devida conta a estrutural diferenciaçãoentre um negócio inválidopor vício congénito da vontade de algum dos contraentes e um negócio juridicamente válido, mas cujo equilíbrio patrimonial e funcionalidade própria foram supervenientemente afectados por drástica alteração das circunstâncias envolventes.

3. É aplicável o prazo de caducidade de 1 ano, previsto na parte final do nº1 do art. 287º do CC, a todas as pretensões que visem efectivar as consequências de um erro vício da parte, mesmo no caso peculiar de este ter incidido sobre a base negocial subjectiva, visando a parte obter, não a destruição total do negócio, mas apenas a sua conversão ou modificação, reconfigurando o seu conteúdo de modo a compatibilizar a ocorrência e o  típico efeito retroactivo da invalidade com a subsistência do negócio .

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Sociedade Agrícola AA, Lda intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra Sociedade Sociedade Agrícola BB, S.A.., pedindo:

- que seja atribuído à autora o direito de propriedade sobre 5 hectares de terreno que compõem a parcela denominada “Olival”, sendo que desses, 4 hectares devem possuir aptidão construtiva de acordo com o PDM do Município de Alcácer do Sal, requerendo que a divisão física e respectivo destaque seja efectuada em execução de sentença;

- ou, em alternativa, caso se venha a reconhecer a impossibilidade da atribuição do direito de propriedade sobre a mencionada parcela, que a ré seja condenada a pagar à autora o valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) correspondentes a 1/3 da diferença de valorização resultante do alegado erro, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento.

                Alegou para tal efeito, em síntese, o seguinte:

Na sequência da divisão da Herdade de … em 3 lotes, destinados aos 3 grupos familiares descendentes dos 3 sócios fundadores da Sociedade Agrícola da Herdade de …, o lote 3 veio a ser sorteado e atribuído aos herdeiros de CC, ramo este familiar que era constituído por DD e EE, sendo que estes dois vieram, por sua vez, a proceder à divisão do referido lote 3 em duas áreas, designadas por área A e área B.            Esta área B, constituída por cerca de 2.500 hectares, que veio a ser sorteada e atribuída a DD, foi por sua vez subdividida em 3 sub-lotes, destinadas a integrar, directa ou indirectamente, o património de cada um dos 3 seus filhos, FF, GG e HH, estando já projectada a criação de 3 sociedades para o efeito, as quais, numa primeira fase seriam constituídas entre DD e cada um dos seus referidos 3 filhos. Em 15.08.1991, data em que estes últimos tiveram conhecimento da subdivisão do supra referido lote 3, foi acordado pelo DD e pelos seus 3 filhos que cada um dos 3 sub-lotes teria um valor tanto quanto possível igual.                  Nessa perspectiva, foi contratado um engenheiro agrónomo que procedeu a essa divisão em 3 sub-lotes, com áreas e valores idênticos, sendo que um deles foi incorporado no activo da sociedade ré, outro no activo da Sociedade Agrícola II, S.A. e outro no activo da autora – por escritura de 26.11.96.  

Posteriormente, veio a verificar-se ter havido um inaceitável e desconhecido erro de identificação da parcela que foi atribuída à sociedade ré, do qual resultou para as outras duas sociedades um prejuízo de grande proporção. Com efeito, na referida avaliação, efectuada em Janeiro de 1996, não se teve em consideração o facto de, nos termos do respectivo Plano Director Municipal, do Município de Alcácer do Sal, publicado em 1994, a quase totalidade do solo da parcela atribuída à sociedade ré ter sido qualificado como área urbana com viabilidade construtiva, sendo que dos 15 hectares dessa parcela, é possível construir em pelo menos 12 hectares.

Assim, tendo tal parcela, de olival, sido avaliada em € 21.323,61, o certo é que, face à capacidade construtiva, deveria ter sido avaliada em € 15.000.000,00, de onde resulta que o valor do prejuízo da autora é de € 2.000.000,00, estando a ré injustificadamente beneficiada em € 4.000.000,00. Tratou-se de um erro de avaliação, que veio provocar o efeito contrário ao que era pretendido, sendo que sem tal erro os 3 sub-lotes teriam uma delimitação completamente diferente.



Citada, contestou a ré, defendendo-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, a prescrição do direito da autora, a ineptidão da petição inicial, a aquisição por usucapião e o abuso de direito, e defendendo-se ainda por impugnação.

Replicou a autora, pugnando pela falta de verificação das invocadas excepções.

Após realização de audiência preliminar, veio a ser proferido despacho saneador, no âmbito do qual, após se fixar o valor da causa, se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade processual e de litisconsórcio necessário passivo e se julgou procedente a excepção de caducidade do direito da autora (que a ré apelidou de prescrição), absolvendo-se a ré do pedido.



2. Inconformada, apelou a A., tendo, porém a Relação confirmado a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

Segundo a autora apelante no, por si invocado, regime previsto no art. 437º, nº 1 do C. Civil, para o qual remete o art. 252º, nº 2, não está em causa a anulação do negócio e posterior conversão, mas sim a aplicação do regime da cláusula “rebis sic stantibus”, razão pela qual o tribunal “a quo” não podia ter considerado a caducidade do direito da recorrente de solicitar a anulação do negócio, o que esta não fez, já que apenas pediu ao tribunal a aplicação do disposto no art. 437º, nº 1 do C. Civil.

