Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4922/07.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CLUBE DE FUTEBOL
SOCIEDADE ANÓNIMA DESPORTIVA (SAD)
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
RESCISÃO DE CONTRATO
ACORDO
DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CLÁUSULA PENAL
EXCESSO
REDUÇÃO
do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL
Doutrina: - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 5ª edição, vol. II, pág.137.
- Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 274.
- Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, edição de 1995, págs. 366,367 e 368.
- Coelho da Rocha, in “Instituições”, §110 (1, 63-64).
- Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações” – 6ª edição, págs. 445 e 448.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª ed., págs. 466, 572, 573 e 574.
- José Manuel Meirim, in “Regime Jurídico das Sociedades Desportivas – Anotado.
- J. Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 pág. 247.
- Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77].
- Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”, 1996, pág. 97.
- Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, pág. 208.
- Pedro Pais de Vasconcelos, in “Direito de Personalidade”. -Almedina 2006 – pág. 76.
- Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005, págs.38 e segs..
- Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização” - Colecção Teses – Almedina, págs. 743 e 744/755.
- Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil.
- Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-304.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, Nº1, 236.º, Nº2, 484.º, 810.º, Nº1, 811.º, 812.º, NºS 1 E 2
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 26.º, Nº1, 33.º
DL N.º 67/97, DE 3 DE ABRIL (ALTERADO PELA LEI N.º 107/97, DE 16 DE SETEMBRO E PELO DL N.º 303/99, DE 6 DE AGOSTO):- ARTIGOS 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, Nº2, 12.º, NºS 1 AL. A) E 3, 29.º, 30.º, N.º1, 32.º, Nº3, 33.º, 34.º, 37.º, Nº1
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14.1.1997, IN CJSTJ, 1997, I, 47;
-DE 17.2.1998, BMJ 474-457.
Sumário : I) - Pese embora as “SAD” serem sociedades anónimas, o seu escopo e o seu processo de formação, a partir de Clubes desportivos, que são meras associações de direito privado, conferem ao novo ente uma especial conformação, não sendo dissociáveis o Clube e a SAD; de outro modo, não se compreenderiam aspectos essenciais dos requisitos das SAD, mormente, a menção obrigatória do nome do Clube, a irreversibilidade da opção de constituição do clube em SAD, sob pena de não poder participar em competições desportivas de carácter profissional e o facto de as acções do clube no capital da SAD serem privilegiadas.

II) Se o Autor e Rés, Clube Desportivo e SAD, acordaram, extrajudicialmente, no contexto da rescisão de um contrato de prestação de serviço, que aquelas entidades se empenhariam em evitar que colaboradores seus, publicamente, fizessem afirmações que pusessem em causa a honorabilidade e a competência profissional do Autor, esse acordo é violado se um jogador de futebol profissional, ao serviço daquelas entidades, devendo ser considerado colaborador das Rés, publica um livro com a concordância do responsável máximo do Clube e da SAD, onde põe em causa o bom nome e a competência profissional daquele.

III) A cláusula penal, livremente negociada, prevista para a violação daquele acordo tem cariz compensatório e um fim punitivo que só será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o infractor causar com a sua conduta e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir.

IV) O devedor, que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

V) Tendo em conta o intuito compulsório da cláusula penal e o interesse do lesado, bem como o dano efectivo num bem da personalidade, valor imaterial violado, e o elevado grau de culpa dos lesantes, com ampla difusão mediática de afirmações atentatórias da honra e profissionalismo do Autor, não se afigura excessiva, no circunstancialismo do caso, a convencionada cláusula penal de € 200.000,00.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça(1)


AA intentou, em 7.11.2007, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – com distribuição à 5ª Vara – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

BB-S... L.. e B..., e;

CC-S...L... e B... - Futebol, SAD.

Pedindo a sua condenação a pagarem-lhe € 200.000,00, montante da cláusula penal indemnizatória prevista no acordo que celebraram em 7.02.2003 e ainda a absterem-se de, através de responsáveis, agentes e colaboradores, emitirem publicamente quaisquer declarações ou contribuírem para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico, envolvendo o autor.

Alegou, em síntese, que:

- as partes, por acordo celebrado em 7.02.2003, puseram termo ao contrato de serviços médicos existente entre elas, tendo estabelecido uma cláusula mediante a qual ambas se comprometeram a não emitir publicamente quaisquer declarações e a não contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico do BB-S...L... e B..., com ressalva, para ambas as partes, do que fosse necessário para defender a imagem e o bom nome;

- para a violação de tal obrigação estipularam as partes, a título de indemnização, uma cláusula penal de € 200.000,00;

- o jogador DD fez publicar um livro em que relata a ocorrência e evolução de lesão grave por si sofrida, onde faz afirmações críticas relativamente à conduta do autor e sua competência profissional, de que deram eco os jornais e a televisão;

- no seu lançamento e apresentação estava presente EE, presidente dos réus, que proferiu declarações, perante a assistência de rádios e de televisões e veiculadas por jornais, insinuando que despedira o autor por causa da lesão de DD;

- as afirmações vertidas no livro e nas declarações referidas são ofensivas da sua imagem e bom-nome, violaram a citada cláusula contratual e prejudicaram-no na sua carreira profissional.

Houve contestação dos réus, pedindo a sua absolvição do pedido.

Na sequência de convite formulado pelo tribunal ao abrigo do disposto no art. 508º, nºs 1, b) e 3 do Código de Processo Civil, o autor apresentou petição inicial aperfeiçoada, tendo os réus impugnado os novos factos alegados.


***

Foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente:

a) Condenou a ré CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D. a pagar ao Autor a quantia de € 200.000,00, absolvendo-a do mais pedido;

b) Absolveu a Ré BB-S...L... e B... dos pedidos contra ela formulados.

***

Inconformados, apelaram o Autor e a Ré CC-S... L... e B...-Futebol, S. A. D., para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 6.7.2010 – fls. 411 a 434 –, julgou parcialmente procedente a apelação do Autor e improcedente a apelação da Ré, alterando a sentença apelada quanto à absolvição do Réu BB-S...L... e B..., que ficou condenado, solidariamente com a Ré CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D., a pagar ao autor a quantia de € 200.000,00.

No mais, manteve-se a sentença recorrida.

***

Inconformados, os RR. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1. Resulta do preâmbulo do D.L. n°67/97, de 3 de Abril (que aprovou e instituiu o regime das sociedades anónimas desportivas em Portugal), que – “As sociedades desportivas são um tipo novo de sociedades, regido subsidiariamente pelas regras gerais aplicáveis às sociedades anónimas, mas com algumas especificidades decorrentes das especiais exigências da actividade desportiva que constitui o seu principal objecto.”.

2. “Por outro lado, os clubes desportivos que participem em competições de natureza profissional e que não optem opor este novo figurino jurídico ficam, nos termos do presente diploma, sujeitos a um regime especial que visa, essencialmente, estabelecer regras mínimas que assegurem a indispensável transparência e rigor na sua gestão. De tal regime são de realçar o princípio da responsabilização pessoal dos executivos dos clubes por certos actos de gestão efectuados, a exigência de transparência contabilística, através da certificação das contas por um revisor oficial; a adopção obrigatória do plano oficial de contabilidade; e a prestação de garantias bancárias ou seguros de caução que respondam pelos actos praticados em prejuízo daqueles clubes.”.

3. Como se extrai do preâmbulo deste diploma a partir do momento em que o Clube criou de raiz a SAD, para a prática da actividade desportiva em que estejam inseridos ou se vão inserir, esta figura de sociedades anónimas desportivas passa a ser regida por este diploma e subsidiariamente pelo Código das Sociedades Comerciais.

4. Tal como as sociedades comerciais em geral (artigo 5º do CSC) nos termos do artigo 16°/1 do D.L. n° 67/97, de 3 de Abril, “As sociedades desportivas gozam de personalidade jurídica existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem...”.

5. A partir da sua criação, a SAD, uma vez constituída e o contrato de sociedade registado, ganha personalidade jurídica autónoma da do Clube.

6. Resulta do artigo 33° DL. nº 67/97, de 3 de Abril que “São obrigatoriamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos e os contratos de formação desportiva relativos a praticantes da modalidade profissional que constitui objecto da sociedade.”.

7. Desta forma, a realidade jurídica e, salvo o mais subido respeito, o correctamente legal é considerar que o Clube BB-S...L... e B... e a sociedade anónima desportiva CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D, são duas realidades jurídicas distintas e independentes.

8. Pelo que alegar como consta do douto Acórdão que “... apesar de ser através da SAD que a associação participa em competições desportivas de futebol de carácter profissional... é a imagem pública da associação que está presente perante aqueles que tomam contacto com a sua participação nessa modalidade, assistindo a jogos ou à sua transmissão ou seguindo as notícias sobre os mesmos na comunicação social”, bem como que “O clube “B...” — isto é a associação BB-S...L... e B... — actua através da SAD, pelo que atenta essa relação, são seus colaboradores por intermédio desta, os que com ela colaboram nesse âmbito e intervêm nas competições sob a imagem daquele” e que, portanto, “... o réu BB-S...L... e B... violou o dever consignado no ponto 2 da cláusula 4ª” mais não constitui do que criar uma ficção jurídica societária totalmente inadmissível e inaceitável do ponto de vista do direito português das sociedades comerciais.

