Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | CLUBE DE FUTEBOL SOCIEDADE ANÓNIMA DESPORTIVA (SAD) INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO RESCISÃO DE CONTRATO ACORDO DIREITO À HONRA LIBERDADE DE EXPRESSÃO CLÁUSULA PENAL EXCESSO REDUÇÃO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/22/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 5ª edição, vol. II, pág.137. - Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 274. - Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, edição de 1995, págs. 366,367 e 368. - Coelho da Rocha, in “Instituições”, §110 (1, 63-64). - Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações” – 6ª edição, págs. 445 e 448. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª ed., págs. 466, 572, 573 e 574. - José Manuel Meirim, in “Regime Jurídico das Sociedades Desportivas – Anotado. - J. Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 pág. 247. - Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77]. - Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”, 1996, pág. 97. - Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, pág. 208. - Pedro Pais de Vasconcelos, in “Direito de Personalidade”. -Almedina 2006 – pág. 76. - Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005, págs.38 e segs.. - Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização” - Colecção Teses – Almedina, págs. 743 e 744/755. - Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil. - Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-304. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, Nº1, 236.º, Nº2, 484.º, 810.º, Nº1, 811.º, 812.º, NºS 1 E 2 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 26.º, Nº1, 33.º DL N.º 67/97, DE 3 DE ABRIL (ALTERADO PELA LEI N.º 107/97, DE 16 DE SETEMBRO E PELO DL N.º 303/99, DE 6 DE AGOSTO):- ARTIGOS 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, Nº2, 12.º, NºS 1 AL. A) E 3, 29.º, 30.º, N.º1, 32.º, Nº3, 33.º, 34.º, 37.º, Nº1 | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 14.1.1997, IN CJSTJ, 1997, I, 47; -DE 17.2.1998, BMJ 474-457. | ||
Sumário : | I) - Pese embora as “SAD” serem sociedades anónimas, o seu escopo e o seu processo de formação, a partir de Clubes desportivos, que são meras associações de direito privado, conferem ao novo ente uma especial conformação, não sendo dissociáveis o Clube e a SAD; de outro modo, não se compreenderiam aspectos essenciais dos requisitos das SAD, mormente, a menção obrigatória do nome do Clube, a irreversibilidade da opção de constituição do clube em SAD, sob pena de não poder participar em competições desportivas de carácter profissional e o facto de as acções do clube no capital da SAD serem privilegiadas. II) Se o Autor e Rés, Clube Desportivo e SAD, acordaram, extrajudicialmente, no contexto da rescisão de um contrato de prestação de serviço, que aquelas entidades se empenhariam em evitar que colaboradores seus, publicamente, fizessem afirmações que pusessem em causa a honorabilidade e a competência profissional do Autor, esse acordo é violado se um jogador de futebol profissional, ao serviço daquelas entidades, devendo ser considerado colaborador das Rés, publica um livro com a concordância do responsável máximo do Clube e da SAD, onde põe em causa o bom nome e a competência profissional daquele. III) A cláusula penal, livremente negociada, prevista para a violação daquele acordo tem cariz compensatório e um fim punitivo que só será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o infractor causar com a sua conduta e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir. IV) O devedor, que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça(1) AA intentou, em 7.11.2007, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – com distribuição à 5ª Vara – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: BB-S... L.. e B..., e; CC-S...L... e B... - Futebol, SAD. Pedindo a sua condenação a pagarem-lhe € 200.000,00, montante da cláusula penal indemnizatória prevista no acordo que celebraram em 7.02.2003 e ainda a absterem-se de, através de responsáveis, agentes e colaboradores, emitirem publicamente quaisquer declarações ou contribuírem para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico, envolvendo o autor. Alegou, em síntese, que: - as partes, por acordo celebrado em 7.02.2003, puseram termo ao contrato de serviços médicos existente entre elas, tendo estabelecido uma cláusula mediante a qual ambas se comprometeram a não emitir publicamente quaisquer declarações e a não contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico do BB-S...L... e B..., com ressalva, para ambas as partes, do que fosse necessário para defender a imagem e o bom nome; - para a violação de tal obrigação estipularam as partes, a título de indemnização, uma cláusula penal de € 200.000,00; - o jogador DD fez publicar um livro em que relata a ocorrência e evolução de lesão grave por si sofrida, onde faz afirmações críticas relativamente à conduta do autor e sua competência profissional, de que deram eco os jornais e a televisão; - no seu lançamento e apresentação estava presente EE, presidente dos réus, que proferiu declarações, perante a assistência de rádios e de televisões e veiculadas por jornais, insinuando que despedira o autor por causa da lesão de DD; - as afirmações vertidas no livro e nas declarações referidas são ofensivas da sua imagem e bom-nome, violaram a citada cláusula contratual e prejudicaram-no na sua carreira profissional. Houve contestação dos réus, pedindo a sua absolvição do pedido. Na sequência de convite formulado pelo tribunal ao abrigo do disposto no art. 508º, nºs 1, b) e 3 do Código de Processo Civil, o autor apresentou petição inicial aperfeiçoada, tendo os réus impugnado os novos factos alegados. *** Foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente: a) Condenou a ré CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D. a pagar ao Autor a quantia de € 200.000,00, absolvendo-a do mais pedido; b) Absolveu a Ré BB-S...L... e B... dos pedidos contra ela formulados. *** Inconformados, apelaram o Autor e a Ré CC-S... L... e B...