Estabelecendo o nº 1 do art. 252º do C. Civil que”o erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas não se refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do erro”, estabelece por sua vez o nº 2 do mesmo artigo que “se porém recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

Conforme se alcança da decisão recorrida, e já supra referimos, o tribunal “a quo” considerou, e bem (neste aspecto em concordância com o que defende a apelante) que efectivamente, face aos termos em que a autora configurou a acção, estamos perante uma situação de erro sobre a base negocial, prevista no nº 2 do art. 252º do C. Civil.

Com efeito, o erro em causa, relativo à viabilidade de construção de parte substancial da parcela que veio a ser atribuída à sociedade ré e que se reflete num maior valor dessa parcela, contrariamente ao que se perspectivou, em relação às outras duas parcelas (atribuídas à sociedade autora e à Sociedade da Sociedade Agrícola II, S.A.) incidiu claramente sobre circunstâncias que constituem a base do negócio.

Conforme refere Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, pag. 515) o erro incidente sobre a base negocial abrange os casos em que um dos contraentes tira dum bem um rendimento especial, por força do errado convencimento da outra parte acerca da verificação de um evento não normal ou quando haja uma falsa ideia acerca da existência ou extensão do direito de uma das partes.

Todavia, contrariamente ao que defende a apelante, o tribunal considerou, na linha do entendimento defendido por Mota Pinto, que a remissão efectuada pelo nº 2 do art. 252º do C. Civil para “o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”, não afasta o vício previsto no nº1 do mesmo artigo.

Efectivamente, segundo Mota Pinto, in ob. cit, pag. 515, no nº 2 do artigo 22º, estabelece-se um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos: se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato, nos mesmos termos em que, nos artigos 437º a 439º, se dispõe acerca da resolução por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.



E isto, porquanto, ainda segundo o mesmo autor (vide ob. cit, pag. 515, in nota de rodapé) no erro, o vício é contemporâneo da formação do negócio.

É esse, de resto, o entendimento, que acolhemos, dominante na jurisprudência.

Com efeito, enquanto que o art. 437º do C. Civil respeita à modificação das circunstâncias contratuais futuras, posteriores à formação do negócio, que se formou validamente, no nº 2 do art. 252º do mesmo diploma o que está em causa é o erro existente na fase da formação do negócio, que, como tal, afecta a sua própria validade.

E daí que a consequência do erro não seja a resolução ou modificação do contrato mas sim a sua anulabilidade (vide acórdãos do STJ de 18.06.2013, em que é relator Moreira Alves, de 13.09.2011, em que é relator Nuno Cameira, ambos  in www.dgsi.pt, e de 16.11.2004, in CJ/STJ, 2004, III, 113)..

Assim, tendo o alegado erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio como consequência a anulabilidade do negócio, esse erro teria efectivamente, nos termos do supra citado nº 1 do art. 287º do C. Civil, que ser invocado no prazo de um ano a contar da realização do negócio.


3. Novamente inconformada, interpôs a A. revista excepcional, admitida pela competente formação, com base em invocado conflito jurisprudencial com o decidido pelo STJ no Ac. de 6/11/03, cuja certidão consta de fls. 691\ e segs.: como se refere no acórdão proferido por aquela formação, a questão fundamental de direito que se coloca na revista consiste em saber se a remissão constante do art. 252º, nº2, do CPC ( isto é, quando o erro recai sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio) permite  a aplicação do regime de resolução ou modificação do contrato, nos termos do art. 437º - sendo que, no acórdão fundamento, se considerou que:

Confrontando o disposto do nº. 2 do artº. 252º com o do nº. 1 do artº. 437º, temos que a base do negócio serão as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, verificando-se erro sobre a base do negócio sempre que ocorra uma falsa representação dessas circunstâncias; no caso deste erro, já não se torna necessário o reconhecimento por acordo da essencialidade dos motivos, ao contrário do que a lei exige para o vulgar erro sobre os motivos, tudo, pois, partindo da consideração objectiva (não da subjectiva) de que as partes fundaram aí a decisão de contratar. Se ocorre uma alteração ou evolução anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, tem então a parte lesada o direito à resolução (ou à modificação do contrato), "desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato" - conf. citado artº. 437º. Volvendo ao sobredito nº. 2 do artº. 252º, tal preceito faz assim aplicar ao erro do declarante o disposto na lei acerca da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias - artºs. 437º a 439º do CCIV - sendo que o comando do nº. 2 do artº. 252º assenta no erro ou desconformidade da representação da realidade, enquanto que o preceituado no artº. 437º tem em vista a evolução posterior das circunstâncias independentemente do erro no momento da celebração - conf. Oliveira Ascensão, in ob cit, pág. 408. Conf. Ainda, neste sentido, o Ac deste Supremo Tribunal de 20-1-00, in CJSTJ, ano VIII, Tomo I, pág. 45, com o mesmo relator do dos presentes autos. Os efeitos da alteração relevante são os contemplados no nº. 1 do artº. 437º, assistindo assim à parte lesada direito à resolução do contrato ou à sua modificação segundo juízos de equidade, tudo dependendo do pedido pela mesma deduzido.

