Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2875/10.6TBPVZ.P1.S1 
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: ESCAVAÇÕES
PRÉDIO CONFINANTE
PRIVAÇÃO DO USO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / ESCAVAÇÕES.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 67;
-Abrantes Geraldes, Responsabilidade Civil, Cadernos de Direito Privado, p. 137 e ss.;
-Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, p. 64;
-Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 11.ª Edição, p. 301;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra, 2004, p. 948;
-Paulo Mora Pindo, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, I, p. 594 e ss.;
-Vaz Serra, RLJ, 103.º , p.108.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1348.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12-06-2003;
-DE 11-01-2006;
-DE 08-05-2007, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS;
-DE 25-09-2007;
-DE 13-12-2007;
-DE 06-05-2008;
-DE 16-06-2009;
-DE 13-04-2010;
-DE 29-03-2011;
-DE 03-05-2011;
-DE 03-05-2011, RELATOR NUNO CAMEIRA;
-DE 10-01-2012, RELATOR NUNO CAMEIRA;
-DE 12-01-2012, RELATOR FERNANDO BENTO;
-DE 03-10-2013, RELATOR FERNANDO BENTO;
-DE 21-01-2014;
-DE 09-07-2015, RELATORA FERNANDA ISABEL PEREIRA, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por acto ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa, o que constitui entendimento jurisprudencial dominante do STJ.
II - A prova de que, em consequência das obras levadas a cabo no prédio vizinho da ré, a fração dos autores ficou impedida de ser utilizada, até então ocupada por uma irmã do autor, conduz à atribuição de uma indemnização, a pagar pela ré aos autores, pela privação do uso do imóvel, fixado, com recurso à equidade (tratava-se de uma cave), em 150 euros mensais – art. 1348.º, n.º 2, do CC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e mulher, e outros, intentaram ação declarativa comum, contra BB, S.A., Companhia de Seguros CC, S.A., e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, pedindo que as rés fossem condenadas solidariamente: a) A proceder à execução das obras de estabilização e contenção estrutural do prédio dos autores que se vieram a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 20 dias após trânsito da sentença; b) A proceder à execução das obras de reparação dos danos verificados em cada uma das frações e no edifício dos autores, que se vieram a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 40 dias após trânsito da mesma; c) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 5.000,00 por mês desde a data que for fixada na sentença para realização das obras referidas a); d) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 2.000,00 por mês desde a data que for fixada na sentença para realização das obras referidas b); e) No pagamento de uma indemnização a favor de cada um dos autores correspondente à desvalorização que cada uma das fracções de que são proprietários sofreu por via dos danos em que incorreram em consequência da escavação efectuada no prédio da terceira ré, a liquidar em execução de sentença e correspondente à diferença de valor de cada uma das fracções antes do prédio sofrer os danos e depois das obras de reparação; f) E no pagamento de uma indemnização a favor dos primeiros autores correspondente à quantia mensal de € 500,00, desde Março de 2008 até completa reparação da fracção “A”.

Alegaram, para o efeito e em resumo, a realização de obras num prédio da Ré Caixa de Crédito Agrícola, por parte da Ré BB, que havia transferido a responsabilidade civil emergente da execução de tais obras para a Ré Companhia de Seguros CC, e a circunstância de tais obras terem provocado deslizamentos subterrâneos de terra que causaram o assentamento da parede Sul e do piso térreo do prédio dos Autores e originaram prejuízos vários nas diversas frações.

Na sua contestação, a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL defendeu-se por impugnação e invocou a ilegitimidade dos autores. A Ré Companhia de Seguros CC, S.A., para além de se defender por impugnação, invocou a prescrição do direito dos autores. Por sua vez a Ré BB, para além de se defender por impugnação e invocar a prescrição do direito dos autores, também invocou a sua ilegitimidade.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição.

Na sentença, a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se solidariamente as Rés (sendo-o a ré CC, S.A. até ao limite do capital e com redução do valor da franquia): a) A executar as obras de estabilização e contenção estrutural do prédio dos autores que se vierem a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 20 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença; b) A executar as obras de reparação dos danos existentes em cada uma das frações e no edifício dos autores que se vierem a apurar em incidente de liquidação da sentença, no prazo de 40 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença;

c) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de cinco mil euros por mês pelo incumprimento do prazo fixado para a realização das obras referidas na alínea a); d) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de dois mil euros por mês pelo incumprimento do prazo fixado para a realização das obras referidas na alínea b). E absolvendo-se as rés do demais pedido.

Na sequência de recursos de apelação das Rés e dos autores (recurso subordinado), a Relação do Porto, por acórdão proferido nos autos: - Julgou procedentes as apelações das Rés BB, S.A., e Companhia de Seguros CC, S.A., julgando, quanto a elas, a acção improcedente, e absolvendo-as dos respectivos pedidos, com a consequente revogação da sentença nesta parte; - Julgou improcedente a apelação da Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, confirmando-se, quanto a ela, a sentença recorrida;
- E, julgando parcialmente procedente a apelação dos autores, condenou a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, ainda, no pagamento. aos Autores AA e mulher, a título de indemnização, da quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a contar de Março de 2008 até à completa reparação da fracção A do prédio identificado em 1 dos factos provados.