9. Aceitar esta teoria era aceitar que a sociedade não representa uma individualidade autónoma, distinta da pessoa dos sócios, antes reduzindo a mesma à mera representação da pluralidade dos seus associados.

10. O património de uma pessoa colectiva considerado na sua globalidade, neste caso, por exemplo, os contratos dos jogadores são pertencentes à SAD e o modo em que participam nas competições de futebol em que estão inseridas, o modo como se relacionam com terceiros pertence à SAD — e só a ela — pelo que não pode todo este património reflectir-se no Clube BB-S...L... e B... e ser este responsabilizado, visto que a personalidade jurídica das sociedades comerciais é isso mesmo: uma individualidade jurídica própria, que não se confunde com a dos sócios, in casu com a do sócio fundador, o BB-S...L... e B....

11. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não pode querer confundir duas realidades que são do ponto de jurídico distintas, porquanto o jogador DD é trabalhador da SAD e não do Clube (veja-se o contrato de trabalho desportivo junto a fls. 116/117).
12. É a SAD que lhe paga o vencimento mensal e não o Clube.

13. É a SAD que tem o poder disciplinar sobre este e não o Clube.

14. É a SAD que realiza as receitas das vendas dos jogadores e que negoceia os respectivos contratos e não o Clube.

15. É a SAD que compra os jogadores e não o Clube.

16. É a SAD que negoceia o empréstimo de jogadores e não o Clube.

17. Nos termos do artigo 5°/1 do D.L. n° 67/97, de 3 de Abril às sociedades anónimas desportivas aplica-se subsidiariamente as normas que regulam as sociedades anónimas.

18. Como se sabe, nestas sociedades os sócios estão isentos de responsabilidade pessoal.

19. Não houve a violação por parte do Clube da segunda obrigação constante do acordo junto a fls. 31 a 34., dado que o jogador DD é um activo da SAD, pertence ao património desta.

20. Não é colaborador do BB-S...L... e B..., nem seu trabalhador com contrato de trabalho desportivo, não se podendo sequer extrapolar, como pretende o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que os jogadores da SAD são colaboradores do SLB só porque quando jogam as pessoas pensam que quem está a jogar é o Clube e não a sociedade anónima desportiva.

21. Pelo que não podia o Clube dar quaisquer ordens ao jogador DD no sentido de impedir que este escrevesse e publicasse o livro.

22. Por outro lado, também não se pode responsabilizar o Clube nos termos do n° 1 da cláusula 4ª, dado que o seu Presidente, EE, não emitiu publicamente, nesta qualidade, quaisquer declarações, nem contribuiu para a difusão de notícias relacionadas com o departamento médico do Clube.

23. Do elenco factual não resulta de todo provado que o prefácio do livro escrito pelo Sr. EE contenha alusões ao trabalho desenvolvido pelo Recorrido.

24. No prefácio não são emitidas publicamente quaisquer declarações sobre o Recorrido e nem se diga que contribuiu para a difusão de notícias sobre este, visto que o prefácio do livro mais não é do que um mero e sentido testemunho à vida cheia de provações e infortúnios como foi a do DD, nomeadamente, como futebolista da CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D.

25. Igualmente, não será certamente por ter escrito o prefácio que se pode dizer que o Sr. EE contribuiu para a difusão de notícias sobre o Recorrido.

26. Por outro lado e rigorosamente, não se pode afirmar que as declarações proferidas pelo Sr. EE foram emitidas enquanto Presidente do BB-S...L... e B....

27. Não pode o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa afirmar imperialmente que as declarações proferidas pelo Sr. EE, quando do lançamento do livro, foram-no enquanto Presidente do SLB, pois constitui uma mera e simples presunção sem qualquer segurança e rigor jurídicos.

28. Por outro lado, não se pode aceitar como uma verdade insofismável que o Sr. EE, quando tenha estado ao lado do DD no lançamento do livro, tenha sido na qualidade de Presidente do SLB ou da SAD.

29. Com efeito, a relação que se estabeleceu entre o EE e o DD, desde os tempos em que este jogava no FF-A... Futebol Clube, foi de pai e filho, pelo que nunca passaria pela cabeça daquele faltar ao lançamento do livro.

30. O DD é de facto empregado da Recorrente, CC-S... L... e B...- Futebol SAD.

31. Mas não foi nessa qualidade que escreveu o livro.

32. Para tal, basta apenas ler o livro e observar os comentários feitos pelo próprio DD no dia do lançamento da obra, na GG-F...de Almada.

33. Com efeito, é o próprio DD que peremptoriamente afirma que o livro “...representa toda a minha vida, o que passei, o que eu faço e vem tudo a dizer do DD, é a vida do DD... “, acrescentando que não é um desabafo mas antes “... um livro da história do DD, a vida do DD... é a vida do DD”.

34. O livro é apenas e tão só um relato biográfico da vida do DD e do seu percurso desde as suas raízes em África de infância até à idade adulta.

35. O livro não é um testemunho do DD jogador do CC-S... L... e B... — Futebol SAD, mas antes do DD homem.

36. Do qual, como é evidente, o percurso do DD como jogador da CC-S... L... e B... Futebol SAD tem que ser necessariamente abordado.

37. A obra mais não representa do que uma iniciativa privada do cidadão DD, perfeitamente legítima.

38. Seja o Clube, seja a SAD para quem o DD trabalha, não podem impedir que este, nas suas horas vagas decida escrever um relato biográfico da sua vida.

39.Tal não viola de todo o teor do acordo de revogação do contrato de trabalho, nem qualquer disposição laboral.

40. Pelo que a SAD não tinha quaisquer poderes para impedir o cidadão DD de escrever e publicar o referido livro, tinha apenas se este decidisse escrever o livro enquanto jogador da SAD.

41. Livro esse em que o assunto “AA” apenas consta de um capítulo.

42. Por outro lado e caso o vertido nos pontos supra não mereça acolhimento por parte de V. Exas., Venerandos Conselheiros, sempre se dirá que o DD não é um colaborador da SAD.

43. É sim um praticante desportivo profissional, com um contrato de trabalho desportivo, cuja entidade patronal é a Recorrente.

44. Dentro de uma estrutura empresarial são totalmente distintas as funções de um mero colaborador às de um empregado, com um contrato de trabalho subordinado.

45. Se a Recorrente e o Recorrido quisessem que a expressão “colaboradores” tivesse um alcance mais abrangente tê-la-iam empregue.

46. Ao usarem a expressão “colaboradores” as partes quiseram unicamente que o alcance de tal expressão se limitasse a estes e não a trabalhadores da Recorrente, pelo que não podia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fazer uma extrapolação que não tem a mínima correspondência com a vontade da Recorrente e do Recorrido.

47. Porém, caso se considere que um colaborador e um empregado da Recorrente são a mesma coisa, mesmo assim não podia a SAD obrigar o DD a não escrever e a não publicar o livro, por tal ser uma violação do seu direitos constitucionais de liberdade de expressão, previstos no artigo 37°, n°1 do Constituição da República Portuguesa.

48. Caso assim, não se julgue, deveria a cláusula penal ser reduzida equitativamente (cfr. artigo 812° do Código Civil), pelos motivos acima aduzidos, ou seja, o livro foi escrito pelo DD enquanto cidadão privado (e não como jogador da SAD b...), pelo que é livre de escrever sobre o que entender, bem como caso se julgue que o DD agiu na elaboração do livro como colaborador/funcionário da SAD não podia a Recorrente impor qualquer reserva àquele por tal configurar uma violação do direito de livre expressão, constitucionalmente consagrado (artigo 37°, n°1 da CRP).

49. Aliás e no que toca à redução equitativa da cláusula penal (caso apenas os Recorrentes não sejam absolvidos, o que apenas por mera hipótese se coloca), é preciso realçar que, quando da saída do Recorrido do departamento médico da SAD, foi negociada e concedida uma indemnização pecuniária no valor global de € 198.144,08, que é objectivamente bastante satisfatória.

50. Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de referir que as “notícias” foram integralmente criadas e manipuladas pelos jornalistas que tiram de contexto certos factos constantes do livro do DD, dando ênfase apenas a um pequeno capítulo do mesmo.

51. Basta aliás ouvir as gravações juntas aos autos, com os telejornais do dia do lançamento do livro, para verificar que o que foi publicado na imprensa escrita não tem qualquer correspondência com o que foi dito, constituindo apenas aquilo a que vulgarmente se chama de “critério jornalístico”, da única e responsabilidade do respectivo jornalista/autor.

52.Assim e com todo o respeito, não existe de todo nos autos matéria suficiente que alicerce a condenação dos Recorrentes no pagamento da cláusula penal, pelo que deverá a presente Revista ser concedida e consequentemente o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ser anulado e substituído por outro que absolva na íntegra o BB-S...L... e B... e a CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D, ou, caso assim, não se julgue, ser o quantum indemnizatório da cláusula penal reduzido equitativamente.