E tal contradição decorreria de, enquanto para o acórdão recorrido a consequência do erro sobre a base do negócio a que se refere o art. 252º, nº2, do CC, é a anulabilidade do negócio, para o acórdão fundamento, a consequência de tal erro é a resolução do contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade.


A recorrente encerrou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:


I. O Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 252º/2 e 437º/1 do Código Civil, quando não considerou aplicáveis ao erro sobre a base do negócio as consequências previstas no art. 437º/1 do Código Civil.


II. No Acórdão recorrido, o Tribunal a quo optou por defender a anulabilidade como único caminho e consequência possíveis quando perante um negócio concluído com erro sobre a sua base, afastando terminantemente quaisquer outras consequências jurídicas, concretamente aquelas previstas no art. 437º/1 do Código Civil, opção que não merece a concordância da Recorrente.


III. Contudo, existe Jurisprudência superior que entende serem aplicáveis ao erro sobre a base negocial as consequências previstas no art. 437º/l do Código Civil, designadamente a modificação do negócio segundo juízos de equidade - esta é a opção de tutela jurídica que contraria o Acórdão recorrido e que motiva o presente recurso.


IV. O Acórdão recorrido, bem como a sentença proferida em 1ª Instância, reconhecem que, no presente litígio, existe uma situação de erro sobre a base do negócio, conforme se encontra prevista no art. 252º/2 do Código Civil - opinião que não merece censura por parte da Recorrida.


V. A remissão constante do art. 252º/2 do Código Civil, por via da conclusão de que nos encontramos perante uma situação de erro que recai sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, implica a aplicação do disposto sobre a resolução ou modificação do contrato, previsto no art. 437º do Código Civil, sendo que o art. 437º do Código Civil dispõe que, caso as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tenham sofrido alteração anormal, a parte lesada tem direito a exigir a resolução do contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade.


VI. Contrariamente ao que defende o Acórdão recorrido, entende-se que uma vez verificada a existência de um erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, tem a parte lesada o direito de exigir a modificação do contrato segundo juízos de equidade: tal solução foi, precisamente, a peticionado pela Autora/Recorrente através dos presentes autos.


VII. A modificação do negócio em crise segundo juízos de equidade é a solução que melhor garante os interesses de todas as partes contraentes, visto que é a única que, garantindo a sua vigência, salvaguarda as expectativas das partes e equilibra as posições contratuais dos Intervenientes, não sujeitando as partes lesadas a uma "onerosidade excessiva" provocada pela alteração das circunstâncias e pela manutenção dos termos contratuais inicialmente definidos.


VIII. O pressuposto do regime do art.º 437º do Código Civil é a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, ou da base do negócio, i.e., inclui as circunstâncias cuja manutenção as partes, conscientemente, consideraram necessárias - base negocial subjectiva -, e ainda aquelas cuja manutenção é necessária para que não se frustre o fim que o negócio teve em vista ou não se perturbe o equilíbrio contratual de modo inaceitável - base negocial objectiva.


IX. In casu, gerou-se o erro na base negocial na convicção de que o Estudo do Eng. Direitinho reflectia uma divisão, tanto quanto possível igualitária, do quinhão que cabia ao ramo da família de DD, nas cisões da Sociedade Agrícola da Herdade de …, S.A., a qual é indubitavelmente abalada pela errada avaliação efectuada sobre a acima referida parcela de Olival, i.e., a diferença entre a valorização real da mencionada parcela, por estar situada dentro do denominado "perímetro urbano" do PDM do Município de Alcácer do Sal, e a valorização efectuada em tal Estudo, constitui uma verdadeira alteração anormal das circunstâncias.


X. Para a aplicação do regime do artº 437º do Código Civil exige-se que a manutenção do contrato afecte gravemente os princípios da boa fé e que situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato.


XI. Conforme resulta dos factos alegados pela Recorrente, a manutenção da situação actual, essencialmente pela enorme diferença de valores, constitui uma ofensa do princípio da boa-fé, já que a manutenção desse património apenas na esfera da Recorrida, sem que esta o partilhe quer com a Recorrente, quer com a Sociedade Agrícola II, S.A. é claramente contra a boa- fé.


XII. Mais ainda, é manifesto que tal situação não resulta dos riscos próprios da situação contratual, nem corresponde a algo que seja normal esperar da evolução da situação contratual acima relatada.


XIII. A situação dos autos reconduz-se, na íntegra, a todos os mencionados pressupostos, sendo, por isso, passível de aplicação do disposto no art. 437º/1 do Código Civil, por remissão do art. 252º/2 do mesmo diploma.