-Futebol, S. A. D., para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 6.7.2010 – fls. 411 a 434 –, julgou parcialmente procedente a apelação do Autor e improcedente a apelação da Ré, alterando a sentença apelada quanto à absolvição do Réu BB-S...L... e B..., que ficou condenado, solidariamente com a Ré CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D., a pagar ao autor a quantia de € 200.000,00. No mais, manteve-se a sentença recorrida. *** Inconformados, os RR. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1. Resulta do preâmbulo do D.L. n°67/97, de 3 de Abril (que aprovou e instituiu o regime das sociedades anónimas desportivas em Portugal), que – “As sociedades desportivas são um tipo novo de sociedades, regido subsidiariamente pelas regras gerais aplicáveis às sociedades anónimas, mas com algumas especificidades decorrentes das especiais exigências da actividade desportiva que constitui o seu principal objecto.”. 2. “Por outro lado, os clubes desportivos que participem em competições de natureza profissional e que não optem opor este novo figurino jurídico ficam, nos termos do presente diploma, sujeitos a um regime especial que visa, essencialmente, estabelecer regras mínimas que assegurem a indispensável transparência e rigor na sua gestão. De tal regime são de realçar o princípio da responsabilização pessoal dos executivos dos clubes por certos actos de gestão efectuados, a exigência de transparência contabilística, através da certificação das contas por um revisor oficial; a adopção obrigatória do plano oficial de contabilidade; e a prestação de garantias bancárias ou seguros de caução que respondam pelos actos praticados em prejuízo daqueles clubes.”. 3. Como se extrai do preâmbulo deste diploma a partir do momento em que o Clube criou de raiz a SAD, para a prática da actividade desportiva em que estejam inseridos ou se vão inserir, esta figura de sociedades anónimas desportivas passa a ser regida por este diploma e subsidiariamente pelo Código das Sociedades Comerciais. 4. Tal como as sociedades comerciais em geral (artigo 5º do CSC) nos termos do artigo 16°/1 do D.L. n° 67/97, de 3 de Abril, “As sociedades desportivas gozam de personalidade jurídica existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem...”. 5. A partir da sua criação, a SAD, uma vez constituída e o contrato de sociedade registado, ganha personalidade jurídica autónoma da do Clube. 6. Resulta do artigo 33° DL. nº 67/97, de 3 de Abril que “São obrigatoriamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos e os contratos de formação desportiva relativos a praticantes da modalidade profissional que constitui objecto da sociedade.”. 7. Desta forma, a realidade jurídica e, salvo o mais subido respeito, o correctamente legal é considerar que o Clube BB-S...L... e B... e a sociedade anónima desportiva CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D, são duas realidades jurídicas distintas e independentes. 8. Pelo que alegar como consta do douto Acórdão que “... apesar de ser através da SAD que a associação participa em competições desportivas de futebol de carácter profissional... é a imagem pública da associação que está presente perante aqueles que tomam contacto com a sua participação nessa modalidade, assistindo a jogos ou à sua transmissão ou seguindo as notícias sobre os mesmos na comunicação social”, bem como que “O clube “B...” — isto é a associação BB-S...L... e B... — actua através da SAD, pelo que atenta essa relação, são seus colaboradores por intermédio desta, os que com ela colaboram nesse âmbito e intervêm nas competições sob a imagem daquele” e que, portanto, “... o réu BB-S...L... e B... violou o dever consignado no ponto 2 da cláusula 4ª” mais não constitui do que criar uma ficção jurídica societária totalmente inadmissível e inaceitável do ponto de vista do direito português das sociedades comerciais. 9. Aceitar esta teoria era aceitar que a sociedade não representa uma individualidade autónoma, distinta da pessoa dos sócios, antes reduzindo a mesma à mera representação da pluralidade dos seus associados. 10. O património de uma pessoa colectiva considerado na sua globalidade, neste caso, por exemplo, os contratos dos jogadores são pertencentes à SAD e o modo em que participam nas competições de futebol em que estão inseridas, o modo como se relacionam com terceiros pertence à SAD — e só a ela — pelo que não pode todo este património reflectir-se no Clube BB-S...L... e B... e ser este responsabilizado, visto que a personalidade jurídica das sociedades comerciais é isso mesmo: uma individualidade jurídica própria, que não se confunde com a dos sócios, in casu com a do sócio fundador, o BB-S...L... e B.... 11. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não pode querer confundir duas realidades que são do ponto de jurídico distintas, porquanto o jogador DD é trabalhador da SAD e não do Clube (veja-se o contrato de trabalho desportivo junto a fls. 116/117). 12. É a SAD que lhe paga o vencimento mensal e não o Clube. 13. É a SAD que tem o poder disciplinar sobre este e não o Clube. 14. É a SAD que realiza as receitas das vendas dos jogadores e que negoceia os respectivos contratos e não o Clube. 15. É a SAD que compra os jogadores e não o Clube. 16. É a SAD que negoceia o empréstimo de jogadores e não o Clube. 17. Nos termos do artigo 5°/1 do D.L. n° 67/97, de 3 de Abril às sociedades anónimas desportivas aplica-se subsidiariamente as normas que regulam as sociedades anónimas. 18. Como se sabe, nestas sociedades os sócios estão isentos de responsabilidade pessoal. 19. Não houve a violação por parte do Clube da segunda obrigação constante do acordo junto a fls. 31 a 34., dado que o jogador DD é um activo da SAD, pertence ao património desta. 