Ao assim não entender violou a douta decisão recorrida, por errada interpretação, o disposto nos artigos 5° e 6° do Código das Sociedades Comerciais, artigos 16° e 33° do DL n°67/97, de 3 de Abril, artigo 2°, al. a) da Lei n° 28/98, de 26 de Junho, artigos 9°/2 e 812°, do Código Civil e artigo 37°/1 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra, que declare que o livro foi escrito pelo DD na qualidade de cidadão, bem como não houve qualquer violação do acordo de revogação de contrato de trabalho junto a fls. , nomeadamente a cláusula 4ª do mesmo, absolvendo os Recorrentes do pedido ou caso assim não se julgue que reduza equitativamente o quantum da cláusula penal, pois só assim se fará a mais lídima Justiça.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:


1. O Autor nasceu no dia 17 de Janeiro de 1953 – (alínea h) dos factos assentes);

2. O Autor é médico de profissão, inscrito na Ordem dos Médicos sob o n.°... e exerce a actividade desde 1978 – (alínea a) dos factos assentes);

3. No período de 1981 a 1987 o Autor integrou o departamento Clínico/Médico do BB-S...L... e B..., como médico na área da medicina desportiva – (alínea b) dos factos assentes);

4. A partir de Julho de 1987 passou a ser Director Coordenador do Departamento Clínico/Médico do Futebol Profissional e desde 30.07.2001 acumulou tal cargo com a função de Director Clínico do clube – (alíneas c) e d) dos factos assentes);

5. Os serviços prestados pelo Autor aos RR. consistiam na prestação de apoio médico, com prevenção, profilaxia e tratamento dos jogadores, de modo não exclusivo – (alínea al.) dos factos assentes);

6. E também no acompanhamento das equipas do clube nos jogos que faziam, quer no país, quer no estrangeiro, durante a semana ou ao fim-de-semana – (alínea am) dos factos assentes);

7. Ainda na coordenação e direcção do Departamento Clínico do Futebol Profissional – (alínea an) dos factos assentes);

8. E na coordenação e direcção do Departamento Clínico do BB-S...L... e B... desde Agosto de 2001 – (alínea ao) dos factos assentes);

9. Tal como no reporte à Direcção e à Administração dos RR. da situação do Departamento, em geral, e dos jogadores, em particular – (alínea ap) dos factos assentes);

10. O Autor exerceu tais funções até 07.02.2003 – (alínea e) dos factos assentes);

11. Quando cessou o relacionamento profissional entre o Autor e os RR. estes fizeram constar do acordo respectivo que o Autor “ (…) sempre exerceu com total lealdade, empenho e competência profissional as suas funções de Director do Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol (...)"(alínea f) dos factos assentes);

12. E no comunicado à imprensa de Fevereiro de 2003 mencionaram os RR.: "O BB-S...L... e B... e o CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D reconhecem o profissionalismo, a competência e a dedicação com que o Dr. AA sempre desempenhou as suas funções ao serviço do Clube como responsável médico do Departamento Clínico de Futebol Profissional" – (alínea g) dos factos assentes);

13. Em 07.02.2003 Autor e RR. subscreveram o documento junto por cópia a fls. 31 a 34, pelo qual fizeram cessar o relacionamento profissional entre eles estabelecido, mediante compensação pecuniária a pagar pelos RR. ao Autor – (alínea h) dos factos assentes);

14. Tal deveu-se à circunstância de os RR, pretenderem que a coordenação do Departamento Clínico do Futebol Profissional ficasse entregue a um profissional em regime de exclusividade e ao desejo do Autor de se dedicar ao desenvolvimento da sua carreira hospitalar – (alínea i) dos factos assentes);

15. Nos termos do ponto 1) da cláusula 4ª desse documento as partes obrigaram-se a “Não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte ou por terceiros.” - (alínea j) dos factos assentes);

16. De acordo com o ponto 2) da mesma cláusula os RR. obrigaram-se “a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, a obrigação referida no número anterior.” - (alínea 1) dos factos assentes);

17. Nos termos do ponto 3 da cláusula 4ª estipularam as partes que: “em caso de violação, por qualquer das partes, da obrigação assumida no nº1, fixam a título de indemnização, uma cláusula penal no valor de € 200.000,00” – (alínea m) dos factos assentes);
18. Desde o ano de 2002 até à presente data, sem interrupções, o Presidente do Conselho de Administração da Ré “CC-S... L... e B... - Futebol SAD” é EE – (alínea n) dos factos assentes);

19. EE é, desde 2003 e até à presente data, sem interrupções, Presidente do clube “BB-S...L... e B...” – (alínea o) dos factos assentes);

20. A 01.02.2005, o “CC-S...L... e B... - Futebol SAD”, celebrou com DD, também conhecido por DD “M...”, o denominado contrato de trabalho desportivo junto por cópia a fls. 116/117 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo por objecto a prestação, pelo segundo à primeira, da actividade profissional de futebolista, durante as épocas desportivas de 2006/2007 a 2010/2011 – (alínea ai) dos factos assentes);

21. Em 03.11.2003, em entrevista ao jornal 24 Horas, o jogador DD, dirigindo-se ao Autor, proferiu as expressões “Nunca lhe vou perdoar. Espero que ele não faça a ninguém o que me fez a mim” e “Quase perdi a minha carreira por causa desse senhor”(resposta ao quesito 13°);

22. A 04.07.2005, o “CC-S... L... e B... - Futebol SAD”, celebrou com HH, também conhecido por HH “G...”, o denominado contrato de trabalho desportivo junto por cópia a fls. 118/119 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo por objecto a prestação, pelo segundo à primeira, da actividade profissional de futebolista, durante as épocas desportivas de 2006/2007 a 2008/2009 – (alínea aj) dos factos assentes);

23. Em 30 de Julho de 2007 foi lançado o livro intitulado “M... - L... D..." – (alínea p) dos factos assentes);

24. O livro identificado em 23. é caracterizado como uma biografia do jogador DD “M...” e foi escrito em parceria por DD "M..." (que descreveu e deu conta de factos e situações) e por II (que redigiu os textos) – (resposta ao quesito 6°);

25. II escreveu o que DD "M..." lhe disse e pôs em linguagem escrita o que DD "M..." contou – (resposta ao quesito 8º);

26. Os textos são redigidos como correspondendo ao depoimento de DD "M...", usando-se a primeira pessoa do singular e um tom coloquial – (resposta ao quesito 7°);

27. A publicação do livro e o respectivo lançamento público eram do prévio conhecimento dos RR. - (resposta ao quesito 12°);

28. Consta da página 176 desse livro, a propósito de uma lesão sofrida por DD "M..." no joelho direito e respectiva evolução:

"O médico do B...falhou, não foi competente. Enganou todo o mundo, incluindo os dirigentes, omitindo sempre o que na realidade estava a fazer"; "E devia saber o que estava a fazer porque é suposto os médicos perceberem de medicina"; "Naquela altura eu deveria parar, em definitivo, para me tratar. Mas o doutor dizia que era o menisco, que faltava músculo, que se resolvia. Ele nunca contou a verdade. (...) Só contavam mentiras aos benfiquistas. Eu tinha que ter parado!" – (alínea r) dos factos assentes);

29. E na página 173 consta: "O líquido foi extraído e o doutor AA injectou-me de seguida outro líquido no joelho, que eu não sabia o que era mas que me aliviou as dores, e de que maneira"; " (…) acho que se chamava D.... (o líquido)"(alínea s) dos factos assentes);

30. Na página 174 consta: "O doutor voltava a tirar líquido e a infiltrar o tal medicamento. Foi assim durante toda a semana"; "Só ele (doutor AA) lhe mexia (no joelho)"(alínea t) dos factos assentes);

31. Na página 175 escreve-se: "Durante todo este processo só o doutor AA me mexeu no joelho" – (alínea u) dos factos assentes);

32. Na página 181 refere-se: "O meu joelho estava sem protecção interior devido às inúmeras infiltrações a que tinha sido sujeito"(alínea v) dos factos assentes);

33. EE, na parte introdutória do livro, escreveu o texto denominado "Testemunho", cujo teor consta do documento junto a fls. 49/50, que subscreveu na qualidade de Presidente do BB-S...L... e B... – (alínea ae) dos factos assentes);

34. A sessão de lançamento do livro teve cobertura da imprensa e das televisões – (alínea q) dos factos assentes);

35. No lançamento do livro encontrava-se presente, sentado ao lado de II e de DD "M...", o Presidente dos RR. EE – (alínea ac) dos factos assentes);

36. Encontrava-se também presente, ao lado direito de DD "M...", o jogador dos RR. HH "G..." – (alínea ad) dos factos assentes);

37. No dia do lançamento do livro, perante televisões, EE proferiu declarações afirmando: "Alguém um dia fez algo que não devia ter cometido" e "Tomei a decisão certa, mas infelizmente já fui tarde"(resposta ao quesito 10°);