XIV.   A Recorrente não pretende a resolução ou anulação das cisões fusões ocorridas entre, por um lado, a Sociedade Agrícola da Herdade de ..., S.A. e, por outro, a Sociedade Agrícola BB, S.A, a Sociedade Agrícola de II, S.A. e a própria Recorrente, mas sim a sua modificação, segundo juízos de equidade, como lhe é permitido pelo disposto no artigo 437º/1 do Código Civil.


XV. O Acórdão recorrido não podia ter considerado a caducidade do direito da Recorrente solicitar a anulação do negócio, o que aliás esta não fez, já que apenas pediu ao Tribunal a aplicação do disposto no artigo 4379, nº 1 do Código Civil.


XVI. Identifica-se como Jurisprudência proferida em directa oposição com o Acórdão recorrido, legitimando e fundamentando o presente recurso, a seguinte:

i. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo nº 493/03.4TVLSB-A.L1.S1, em 18.06.2013 (Relator Moreira Alves), no qual se entendeu que, embora seja anulável o negócio concluído em erro sobre a sua base, pode o mesmo ser modificado segundo juízos de equidade, considerando os princípios da boa-fé por forma a compatibilizar-se o princípio da estabilidade e segurança contratual com o princípio da justiça material e concreta.


ii. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo nº 03B3120, em 6.11.2003 (Relator Ferreira De Almeida), no qual se entendeu que à situação de erro sobre a base negocial é inteiramente aplicável o disposto no art. 437º/l do Código Civil sendo o negócio, por isso, passível de modificação ou até mesmo de resolução.


iii. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo nº 066608, em 2.11.1977 (Relator Alves Pinto), no qual se considerou que o erro sobre a base negócio, previsto no art. 252º/2 do Código Civil, constitui fundamento para a resolução do contrato, i.e., que o mencionado erro tem como consequências aquelas previstas no art. 437º/l do Código Civil, ou seja, a resolução do negócio ou a sua alteração segundo juízos de equidade.


iv. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo nº 99B1111, em 20.01.2000 (Relator Ferreira de Almeida), que considerou que uma vez verificada a existência de erro sobre a base do negócio, será este resolvido por aplicação do disposto no art. 437º/1 do Código Civil, através da remissão do art. 252º/2 do mesmo diploma.


v. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo nº 07A3438, em 22-11-2007 (Relator Mário Cruz), o qual considerou serem aplicáveis ao negócio concluído com erro sobre a base negocial as consequências previstas no art. 437º/1 do Código Civil, i.e., quando o erro recai sobre a base do negócio, o lesado tem direito ver o contrato resolvido ou modificado segundo juízos de equidade, contando que a exigência das obrigações inerentes afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.


vi. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Processo nº 0078536, em 18-02-1999 (Relator Evangelista Araújo), o qual admite a modificação, segundo juízos de equidade, do negócio concluído com erro na base negocial.


vii. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Processo nº 1770/08.3TBFAR.L1-7, em 11-09-2012 (Relator Roque Nogueira), que admite a resolução ou modificação, segundo os juízos de equidade, do contrato celebrado com erro sobre a base negocial.

viii. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Processo nº 7/07.7TTLRS-A.L1-4, em 6.02.2012 (Relator Isabel Tapadinhas), que igualmente admite a resolução ou modificação, segundo os juízos de equidade, do contrato celebrado com erro sobre a base negocial.


ix. - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no âmbito do Processo nº 7324/10.7TBBRG.G1, em 16.05.2013 (Relator António Sobrinho) que considerou que a ter existido erro nesses autos, a consequência do mesmo poderia ser a modificação do contrato, ou até mesmo a sua resolução.


x. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Processo n9 9005/2008- 1, em 16.12.2008 (Relator Anabela Calafate), que admite a possibilidade de modificação de um negócio concluído com erro na sua base negocial.


XVII. - Verifica-se a existência de vasta jurisprudência que entende que a remissão prevista no art. 252º/2 do Código Civil para o art. 437º/l do mesmo diploma se refere, não só aos pressupostos de verificação do erro, mas igualmente e sobretudo, às consequências jurídicas da verificação do erro sobre a base do negócio, não as limitando à anulabilidade, mas antes incluído ainda a resolução do contrato e, sobretudo, a sua modificação segundo juízos de equidade.       


XVIII. - Através dos presentes autos pretende-se que, pela prova da existência de erro nos pressupostos que determinaram os termos do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, a alteração dos termos do contrato, segundo juízos de equidade, por forma a que, no seu resultado final, as partes contraentes se vejam em posições contratuais mais equilibradas entre si, não se privilegiando ostensivamente uma das partes, apenas por motivos de erro quanto a um dos pressupostos que subjazeu aos termos negociados e contratados.

XIX. - A modificação do negócio segundo juízos de equidade, quando este tenha sido celebrado com erro na sua base, é, objectivamente, a melhor solução para as partes e a que melhor faz justiça entre elas, tendo contudo sido negada pelo entendimento do Tribunal a quo, o qual não representa unanimemente a Jurisprudência que tem vindo a ser proferida pelos Tribunais Superiores.