Inconformada, interpôs a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - O Acórdão recorrido não interpretou bem os factos, errando na interpretação, na aplicação e na determinação da lei substantiva e das normas aplicáveis. 2ª -Também fez errada aplicação da lei do processo. Na verdade,
3ª - Provado que a “escavação atingiu mais de 6 metros de profundidade, que a obra foi realizada até à extrema do terreno que confronta com o prédio dos Autores, com o objectivo de construir os dois pisos de cave do edifício da 3ª Ré”, embora em si possa não constituir um acto ilícito por parte do dono da obra, constituirá certamente um acto que merece especial atenção por parte do construtor, como se salientada decisão de primeira instância e se alude a fls. 1477 do Acórdão em crise, donde resulta claramente a necessidade de tomar medidas de contenção ou impermeabilização que o terreno impunha. 4ª - Todos sabemos que estamos perante factos notórios, os quais não carecem nem de alegação, nem de prova (artº 412º do CPC.
5ª - De acordo com este tipo de consideração, o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 412º -1 do CPC, podia e devia considerar certos factos como notórios ainda que não alegados ou mesmo, “independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal”. 6ª - Tal como este Venerando Tribunal o pode fazer.
7ª - Qualquer cidadão (quanto mais uma empresa de construção civil, dotada de técnicos especializados, como engenheiros e arquitectos, e de meios de execução adequados para execução de uma obra daquela envergadura), colocado naquela posição e pela experiência comum, sabia que deveria ter tomado as cautelas e os cuidados que a situação objectiva e subjectivamente merecia.
8ª - Contrariamente ao sustentado no Acórdão em crise, a responsabilidade do dono da obra é solidária com a do empreiteiro... - art.° 497, n.º 1, do CC.
9ª - Atento o disposto nos art.ºs 497º- 2 e 524º do CC, o dono da obra, sobre o qual recai (sem culpa) a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos (que sofram danos resultantes de escavações para construção de edifício no prédio daquele), tem o direito de ser reembolsado pelo empreiteiro executante dos trabalhos da indemnização que pagou, fundando-se o reembolso no direito de regresso. 10ª - O empreiteiro não é um mandatário do dono da obra, pois age, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência. 11ª - À mesma conclusão, neste pressuposto, podemos chegar através do instituto plasmado no artº 483° do CC, pois se qualificarmos o tipo de actividade desenvolvida pela empresa que executou a obra como normal, ainda que sujeita a um nível de riscos acrescidos, não se opera a subsunção na previsão do artº 493º do CC, mas antes na previsão geral da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana contida no art. 483°- 1, do mesmo código. 12ª - Na realidade, ao não ter procedido à avaliação das condições do terreno onde iria organizar os trabalhos e sabendo que a amplitude e a natureza das escavações e as máquinas a usar possuíam um poder de influenciar a estrutura do terreno e transmitir esses efeitos ao edifício vizinho, a demandada “BB, Lda” negligenciou um dos deveres de diligência e cuidado que deveria ter observado, em momento anterior, à execução da obra ou à utilização da maquinaria. 13ª - Ao ter omitido um dever de cuidado que o risco inerente à utilização da maquinaria que viria a utilizar exigia e reclamava, agiu em desconformidade com uma obrigação de prevenção e cautela negligenciadora dos eventuais efeitos danosos que poderiam ocorrer e percutir na esfera de interesses (legítimos) de terceiros, o que a faz incorrer em responsabilidade civil. 14ª - A factualidade provada é suficiente para revelar a culpa da ré “BB” na produção dos danos sofridos pelos AA, sendo certo que o dono da obra mantém com a coisa a ligação característica do proprietário, com os inerentes direitos e deveres (nomeadamente, quanto à responsabilidade pelos prejuízos), sem embargo do exercício do direito de regresso contra o empreiteiro. 15ª - Em tais circunstâncias, a “BB” passou a deter a coisa, em vista da realização da obra, segundo os seus critérios técnicos e funcionais e, com essa detenção, assumiu os poderes de direcção e controle que caracterizam o dever de guarda e de vigilância. 16ª - É, pois, concludente que no caso de realização de uma obra, como aquela que está aqui em causa, resultando, em consequência das escavações, danos no prédio vizinho, são responsáveis pelo pagamento desses danos, quer o dono da obra (o proprietário do prédio no qual as escavações são efectuadas), que responde independentemente de culpa sua, quer o empreiteiro que levou a cabo a realização material das escavações. 17ª - Perante a factualidade provada, dúvidas não podem subsistir em como os danos sofridos pelo prédio dos AA foram provocados pelas obras levadas a efeito pela empreiteira “BB”, ou seja e em concreto, pelas escavações por ela levadas a efeito. 18ª - Empreiteira essa que violou as mais elementares regras de segurança, nomeadamente o disposto nos artºs 138° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382 de 7 de Agosto de 1951 e 81° do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto na 41.821/58, de 11 de Agosto de 1958. 19ª - Foi, pois, a omissão dos cuidados técnicos necessários, por parte da R BB, enquanto empreiteira, na realização da obra, a causa directa e adequada dos danos produzidos no prédio dos AA. 20ª - É um facto notório que as escavações num prédio exigem particulares cuidados decorrentes do facto de a retirada de terras poder provocar movimentos nos prédios vizinhos. 21ª - Qualquer cidadão comum sabe disso e conhece esses riscos, ainda que careça de conhecimentos técnicos ou especializados para os avaliar. 22ª - Estamos, assim, perante uma actuação/omissão em que, simultaneamente, se violam interesses das partes contratantes, bem como direitos de terceiros, como resulta dos artºs. 799º - 1 e 483º - 1 do Código Civil.
23ª - Se no contexto da execução de um contrato de empreitada, o empreiteiro causa lesão directamente a terceiro, por má prática profissional ou por violação das regras da arte (“legis artes”), seria de infundado formalismo considerar que os danos do terceiro não seriam indemnizáveis por aquele, quando é certo que no caso em apreço os AA recorreram a juízo para civilmente também responsabilizarem os causadores do dano. 24ª - O Tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art° 5°- 3 do CPC).
25ª - Todos os prejuízos sofridos pelo dono da obra, em consequência da prestação defeituosa, integram uma responsabilidade contratual do empreiteiro, uma vez que esta tem origem na violação do direito creditício daquele à execução da obra sem defeitos e, por isso, a situação responsabilidade contratual consome o regime da responsabilidade extracontratual, sendo ele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação dos contratos, evidenciando- se a responsabilidade contratual por violação de deveres laterais do empreiteiro. 26ª - Sem prescindir, o caso previsto no art.º 493º- 2 do CC, representa uma responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada - uma solução intermédia entre uma e outra - de modo tal que o lesante só ficaria exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que actua, para evitar a eclosão dos danos. 27ª – A R. BB é também responsável pelos danos causados no prédio dos AA e, por conseguinte, igualmente a R. Seguradora CC, por virtude do contrato de seguro celebrado com aquela, nas condições da apólice plasmadas nos autos.
28ª - As RR. BB e CC devem ser co-responsabilizadas e condenadas, em regime de obrigação solidária, nos pedidos em que vier a ser condenada a ora recorrente, ao abrigo do previsto nos artºs 483°, 486°, 493°-1 e 497°, todos do Código Civil. 29ª - O direito à indemnização configura-se como o direito à compensação ou preenchimento da diferença patrimonial entre a situação real e a situação hipotética em que o lesado se encontraria não fora o dano (art, 566° nº 2 CC).
30ª - Nestes casos, os factos relevantes determinantes da diminuição (ou não aumento) patrimonial verificada, devem ser alegados e demonstrados, como constitutivos do direito à indemnização (art. 342°-1 do CC). 31ª - Muito embora os AA tivessem enunciado o valor locativo da fracção, susceptível de funcionar como critério de fixação da medida da indemnização pela via da equiparação a lucros cessantes (teoria da comercialização do valor de uso), os AA não lograram demonstrar que esse ou outro prejuízo e muito menos que a fracção tinha, à data das escavações (“sinistro”) uma concreta utilização relevante.
32ª - Os AA não usavam a fracção, nem tinham intenções de a usar, pois a mesma à data das obras era ocupada por uma irmã do Autor AA, com a qual o mesmo e sua mulher estavam de relações cortadas e com a qual não falavam.
33ª - Ou seja, ainda que aderíssemos à tese plasmada do Acórdão - a privação do uso de um bem traduz um prejuízo para o respectivo proprietário - a plenitude do direito de propriedade não implica necessariamente o uso ou fruição do bem, como é o caso. 34ª - O exercício do uso e fruição corresponde a meras faculdades do proprietário, já que o direito de propriedade envolve apenas e tão só a mera faculdade (que pode ser exercida ou não...) de uso e fruição, logo, o exercício de tal faculdade configura uma manifestação de liberdade do dono no que concerne ao aproveitamento dos seus bens: o proprietário absentista que não usa nem cede o uso nem tenciona fazê-lo, isto é, o que não aproveita nem permite que os outros aproveitem, não sofre dano de privação do uso, pois que nenhuma desvantagem patrimonial lhe advém da eventual actuação de terceiro susceptível de impedir o seu uso... 35ª - A manter-se esta decisão, teremos certamente alguém (os AA.) que na perspectiva de receber mensalmente 250,00€ sem qualquer esforço, vão não só beneficiar de uma quantia que nunca pensaram poder vir a receber (ainda que pela via locativa, pois a fracção estava ocupada gratuitamente pela irmã...) e “esticar” ao máximo a resolução definitiva deste assunto, contrariando e “contaminando” a realização das obras no prédio, como tão bem têm sabido gerir ao longo de todo este tempo. 36ª - A mera privação do uso, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil. 37ª - Tomar como certo que a toda a privação, sem mais, corresponde um dano, será manter habilidades ou jogos de interesses que os Tribunais não podem alimentar. 38ª - Ainda que assim se não entenda, a quantia de 250,00€ fixada mostra-se manifestamente excessiva e desajustada à realidade do caso em apreço, devendo, nessa medida ser substancialmente reduzida nunca ultrapassar os 100,00€ mensais. 39ª - A condenação da R. Caixa na quantia de 250,00€ também, por esta razão, não deve manter-se. 40ª - Ou a manter-se, a mesma deve ser paga solidariamente também pelas RR. BB e CC, nos termos e pelas razões supra apontadas. 41ª - Mostram-se violados os preceitos legais, as regras substantivas e do processo acima identificados. Nestes termos e nos mais que por certo Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e, nessa medida, revogar-se o douto Acórdão recorrido, com as legais consequências.