20. Não é colaborador do BB-S...L... e B..., nem seu trabalhador com contrato de trabalho desportivo, não se podendo sequer extrapolar, como pretende o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que os jogadores da SAD são colaboradores do SLB só porque quando jogam as pessoas pensam que quem está a jogar é o Clube e não a sociedade anónima desportiva. 21. Pelo que não podia o Clube dar quaisquer ordens ao jogador DD no sentido de impedir que este escrevesse e publicasse o livro. 22. Por outro lado, também não se pode responsabilizar o Clube nos termos do n° 1 da cláusula 4ª, dado que o seu Presidente, EE, não emitiu publicamente, nesta qualidade, quaisquer declarações, nem contribuiu para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico do Clube. 23. Do elenco factual não resulta de todo provado que o prefácio do livro escrito pelo Sr. EE contenha alusões ao trabalho desenvolvido pelo Recorrido. 24. No prefácio não são emitidas publicamente quaisquer declarações sobre o Recorrido e nem se diga que contribuiu para a difusão de notícias sobre este, visto que o prefácio do livro mais não é do que um mero e sentido testemunho à vida cheia de provações e infortúnios como foi a do DD, nomeadamente, como futebolista da CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D. 25. Igualmente, não será certamente por ter escrito o prefácio que se pode dizer que o Sr. EE contribuiu para a difusão de notícias sobre o Recorrido. 26. Por outro lado e rigorosamente, não se pode afirmar que as declarações proferidas pelo Sr. EE foram emitidas enquanto Presidente do BB-S...L... e B.... 27. Não pode o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa afirmar imperialmente que as declarações proferidas pelo Sr. EE, quando do lançamento do livro, foram-no enquanto Presidente do SLB, pois constitui uma mera e simples presunção sem qualquer segurança e rigor jurídicos. 28. Por outro lado, não se pode aceitar como uma verdade insofismável que o Sr. EE, quando tenha estado ao lado do DD no lançamento do livro, tenha sido na qualidade de Presidente do SLB ou da SAD. 29. Com efeito, a relação que se estabeleceu entre o EE e o DD, desde os tempos em que este jogava no FF-A... Futebol Clube, foi de pai e filho, pelo que nunca passaria pela cabeça daquele faltar ao lançamento do livro. 30. O DD é de facto empregado da Recorrente, CC-S... L... e B...- Futebol SAD. 31. Mas não foi nessa qualidade que escreveu o livro. 32. Para tal, basta apenas ler o livro e observar os comentários feitos pelo próprio DD no dia do lançamento da obra, na GG-F...de Almada. 33. Com efeito, é o próprio DD que peremptoriamente afirma que o livro “...representa toda a minha vida, o que passei, o que eu faço e vem tudo a dizer do DD, é a vida do DD... “, acrescentando que não é um desabafo mas antes “... um livro da história do DD, a vida do DD... é a vida do DD”. 34. O livro é apenas e tão só um relato biográfico da vida do DD e do seu percurso desde as suas raízes em África de infância até à idade adulta. 35. O livro não é um testemunho do DD jogador do CC-S... L... e B... — Futebol SAD, mas antes do DD homem. 36. Do qual, como é evidente, o percurso do DD como jogador da CC-S... L... e B... Futebol SAD tem que ser necessariamente abordado. 37. A obra mais não representa do que uma iniciativa privada do cidadão DD, perfeitamente legítima. 38. Seja o Clube, seja a SAD para quem o DD trabalha, não podem impedir que este, nas suas horas vagas decida escrever um relato biográfico da sua vida. 39.Tal não viola de todo o teor do acordo de revogação do contrato de trabalho, nem qualquer disposição laboral. 40. Pelo que a SAD não tinha quaisquer poderes para impedir o cidadão DD de escrever e publicar o referido livro, tinha apenas se este decidisse escrever o livro enquanto jogador da SAD. 41. Livro esse em que o assunto “AA” apenas consta de um capítulo. 42. Por outro lado e caso o vertido nos pontos supra não mereça acolhimento por parte de V. Exas., Venerandos Conselheiros, sempre se dirá que o DD não é um colaborador da SAD. 43. É sim um praticante desportivo profissional, com um contrato de trabalho desportivo, cuja entidade patronal é a Recorrente. 44. Dentro de uma estrutura empresarial são totalmente distintas as funções de um mero colaborador às de um empregado, com um contrato de trabalho subordinado. 45. Se a Recorrente e o Recorrido quisessem que a expressão “colaboradores” tivesse um alcance mais abrangente tê-la-iam empregue. 46. Ao usarem a expressão “colaboradores” as partes quiseram unicamente que o alcance de tal expressão se limitasse a estes e não a trabalhadores da Recorrente, pelo que não podia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fazer uma extrapolação que não tem a mínima correspondência com a vontade da Recorrente e do Recorrido. 47. Porém, caso se considere que um colaborador e um empregado da Recorrente são a mesma coisa, mesmo assim não podia a SAD obrigar o DD a não escrever e a não publicar o livro, por tal ser uma violação do seu direitos constitucionais de liberdade de expressão, previstos no artigo 37°, n°1 do Constituição da República Portuguesa. 48. Caso assim, não se julgue, deveria a cláusula penal ser reduzida equitativamente (cfr. artigo 812° do Código Civil), pelos motivos acima aduzidos, ou seja, o livro foi escrito pelo DD enquanto cidadão privado (e não como jogador da SAD b...), pelo que é livre de escrever sobre o que entender, bem como caso se julgue que o DD agiu na elaboração do livro como colaborador/funcionário da SAD não podia a Recorrente impor qualquer reserva àquele por tal configurar uma violação do direito de livre expressão, constitucionalmente consagrado (artigo 37°, n°1 da CRP). 49. Aliás e no que toca à redução equitativa da cláusula penal (caso apenas os Recorrentes não sejam absolvidos, o que apenas por mera hipótese se coloca), é preciso realçar que, quando da saída do Recorrido do departamento médico da SAD, foi negociada e concedida uma indemnização pecuniária no valor global de € 198.144,08, que é objectivamente bastante satisfatória. 50. Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de referir que as “notícias” foram integralmente criadas e manipuladas pelos jornalistas que tiram de contexto certos factos constantes do livro do DD, dando ênfase apenas a um pequeno capítulo do mesmo. 51. Basta aliás ouvir as gravações juntas aos autos, com os telejornais do dia do lançamento do livro, para verificar que o que foi publicado na imprensa escrita não tem qualquer correspondência com o que foi dito, constituindo apenas aquilo a que vulgarmente se chama de “critério jornalístico”, da única e responsabilidade do respectivo jornalista/autor. 52.Assim e com todo o respeito, não existe de todo nos autos matéria suficiente que alicerce a condenação dos Recorrentes no pagamento da cláusula penal, pelo que deverá a presente Revista ser concedida e consequentemente o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ser anulado e substituído por outro que absolva na íntegra o BB-S...L... e B... e a CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D, ou, caso assim, não se julgue, ser o quantum indemnizatório da cláusula penal reduzido equitativamente. Ao assim não entender violou a douta decisão recorrida, por errada interpretação, o disposto nos artigos 5° e 6° do Código das Sociedades Comerciais, artigos 16° e 33° do DL n°67/97, de 3 de Abril, artigo 2°, al. a) da Lei n° 28/98, de 26 de Junho, artigos 9°/2 e 812°, do Código Civil e artigo 37°/1 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra, que declare que o livro foi escrito pelo DD na qualidade de cidadão, bem como não houve qualquer violação do acordo de revogação de contrato de trabalho junto a fls. , nomeadamente a cláusula 4ª do mesmo, absolvendo os Recorrentes do pedido ou caso assim não se julgue que reduza equitativamente o quantum da cláusula penal, pois só assim se fará a mais lídima Justiça. O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1. O Autor nasceu no dia 17 de Janeiro de 1953 – (alínea h) dos factos assentes); 2. O Autor é médico de profissão, inscrito na Ordem dos Médicos sob o n.°... e exerce a actividade desde 1978 – (alínea a) dos factos assentes); 3. No período de 1981 a 1987 o Autor integrou o departamento Clínico/Médico do BB-S...L... e B..., como médico na área da medicina desportiva – (alínea b) dos factos assentes); 4. A partir de Julho de 1987 passou a ser Director Coordenador do Departamento Clínico/Médico do Futebol Profissional e desde 30.07.2001 acumulou tal cargo com a função de Director Clínico do clube – (alíneas c) e d) dos factos assentes); 5. Os serviços prestados pelo Autor aos RR. consistiam na prestação de apoio médico, com prevenção, profilaxia e tratamento dos jogadores, de modo não exclusivo – (alínea al.) dos factos assentes); 6. E também no acompanhamento das equipas do clube nos jogos que faziam, quer no país, quer no estrangeiro, durante a semana ou ao fim-de-semana – (alínea am) dos factos assentes); 7. Ainda na coordenação e direcção do Departamento Clínico do Futebol Profissional – (alínea an) dos factos assentes); 8. E na coordenação e direcção do Departamento Clínico do BB-S...L... e B... desde Agosto de 2001 – (alínea ao) dos factos assentes); 9. Tal como no reporte à Direcção e à Administração dos RR. da situação do Departamento, em geral, e dos jogadores, em particular – (alínea ap) dos factos assentes); 10. O Autor exerceu tais funções até 07.02.2003 – (alínea e) dos factos assentes); 11. Quando cessou o relacionamento profissional entre o Autor e os RR. estes fizeram constar do acordo respectivo que o Autor “ (…) sempre exerceu com total lealdade, empenho e competência profissional as suas funções de Director do Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol (...)" – (alínea f) dos factos assentes); 12. E no comunicado à imprensa de Fevereiro de 2003 mencionaram os RR.: "O BB-S...L... e B... e o CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D reconhecem o profissionalismo, a competência e a dedicação com que o Dr. AA sempre desempenhou as suas funções ao serviço do Clube como responsável médico do Departamento Clínico de Futebol Profissional" – (alínea g) dos factos assentes); 13. Em 07.02.2003 Autor e RR. subscreveram o documento junto por cópia a fls. 31 a 34, pelo qual fizeram cessar o relacionamento profissional entre eles estabelecido, mediante compensação pecuniária a pagar pelos RR. ao Autor – (alínea h) dos factos assentes); 14. Tal deveu-se à circunstância de os RR, pretenderem que a coordenação do Departamento Clínico do Futebol Profissional ficasse entregue a um profissional em regime de exclusividade e ao desejo do Autor de se dedicar ao desenvolvimento da sua carreira hospitalar – (alínea i) dos factos assentes); 15. Nos termos do ponto 1) da cláusula 4ª desse documento as partes obrigaram-se a “Não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte ou por terceiros.” - (alínea j) dos factos assentes); 16. De acordo com o ponto 2) da mesma cláusula os RR. obrigaram-se “a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, a obrigação referida no número anterior.” - (alínea 1) dos factos assentes); 17. Nos termos do ponto 3 da cláusula 4ª estipularam as partes que: “em caso de violação, por qualquer das partes, da obrigação assumida no nº1, fixam a título de indemnização, uma cláusula penal no valor de € 200.000,00” – (alínea m) dos factos assentes); 18. Desde o ano de 2002 até à presente data, sem interrupções, o Presidente do Conselho de Administração da Ré “CC-S... L... e B... - Futebol SAD” é EE – (alínea n) dos factos assentes); 19. EE é, desde 2003 e até à presente data, sem interrupções, Presidente do clube “BB-S...L... e B...” – (alínea o) dos factos assentes); 20. A 01.02.2005, o “CC-S...L... e B... - Futebol SAD”, celebrou com DD, também conhecido por DD “M...”, o denominado contrato de trabalho desportivo junto por cópia a fls. 116/117 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo por objecto a prestação, pelo segundo à primeira, da actividade profissional de futebolista, durante