XX. - Deve, assim, ser proferido um douto Acórdão que, declarando serem aplicáveis às situações previstas no art. 252º/2 do Código Civil as consequências previstas no art. 437º/1 do mesmo diploma, conceda provimento ao presente recurso e anule o Acórdão recorrido, ordenando o prosseguimento dos autos em primeira instância.


Nestes termos, e nos que mais doutamente serão supridos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser anulada a sentença recorrida, com o que V. Exas. farão a Habitual JUSTIÇA!


Por sua vez, a recorrida contra alegou, concluindo nos seguintes termos:

A) - Por não ter sido invocado um erro das partes, mas um erro de DD e da Sociedade Agrícola da Herdade de ..., S.A., não se pode considerar relevante, para efeitos de aplicação do art. 252°, n° 2, do C.C., o erro de avaliação invocado pela Autora e Recorrente.


B) - Porque não ter sido invocado que tal erro impediria a realização da partilha, mas apenas os termos em que a mesma foi efectuada, não se pode considerar relevante, para efeitos de aplicação do art. 252°, n° 2, do C.C., o erro de avaliação invocado pela Autora e Recorrente.

Sem prescindir


C) - No caso de erro relevante sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio, há lugar à anulação do negócio mas não à sua resolução ou modificação segundo a equidade, nos termos previstos no art. 437° do C.C.;


D) - No caso concreto não é possível a anulação do negócio, por caducidade do direito a requerer tal anulação.

Sempre sem prescindir


E) - No caso de contratos integralmente cumpridos, isto é, nos quais as prestações e contra-prestações estão totalmente realizadas e os respectivos efeitos jurídicos já consolidados na esferas jurídicas dos contraentes, como é o caso dos autos, não é possível a sua resolução ou modificação segundo juízo de equidade, nos termos do artº 437° n° 1, do C.C., o qual pressupõe que os contratos não estejam cumpridos.

Sem prescindir


F) - Caso venha a ter vencimento a pretensão da Autora e Recorrente de modificação, segundo juízos de equidade, das cisões fusões ocorridas entre, por um lado, a Sociedade Agrícola da Herdade da ..., S.A. e, por outro, da Autora e Recorrente, da Ré e Recorrida e da Sociedade Agrícola de II S.A., deve o âmbito do recurso ser ampliado e apreciada a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, para que a decisão produza o seu efeito útil normal, nos termos previstos nos artºs 30° e 33°, n° 2 do C.P.C., seja por ausência da Sociedade Agrícola da Herdade de..., S.A. e da Sociedade Agrícola de II, S.A., seja por ausência de todos os demais participantes nas cisões-fusões de 26 de Novembro de 1996, igualmente afectados pela alteração, segundos juízos de equidade, pretendida pela Autora e Recorrente.


Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossa excelências doutamente suprirão, deve o acórdão em recurso ser integralmente mantido.

 

Subsidiariamente, caso venha a ter vencimento a tese da Recorrente de que poderia haver lugar à modificação do contrato celebrado em 26/11/1996, segundo juízo de equidade, deve ser ampliado o âmbito do recurso e julgada a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, o que para os devidos efeitos se requer.

Assim decidindo, farão Vossa Excelências a sempre esperada JUSTIÇA!


4. Importa começar por definir claramente os contornos da situação litigiosa objecto dos presentes autos: assim, está fundamentalmente em causa a definição do regime legal aplicável a um caso de invocado erro sobre a base negocial subjectiva, enquadrável no preceituado no nº2 do art.252º do CC, decorrente de uma falsa representação acerca do real valor de determinada parcela de terreno, objecto de partilha consequente ao fraccionamento ou divisão do património fundiário da Herdade da P... (operado mediante um complexo sistema de cisão-fusão da sociedade originária e celebrado mediante escritura de 26/11/96): e tal erro de avaliação da parcela em causa, atribuída no processo de fraccionamento à sociedade/R., teria radicado na desconsideração da potencialidade edificativa resultante da respectiva inserção em área urbana (decorrente do PDM do município de Alcácer do Sal de 1994) e omitida no relatório da avaliação, realizada em 1996, que serviu de base ao projecto de fraccionamento e adjudicação das diversas parcelas.

Saliente-se que, no caso dos autos, não oferece qualquer dúvida que tinha há muito caducado – por força do estatuído no art. 287º, nº1, do CC - o direito a invocar o típico efeito anulatório, decorrente do erro vício invocado pela A., já que esta há muito mais de 1 ano, antes de ser proposta a presente acção, tinha perfeita consciência da ocorrência do invocado erro de avaliação da parcela em litígio e do seu reflexo no fraccionamento e adjudicação das várias parcelas aos interessados.

Como refere o saneador / sentença proferido a fls. 329, se estamos a falar de uma situação de erro, o prazo inicia-se quando o erro cessou e do art. 86 da petição inicial verifica-se claramente que pelo menos em data anterior a 19/9/2006, a A. (através do seu legal representante) já não estava em erro sobre a situação em análise.

No entanto, a presente acção entrou em juízo no dia 14/11/2011, ou seja , quase 5 anos depois.