A R. BB apresentou contra-alegações, nas quais invocou a ilegitimidade da recorrente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo relativamente à parte em que pretende a condenação solidárias das RR BB e CC e pugnando ainda pela improcedência do recurso, nessa parte,

Para além de apresentarem contra-alegações, nas quais pugnaram pela improcedência da revista, os AA., em requerimento autónomo) tomarem posição no sentido de - pugnando a recorrentes pela alteração da condenação das demais RR. quanto à obrigação de reparar o imóvel e pela alteração da sua condenação no pagamento de indemnização pela privação do uso da fração deles AA. - existir dupla conforme quanto ao 1º ponto e no sentido de em relação ao 2º ponto se não verificar o critério da sucumbência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

II - Questão prévia (admissibilidade da revista):

Quanto à ilegitimidade:

Por despacho do Relator, de 10.05.2018, foi julgada improcedente a questão da ilegitimidade suscitada pela R. BB, ora recorrida.

E, inconformada com tal despacho do Relator, veio a mesma reclamar para a conferência, defendendo a ilegitimidade da R. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL (na parte em que pretende a condenação solidária das co-rés), Alega para o efeito e em resumo que a condenação das co-rés em primeira instância em nada deve contribuir para a verificação da legitimidade da Recorrente para interpor o presente recurso, já que esta não pode ser aferida através da comparação entre a situação em que a Recorrente estaria quando abrangida pela decisão de primeira instância e a situação em que estaria quando abrangida pela decisão de segunda instância, que é o que aparenta acontecer no despacho de que ora se reclama e que a legitimidade do Recorrente deve ser aferida em função do prejuízo que para si decorre da decisão de que está a recorrer e da sua posição processual face aos demais intervenientes, nos termos do artigo 631º do CPC.
Mais alega que o apresentado pela Recorrente incide efetivamente sobre matéria relativamente à qual esta não figura como vencida, mas antes sobre matéria sobre a qual a Autora ficou vencida, vendo o peticionado ser apenas parcialmente considerado procedente, sendo que para que pudesse efetivamente interpor recurso contra a sua co-ré (aqui Recorrida), a Recorrente, teria que ter feito contra esta algum pedido, como por exemplo, o reconhecimento de um eventual direito de regresso e que, ao não peticionar no processo, o reconhecimento do seu eventual direito de regresso, deduzindo o respetivo pedido contra as co-rés, a Recorrente sabia que, se as Rés fossem solidariamente responsabilizadas, cumprindo integralmente a sentença, teria eventualmente e por força da lei, direito de regresso, mas sabia também que, caso a responsabilidade recaísse somente sobre si, não tendo pedido o reconhecimento de tal direito, não teria legitimidade para recorrer com esse fundamento.

No despacho do relator a afirmação da legitimidade da recorrente baseou-se na seguinte fundamentação:

“Diz a ora recorrida R. BB que o recurso ora apresentado pela recorrente incide sobre matéria relativamente à qual esta não ficou vencida.
Dispõe-se efetivamente no nº 1 do art. 631º do CPC que, “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes (o que não está ora em causa) os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”.
Como diz A. Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., pag. 67 “é parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses”.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro Armando M. Marques Guedes, Coimbra, 2004, pag. 948) “o interesse em recorrer… não assenta numa relação da parte com o objeto da causa, mas antes nas consequências que uma decisão judicial pode produzir na esfera jurídica desse sujeito”
É certo que no acórdão da Relação, de que recorre apenas a R. Caixa Agrícola, só esta foi condenada – o que, a priori, poderia levar à conclusão de que a mesma nada tinha a ver com a absolvição das demais RR. (que, com ela, também haviam sido condenadas na 1ª instância), ou seja, que a absolvição das demais RR. não constituía para si qualquer prejuízo.
É, de resto, neste sentido que a R. BB coloca e defende a questão da ilegitimidade da recorrente.
Todavia também é certo que a R. ora recorrente havia sido condenada com as demais RR. (e nos termos peticionados pelos autores) em regime de solidariedade.
Em suma, em vez de ficar responsável pelo pagamento das indemnizações e pelo cumprimento das demais imposições (nos termos do decidido na 1ª instância), juntamente com as demais RR., em regime de solidariedade, a R. Caixa de Crédito Agrícola passou a ficar sozinha nessa responsabilidade. E isso traduz-se, para si, num claro prejuízo – conforme bem defende a recorrente.
É o que resulta claramente do disposto no art. 524º do C. Civil, nos termos do qual “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
Resultando da lei (art. 513º do C. Civil) que a solidariedade entre devedores emerge da lei ou da vontade das partes, conforme diz Vaz Serra (in RLJ, 103º - 108) “o dever de regresso destina-se a nivelar as situações de vários devedores parecendo que, por corresponder ao “quod plerumque accidit” ou pela impossibilidade de firmar outra presunção, as quotas dos devedores devem ser iguais, salvo se coisa diversa se tiver determinado”.
Assim, tendo em conta a alteração produzida pela Relação, em termos finais, em vez de o resultado da condenação se vir a repercutir no património das três RR. (na proporção a discutir e determinar oportunamente, noutro âmbito) o mesmo acaba por se repercutir apenas no património da R. recorrente.
É assim manifesta a legitimidade da R. recorrente, na parte em que pretende que as demais RR, sejam com ela condenadas em regime de solidariedade (nos termos em que haviam sido condenadas na 1ª instância). (…)
Impõe-se assim concluir no sentido da legitimidade da R. Caixa Crédito Agrícola para recorrer do acórdão da Relação.”