as épocas desportivas de 2006/2007 a 2010/2011 – (alínea ai) dos factos assentes); 21. Em 03.11.2003, em entrevista ao jornal 24 Horas, o jogador DD, dirigindo-se ao Autor, proferiu as expressões “Nunca lhe vou perdoar. Espero que ele não faça a ninguém o que me fez a mim” e “Quase perdi a minha carreira por causa desse senhor” – (resposta ao quesito 13°); 22. A 04.07.2005, o “CC-S... L... e B... - Futebol SAD”, celebrou com HH, também conhecido por HH “G...”, o denominado contrato de trabalho desportivo junto por cópia a fls. 118/119 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo por objecto a prestação, pelo segundo à primeira, da actividade profissional de futebolista, durante as épocas desportivas de 2006/2007 a 2008/2009 – (alínea aj) dos factos assentes); 23. Em 30 de Julho de 2007 foi lançado o livro intitulado “M... - L... D..." – (alínea p) dos factos assentes); 24. O livro identificado em 23. é caracterizado como uma biografia do jogador DD “M...” e foi escrito em parceria por DD "M..." (que descreveu e deu conta de factos e situações) e por II (que redigiu os textos) – (resposta ao quesito 6°); 25. II escreveu o que DD "M..." lhe disse e pôs em linguagem escrita o que DD "M..." contou – (resposta ao quesito 8º); 26. Os textos são redigidos como correspondendo ao depoimento de DD "M...", usando-se a primeira pessoa do singular e um tom coloquial – (resposta ao quesito 7°); 27. A publicação do livro e o respectivo lançamento público eram do prévio conhecimento dos RR. - (resposta ao quesito 12°); 28. Consta da página 176 desse livro, a propósito de uma lesão sofrida por DD "M..." no joelho direito e respectiva evolução: "O médico do B...falhou, não foi competente. Enganou todo o mundo, incluindo os dirigentes, omitindo sempre o que na realidade estava a fazer"; "E devia saber o que estava a fazer porque é suposto os médicos perceberem de medicina"; "Naquela altura eu deveria parar, em definitivo, para me tratar. Mas o doutor dizia que era o menisco, que faltava músculo, que se resolvia. Ele nunca contou a verdade. (...) Só contavam mentiras aos benfiquistas. Eu tinha que ter parado!" – (alínea r) dos factos assentes); 29. E na página 173 consta: "O líquido foi extraído e o doutor AA injectou-me de seguida outro líquido no joelho, que eu não sabia o que era mas que me aliviou as dores, e de que maneira"; " (…) acho que se chamava D.... (o líquido)" – (alínea s) dos factos assentes); 30. Na página 174 consta: "O doutor voltava a tirar líquido e a infiltrar o tal medicamento. Foi assim durante toda a semana"; "Só ele (doutor AA) lhe mexia (no joelho)" – (alínea t) dos factos assentes); 31. Na página 175 escreve-se: "Durante todo este processo só o doutor AA me mexeu no joelho" – (alínea u) dos factos assentes); 32. Na página 181 refere-se: "O meu joelho estava sem protecção interior devido às inúmeras infiltrações a que tinha sido sujeito" – (alínea v) dos factos assentes); 33. EE, na parte introdutória do livro, escreveu o texto denominado "Testemunho", cujo teor consta do documento junto a fls. 49/50, que subscreveu na qualidade de Presidente do BB-S...L... e B... – (alínea ae) dos factos assentes); 34. A sessão de lançamento do livro teve cobertura da imprensa e das televisões – (alínea q) dos factos assentes); 35. No lançamento do livro encontrava-se presente, sentado ao lado de II e de DD "M...", o Presidente dos RR. EE – (alínea ac) dos factos assentes); 36. Encontrava-se também presente, ao lado direito de DD "M...", o jogador dos RR. HH "G..." – (alínea ad) dos factos assentes); 37. No dia do lançamento do livro, perante televisões, EE proferiu declarações afirmando: "Alguém um dia fez algo que não devia ter cometido" e "Tomei a decisão certa, mas infelizmente já fui tarde" – (resposta ao quesito 10°); 38. Por ocasião do lançamento do livro, EE foi solicitado para entrevistas pelos jornalistas presentes, assumindo o cargo de Presidente do BB-S...L... e B... – (resposta ao quesito 11°); 39. O jornal “A B...” de 30.07.2007 escreveu em caixa “Livro polémico" "Estava a ser transformado num quase deficiente". "M... acusa médico" – (alínea x) dos factos assentes); 40. O jornal "R..." do mesmo dia, em caixa, escreveu: "Médico do B...falhou e não foi competente" – (alínea z) dos factos assentes); 41. O jornal “O J...” de 31.07.2007 salientou em caixa: "O principal visado no livro de DD é o médico AA" – (alínea aa) dos factos assentes); 42. O jornal "C... da M..." de 31.07.2007 publicou o seguinte: "Avançado angolano diz que o ex - clínico do B...enganou todo o mundo"; "Estava aleijado, era quase um deficiente, era um coxo"; "O médico não foi competente" – (alínea ab) dos factos assentes); 43. O jornal “C... da M...”, na sua edição de 31.07.2007, publicou, atribuindo-as a EE por ocasião da apresentação do livro, as seguintes declarações: "Alguém desviou (DD) de uma trajectória ao nível dos melhores" e "Quando me apercebi do sucedido, tomei a decisão certa (despediu AA) mas já era tarde" – (alínea af) dos factos assentes); 44. O jornal "O J...", na edição de 31.07.2007, publicou a seguinte declaração, que atribuiu a EE na apresentação do livro: "Tomei a decisão certa, embora tardia (despedimento de AA)" – (alínea ag) dos factos assentes); 45. O relevo dado pelos diversos telejornais ao livro "M...-L... D..." abrangeu afirmações que visavam o Autor – (resposta ao quesito 9°); 46. Com a publicação do livro e a sua ampla divulgação nos meios de comunicação social o Autor sentiu-se envergonhado perante os seus familiares e amigos – (resposta ao quesito 18º); 47. Tal como perante os seus doentes e colegas de profissão, alguns dos quais se convenceram de que tinha havido má prática ou erro profissional do Autor – (resposta aos quesitos 19° e 20°); 48. Devido à publicação e divulgação do livro o A. sentiu-se injustiçado e revoltado em virtude de ter perpassado para a opinião pública, e sobretudo para o adeptos do B..., a ideia de que tinha sido incompetente nas suas funções de médico – (resposta ao quesito 21º); 49. O que causou ao Autor, no seu quotidiano, ansiedade e momentos de depressão – (resposta ao quesito 22º). Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber: - se a decisão recorrida deve ser revogada, já que o jogador de futebol DD – autor de um livro em que alegadamente punha em causa o bom-nome profissional do Autor enquanto médico – não era um colaborador das Rés; - se, havendo condenação, apenas deve ser condenada a 2ª Ré – CC-“S... L... e B...-Futebol. S.AD.”, (que doravante designaremos por SAD), por ser entidade distinta do 1º Réu BB-S...L... e B... e ser com ela que o jogador DD tinha um vínculo contratual como jogador de futebol; - se a condenação das Rés, porque relacionada com o conteúdo e autoria do livro escrito por DD, viola o art. 37º, nº1, da Constituição da República (liberdade de informação); - se em caso de condenação deve ser reduzida a cláusula penal acordada entre o Autor e as RR. Vejamos: O Autor demandou os RR., alegando que, com o conteúdo do livro da autoria de DD “M...-L... D...”, mormente, quando o escritor se refere à actuação do demandante no que se reporta à sua prestação às RR. enquanto médico e chefe do departamento clínico, no que respeita às orientações médicas e tratamento da lesão sofrida, viola o seu bom-nome e honra pessoal e profissional, e consequentemente, o contrato que foi celebrado entre ele e as RR. que se comprometeram a que os seus colaboradores não fizessem afirmações que pusessem em causa a qualidade dos serviços médicos da responsabilidade do Autor, tendo sido estabelecida, em caso de violação desse acordo por qualquer colaborador das Rés, uma cláusula penal. Considerando que as afirmações proferidas pelo jogador DD, nesse livro, infringiram aquele acordo e que o autor do livro é “colaborador” das RR., o recorrido intentou a correspondente acção, alegando violação do acordo e reclamando a indemnização (cláusula penal) de € 200.000,00. A Relação considerou, solidariamente, as RR., revogando em parte a decisão da 1ª instância que apenas condenara a Ré SAD, condenando, agora, ambas as RR. Como consta provado – ut. documento de fls.31 a 34 – no dia 7.2.2003, entre o Autor e as RR. foi celebrado um acordo de rescisão do contrato de prestação de serviços profissionais de médico de medicina desportiva, que tinha sido celebrado em 1981 com o SLB. Como compensação pecuniária de natureza global pela cessação referida no número anterior, os ora RR. aceitaram pagar ao Autor a quantia de € 198.044,00. Na Cláusula 3ª ficou a constar – “Os Primeiros Contratantes [ora RR.] declaram que o Segundo Contratante [o Autor] sempre exerceu com total lealdade, empenho e competência profissional as suas funções de Director dos Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol”. Na Clausula 4ª – consta: “1. As partes contratantes obrigam-se a não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de noticias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte, ou por terceiros. 2. As Primeiras Contratantes obrigam-se a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, a obrigação referida no número anterior. 3. Em caso de violação, por partes, da obrigação assumida no n°l, as parte desde já fixam a, título de indemnização, uma cláusula penal no valor de Euros 200.000”. Os 1ºs Contraentes foram, inequivocamente, o BB-S...L... e B..., e a Sport Lisboa e B...-Futebol, SAD, ambos com sede no Estádio do BB-S...L... e B..., A... G...N... de M... -1... Lisboa. Os recorrentes colocam em causa a sua condenação, sustentando que, ao aludirem a “colaboradores”, não se pode considerar nesse conceito um jogador de futebol contratado pela SAD; que a SAD e o clube são entidades distintas, pelo que a admitir-se a condenação o BB-S... não deverá ser condenado. Não obstante esta consideração dicotómica Clube/SAD o certo é que ambas as entidades se obrigaram nos termos constantes da cláusula 4ª, nº2, a fazê-lo cumprir pelos seus colaboradores o que implicava por parte destes uma actuação omissiva consubstanciada na não emissão publicamente de quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B... que foi chefiado pelo Autor. Será que existe nos termos pretendidos pelas recorrentes uma dissociação jurídica entre o Clube e a SAD? Como é sabido, o futebol é um fenómeno de massas, agora uma indústria que pelo menos ao nível dos emblemas mais conhecidos, além de suscitar emoções a que não escapam os vários sectores das sociedade, movimentam cifras tidas por inimagináveis há mais de duas dezenas de anos(2), tendo uma dinâmica peculiar que muitas vezes acobertou práticas desleais, seja ao nível desportivo, seja ao nível fiscal-económico, a que se entendeu pôr cobro, fazendo evoluir os clubes, de meras associações sem fins lucrativos (associações), para um tipo peculiar de sociedades com vista a introduzir transparência, profissionalismo na gestão e responsabilização dos dirigentes. Foi neste ambiente que surgiram as sociedades anónimas desportivas, vulgo, SAD. As SAD`s foram criadas em Espanha, através da Lei 10/1990, de 15 de Outubro, como sociedades anónimas desportivas, um tipo especial de sociedade anónima A Lei 10/1990, de 15 de Outubro, no seu preâmbulo alude à necessidade de dotar desta nova figura societária de especificidade própria: “ (...) Em um primeiro nível, a Lei propõe um novo modelo de associativismo desportivo que persegue, por um lado o favorecer o associativismo desportivo de base, e por outro, estabelecer um modelo de responsabilidade jurídica e económica para os clubes que desenvolvem actividades de carácter profissional. O primeiro pretende-se conseguir mediante a criação de clubes desportivos elementares, de constituição simplificada. O segundo, mediante a conversão dos clubes profissionais em Sociedades Anónimas Desportivas, ou a criação de tais sociedades para as equipas profissionais da modalidade desportiva que corresponda, nova forma jurídica que, inspirada no regime geral das sociedades anónimas, incorpora determinadas especificidades para adaptar ao mundo do desporto. (...)”