É, aliás, o manifesto esgotamento do prazo de 1 ano, previsto no referido preceito legal, que permite compreender que a A., ao delinear e construir a presente acção, invoque apenas o direito à modificação do contrato, excluindo expressamente que se pudesse ter por compreendido no pedido formulado, quer um direito à anulação, quer um direito de resolução do negócio viciado pelo aludido erro acerca da base negocial.

Como se afirma no Ac. de 23/10/12, proferido pelo STJ no P. 2224/08.3TBLRA.C1.S1:

Fala-se de erro sobre a base do negócio quando a falsa representação recai sobre «aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio. Tratar-se-á de circunstâncias que, ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé» (CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 163).

Pode dizer-se que o erro incide sobre a base do negócio em casos em que a não verificação da pressuposição releva, designadamente aqueles em que “a contraparte aceitaria ou, segundo a boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante – e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial (MOTA PINTO, “Teoria Geral”, 3ª ed., 516).


Note-se que, no caso dos autos, o erro-vício invocado pela A. é contemporâneo da celebração do negócio jurídico por ele inquinado – ou seja, incide sobre circunstâncias presentes ou passadas, relativamente à data da celebração do negócio, já que a falsa representação da realidade precedeu, quer a avaliação dos imóveis a fraccionar- que não teria retratado adequadamente o valor real da parcela em litígio, face ao PDM de 1994 - quer os actos de fraccionamento e adjudicação da parcela em litígio à R.: e esta circunstância, traduzida em o erro-vício ser uma falsa representação de circunstâncias já existentes à data do negócio afectado, dispensa-nos de abordar a questão – doutrinariamente complexa e discutida – que se traduz em saber se o erro acerca da base negocial subjectiva poderá referir-se também a circunstâncias futuras – ou seja, se o erro de previsão de alguma das partes sobre circunstâncias futuras, integradoras da base negocial, deverá ainda subsumir-se à previsão normativa constante do nº2 do art. 252º do CC ou se, pelo contrário, se reconduz directamente à norma do art. 437º do CC , por traduzir alteração superveniente das circunstâncias que integravam a base negocial.


Qual o sentido a atribuir à remissão normativa feita pelo nº2 do art. 252º do CC – preceito que se move no âmbito do erro-vício que afecta a validade do negócio jurídico celebrado em consequência de uma falsa representação de alguma das partes acerca de elemento circunstancial envolvente do acto – para o regime da modificação do contrato em função de uma alteração superveniente das circunstâncias que constituem a base negocial?

Saliente-se que este remissão normativa não pode fazer perder de vista que estamos confrontados com institutos ou figuras jurídicas estruturalmente diferenciadas: na verdade, representam institutos com funcionalidades perfeitamente diversas a invalidade ( total ou parcial ) de um negócio jurídico, inquinado nomeadamente por relevante vício de vontade de alguma das partes, e o restabelecimento do equilíbrio patrimonial ou da típica funcionalidade de um contrato, validamente celebrado, por não afectado por qualquer viciação da vontade dos outorgantes, mas perturbado por supervenientes e drásticas mudanças no ambiente circunstancial envolvente, pela posterior alteração de circunstâncias, manifestamente influenciadoras do programa contratual, mas que as partes não curaram de prever e regular .

Esta remissão normativa, operada pelo nº2 do art. 252º, significa, em primeira linha, que os pressupostos da relevância do erro acerca da base negocial subjectiva não são os que condicionam a invocabilidade do erro sobre os motivos (condicionada pelo nº 1 desse preceito ao reconhecimento por acordo da essencialidade do motivo), mas os que são idóneos para despoletar a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias integradoras da base negocial objectiva, tal como surgem previstos e regulados no art. 437º do CC : ou seja, ocorrência de uma falsa representação da realidade que traduza um desvio anormal relativamente às circunstâncias necessárias ao equilíbrio económico do negócio e à prossecução do seu fim que – não estando cobertas pelos riscos próprios do contrato - perturbem a justiça comutativa que lhe subjaz, em termos de a sua estrita e formal manutenção representar lesão do princípio da boa fé.

Relativamente ao efeito típico do erro sobre a base contratual subjectiva, importa começar por referir que – como tem acentuado, quer a doutrina, quer a jurisprudência – a remissão para o regime da resolução ou alteração do contrato, nos exactos termos que se mostram previstos  do art. 437º, tem de ser vista com as necessárias adaptações, que tenham na devida conta a estrutural diferenciação entre um negócio inválido por vício congénito da vontade de algum dos contraentes e um negócio juridicamente válido, mas cujo equilíbrio patrimonial e funcionalidade própria foram supervenientemente afectados por drástica alteração das circunstâncias envolventes.

Na verdade, a opinião largamente maioritária vem entendendo que – sendo a solução típica do erro a anulação, e não a resolução, deve proceder-se a uma adaptação de regime que é exigida pela própria analogia das questões – e devendo logicamente a anulação, tal como a modificação do contrato com fundamento em erro vício, quando possível, retroagir ao tempo da celebração do negócio ( cfr. nomeadamente  Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, 2012, pag. 571, Oliveira Ascensão Direito Civil, Teoria Geral III, pag. 199, Mota Pinto, Teoria Geral, 4ª edição, pag. 514 e nota 703).