Analisada a questão sub judice, afigura-se-nos como sendo inteiramente ajustada a decisão do Relator relativamente à questão da ilegitimidade em questão, da recorrente Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL – atenta a respetiva fundamentação que ora se subscreve.
Importa ainda dizer que, contrariamente ao que defende a R. reclamante BB, não fazer sentido, para os efeitos em questão, a exigência da dedução no processo de um pedido de reconhecimento do seu direito de regresso contra as co-rés, na medida em, conforme decorre nomeadamente do nº 1 do art. 576º do CPC, o pedido reconvencional apenas poderia ser deduzido contra a Autora.

Assim, indeferindo-se a reclamação, afirma-se a legitimidade da Ré recorrente.

Quanto à dupla conforme:

Defendem os Autores ora recorridos a inadmissibilidade da revista, na parte respeitante à pretensão de alteração do decidido pela Relação, no sentido da também condenação das demais Rés, face à existência de dupla conforme.
Todavia sem razão, na medida em que, pressupondo a dupla conforme, enquanto impedimento da admissibilidade da revista normal, previsto no nº 3 do art. 671º do CPC, para além do mais, a confirmação pela Relação da decisão proferida na 1ª instância, in casu, não se verifica tal confirmação, na medida em que uma coisa é a condenação da Ré recorrente juntamente com as demais Rés, em regime de solidariedade, nos termos decididos na 1ª instância, e outra coisa, bem diferente, é a condenação apenas da Ré recorrente (com diferentes efeitos jurídicos, quer quanto a esta, nos termos supra mencionados, quer quanto aos próprios Autores recorridos). Inexiste, pois, a invocada dupla conforme.

Quanto à sucumbência:

Defendem ainda os Autores recorridos a inadmissibilidade da revista na parte respeitante ao valor da sucumbência, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 629º do CPC. Isto, porque, ainda segundo os mesmos, tendo o valor da causa sido fixado em € 30.000,01, ou seja em valor superior à alçada da Relação (€ 30.000,00), a decisão relativa à condenação da Ré recorrente em indemnização mensal pela privação do uso da fração A, é desfavorável a esta em valor inferior à metade dessa alçada.
Trata-se todavia de questão que apenas se poderia colocar no caso da inadmissibilidade do recurso na parte restante – o que, como vimos, não ocorre.

Em face do exposto, nada obsta ao conhecimento da revista.

III – Questões a conhecer:

Em face do conteúdo das conclusões das alegações do recorrente, enquanto delimitativas do objeto do recurso (arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- condenação das demais Rés;

- indemnização pela privação do uso da fração.


IV- Factualidade provada:

Tendo-se com conta as alterações introduzidas pela Relação, em resultado do julgamento da impugnação da matéria de facto, é a seguinte a factualidade que se mostra provada (renumerada, em função das alterações efetuadas pela Relação):

1) Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio constituído em propriedade horizontal sito no ..., prédio esse constituído por cinco fracções e descrito na Conservatória sob o n.º 1709 e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 8075. 2) Os Autores AA e mulher são donos das fracções “A”, “D” e “E” desse prédio. 3) A fracção “C”, é propriedade da Autora “DD, CRL”. 4) A fracção “B” é propriedade de EE e mulher, FF e GG, em compropriedade. 5) Encontra-se registada a favor de cada um deles a respectiva propriedade na indicada descrição predial da Conservatória do Registo Predial da .... 6) A Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, é dona do prédio sito no ..., da mesma freguesia e concelho, prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º 3225 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo urbano 2648. 7) Prédio este contíguo ao prédio dos Autores confrontando os prédios pelos lados Sul e Poente do prédio dos Autores. 8) A Ré CCAM construiu a sua actual sede social nesse seu prédio. 9) A Ré BB, S.A. foi a sociedade que construiu esse edifício tendo celebrado um contrato de seguro com a Ré CC, S.A. quanto aos danos resultantes da sua obra, titulado pela apólice 0000000. 10) A obra foi titulada pelo alvará de licença de obras emitido pela Camara Municipal da .... em 12.11.2007. 11) Na execução dessas obras a primeira Ré iniciou a escavação desse terreno a qual atingiu mais de 6 metros de profundidade e foi realizada até à extrema do terreno que confronta com o prédio dos Autores com o objectivo de construir os dois pisos de cave do edifício da CCAM. 12) Na execução dessa escavação, verificaram-se deslizamentos subterrâneos de terra que vieram a causar a alteração do solo do terreno onde se encontra erigido o edifício dos Autores (em resultado da alteração feita pela Relação).
13) O que veio a causar o assentamento da parede Sul e do piso térreo do prédio dos Autores. 14) A fracção A (cave) do edifício encontra-se inabitável devido ao assentamento do piso térreo e às inúmeras e profundas fendas das paredes exteriores. 15) A parede sul do edifício, ao nível da fracção térrea, apresenta enormes fendas por onde se vê de dentro da fracção para fora. 16) Esta parede é estrutural porquanto nela se apoiam várias vigas de betão. 17) O edifício encontra-se em esforço e em carga. 18) As paredes interiores desta fracção apresentam grandes fissuras e fendas por onde se vê de um compartimento para o outro e por onde passa uma mão.
19) Os peitoris das janelas encontram-se desnivelados não funcionando as janelas de correr. 20) Todos os andares superiores apresentam, do lado Sul, fissuras. 21) Algumas janelas do lado Sul de cada uma dessas fracções deixaram de funcionar devido ao desnivelamento do edifício. 22) Todos estes defeitos foram consequência directa da obra de escavação levada a cabo no terreno da Ré CCAM pela Ré BB. 23) Ainda devido às obras da Ré BB e aos seus efeitos sobre a estrutura do prédio dos AA., as canalizações de água e saneamento existentes no pavimento térreo – fracção A - acabaram por estalar e partir. 24) Nesta data ainda vão aparecendo fissuras nos andares superiores do lado Sul. 25) Os danos estruturais que o edifício sofreu são profundos e irreversíveis. 26) A inclinação do edifício não é passível de reparação mas tão só de contenção e estabilização. 27) As obras de contenção estabilização importarão a injecção de calda de betão no subsolo para a estabilização do terreno. 28) Não é, ainda, possível concretizar as obras necessárias sendo necessário proceder a estudos geotécnicos. 29) Para além das obras de intervenção na estrutura do edifício são necessárias obras de reparação na cave e nas restantes frações do prédio. 30) É necessário proceder à reparação do saneamento do edifício nomeadamente das condutas principais cuja tubagem se partiu. 31) É necessário reparar as janelas e caixilhos que deixaram de funcionar por via dos danos no edifício (Em resultado da alteração feita pela Relação). 32) É necessário reparar as paredes de cada uma das fracções que se encontram fissuradas por via dos danos no edifício. 33) Na fracção A é necessário reparar os danos nas paredes e saneamento e os que vierem a decorrer por via das obras de contenção e estabilização do edifício. 34) É necessário reparar os danos que no decorrer da acção se venham a verificar das fracções em consequência do assentamento do edifício. 35) Em consequência das obras levadas a cabo pela Ré BB no prédio da Ré CCAM a fracção A, propriedade dos Autores AA e mulher ficou impedida de ser utilizada para o seu fim de habitação. 36) A Camara Municipal, em Março de 2008, na sequência da vistoria efectuada em 20.02.2008, decidiu declarar interdita a utilização dessa fracção. 38. Esse apartamento foi, pelo menos até Novembro de 2007, habitado por uma irmã do Autor AA e desde, pelo menos 20.02.2008, que se encontra devoluta. 37) O valor de mercado da renda devida por tal fracção situa-se em 400,00 € mensais. 38) A fração C é ocupada, por meio de arrendamento, por HH. 39) O prédio dos Autores é um imóvel com cerca de 40 anos. 40) As obras de requalificação do ... levadas a cabo pela Câmara Municipal e mais concretamente as obras de construção do parque de estacionamento subterrâneo foram executadas antes de a Ré CCAM ter iniciado a edificação da sua sede. 41) A Ré CCAM intentou contra os Autores o procedimento cautelar que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim sob o nº 775/09.1TBPVZ-A através do qual pretendia aceder ao prédio dos Autores para proceder à ligação do saneamento daquele prédio ao Largo das Dores. 42) A Ré CC foi citada em 27.01.2011. 43) A Ré BB subscreveu junto da ré “Companhia de Seguros CC” o contrato de seguro do Ramo de Responsabilidade Civil Extracontratual Construção Civil, titulado pela apólice com o nº ..., com o capital máximo garantido de 150.000,00 €, composto pelas Condições Gerais, Particulares e Especiais com o teor que consta do documento junto aos autos a fls. 192 e seguintes que aqui se dá por integralmente reproduzido. 44) Mediante a pretensão do segurado e informação por si disponibilizada, a ré “Companhia de Seguros CC” ponderou os riscos da nova empreitada, prémio cobrado com eventuais alterações, e reajustamento das condições da apólice, nos termos que ficaram expressos na acta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 192 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 45) A empreitada em causa nos autos iniciou em Setembro de 2007.
46) De acordo com o ponto nº 2, das Condições Especiais da Apólice, os danos cobertos só o estarão “se previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou as propriedades estiverem em condições satisfatórias e/ou forem tomadas medidas necessárias de segurança, devendo especificar-se as condições em que aquelas se encontravam antes de se iniciarem os trabalhos. Cabe sempre ao segurado vistoriar previamente ao início dos trabalhos, os locais contíguos com vista a certificar-se dos danos já existentes sob pena da seguradora não responder pelos danos causados”. 47) De acordo com o ponto 3 das condições especiais da mesma apólice, encontram-se excluídos os danos: “a) consistentes em, ou decorrentes de fendas ou fissuras ou fendilhações que não coloquem em causa a estabilidade das estruturas, edifícios, e/ou terrenos nem a segurança dos que dela façam uso”; b) “os decorridos após o termo do período de construção objecto da actividade do segurado”; c) “causados por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações do nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando directamente resultantes da execução desses trabalhos”; d) “perdas indirectas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações”; (…); g) as “perdas ou danos atribuídos a erros ou omissões no projecto dos trabalhos não são também indemnizáveis pela apólice”.
48) De acordo com o n.º 2, do artigo 3.º, das Condições Gerais, “A CC não responde igualmente por perdas e danos ou responsabilidades que, tendo em consideração a natureza dos trabalhos seguros ou a forma da sua execução, possam razoavelmente prever-se como inevitáveis”. 49) De acordo com a alínea A), n.º 3, do Artigo 28.º, das Exclusões Gerais: “Danos e perdas devidos a faltas, deficiências, erros ou omissões de projecto, de cálculo, de desenho, ou de outras especificações”; ou decorrentes da falta de cumprimento das normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da actividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis”, das Condições Particulares da mesma Apólice. 50) No referido contrato de seguro foi acordado o valor da franquia para o risco decorrente da Responsabilidade Civil Extracontratual, no valor de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 2.500,00 €. 51) Em 27.11.2007 o administrador do condomínio do prédio dos Autores remeteu ao Exmo. Sr. Presidente da Camara Municipal da ... uma denúncia dizendo que “Na passada sexta-feira procederam ao aprofundamento em cerca de 6 m abaixo do nível do solo” (…) “Durante o fim-de-semana o edifício sofreu danos avultados devido à deslocação do terreno envolvente tendo surgido enormes fendas nas paredes interiores do edifício e mesmo nos pilares e vigas do mesmo. Estes danos são para já bastante visíveis no rés-do-chão do edifício”. 52)A referida sexta-feira foi 23.11.2007 e o fim-de-semana 24 e 25.11.2007. 53) A presente acção deu entrada no Tribunal em 16.12.2010.
54) Em 21.11.2007 a escavação encontrava-se concluída. 55) Em 20.02.2008 a cave do prédio dos Autores encontrava-se devoluta. 56) O prédio dos Autores, do lado Sul que confronta com o prédio da Ré CCAM, ao nível do primeiro piso, correspondente à fracção autónoma “A” identificada na propriedade horizontal como cave, apresentava fissuração visível do exterior. 57) A Ré conforme ia escavando ia executando uma cinta em betão para segurar as terras. 58) Fez uma primeira cinta em betão até 3 metros de profundidade e conforme ia escavando até aos 6 metros ia executando sucessivos panos de betão.
59) Na confrontação sul do prédio dos autores a Ré, com vista a evitar deslocamentos de terra começou a cobrir a faixa de terreno que separava as duas construções com betão que ligava ao prédio dos Autores.
60) A dona da obra dizia que essa faixa de terreno lhe pertencia. 61) Na parte final dessa parede ao aproximar da confluência com a parede Sul esse bocado de terreno que ambas as partes reivindicavam manteve-se descoberto.
62) No fim de semana de 24 e 25 de Novembro de 2007, perto da confluência entre as paredes Nascente e Sul do prédio dos Autores devido á ocorrência de muita chuva e à existência, posteriormente verificada de uma bolsa de terreno vegetal, houve um deslizamento de terra.
63) Só posteriormente a este fim-de-semana a Ré teve acesso à cave do prédio dos Autores. 64) Verificando nesta altura que a cave apresentava fissuração e sinais de humidade antiga e anteriores aos factos ocorridos. 65) Os pisos superiores tinham fissuração que nada tinha que ver com o sinistro. 66) A reparação dos danos eliminará a desvalorização do prédio e respectivas fracções. 67) Os danos foram-se evidenciando sucessivamente.
68). À data das obras a cave era ocupada por uma irmã do Autor AA com a qual o mesmo e sua mulher estavam de relações cortadas e com a qual não falavam. 69) As fracções B e C encontram-se arrendadas.
70) Os donos da fracção B só tiveram conhecimento dos danos que nela ocorreram após a respectiva arrendatária lhes ter comunicado que a mesma se encontrava com fissuras. 71) Após a ocorrência dos danos a Ré BB participou o sinistro à Ré CC.