38. Por ocasião do lançamento do livro, EE foi solicitado para entrevistas pelos jornalistas presentes, assumindo o cargo de Presidente do BB-S...L... e B... – (resposta ao quesito 11°);

39. O jornal “A B...” de 30.07.2007 escreveu em caixa “Livro polémico" "Estava a ser transformado num quase deficiente". "M... acusa médico" – (alínea x) dos factos assentes);

40. O jornal "R..." do mesmo dia, em caixa, escreveu: "Médico do B...falhou e não foi competente" (alínea z) dos factos assentes);

41. O jornal “O J...” de 31.07.2007 salientou em caixa: "O principal visado no livro de DD é o médico AA" – (alínea aa) dos factos assentes);

42. O jornal "C... da M..." de 31.07.2007 publicou o seguinte: "Avançado angolano diz que o ex - clínico do B...enganou todo o mundo"; "Estava aleijado, era quase um deficiente, era um coxo"; "O médico não foi competente" – (alínea ab) dos factos assentes);

43. O jornal “C... da M...”, na sua edição de 31.07.2007, publicou, atribuindo-as a EE por ocasião da apresentação do livro, as seguintes declarações: "Alguém desviou (DD) de uma trajectória ao nível dos melhores" e "Quando me apercebi do sucedido, tomei a decisão certa (despediu AA) mas já era tarde" – (alínea af) dos factos assentes);

44. O jornal "O J...", na edição de 31.07.2007, publicou a seguinte declaração, que atribuiu a EE na apresentação do livro: "Tomei a decisão certa, embora tardia (despedimento de AA)" (alínea ag) dos factos assentes);

45. O relevo dado pelos diversos telejornais ao livro "M...-L... D..." abrangeu afirmações que visavam o Autor – (resposta ao quesito 9°);

46. Com a publicação do livro e a sua ampla divulgação nos meios de comunicação social o Autor sentiu-se envergonhado perante os seus familiares e amigos – (resposta ao quesito 18º);

47. Tal como perante os seus doentes e colegas de profissão, alguns dos quais se convenceram de que tinha havido má prática ou erro profissional do Autor – (resposta aos quesitos 19° e 20°);

48. Devido à publicação e divulgação do livro o A. sentiu-se injustiçado e revoltado em virtude de ter perpassado para a opinião pública, e sobretudo para o adeptos do B..., a ideia de que tinha sido incompetente nas suas funções de médico – (resposta ao quesito 21º);

49. O que causou ao Autor, no seu quotidiano, ansiedade e momentos de depressão – (resposta ao quesito 22º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se a decisão recorrida deve ser revogada, já que o jogador de futebol DD – autor de um livro em que alegadamente punha em causa o bom-nome profissional do Autor enquanto médico – não era um colaborador das Rés;

- se, havendo condenação, apenas deve ser condenada a 2ª Ré – CC-“S... L... e B...-Futebol. S.AD.”, (que doravante designaremos por SAD), por ser entidade distinta do 1º Réu BB-S...L... e B... e ser com ela que o jogador DD tinha um vínculo contratual como jogador de futebol;

- se a condenação das Rés, porque relacionada com o conteúdo e autoria do livro escrito por DD, viola o art. 37º, nº1, da Constituição da República (liberdade de informação);

- se em caso de condenação deve ser reduzida a cláusula penal acordada entre o Autor e as RR.

Vejamos:

O Autor demandou os RR., alegando que, com o conteúdo do livro da autoria de DD “M...-L... D...”, mormente, quando o escritor se refere à actuação do demandante no que se reporta à sua prestação às RR. enquanto médico e chefe do departamento clínico, no que respeita às orientações médicas e tratamento da lesão sofrida, viola o seu bom-nome e honra pessoal e profissional, e consequentemente, o contrato que foi celebrado entre ele e as RR. que se comprometeram a que os seus colaboradores não fizessem afirmações que pusessem em causa a qualidade dos serviços médicos da responsabilidade do Autor, tendo sido estabelecida, em caso de violação desse acordo por qualquer colaborador das Rés, uma cláusula penal.

Considerando que as afirmações proferidas pelo jogador DD, nesse livro, infringiram aquele acordo e que o autor do livro é “colaborador” das RR., o recorrido intentou a correspondente acção, alegando violação do acordo e reclamando a indemnização (cláusula penal) de € 200.000,00.

A Relação considerou, solidariamente, as RR., revogando em parte a decisão da 1ª instância que apenas condenara a Ré SAD, condenando, agora, ambas as RR.

Como consta provado – ut. documento de fls.31 a 34 – no dia 7.2.2003, entre o Autor e as RR. foi celebrado um acordo de rescisão do contrato de prestação de serviços profissionais de médico de medicina desportiva, que tinha sido celebrado em 1981 com o SLB.

Como compensação pecuniária de natureza global pela cessação referida no número anterior, os ora RR. aceitaram pagar ao Autor a quantia de € 198.044,00.

Na Cláusula 3ª ficou a constar – “Os Primeiros Contratantes [ora RR.] declaram que o Segundo Contratante [o Autor] sempre exerceu com total lealdade, empenho e competência profissional as suas funções de Director dos Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol”.

Na Clausula 4ª – consta:

1. As partes contratantes obrigam-se a não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de noticias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte, ou por terceiros.
2. As Primeiras Contratantes obrigam-se a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, a obrigação referida no número anterior.
3. Em caso de violação, por partes, da obrigação assumida no n°l, as parte desde já fixam a, título de indemnização, uma cláusula penal no valor de Euros 200.000”.

Os 1ºs Contraentes foram, inequivocamente, o BB-S...L... e B..., e a Sport Lisboa e B...-Futebol, SAD, ambos com sede no Estádio do BB-S...L... e B..., A... G...N... de M... -1... Lisboa.

Os recorrentes colocam em causa a sua condenação, sustentando que, ao aludirem a “colaboradores”, não se pode considerar nesse conceito um jogador de futebol contratado pela SAD; que a SAD e o clube são entidades distintas, pelo que a admitir-se a condenação o BB-S... não deverá ser condenado.

Não obstante esta consideração dicotómica Clube/SAD o certo é que ambas as entidades se obrigaram nos termos constantes da cláusula 4ª, nº2, a fazê-lo cumprir pelos seus colaboradores o que implicava por parte destes uma actuação omissiva consubstanciada na não emissão publicamente de quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B... que foi chefiado pelo Autor.

Será que existe nos termos pretendidos pelas recorrentes uma dissociação jurídica entre o Clube e a SAD?

Como é sabido, o futebol é um fenómeno de massas, agora uma indústria que pelo menos ao nível dos emblemas mais conhecidos, além de suscitar emoções a que não escapam os vários sectores das sociedade, movimentam cifras tidas por inimagináveis há mais de duas dezenas de anos(2), tendo uma dinâmica peculiar que muitas vezes acobertou práticas desleais, seja ao nível desportivo, seja ao nível fiscal-económico, a que se entendeu pôr cobro, fazendo evoluir os clubes, de meras associações sem fins lucrativos (associações), para um tipo peculiar de sociedades com vista a introduzir transparência, profissionalismo na gestão e responsabilização dos dirigentes. Foi neste ambiente que surgiram as sociedades anónimas desportivas, vulgo, SAD.

As SAD`s foram criadas em Espanha, através da Lei 10/1990, de 15 de Outubro, como sociedades anónimas desportivas, um tipo especial de sociedade anónima

A Lei 10/1990, de 15 de Outubro, no seu preâmbulo alude à necessidade de dotar desta nova figura societária de especificidade própria:

“ (...) Em um primeiro nível, a Lei propõe um novo modelo de associativismo desportivo que persegue, por um lado o favorecer o associativismo desportivo de base, e por outro, estabelecer um modelo de responsabilidade jurídica e económica para os clubes que desenvolvem actividades de carácter profissional. O primeiro pretende-se conseguir mediante a criação de clubes desportivos elementares, de constituição simplificada. O segundo, mediante a conversão dos clubes profissionais em Sociedades Anónimas Desportivas, ou a criação de tais sociedades para as equipas profissionais da modalidade desportiva que corresponda, nova forma jurídica que, inspirada no regime geral das sociedades anónimas, incorpora determinadas especificidades para adaptar ao mundo do desporto. (...)”.

Em Portugal as SAD foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 67/97 de 3 de Abril (alterado pela Lei n.º 107/97, de 16 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de Agosto).