. Em Portugal as SAD foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 67/97 de 3 de Abril (alterado pela Lei n.º 107/97, de 16 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de Agosto). No preâmbulo desse diploma pode ler-se: “A Lei de Bases do Sistema Desportivo – Lei n.°1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.°19/96, de 25 de Junho – veio estabelecer que os clubes desportivos profissionais poderiam optar por assumir o estatuto de sociedade desportiva ou por manter o seu actual estatuto de pessoa colectivas sem fins lucrativos, ficando, neste último caso, sujeitos a um regime especial de gestão…Nesta medida e em consonância com o disposto na Lei n.°19/96, de 25 de Junho, importa rever aquele regime jurídico, concedendo àquelas sociedades os instrumentos necessários para que venham a constituir, no futuro, um importante elemento dinamizador do desporto profissional em Portugal. As sociedades desportivas são um tipo novo de sociedades, regido subsidiariamente pelas regras gerais aplicáveis às sociedades anónimas, mas com algumas especificidades decorrentes das especiais exigências da actividade desportiva que constitui o seu principal objecto. De entre tais especificidades são de realçar as referentes ao capital social mínimo e à sua forma de realização; ao sistema especial de fidelização da sociedade ao clube desportivo fundador, através, designadamente, da atribuição de direitos especiais às acções tituladas pelo clube fundador, a possibilidade de as Regiões Autónomas, os municípios e as associações de municípios poderem subscrever até 50% do capital das sociedades sediadas na sua área de jurisdição; e o estabelecimento de regras especiais para a transmissão do património do clube fundador para a sociedade desportiva.” – destaque e sublinhados nossos. Tais sociedades têm que assumir, “ope legis”, a forma de sociedades anónimas e ter por objecto a participação numa modalidade desportiva de carácter profissional. Visam a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade – art. 2º do citado diploma. Nos termos do art. 3º, podem resultar da transformação de um clube desportivo que participe, ou pretenda participar em competições desportivas profissionais – a); da personalização jurídica das equipas que participem ou pretendam participar em competições desportivas profissionais – b); ou da criação de raiz, que não resulte da transformação ou da personalização jurídica de equipas – c). O Dr. José Manuel Meirim, in “Regime Jurídico das Sociedades Desportivas – Anotado”, em comentário ao art.3º do citado normativo, escreveu: “Que diferença substancial existe entre as vias propostas nas alíneas a) e b)? Na primeira situação, como que deixa de haver o “clube desportivo”, surgindo em seu lugar uma sociedade desportiva; no fundo, tudo se passa como se adquirisse um novo "vestido" para a mesma pessoa. O clube desportivo deixa de existir como tal, transformando-se numa pessoa colectiva integrada em diversa categoria jurídica. Não obstante, a sociedade desportiva mantém todas as relações jurídicas de que era titular o clube desportivo. No segundo caso, o da "personalização jurídica" da equipa, passamos a contar com duas realidades verdadeiramente distintas: o clube desportivo, que se mantém na sua individualidade, e a nova sociedade desportiva centrada na gestão da participação em competição desportiva profissional. No primeiro caso, temos apenas uma pessoa jurídica, um centro de direitos e obrigações; no outro caso, deparamo-nos com dois entes autónomos, a ambos sendo possível imputar um núcleo de direitos e obrigações. Se o clube desportivo optar pela sua “transformação total” em sociedade desportiva, o passado económico e financeiro, positivo ou negativo, transfere-se por inteiro para a nova sociedade desportiva. Como afirmámos, trata-se apenas de uma mudança de vestuário. Nada mais. […]”. (destaque e sublinhados nossos) A citação é clara acerca do regime e consequências da opção por um dos três modelos de constituição de sociedades desportivas. Daí que não possa ser afastado o regime cogente do art. 33º do citado DL, que consigna: “São obrigatoriamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos e os contratos da formação desportiva relativos a praticantes da modalidade profissional que constitui objecto da sociedade.” O SLB, antes de se ter constituído em SAD, tinha direitos e obrigações assumidas com jogadores e treinadores de futebol que, logicamente, que por imposição legal, foram transferidos para a nova entidade; as obrigações emergentes de contratos celebrados com o clube desportivo, agora transformado em sociedade anónima, são encargo desta, sob pena de se considerar que as SAD são indiferentes aos clubes desportivos de onde promanam, colhendo as vantagens de lhes sucederem nos “direitos desportivos” propriamente ditos, mas não suportando as desvantagens de terem de se responsabilizar pelos compromissos contratuais ou fiscais existentes. Resulta do art. 29º do DL 67/97, de 3 de Abril, que no âmbito da competição desportiva profissional, a “sociedade desportiva”, quer resulte da transformação de um clube desportivo que nela participe, quer resulte da profissionalização jurídica da equipa “representa ou sucede ao clube que lhe deu origem.” Esta sucessão legal vale não só para o quadro competitivo como também para o conjunto das relações jurídicas, – direitos e obrigações da responsabilidade do clube. O art. 2º da referida Lei, define sociedade desportiva – “Para efeitos do presente diploma, entende-se por sociedade desportiva a pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação numa modalidade, em competições desportivas de carácter profissional, salvo no caso das sociedades constituídas ao abrigo do artigo 10.° a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade.”