V- Quanto à condenação da demais Rés:

Conforme referido no relatório supra, tendo os Autores pedido a condenação de todas as Rés, nos termos dos pedidos formulados, em regime de solidariedade, a 1ª instância julgou procedente a ação, nessa conformidade, com exceção da parte respeitante aos dois últimos pedidos (indemnização pela desvalorização de cada uma das frações do edifício em questão e indemnização a favor dos primeiros Autores pela privação do uso da fração A), dos quais as Rés foram absolvidos. Todavia a Relação, acabou por tomar posição no sentido de apenas poder ser responsabilizada a Ré Caixa de Crédito, ora recorrente (mantendo quanto a ela a condenação da 1ª instância) e condenando-a ainda em indemnização relativa ao último pedido formulado pelos 1ºs Autores, pela privação do uso da fração) – absolvendo assim as demais Rés.

É contra tal entendimento (e decisão) que se manifesta a Ré recorrente, defendendo que, em conformidade com o decidido na 1ª instância, para além dela (enquanto dona da obra/ proprietária do prédio confinante como o dos Autores, onde foram levadas a cabo as obras de construção da sua atual sede social – obras essas que provocaram a alteração do solo do terreno onde se encontra erigido o prédio dos Autores, o qual, por isso ficou danificado), também a Ré BB (que levou a cabo as ditas obras) e a Ré CC (enquanto seguradora desta) devem ser condenadas em regime se solidariedade.

Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação considerou que, atenta a causa de pedir invocada pelos Autores, ou seja, com base no disposto no art. 1348º, nº 2 do C. Civil, apenas o proprietário, in casu a Ré recorrente, pode ser responsabilizado. E isto, nos seguintes termos:
“Percorrendo a petição inicial verifica-se terem os AA. fundado esta acção no disposto no art.1348º, nº2, do C.Civil.
É certo terem alegado, no art.17º da petição inicial, incúria da R. BB: “Sucede que, por incúria da 1ª Ré, na execução dessa escavação verificaram-se deslizamentos subterrâneos de terra”. O que, todavia não foi preenchido com factos.
Acresce terem alegado nos art.s 72º e 73º da petição inicial: “A responsabilidade das Réus na presente acção decorre, quanto à 1ª e 3ª Ré, do disposto no artigo 1348º, nº2 do Código Civil: Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias” – 72º; e “A responsabilidade da 2ª Ré decorre do facto de ter celebrado com a 1ª Ré contrato de seguro quanto à responsabilidade civil que decorra para a 1ª Ré da execução da obra aqui em causa”.
Estamos, assim, claramente perante uma situação de responsabilidade civil por factos lícitos, prevista no art.1348º do C.Civil: “O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra” - nº1; e “Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias” – nº2.
Assim sendo, entendemos que apenas o proprietário pode ser responsabilizado pelos danos causados pelas escavações, o que decorre claramente do disposto no nº1 daquele preceito legal. Devendo, por isso, a expressão “autor delas” constante do nº2 ser interpretada como referindo-se ao proprietário do prédio – cfr, neste sentido, entre outros, os ac.s do STJ de 12-6-2003, 11-1-2006, 25-9-2007, 13-12-2007, 13-4-2010, 29-3-2011 e 21-1-2014, todos a consultar in www.dgsi.pt.
É certo poder ponderar-se que, não obstante a expressa invocação pelos AA. do disposto no art.1348º do C. Civil, ou seja, que pretendiam ser ressarcidos com base na responsabilidade civil por actos lícitos, a acção também se fundamentaria na responsabilidade civil extracontratual subjectiva, atento o disposto no art.493º, nº2, do C.Civil. Situação em que, então, a R. “BB”, empreiteira que levou a cabo a obra, e a R. “CC”, seguradora que assumiu a responsabilidade civil emergente da sua realização, já poderiam ser responsabilizadas.
Acontece que, prevendo aquela disposição legal uma presunção de culpa, cabia aos AA. alegar e provar os demais pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, designadamente, a ilicitude do facto.
E tal não aconteceu.
Na verdade, e a propósito da escavação levada a cabo pela R. BB, limitam-se os AA. – a quem compete a alegação dos factos essenciais constitutivos do direito invocado - a alegar: “Escavação essa que atingiu mais de 6 metros de profundidade” – art.14º; “” E que foi realizada até à extrema do terreno que confronta com o prédio dos Autores” – art.15º; “Com o objectivo de construir os dois pisos de cave do edifício da 3ª Ré” – art.16º, todos da petição inicial.
Ora, fazer escavações de 6 metros, mesmo até à estrema do prédio, em si e sem mais, não constitui um acto ilícito. Sendo necessário, ainda, alegar os factos que possam levar a concluir estarmos perante um acto ilícito, como não tomar a medidas de contenção ou impermeabilização que o terreno impunha, por exemplo.
Em suma, estamos perante uma acção através da qual os AA. pretendem ser ressarcidos pelos danos decorrentes de factos lícitos – foi a opção que tomaram, que o tribunal não pode contrariar. Assim sendo, apenas podem demandar o proprietário do prédio no qual foram levados a cabo tais factos, neste caso, a R. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL. Não podendo demandar, com base na responsabilidade civil por factos lícitos, nem a R. BB, S.A., que interveio nas escavações em causa como empreiteira, nem a Companhia de Seguros CC, S.A., para quem aquela havia transferido a responsabilidade civil emergente da realização da obra.
Pelo que a acção terá de ser julgada improcedente quanto a estas RR. – BB e CC.”.
*
Discordando de tal entendimento defende a recorrente a responsabilidade da Ré BB (e por inerência a da sua seguradora, a Ré CC) com fundamento na responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, nos termos do disposto no nº 1 do art. 483º do C. Civil. E isto com base no que foi dado provado no sentido de que “a escavação atingiu mais de 6 metros de profundidade, que a obra foi realizada até à extrema do terreno que confronta com o prédio dos Autores, com o objetivo de construir os dois pisos de cave do edifício da 3ª Ré”.
Com efeito, segundo a recorrente, tal implicava claramente a necessidade de terem sido tomadas medidas de contenção ou impermeabilização que o terreno impunha, estando-se perante factos notórios, que não carecem nem de alegação, nem de prova e que como tal, independentemente de, sendo levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.
Assim, segundo a recorrente, da factualidade provada, não podem subsistir dúvidas de que os danos foram provocados pelas obras levadas a cabo pela empreiteira, a Ré BB, que violou as mais elementares regras se segurança, designadamente o disposto nos arts. 138º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e 81º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.