No preâmbulo desse diploma pode ler-se:

“A Lei de Bases do Sistema Desportivo – Lei n.°1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.°19/96, de 25 de Junho – veio estabelecer que os clubes desportivos profissionais poderiam optar por assumir o estatuto de sociedade desportiva ou por manter o seu actual estatuto de pessoa colectivas sem fins lucrativos, ficando, neste último caso, sujeitos a um regime especial de gestão…Nesta medida e em consonância com o disposto na Lei n.°19/96, de 25 de Junho, importa rever aquele regime jurídico, concedendo àquelas sociedades os instrumentos necessários para que venham a constituir, no futuro, um importante elemento dinamizador do desporto profissional em Portugal.
As sociedades desportivas são um tipo novo de sociedades, regido subsidiariamente pelas regras gerais aplicáveis às sociedades anónimas, mas com algumas especificidades decorrentes das especiais exigências da actividade desportiva que constitui o seu principal objecto.
De entre tais especificidades são de realçar as referentes ao capital social mínimo e à sua forma de realização; ao sistema especial de fidelização da sociedade ao clube desportivo fundador, através, designadamente, da atribuição de direitos especiais às acções tituladas pelo clube fundador, a possibilidade de as Regiões Autónomas, os municípios e as associações de municípios poderem subscrever até 50% do capital das sociedades sediadas na sua área de jurisdição; e o estabelecimento de regras especiais para a transmissão do património do clube fundador para a sociedade desportiva.” – destaque e sublinhados nossos.

Tais sociedades têm que assumir, “ope legis”, a forma de sociedades anónimas e ter por objecto a participação numa modalidade desportiva de carácter profissional. Visam a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade – art. 2º do citado diploma.

Nos termos do art. 3º, podem resultar da transformação de um clube desportivo que participe, ou pretenda participar em competições desportivas profissionais – a); da personalização jurídica das equipas que participem ou pretendam participar em competições desportivas profissionais – b); ou da criação de raiz, que não resulte da transformação ou da personalização jurídica de equipas – c).

O Dr. José Manuel Meirim, in “Regime Jurídico das Sociedades Desportivas – Anotado”, em comentário ao art.3º do citado normativo, escreveu:

“Que diferença substancial existe entre as vias propostas nas alíneas a) e b)?
Na primeira situação, como que deixa de haver o “clube desportivo”, surgindo em seu lugar uma sociedade desportiva; no fundo, tudo se passa como se adquirisse um novo "vestido" para a mesma pessoa.
O clube desportivo deixa de existir como tal, transformando-se numa pessoa colectiva integrada em diversa categoria jurídica. Não obstante, a sociedade despor­tiva mantém todas as relações jurídicas de que era titular o clube desportivo.
No segundo caso, o da "personalização jurídica" da equipa, passamos a contar com duas realidades verdadeiramente distintas: o clube desportivo, que se mantém na sua individualidade, e a nova sociedade desportiva centrada na gestão da participação em competição desportiva profissional.
No primeiro caso, temos apenas uma pessoa jurídica, um centro de direitos e obrigações; no outro caso, deparamo-nos com dois entes autónomos, a ambos sendo possível imputar um núcleo de direitos e obrigações.
Se o clube desportivo optar pela sua “transformação total” em sociedade desportiva, o passado económico e financeiro, positivo ou negativo, transfere-se por inteiro para a nova sociedade desportiva.
Como afirmámos, trata-se apenas de uma mudança de vestuário.
Nada mais. […]”. (destaque e sublinhados nossos)

A citação é clara acerca do regime e consequências da opção por um dos três modelos de constituição de sociedades desportivas.

Daí que não possa ser afastado o regime cogente do art. 33º do citado DL, que consigna:

São obrigatoriamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos e os contratos da formação desportiva relativos a praticantes da modalidade profissional que constitui objecto da sociedade.”

O SLB, antes de se ter constituído em SAD, tinha direitos e obrigações assumidas com jogadores e treinadores de futebol que, logicamente, que por imposição legal, foram transferidos para a nova entidade; as obrigações emergentes de contratos celebrados com o clube desportivo, agora transformado em sociedade anónima, são encargo desta, sob pena de se considerar que as SAD são indiferentes aos clubes desportivos de onde promanam, colhendo as vantagens de lhes sucederem nos “direitos desportivos” propriamente ditos, mas não suportando as desvantagens de terem de se responsabilizar pelos compromissos contratuais ou fiscais existentes.

Resulta do art. 29º do DL 67/97, de 3 de Abril, que no âmbito da competição desportiva profissional, a “sociedade desportiva”, quer resulte da transformação de um clube desportivo que nela participe, quer resulte da profissionalização jurídica da equipa “representa ou sucede ao clube que lhe deu origem.”

Esta sucessão legal vale não só para o quadro competitivo como também para o conjunto das relações jurídicas, – direitos e obrigações da responsabilidade do clube.

O art. 2º da referida Lei, define sociedade desportiva – “Para efeitos do presente diploma, entende-se por sociedade desportiva a pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação numa modalidade, em competições desportivas de carácter profissional, salvo no caso das sociedades constituídas ao abrigo do artigo 10.° a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade.”.

A SAD pode resultar da transformação de um clube desportivo que participe ou pretenda participar em competições profissionais, sendo que essa opção é irreversível, ao ponto de não poder retornar a participar nas competições desportivas de carácter profissional como decorre dos arts. 3º a) e 4º do mencionado diploma.

Exponenciando esta indissociável ligação dos clubes às SAD’s em que se transformaram, os arts. 6º, nº2, 12º, nº3, e 12º, nº1, al. a) estabelecem a menção obrigatória do clube na firma da SAD; que as acções são nominativas (art. 12º, nº 3), sendo as acções do Clube privilegiadas (art. 12º, nº 1, a), assim como a participação mínima do clube no capital da SAD, art. 30º,nº1, tal como o facto de a transferência de activos do Clube-SAD nunca poder ser inferior à transferência de passivos – art. 32º,nº3. Quando tenha lugar a extinção da sociedade desportiva, as instalações desportivas são atribuídas ao clube desportivo fundador – art. 34º.

Assim sendo, pese embora a SAD ser uma sociedade anónima, o seu escopo e o seu processo de formação a partir de clubes desportivos que são meras associações de direito privado conferem ao ente uma especial conformação não sendo dissociáveis o Clube e SAD; de outro modo, como se compreenderiam aqueles aspectos essenciais dos requisitos das SAD – mormente, a menção obrigatória do nome do Clube, a irreversibilidade da opção de constituição do clube em SAD sob pena do Clube não poder participar em competições desportivas de carácter profissional, e o facto de as acções do clube no capital da SAD serem privilegiadas.

Fica assim claro que não pode vingar o argumento das recorrentes que são entidades distintas, tout court, no que respeita à responsabilidade contratual assumida perante o Autor.

O Acordo que as Rés celebraram com o Autor foi violado pelo livro escrito pelo jogador DD, “M...-L... D...”?

A resposta passa por saber se o jogador, vinculado à SAD ao tempo da publicação da obra, é um “colaborador” das Rés.

Já vimos que não procede a argumentação que pretende dissociar o Clube da SAD.

Não é ousado afirmar que o Autor, tendo rescindido o contrato que o ligava às Rés, quis salvaguardar (talvez por algum conhecimento da situação então envolvente o impelir a isso) que o seu bom-nome e prestígio, enquanto médico e Director Clínico das Rés (mais recentemente da SAD), não fossem publicamente postos em causa por quem quer que fosse ligado àquelas entidades.

Ora, sem dúvida, que sendo desde há vários anos o responsável médico pelo tratamento e assistência médica aos jogadores do Clube e da SAD, o aspecto essencial de onde poderiam vir ataques ao seu desempenho profissional seria daqueles que foram seus pacientes por lesões, como sejam os futebolistas, cuja responsabilidade médica era seu encargo profissional enquanto chefe do departamento médico.

Daí que na fulcral Cláusula 3ª que alumia o leitmotiv do acordo ficasse a constar:

“Os Primeiros Contratantes [ora RR.] declaram que o Segundo Contratante [o Autor] sempre exerceu com total lealdade; empenho e competência profissional as suas funções de Director dos Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol”. (destaque e sublinhados nossos)

As partes, na Cláusula 4º, nºs 1 e 2, comprometeram-se, expressamente, a que os seus colaboradores deviam adoptar o seguinte procedimento:
Não emitir publicamente quaisquer declarações ou contribuir para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom nome, caso seja posto em causa, pela outra parte, ou por terceiros.
As Rés obrigam-se a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, aquela “obrigação”.
Em caso de violação, da obrigação assumida as partes fixaram a, título de indemnização, uma cláusula penal no valor de € 200.000,00”.

Um jogador de futebol profissional como DD pode ser considerado colaborador no sentido querido pelas partes no texto que subscreveram?

Será que foi tido em mente pelas partes incluir como possíveis “infractores” daquele acordo os jogadores de futebol, sobretudo, aqueles que foram tratados pelo Autor?

Resulta inequívoco dos factos provados que o Autor tratou e foi responsável pela assistência médica prestada ao escritor futebolista DD como claramente resulta de passagens do livro.

Basta atentar que na obra consta:

O médico do B...falhou, não foi competente. Enganou todo o mundo, incluindo os dirigentes, omitindo sempre o que na realidade estava a fazer"; "E devia saber o que estava a fazer porque é suposto os médicos perceberem de medicina"; "Naquela altura eu deveria parar, em definitivo, para me tratar. Mas o doutor dizia que era o menisco, que faltava músculo, que se resolvia. Ele nunca contou a verdade. (...) Só contavam mentiras aos b.... Eu tinha que ter parado!"… "O líquido foi extraído e o doutor AA injectou-me de seguida outro líquido no joelho, que eu não sabia o que era mas que me aliviou as dores, e de que maneira"; " (…) acho que se chamava D.... (o líquido)"… "O doutor voltava a tirar líquido e a infiltrar o tal medicamento. Foi assim durante toda a semana"; "Só ele lhe mexia (no joelho)" … "Durante todo este processo só o doutor AA me mexeu no joelho"… "O meu joelho estava sem protecção interior devido às inúmeras infiltrações a que tinha sido sujeito".