Como se afirma no Ac. de 13/9/11, proferido pelo STJ no P. 1052/05.2TBLGS.E1.S1:

Quanto à base do negócio ela consiste, fundamentalmente, na “circunstância ou acontecimento em que as partes fundaram a decisão de contratar” [, ou, talvez mais precisamente, “na representação duma das partes, conhecida pela outra e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar”. O artº 252º, nº 2, do CC diz, concretamente: “Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”. A remissão implícita aqui contida para o regime do artº 437º, referente às condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias tem de ser entendida em termos hábeis: na medida em que o artº 437º contempla uma modificação das circunstâncias contratuais depois da sua celebração, enquanto que no artº 252º, nº 2, a hipótese é de erro que vicia a própria formação da vontade, justifica-se que no primeiro caso o remédio seja a resolução ou a modificação segundo juízos de equidade, enquanto que no segundo se impõe, em geral, a anulabilidade, por estar em causa a validade do negócio. Daí que a falada remissão tenha “o sentido de indicar apenas os pressupostos ou requisitos necessários para a relevância do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio e não já a forma que reveste essa relevância (anulabilidade ou resolução)”.


Saliente-se que não vemos motivo bastante para limitar o efeito do erro acerca da base negocial subjectiva à típica anulação do contrato viciado: desde logo, a letra da lei não se compadece com tal interpretação restritiva acerca do peculiar efeito atribuído ao erro sobre a base negocial, ao prever expressamente, tanto o efeito resolutivo ( implicando a destruição retroactiva do negócio inquinado pela invalidade), como a menos gravosa modificação do conteúdo ou das cláusulas viciadas, permitindo desse modo compatibilizar a invalidade com a subsistência da relação contratual afectada por vício da vontade de um dos contraentes.

É que, tal como a anulabilidade do contrato não tem necessariamente de ser total, existindo na lei civil institutos ( a redução e a conversão do contrato inválido) que permitem ainda compatibilizar a invalidade com a subsistência do negócio, amputado ou convertido, também o efeito resolutivo/ anulatório, associado ao erro vício acerca da base negocial, não tem de operar necessariamente em relação a toda a disciplina convencionada pelas partes, destruindo irremediavelmente o negócio, podendo existir situações em que justificadamente tal erro não deva implicar a eliminação, pura e simples,  do negócio, mas apenas a transformação ou modificação do seu conteúdo.

Deste modo, a modificação do contrato afectado por erro de uma das partes acerca da base negocial subjectiva representará uma alteração ou conversão do conteúdo do contrato, assumindo este um conteúdo qualitativamente diverso, em termos de – sem eliminar o próprio negócio jurídico celebrado no exercício da autonomia privada – se restabelecer o seu equilíbrio interno e funcionalidade próprias, afectadas pela falsa representação de circunstâncias envolventes, relevantes para a vontade de contratar e determinantes das cláusulas acordadas pelas partes.

Os pressupostos de que depende o decretamento da modificação do contrato viciado por erro acerca da base negocial serão naturalmente idênticos aos que condicionam o efeito resolutivo/anulatório, acrescidos da possibilidade efectiva de corrigir os desequilíbrios ou disfuncionalidades que o afectam através de uma reposição equitativa da justiça interna do negócio que se possa ainda compatibilizar com a subsistência do núcleo essencial da disciplina contratual acordada e com o respeito pela autonomia da vontade das partes.

Como refere Pedro Pais de Vasconcelos ( ob e loc. cit.):

A modificação do negócio nem sempre é possível. Por um lado, nem sempre se consegue discernir a equação económica do contrato, o sentido que constitui a sua justiça interna. Por outro, nem sempre se consegue construir uma modificação do negócio que corrija o desequilíbrio ou evite a frustração do seu fim ou escopo sem colidir com a autonomia privada. A modificação do negócio jurídico, como alternativa à sua anulação, só deve ser admitida enquanto o seu resultado possa ainda ser imputado à autonomia privada das partes , e deve ser afastada quando se conclua que as partes, ou uma delas, não teria fechado o negócio com esse conteúdo. Se não for possível, deve ser afastada a modificação e só restará então , como solução, apenas a sua anulação.


5. No caso dos autos, esta questão – a da verificação dos pressupostos de que dependeria a procedência do pedido formulado, circunscrito, como se referiu, `a modificação do contrato alegadamente afectado por erro acerca da base negocial – não chegou sequer a ser abordada, dada a procedência, em ambas as instâncias, da questão prévia da caducidade do direito da A..