. A SAD pode resultar da transformação de um clube desportivo que participe ou pretenda participar em competições profissionais, sendo que essa opção é irreversível, ao ponto de não poder retornar a participar nas competições desportivas de carácter profissional como decorre dos arts. 3º a) e 4º do mencionado diploma. Exponenciando esta indissociável ligação dos clubes às SAD’s em que se transformaram, os arts. 6º, nº2, 12º, nº3, e 12º, nº1, al. a) estabelecem a menção obrigatória do clube na firma da SAD; que as acções são nominativas (art. 12º, nº 3), sendo as acções do Clube privilegiadas (art. 12º, nº 1, a), assim como a participação mínima do clube no capital da SAD, art. 30º,nº1, tal como o facto de a transferência de activos do Clube-SAD nunca poder ser inferior à transferência de passivos – art. 32º,nº3. Quando tenha lugar a extinção da sociedade desportiva, as instalações desportivas são atribuídas ao clube desportivo fundador – art. 34º. Assim sendo, pese embora a SAD ser uma sociedade anónima, o seu escopo e o seu processo de formação a partir de clubes desportivos que são meras associações de direito privado conferem ao ente uma especial conformação não sendo dissociáveis o Clube e SAD; de outro modo, como se compreenderiam aqueles aspectos essenciais dos requisitos das SAD – mormente, a menção obrigatória do nome do Clube, a irreversibilidade da opção de constituição do clube em SAD sob pena do Clube não poder participar em competições desportivas de carácter profissional, e o facto de as acções do clube no capital da SAD serem privilegiadas. Fica assim claro que não pode vingar o argumento das recorrentes que são entidades distintas, tout court, no que respeita à responsabilidade contratual assumida perante o Autor. O Acordo que as Rés celebraram com o Autor foi violado pelo livro escrito pelo jogador DD, “M...-L... D...”? A resposta passa por saber se o jogador, vinculado à SAD ao tempo da publicação da obra, é um “colaborador” das Rés. Já vimos que não procede a argumentação que pretende dissociar o Clube da SAD. Não é ousado afirmar que o Autor, tendo rescindido o contrato que o ligava às Rés, quis salvaguardar (talvez por algum conhecimento da situação então envolvente o impelir a isso) que o seu bom-nome e prestígio, enquanto médico e Director Clínico das Rés (mais recentemente da SAD), não fossem publicamente postos em causa por quem quer que fosse ligado àquelas entidades. Ora, sem dúvida, que sendo desde há vários anos o responsável médico pelo tratamento e assistência médica aos jogadores do Clube e da SAD, o aspecto essencial de onde poderiam vir ataques ao seu desempenho profissional seria daqueles que foram seus pacientes por lesões, como sejam os futebolistas, cuja responsabilidade médica era seu encargo profissional enquanto chefe do departamento médico. Daí que na fulcral Cláusula 3ª que alumia o leitmotiv do acordo ficasse a constar: “Os Primeiros Contratantes [ora RR.] declaram que o Segundo Contratante [o Autor] sempre exerceu com total lealdade; empenho e competência profissional as suas funções de Director dos Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol”. (destaque e sublinhados nossos) As partes, na Cláusula 4º, nºs 1 e 2, comprometeram-se, expressamente, a que os seus colaboradores deviam adoptar o seguinte procedimento: “Não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte, ou por terceiros. As Rés obrigam-se a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, aquela “obrigação”. Em caso de violação, da obrigação assumida as partes fixaram a, título de indemnização, uma cláusula penal no valor de € 200.000,00”. Um jogador de futebol profissional como DD pode ser considerado colaborador no sentido querido pelas partes no texto que subscreveram? Será que foi tido em mente pelas partes incluir como possíveis “infractores” daquele acordo os jogadores de futebol, sobretudo, aqueles que foram tratados pelo Autor? Resulta inequívoco dos factos provados que o Autor tratou e foi responsável pela assistência médica prestada ao escritor futebolista DD como claramente resulta de passagens do livro. Basta atentar que na obra consta: “O médico do B...falhou, não foi competente. Enganou todo o mundo, incluindo os dirigentes, omitindo sempre o que na realidade estava a fazer"; "E devia saber o que estava a fazer porque é suposto os médicos perceberem de medicina"; "Naquela altura eu deveria parar, em definitivo, para me tratar. Mas o doutor dizia que era o menisco, que faltava músculo, que se resolvia. Ele nunca contou a verdade. (...) Só contavam mentiras aos b.... Eu tinha que ter parado!"… "O líquido foi extraído e o doutor AA injectou-me de seguida outro líquido no joelho, que eu não sabia o que era mas que me aliviou as dores, e de que maneira"; " (…) acho que se chamava D.... (o líquido)"… "O doutor voltava a tirar líquido e a infiltrar o tal medicamento. Foi assim durante toda a semana"; "Só ele lhe mexia (no joelho)" … "Durante todo este processo só o doutor AA me mexeu no joelho"… "O meu joelho estava sem protecção interior devido às inúmeras infiltrações a que tinha sido sujeito". É iniludível que o autor do livro se refere ao Autor a quem acusa de ter falhado e de ser incompetente, considerando que houve uma errada apreciação médica. No que concerne à interpretação da declaração negocial, rege o art. 236º do Código Civil que dispõe: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. Deve enjeitar-se o entendimento que se apegue, somente, à estrita literalidade do texto – “quantum verba sonant” – menorizando a real pretensão das partes e os fins económicos que com o contrato visavam. Porque a pesquisa do sentido verdadeiramente querido pelas partes nem sempre é fácil, importa, entre outros factores, que a ponderação e equilíbrio dos interesses em causa sejam sopesados. “Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, “a vontade real do declarante”, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (...)”. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.1.1997, in CJSTJ, 1997, I, 47, inter alia.
O devedor que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal. |