É iniludível que o autor do livro se refere ao Autor a quem acusa de ter falhado e de ser incompetente, considerando que houve uma errada apreciação médica.

No que concerne à interpretação da declaração negocial, rege o art. 236º do Código Civil que dispõe:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Deve enjeitar-se o entendimento que se apegue, somente, à estrita literalidade do texto – “quantum verba sonant” – menorizando a real pretensão das partes e os fins económicos que com o contrato visavam.
Porque a pesquisa do sentido verdadeiramente querido pelas partes nem sempre é fácil, importa, entre outros factores, que a ponderação e equilíbrio dos interesses em causa sejam sopesados.

“Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, “a vontade real do declarante”, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (...)”. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.1.1997, in CJSTJ, 1997, I, 47, inter alia.


Já no antigo direito, Coelho da Rocha, in “Instituições”, §110 (1, 63-64) apontava os seguintes critérios para interpretação da vontade negocial:

“1º. Deve atender-se à mente ou verdadeira intenção do agente, a qual deve deduzir-se da linguagem, causa, circunstâncias e relações dos interessados.
2º- Deve procurar-se o sentido mais acomodado ao objecto de que se trata.
3º Quando a expressão seja incerta, deve atender-se de maneira que o acto não fique sem efeito.
4º Entende-se sempre que as partes se quiseram conformar com a disposição das leis.
5º A manifestação de vontade de renunciar ou ceder os seus direitos deve ser clara e positiva”.

Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil, ensinam:

“ [...] A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).
(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.
(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”

O declaratário normal deve ser uma pessoa com – Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” – Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 208.

O Professor Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, edição de 1995, pág. 366, discorda da posição dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, quando afirmam que o Código Civil consagra uma doutrina objectivista da interpretação, sustentando que o sentido a que o preceito alude “é o sentido pretendido”.
Somente vale aquilo que, como sentido pretendido, for dedutível pelo homem normal e médio “colocado na posição do real declaratário” – pág. 367.

Aí refere que a expressão “colocado na posição do real declaratário quer sobretudo dizer, dispondo dos elementos de interpretação de que o declarante dispôs”.

No Código Civil de 1867, o art. 84º fulminava com nulidade o contrato sempre que “...dos seus termos, natureza e circunstâncias, do uso, costume ou lei, se não possa depreender, qual fosse a intenção ou vontade dos contraentes sobre o objecto principal do mesmo contrato”.

O Professor Castro Mendes lamentava que tal norma não tivesse passado para o Código Civil vigente, concluindo por isso, que o actual Código Civil “ não quis enumerar os elementos de interpretação do negócio jurídico”, acrescentando – “são, portanto, todos aqueles que o declaratário dispuser.
É a letra do negócio e os elementos extra literais”. - obra citada, pág. 368.

O sentido da declaração negocial, plasmada num contrato não pode ser dissociado da função do negócio jurídico que as partes pretenderam celebrar e dos fins que através dele quiseram acautelar.

Se o Autor, enquanto médico, acorda com os seus interlocutores negociais, no acordo de rescisão do contrato de prestação de serviço que os vinculou, que aqueles assumem o compromisso de evitar que os seus colaboradores não emitiriam, publicamente, quaisquer declarações ou contribuiriam para a difusão de notícias relacionadas com o Departamento Médico do BB-S...L... e B..., exceptuando, para ambas as partes, o exercício do direito de defesa à imagem e bom-nome, caso fosse posto em causa, pela outra parte, ou por terceiros, obrigando-se a fazer cumprir, pelos seus colaboradores, aquela “obrigação” ambas os outorgantes conhecem a recíproca vontade real e assim é com esse sentido que a declaração plasmada naquele acordo deve valer – art. 236º, nº2, do Código Civil.

Mas, mesmo que haja de fazer apelo ao sentido daquela declaração tal como seria entendida por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário – o Autor – não podiam as Rés ignorar, atentas as circunstâncias que emolduraram o acordo de rescisão, que o Autor pretendia que as Rés, através dos seus dirigentes signatários daquele acordo, agissem no sentido de que os que trabalhavam para os entes BB-S... e CC-S...-Futebol, SAD – os seus colaboradores – se abstivessem de fazer publicamente comentários ou veiculassem mensagens que pusessem em causa o bom-nome e a imagem do departamento médico do BB-S... de que o Autor era o dirigente máximo.

Não pode admitir-se que, no contexto da declaração e, sobretudo, estando em causa a especificidade do acordo, reconhecendo as Rés a idoneidade profissional do Autor enquanto médico, se visava preservar no futuro, através da contratualizada omissão dos colaboradores das Rés, que estes se abstivessem de declarações públicas que, directa ou indirectamente, pusessem em causa o bom-nome do Autor, como médico.

Esse compromisso foi violado por DD, que repetimos, era colaborador das Rés, que no seu livro “M...-L... D...”, publicado em 30.6.2007, através das declarações que antes transcrevemos e outras, colocou em causa o bom nome do Autor ao tecer comentários que insinuam incompetência nos tratamentos que prescreveu e no modo como a lesão de que padecia foi tratada, afirmando, além do mais, “o médico do B...falhou, não foi competente. Enganou todo o mundo, incluindo os dirigentes, omitindo sempre o que na realidade estava a fazer"; "E devia saber o que estava a fazer porque é suposto os médicos perceberem de medicina”.

O compromisso de preservar o bom nome do Autor foi, também, violado pelo legal representante das Rés, EE, que desde o ano de 2002 até à presente data, sem interrupções, é Presidente do Conselho de Administração da Ré “CC-S... L... e B... - Futebol SAD” e, desde 2003 e até à presente data, sem interrupções, Presidente do Clube “BB-S...L... e B...”.

Sendo a publicação do livro do conhecimento prévio das Rés, tendo inclusivamente EE prefaciado o livro com um texto denominado “Testemunho” – fls. 49/50 – e que, no dia do lançamento do livro, perante televisões, EE proferiu declarações, afirmando: “Alguém um dia fez algo que não devia ter cometido” e “Tomei a decisão certa, mas infelizmente já fui tarde”, por ocasião do lançamento público do livro, é manifesto que, como representante e dirigente máximo daquelas entidades, violou o acordo de rescisão, suas Cláusula 1ª e 2ª.

Os jornais e os media deram ampla cobertura ao lançamento da publicação literária, à presença do seu autor e do Presidente das Rés, tanto mais que o tema que suscitou interesse, pese o autor do livro confessar o seu cariz autobiográfico, como cidadão comum – como se um futebolista sujeito à exposição mediática, seja lá pelos motivos por que for, seja um cidadão anónimo – aproveitando e publicitando apenas o que de relevante consideraram na obra – as declarações que visavam o Autor.

Assim, o jornal “A B...” de 30.07.2007 escreveu em caixa “Livro polémico" "Estava a ser transformado num quase deficiente". "DD acusa médico" – (alínea x) dos factos assentes);
O jornal "R..." do mesmo dia, em caixa, escreveu: "Médico do B... falhou e não foi competente" (alínea z) dos factos assentes);
O jornal “O J...” de 31.07.2007 salientou em caixa: "O principal visado no livro de DD é o médico AA" – (alínea aa) dos factos assentes);
O jornal "C... da M..." de 31.07.2007 publicou o seguinte: "Avançado angolano diz que o ex - clínico do B... enganou todo o mundo"; "Estava aleijado, era quase um deficiente, era um coxo"; "O médico não foi competente" – (alínea ab) dos factos assentes);
O jornal “C... da M...”, na sua edição de 31.07.2007, publicou, atribuindo-as a EE por ocasião da apresentação do livro, as seguintes declarações: "Alguém desviou (DD) de uma trajectória ao nível dos melhores" e "Quando me apercebi do sucedido, tomei a decisão certa (despediu AA) mas já era tarde" – (alínea af) dos factos assentes);
O jornal "O J...", na edição de 31.07.2007, publicou a seguinte declaração, que atribuiu a EE na apresentação do livro: "Tomei a decisão certa, embora tardia (despedimento de AA)" (alínea ag) dos factos assentes)”.

Com mais ou menos ênfase, a imprensa especializada e não só, interpretou correctamente o essencial da mensagem do livro e das declarações do seu escritor como do presidente das Rés.

A publicação do livro e as declarações do dirigente máximo das Rés, violaram o direito ao bom nome e à honra do Autor, já que passaram para a opinião pública, em violação do acordo que celebraram, a ideia do Autor ter sido incompetente no tratamento da lesão que afectava o jogador DD.