Note-se que, como é óbvio, a circunstância de se entender que o efeito do erro-vício acerca da base negocial subjectiva tanto se pode consubstanciar na anulação/resolução do negócio, implicando a sua total destruição, como na alteração ou modificação do seu conteúdo, reconstruindo-o equitativamente, de modo a restabelecer-se o seu equilíbrio interno e funcionalidade própria, não significa que fique, sem mais, resolvida a questão da tempestividade do exercício do direito potestativo a requerer a modificação do negócio: é que, admitir-se a existência de um direito a, em certas circunstâncias, a parte afectada requerer -e obter judicialmente - a modificação do conteúdo do contrato, não significa naturalmente que tal direito possa ser exercido a todo o tempo, independentemente e para além de qualquer prazo de caducidade

É, pois, esta a questão que, no presente caso, importa dirimir: assente que o efeito associado ao erro acerca das circunstâncias que constituem a base negocial tanto pode consistir na rescisão/anulação do negócio viciado – dependendo, como é inquestionável, a procedência de tal pedido de destruição dos efeitos do negócio inválido do respeito pelo prazo de caducidade de 1 ano, previsto no nº1 do art. 287º do CC – como na sua modificação, visando reconfigurar o conteúdo do negócio, de modo a restabelecer equitativamente o respectivo equilíbrio interno, deverá entender-se que este peculiar efeito, embora geneticamente associado a um erro vício, susceptível de invalidar, ao menos parcialmente, o contrato, pode obter-se sem necessidade de se mostrar respeitado o referido prazo de caducidade de 1 ano?

Ou seja: a pretensão destinada a obter a modificação do contrato viciado geneticamente por erro acerca da base negocial subjectiva poderá efectivar-se a todo o tempo, dentro do limite da prescrição das obrigações, independentemente do momento em que a falsa representação da realidade ocorreu e se tornou conhecida da parte que pretende prevalecer-se do erro?

Considera-se que a resposta a esta questão tem de ser negativa, sendo aplicável o prazo de caducidade previsto na parte final do nº1 do art. 287º do CC a todas as pretensões que visem efectivar as consequências de um erro vício da parte, mesmo no caso peculiar de este ter incidido sobre a base negocial subjectiva, visando a parte obter, não a destruição total do negócio, mas apenas a sua conversão ou modificação, reconfigurando-se o seu conteúdo de modo a compatibilizar a originária invalidade com a subsistência do negócio .

Na verdade, tal resultado interpretativo é exigido pelos cânones de uma interpretação funcional ou teleológica das normas em causa : a imposição de um prazo curto para a parte se prevalecer de um alegado erro- vício da vontade tem na sua base a necessidade de garantir o princípio fundamental da segurança jurídica e da confiança no tráfico, evitando que as possíveis causas de anulabilidade ( ou seja, de invalidade potestativa, total ou parcial ) de um negócio se possam perpetuar quase indefinidamente, sendo invocáveis muitos anos após a sua plena cognoscibilidade pelo interessado – e afectando-se retroactivamente, com o reconhecimento da invalidade congénita do acto, a estabilidade da regulação de interesses nele plasmada.

Na realidade, embora os casos de modificação/conversão do negócio impliquem a subsistência de um núcleo essencial da disciplina contratualmente acordada, apesar de transformada no seu conteúdo, não deixam de afectar obviamente os valores da  estabilidade e da segurança jurídica, ao pôr em causa – e de forma retroactiva, como é típico do plano das invalidades – a regulamentação de interesses originariamente convencionada pelas partes.

Ora, sendo assim, constituiria seguramente resultado interpretativo  arbitrário e discricionário o que se traduzisse em condicionar o efeito anulatório ao respeito por um prazo curto de caducidade, obrigandoa parte interessada a agir no prazo de 1 ano contado do conhecimento do erro; mas, ao mesmo tempo, consentir que – podendo o erro implicar, já não a destruição totaldo negócio, mas antes a sua conversão ou modificação segundo juízos equitativos que, respeitando ainda a vontade hipotética ou conjectural das partes, restabeleçam a justiça comutativa do negócio – já fosse possível à parte interessada abster-se de agir dentro daquele prazo curto de caducidade, bastando que o fizesse dentro do prazo geral de 20 anos de prescrição das obrigações!

Saliente-se que a modificação do contrato – nem sempre possível, como atrás se referiu – tendo na sua base um erro vício sobre elementos ou circunstâncias essenciais do negócio, não poderia – como é próprio do plano das invalidades – deixar de actuar retroactivamente, reportando-se por isso a reconfiguração do conteúdo do contrato, judicialmente decretada, à data originária da prática ou celebração do acto: tal implica que este efeito de conversão/transformação do contrato viciado acabasse também por afectar relevantemente o valor da segurança jurídica e da confiança e estabilidade do comércio jurídico – em termos equiparáveis à anulação/resolução total do negócio – não se vendo o menor fundamento para, dispondo o interessado de todos os elementos que lhe permitem prevalecer-se do invocado erro-vício, ser dispensado de agir em prazo curto, podendo manter uma situação de pendência e incerteza ao longo do prazo prescricional geral de 20 anos…


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados confirma-se, embora por diferente fundamento, o decidido no acórdão recorrido acerca da caducidade do direito exercitado pela A., sendo inútil a abordagem das questões subsidiariamente suscitadas pela recorrida na sua contra alegação.

Custas pela recorrente.


            Lisboa, 02 de Outubro de 2014


            Lopes do Rego (Relator)

            Orlando Afonso

            Távora Victor