É manifesta a confusão da recorrente quando considera que o tribunal deveria atender aos factos notórios, dizendo para o efeito (vide conclusão 20º) que “é um facto notório que as escavações num prédio exigem particulares cuidados decorrentes do facto de a retirada de terras pode r provocar movimentos nos prédios vizinhos”.
Com efeito, tal matéria/afirmação é de natureza meramente conclusiva, nada tendo a ver com uma qualquer realidade factual, independentemente de ter sido alegada ou não.

É certo que a escavação em questão, levada a efeito pela Ré BB no prédio da recorrente e com base em contrato de empreitada entre ambas celebrado (com 6 metros de profundidade e até à extrema do prédio dos Autores) pressuporia sempre a exigência da sua realização de acordo com os cuidados exigidos pelas concretas condições de realização da obra e, particularmente, de acordo com as regras de segurança legais, designadamente as que decorrem dos invocados artigos 138º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e 81º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. Aliás, essa e qualquer outra escavação, designadamente quando levada a cabo na estrema e no limite de outra construção situada em prédio alheio.

Todavia, estando-se no domínio (nos termos em que a recorrente sustenta a sua pretensão) da responsabilidade civil por factos ilícitos, era sobre a recorrente (e sobre os Autores, atentos os pedidos por estes formulados na petição inicial) que pendia o ónus de alegar e provar os respetivos pressupostos, designadamente que aquele que se quer ver responsabilizado atuou de forma ilícita.
É uma conclusão que resulta do disposto no nº 1 do art. 342º do C. Civil e que é pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência.
Assim, para que se pudesse concluir no sentido de ter havido por parte da Ré BB a violação de quaisquer normas legais conducentes à danificação do prédio dos autores, necessário se tornava que tivesse sido feita a prova de qualquer factualidade que pudesse levar a essa conclusão – o que, manifestamente, se não verifica, sendo certo que a recorrente, para além da alegação meramente conclusiva feita nos termos supra referidos, nenhum facto concreto invoca, que pudesse levar a tao conclusão.
Isto sendo certo que a mera ocorrência de danos no prédio dos autores, como resultado da escavação levada a cabo pela Ré BB, não significa só por si que tal tenha ocorrido em resultado da violação, por esta, de quaisquer deveres que lhe fossem legalmente impostos – podendo resultar de causas meramente fortuitas, estranhas à atuação da Ré BB ou até de causas imputáveis a terceiros, inclusive aos donos do próprio prédio danificado.

Isto, a menos que a responsabilidade desta Ré resultasse da qualificação da sua atividade (em questão nos autos) como sendo um atividade perigosa, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 493º do C. Civil – sendo que, nesse causa sempre recairia sobre a mesma uma presunção de culpa, cabendo à mesma “mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” (os danos). Todavia, não tendo sequer sido essa a causa de pedir invocada, trata-se de questão não suscitada no recurso e, como tal, alheia ao objeto deste.
Aliás é a própria recorrente a reconhecer (vide conclusão 11ª) que e relação à atividade em questão “não se opera a subsunção na previsão do art. 493º do CC…”

É assim a nosso ver manifesta, por falta de prova do requisito relativo à ilicitude da conduta da Ré BB, a impossibilidade de responsabilização desta Ré (e por arrastamento, da Ré CC, sua seguradora), nos termos pretendidos pela recorrente (e inicialmente pelos Autores) e nos termos da decisão da 1ª instância.

Ademais, conforme resulta da petição inicial e bem salienta a Relação, os Autores sustentaram os pedidos formulados, ou seja, basearam a causa de pedir no disposto no nº 2 do art. 1348º do C. Civil, o qual (após no nº 1 se estabelecer que “o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio... ou fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocação de terra”) estabelece que “Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizado pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias”, - vide arts. 72º e 73º da p.i..
E, não obstante terem alegado no art. 17º que na execução da escavação se verificaram deslizamentos subterrâneos de terra, “por incúria da 1ª Ré”, ou seja da Ré BB, o certo é que para além de não terem invocado como causa de pedir a responsabilidade civil por factos ilícitos ou seja, com fundamento no disposto no nº 1 do art. 483º do C. Civil, os Autores não alegaram quaisquer factos suscetíveis de integrar tal conceito (incúria) – conforme também bem salienta a Relação.

Assim, conforme bem considerou a Relação estamos apenas e tão só perante uma situação de responsabilidade civil por factos lícitos, ou seja, perante uma responsabilidade meramente objetiva, que recai sobre o proprietário do prédio onde ocorreram as escavações, in casu, da recorrente.

Improcedem assim nesta parte as conclusões da Ré recorrente – impondo-se manter a absolvição da demais Rés, nos termos decididos pela Relação no acórdão recorrido.