O art. 26º, nº1, da Constituição da República consigna:

“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

E o art. 33º – Direito à identidade, ao bom-nome e à intimidade.

1. A todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, ao bom-nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”.

A Constituição da República acolhe a tutela da personalidade que pode ser encontrada no princípio fundamental da Dignidade da pessoa humana (art. 1º).

Dignidade é tudo aquilo que não tem preço, segundo a conhecida formulação de Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77].

Nessa obra procura-se distinguir aquilo que tem um preço, seja pecuniário seja estimativo, daquilo que é dotado de dignidade – do que é inestimável, do que é indisponível, do que não pode ser objecto de troca.

Afirma-se lapidarmente:

“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.”.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, em comentário ao art. 33º, escrevem, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª ed., pág.466:

“O direito ao bom nome e reputação (nº1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação – cfr. Código Penal, arts. 164° e 165°”.

Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados (artigos 70º e 484º do Código Civil).

Assim o art. 70º Código Civil estatui:

“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.”

Este normativo tutela a personalidade, como direito absoluto de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.

O art. 484º do citado Código estatui – “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”

Este normativo, ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra.

"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância... Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" – Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-304.

Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”, 1996, pág. 97, afirma ser a honra um – “…Bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”.

Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005, pág.38 e segs.:

“ […] O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou à privacidade, ou à imagem, por exemplo, não constituem direitos subjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integram o direito de personalidade do seu titular, poderes estes que são exercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causa através de ameaças ou ofensas àqueles específicos bens de personalidade.
A tipificação dos chamados direitos especiais de personalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens de personalidade que integram a dignidade humana e das lesões que historicamente se foram tornando típicas.
A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida em diversos bens que a integram — vida, integridade física, honra, privacidade, imagem, nome, etc. — para a defesa de cada um dos quais o direito de personalidade contém específicos meios ou bens, que beneficiam de específicos poderes jurídicos” – (destaque e sublinhados nossos).

O mesmo tratadista, in “Direito de Personalidade”. -Almedina 2006 – pág. 76.

“O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade.
A honra é um preciosíssimo bem da personalidade.
A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas…A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeito e consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa.
A lesão da honra pode não ser total – só em casos excepcionais o será – e limitar-se a um seu detrimento. A honra, neste caso, é lesada, mas não perdida…Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade.
As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou que lhe sejam imputadas, e que sejam consideradas reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade.”

Concluímos, assim, que a actuação das Rés, ao não adoptarem o comportamento a que se vincularam perante o Autor, contribuiriam, por omissão, para que um seu colaborador ofendesse a honra e o bom nome do Autor, conduta que, ostensivamente, foi adoptada por quem deveria ter obstado a que isso acontecesse – o presidente das Rés – cujas declarações corroboraram, de modo inequívoco, a opinião do autor do livro.

Mas será que as Rés não podiam impedir o jogador DD de publicar o livro e se, no caso, o fizessem “proibindo” o seu conteúdo no que respeita ao Autor, violariam o direito à liberdade de expressão do jogador?

Não se questiona a ilegalidade da proibição do jogador de publicar um livro.

A publicação seria sempre um acto de livre arbítrio do escritor, um direito pessoalíssimo de liberdade de expressão e pensamento, liberdade que não pode ser objecto de censura.

Estaria em causa um direito constitucional – art. 37º, nº1, da Lei Fundamental – e um direito de personalidade, como expressão da personalidade moral do autor da obra literária – nº1 do art. 70º do Código Civil.

A Constituição consagra, igualmente, o direito à liberdade de expressão e de informar e ser informado.

O art. 37º estabelece no seu nº1 que – “Todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, também como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento ou discriminações”.

Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Anotada” – vol. I – 4ª edição revista em anotação ao art. 37º, págs. 572, 573 e 574, escrevem:

“O direito de expressão (nºl, 1ª parte: “direito de exprimir divulgar livremente o seu pensamento») é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideias e opiniões.
Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42°), na liberdade de consciência e de culto (art. 41º), na liberdade de aprender e ensinar (art. 43°) e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação (art. 45°).
Mas o direito de expressão pode ainda incluir um direito à expressão, isto é, um direito positivo de acesso aos meios de expressão. Constitucionalmente, esta dimensão positiva do direito de expressão encontra afloramentos apenas no n°4 do presente artigo (direito de resposta), nos arts. 40° (direito de antena dos partidos e organizações sindicais e profissionais) e 41°-5 (direito das igrejas a meios de comunicação próprios) …” […]
O direito de expressão e o de informação não podem ser sujeitos a impedimentos nem discriminações (nº1, in fine). Não é evidente o alcance deste enunciado. “Sem impedimentos” não pode querer dizer sem limites, visto que, se o seu exercício pode dar lugar a «infracções» cfr. n° 3), é porque há limites ao direito.
«Sem discriminações» não pode eliminar o alcance das excepções expressamente previstas na Constituição (cfr. art. 270° em relação aos militares).
Todavia, dentro dos limites do direito (expressos ou implícitos), não pode haver obstáculos ao seu exercício e, fora as exclusões constitucionalmente admitidas, todos gozam dele em pé de igualdade. Na falta de uma cláusula de restrição dos referidos direitos, ele tem de ser pelo menos harmonizado e sujeito a operações metódicas de balanceamento ou de ponderação com outros bens constitucionais e direitos com eles colidentes como a dignidade da pessoa humana, os direitos das pessoas à integridade moral ao bom nome e reputação, à palavra e à imagem, à privacidade, etc. (art. 26°-1) …”.

Mesmo não pondo em causa o direito à liberdade de expressão de DD, escrevendo e publicitando o que lhe aprouvesse, sempre se depararia esse direito com aqueloutro de respeitar direitos de outrem, no caso o direito ao bom-nome do Autor.

No caso, colocar a questão na perspectiva de censura do livro, é desfocar a questão; o que está em causa é a omissão das Rés que violaram o direito que assumiram, ao menos deveriam informar os seus colaboradores que haviam assumido um compromisso de que estes não publicitariam declarações que pusessem em causa o prestígio e o bom-nome do Autor como médico; não se tratava de recomendação ou proibição de relatar factos verdadeiros (dando de barato que a sua revelação não constitui ilicitude), mas antes de cumprir pontualmente um contrato.

As Rés nem sequer alegaram ter dado informação aos seus colaboradores do acordo que pactuaram com o Autor, sendo que o seu líder, ele mesmo, ao proferir as declarações que proferiu aos media violou de forma clara o acordo celebrado com o recorrido.

Temos, assim, que não houve violação do direito de liberdade de expressão de DD, sendo completamente inócuo que tivesse escrito o livro, como autobiografia ou não; o que releva é saber se o conteúdo da obra ofendiam o direito de outrem e se o acordo celebrado fora violado pelas Rés. Afirmamos que o acordo foi violado.

Pretendem as RR. a redução equitativa da cláusula penal.

Alegam, fundamentalmente, “que quando da saída do Recorrido do departamento médico da SAD, foi negociada e concedida uma indemnização pecuniária no valor global de € 198.144,08, que é objectivamente bastante satisfatória.
Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de referir que as “notícias”foram integralmente criadas e manipuladas pelos jornalistas que tiram de contexto certos factos constantes do livro do DD, dando ênfase apenas a um pequeno capítulo do livro”.

Com vimos as partes acordaram uma cláusula penal de € 200.000,00.

Na Cláusula 4ª, nº3, – consta:

“ Em caso de violação, por partes, da obrigação assumida no n°l, as parte desde já fixam a, título de indemnização, uma cláusula penal no valor de Euros 200.000”.

O art. 810º, n.º1, do Código Civil estatui: “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível, é o que se chama cláusula penal”.

O art. 811º rege sobre o funcionamento de tal cláusula:

“1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”.
2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”.

E o n.º3 dispõe: - “O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal ”.

A cláusula penal, que fixa a indemnização, a forfait, pode ser compensatória ou moratória.

Como ensina o Prof. Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações” – 6ª edição, pág.448:

- “A cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória. A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento”.

No mesmo sentido J. Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 /247.

“A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” – cfr. “Das Obrigações em Geral”, Antunes Varela, 5ª edição, vol. II, pág.137.

Do mesmo civilista:

“A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional.
Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” – págs. 137/138.

A cláusula penal convencionada, traduziu a fixação antecipada da indemnização dos prejuízos, impedindo as partes de reclamarem montante diferente do fixado.

As recorrentes sustentam que a cláusula penal para liquidar a indemnização é manifestamente excessiva.

Sê-lo-à?

Se o for, aberto fica o caminho para a sua redução, em termos equitativos, ao abrigo dos art. 812º, nºs 1 e 2, do Código Civil.

Dispõe este normativo:

“A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.”- nº1;

“É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida” – nº2.

Importa, para que haja redução da cláusula penal, que a desproporção entre a sanção para a violação do contrato e os prejuízos sofridos pelo credor seja manifesta, no sentido de chocante, exagerada.

Galvão Teles, in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 445, afirma que o objectivo da redução da cláusula penal “não é fazer coincidir a indemnização com os prejuízos reais ou até eliminá-la se prejuízos não existem. É sim rever a cláusula em razão do seu manifesto exagero, de modo a torná-la equitativa.
Esse manifesto exagero deve definir-se em função do valor dos interesses em jogo e não em atenção à circunstância fortuita de – eventualmente – os prejuízos se revelarem muito mais baixos ou até inexistentes.
Não se pode ter a preocupação de reduzir a indemnização convencionada ao valor dos prejuízos reais ou eliminá-la no caso de ausência de danos, pois isso seria desvirtuar a índole própria da cláusula penal”.

Ensina o Prof. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 274, acerca do critério de que o julgador deve lançar mão para aferir da “excessividade”

O juiz terá de atender à natureza e condições de formação do contrato” e “à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económico-social, os seus interesses legítimos patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante); ao carácter forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório”.

“I – A cláusula penal tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização compensatória ou moratória pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, agindo como um actuante meio de pressão com vista ao cumprimento do contrato, mesmo que se prove que do seu incumprimento ou mora não adveio qualquer dano.
II – Se for manifestamente excessiva, o tribunal pode, através de uma intervenção equitativa, reduzi-la, redução que não pode ser oficiosa. A intervenção judicial deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercivo e “forfetário” da cláusula penal...” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.2.98, BMJ 474- 457.

Daí que não seja legítimo abstrair do tipo contratual em causa e das implicações económicas que advêm para a parte que não deu causa à violação.

A cláusula penal, tem um fim punitivo que só será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir.

O devedor que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

As Rés afirmam que pagaram ao Autor a quantia de € 198.144,08, “que é objectivamente bastante satisfatória”.

Com o devido respeito este argumento irreleva para o juízo de excessividade do montante da cláusula penal.

Aquela quantia foi paga pelas Rés para indemnizar o Autor pela rescisão consensual do contrato de prestação de serviço, mas o que está agora em causa é o valor pré-fixado de uma indemnização que manifestamente tem a natureza compensatória de um dano não patrimonial – ofensa do direito à honra.

Estando provado que:

“ O Autor é médico de profissão, inscrito na Ordem dos Médicos sob o n.°... e exerce a actividade desde 1978. No período de 1981 a 1987 o Autor integrou o departamento Clínico/Médico do BB-S...L... e B..., como médico na área da medicina desportiva.
A partir de Julho de 1987 passou a ser Director Coordenador do Departamento Clínico/Médico do Futebol Profissional e desde 30.07.2001 acumulou tal cargo com a função de Director Clínico do clube.
Os serviços prestados pelo Autor aos RR. consistiam na prestação de apoio médico, com prevenção, profilaxia e tratamento dos jogadores, de modo não exclusivo.
E também no acompanhamento das equipas do clube nos jogos que faziam, quer no país, quer no estrangeiro, durante a semana ou ao fim-de-semana, e ainda na coordenação e direcção do Departamento Clínico do Futebol Profissional – na coordenação e direcção do Departamento Clínico do BB-S...L... e B... desde Agosto de 2001.
Tal como no reporte à Direcção e à Administração dos RR. da situação do Departamento, em geral, e dos jogadores, em particular.
O Autor exerceu tais funções até 07.02.2003.
Quando cessou o relacionamento profissional entre o Autor e os RR. estes fizeram constar do acordo respectivo que o Autor “ (…) sempre exerceu com total lealdade, empenho e competência profissional as suas funções de Director do Departamento Clínico do BB-S...L... e B..., nomeadamente na detecção e acompanhamento de casos clínicos de jogadores profissionais do Futebol (…)”, e no comunicado à imprensa de Fevereiro de 2003 mencionaram os RR.: “O BB-S...L... e B... e o CC-S... L... e B...-Futebol, S.A.D reconhecem o profissionalismo, a competência e a dedicação com que o Dr. AA sempre desempenhou as suas funções ao serviço do Clube como responsável médico do Departamento Clínico de Futebol Profissional”.
Em 07.02.2003 Autor e RR. subscreveram o documento junto por cópia a fls. 31 a 34,o qual fizeram cessar o relacionamento profissional entre eles estabelecido, mediante compensação pecuniária a pagar pelos RR. ao Autor. Tal deveu-se à circunstância de os RR, pretenderem que a coordenação do Departamento clínico do Futebol Profissional ficasse entregue a um profissional em regime de exclusividade e ao desejo do Autor de se dedicar ao desenvolvimento da sua carreira hospitalar.
Com a publicação do livro e a sua ampla divulgação nos meios de comunicação social o Autor sentiu-se envergonhado perante os seus familiares e amigos.
Tal como perante os seus doentes e colegas de profissão, alguns dos quais se convenceram de que tinha havido má prática ou erro profissional do Autor.
Devido à publicação e divulgação do livro o Autor sentiu-se injustiçado e revoltado em virtude de ter perpassado para a opinião pública, e sobretudo para os adeptos do B..., a ideia de que tinha sido incompetente nas suas funções de médico.
O que causou ao Autor, no seu quotidiano, ansiedade e momentos de depressão”.

Assim, sopesando os danos provocados pessoal e profissionalmente ao Autor, que, em virtude da ampla difusão das imputações que lhe foram feitas, ficará sempre associado às vicissitudes da lesão no joelho de um jogador de um Clube de grande nomeada, o que tem repercussão negativa na apreciação que os menos informados sempre farão das notícias, sobretudo, no universo apaixonado do meio desportivo, não se afigura, manifestamente, excessiva a cláusula penal, sobretudo quando estava ao alcance das Rés evitar o incumprimento do acordo, tendo agido de forma reprovável, desconsiderando um direito pessoal (de personalidade) do Autor que se sentiu injustiçado, ansioso e afectado por momentos de depressão por ter sido posta em causa, de modo tão ostensivo, a sua honorabilidade profissional.

Acerca da excessividade da cláusula penal e dos elementos que deverão ser ponderados em vista da sua redução, o Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização” - Colecção Teses – Almedina, págs. 743 e 744/755, ensina:

“Perante a superioridade de determinada pena, o juiz só poderá concluir pelo seu carácter “manifestamente excessivo” após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto que um julgamento por equidade requer. Assim, a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais (contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal, são, entre outros, factores que o juiz deve ponderar para tomar uma decisão.
Julgamos importante acentuar, porém, de novo, um aspecto, o qual requer particular atenção: o tribunal não pode deixar de ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, afim de averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes.
Significa isto, por conseguinte, que os mencionados factores, ou outros, terão uma importância relativamente diferente, consoante o escopo das partes, ou seja, a espécie de pena acordada. Assim, enquanto na pena estipulada a título indemnizatório o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante prefixado assume importância decisiva, o mesmo não sucederá quando se trate de uma pena convencionada como sanção compulsória…”.

Tendo em conta o intuito compulsório da cláusula penal e o interesse do credor, bem como o dano efectivo num bem da personalidade do lesado, o valor imaterial violado e o elevado grau de culpa dos lesantes, com ampla difusão mediática de afirmações atentatórias da honra e profissionalismo do Autor, não se afigura excessiva a cláusula penal de € 200.000,00 pelo que não será reduzida.

Pelo quanto dissemos o recurso soçobra.

Decisão.

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pelas Rés/recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2011.


Fonseca Ramos (Relator)

Salazar Casanova

Fernandes do Vale
______________________
(1) Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Salazar Casanova.
Conselheiro Fernandes do Vale.
(2) Cita-se, a título informativo, a recente notícia do jornal Público PT, on-line, de 7.1.2011: “A SAD do B... apresentou um resultado líquido positivo de 6,982 milhões de euros (ME) no primeiro trimestre da época futebolística 2010/11, de acordo com o comunicado enviado esta terça-feira à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).Os valores divulgados pela SAD benfiquista revelam uma melhoria de 13,1 ME relativamente ao mesmo período do exercício anterior, durante o qual apresentou um resultado líquido negativo de 6,071 ME. O lucro da SAD do B... explica-se em grande parte pela rubrica referente à transferência de jogadores, que passou de 800 mil euros negativos para 12,1 positivos, muito por força da saída do internacional brasileiro Ramires para o Chelsea. A melhoria dos resultados operacionais é outra razão: passou de 1,5 para 5,1 ME, explicando-se com o aumento dos proveitos operacionais em 7,2 ME que compensaram o crescimento dos custos operacionais em 3,6 ME. A inclusão das receitas da B...Estádio, que não esteve reflectida no primeiro semestre da época passada, proporcionou um encaixe de 3,8 ME, mas também aumentou os custos operacionais em 3,6 ME. Os proveitos operacionais beneficiaram da melhoria das receitas da B...SAD, justificada “pelo aumento de prémios das competições europeias em 4,6 ME”, em função da presença na Liga dos Campeões, que compensaram o “decréscimo das receitas de bilheteira em aproximadamente um milhão de euros”.O activo consolidado atingiu o montante de 413 ME, o que representa um aumento de 8,3 por cento, mas o passivo da SAD “encarnada” subiu 6,7, passando a cifrar-se em 399 ME”.