VI – Quanto à indemnização pela privação do uso da fração:

Tendo a 1ª instância, considerando não haver lugar à indemnização peticionada pelos 1ºs Autores no âmbito do último dos pedidos formulados na p.i., relativa à privação do uso da fração “A” (€ 500,00 mensais desde Março de 2008 até à completa reparação da fração), absolvido as Rés relativamente a tal pedido, a Relação, no âmbito da apelação dos autores, veio a seguir entendimento contrário e, julgando nessa parte parcialmente procedente tal apelação, acabou por condenar a Ré recorrente, a tal título, no pagamento da quantia de € 250,00 mensais desde Março de 2008 até à completa reparação da dita fração “A”.

É também contra tal entendimento e decisão que se manifesta a recorrente, segundo a qual os Autores não usavam a fração, nem tinham intenções de a usar, pois que à data das obras a mesma era ocupada por uma irmã do Autor AA, com a qual o mesmo e sua mulher estavam de relações cortadas e com a qual não falavam.
E defende ainda que o exercício do uso e fruição corresponde a meras faculdades do proprietário, já que o direito de propriedade envolve apenas e tão só a mera faculdade, que pode ser exercida ou não, de uso e fruição, sendo que a mera privação do uso, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.
E, subsidiariamente, defende que, a manter-se o entendimento da Relação, a quantia fixada (€ 250,00 mensais) deve ser considera como manifestamente excessiva e desajustada à realidade do caso em apreço, devendo, nessa medida ser substancialmente reduzida nunca ultrapassar os 100,00€ mensais.

Para justificar a decisão que proferiu, relativamente ao pedido ora em questão, a 1ª instância disse o seguinte:
“… face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
No caso dos autos sabe-se que a referida fracção era ocupada pela irmã do Autor desconhecendo-se a que título, não resultando da prova produzida que a mesma pagasse o que quer que fosse pelo seu uso. Assim, não resulta da prova produzida que os Autores AA e mulher tenham sofrido qualquer dano patrimonial pela privação do uso da referida fracção na vertente de lucros cessantes. Improcede, assim, o pedido nesta parte.”

A Relação, considerando estar em causa a verificação do dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil (art.483º do C. Civil), considerou não se suscitarem dúvidas de que a privação do uso tem repercussões negativas no património do respetivo dono (quer como dano emergente, quer como lucro cessante) e que a questão apenas se coloca, quando se prova a privação do uso de um bem, mas não a ocorrência de um dano concreto, traduzido no aumento de despesas ou na redução de proveitos.
Assim após fazer referência à existência de duas correntes interpretativas: - uma, no sentido dominante, segundo a qual, para além da prova da privação do uso, deve o lesado alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem (citando nesse sentido, Paulo Mora Pindo, in Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, I, 594 e ss., e Maria da Graça Trigo in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 64; e na jurisprudência, entre outros, os ac.s do STJ de 10-1-2012 e 3-5-2011, ambos in www.dgsi.pt.): - e outra que defende que basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respectivo titular, um dano patrimonial relevante (segundo Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 11ª ed., 301, e Abrantes Geraldes, in CDPrivado, Responsabilidade Civil, 137 e ss., e, entre outros, os ac.s do STJ de 16-6-2009 e 6-5-2008, in www.dgsi.pt),
acabou por perfilhar este último entendimento “na medida em que, em regra, a privação do uso de um bem traduz um prejuízo para o respectivo proprietário – apenas assim não acontecendo em situações excepcionais. Devendo, antes, ponderar-se a repercussão da privação do uso na respectiva esfera jurídica, pois pode variar de caso para caso, consoante situação concreta.

Mais considerou a Relação que tendo-se provado que a fração em questão, propriedade dos AA. AA e mulher, foi habitada, pelo menos até Novembro de 2007, por uma irmã do A., sendo o seu valor locativo de € 400,00 mensais, aqueles lograram fazer a prova de uma concreta utilização relevante – razão pela qual lhes assiste o direito a serem indemnizados pela privação do uso a partir de 20.02.2008, data em que a Câmara Municipal da ... decidiu interditar o seu uso.
E, com recurso à equidade considerou como ajustado, para o efeito, o valor de € 250,00 mensais, a partir daquela data.

Muito embora reconhecendo a existência de divergência jurisprudencial e doutrinal a propósito dos pressupostos da indemnização pela privação do uso da coisa, contrariamente ao entendimento seguido pela Relação (nos termos acabados de referir) – afigura-se-nos como sendo mais ajustada a posição dominante na jurisprudência (o primeiro dos entendimentos supra enunciados) ou seja, no sentido de não ser indemnizável a mera privação do uso da coisa, devendo o lesado alegar e provar (para além da privação do uso) a existência de uma concreta utilização relevante do bem.
Para além de ser o entendimento jurisprudencial dominante do STJ, também se trata do entendimento mais recente.

Não vendo razões para se discordar de tal entendimento, bem pelo contrário, sempre haverá que ter presente o que se dispõe no nº 3 do art. 8º do C. Civil, nos termos do qual “nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os caos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Para além dos dois acórdãos do STJ supra referidos (de 03.05.2011 e de 10.01.2012, em que é relator Nuno Cameira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e nos quais se considerou que “não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efetivo – de proceder à sua utilização), vide ainda outros acórdãos: No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 08.05.2007 (em que é relator Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt) e ainda o acórdão de 09.07.2015 (em que é relatora Fernanda Isabel Pereira igualmente disponível in www.dgsi.pt), no qual se considerou que “ a privação do uso de um veículo automóvel… constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor…bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.

Apontando no mesmo sentido (e até mais longe), vide ainda os acórdãos do STJ de 12.01.2012 e de 03.10.2013 (em que é relator Fernando Bento, ambos igualmente disponíveis in www.dgsi.pt), no último dos quais se expendeu, a propósito, o seguinte:
“E não constituindo a mera privação do uso – melhor se diria, a mera privação da possibilidade de uso (que não deve ser confundida com a privação do uso…) - um dano patrimonial só por si indemnizável, desacompanhado da demonstração das concretas e efetivas utilizações que a coisa proporcionava ou era suscetível de proporcionar e que a ocupação fez frustrar, forçoso é concluir que falece um dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o dano.
Dano que, como se sabe, na sua vertente patrimonial – porque só esta está neste momento em causa – exprime uma diferença entre o valor real e efetivo do património do lesado e o valor que esse mesmo património teria sem o evento lesivo (valor hipotético, portanto) - (art. 564º nº2 CC).
Ora, tal diferença só pode ser encontrada se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstrato; ou seja, quando a sua privação se traduza num dano emergente (prejuízo causado) ou num lucro cessante (benefícios frustrados).
O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, que consiste o dano da privação do uso.
Logo, não havendo uso, isto é, aproveitamento das vantagens económicas proporcionadas pela coisa, inexistirá obviamente dano da despectiva privação.
E por isso é que o Tribunal carece de conhecer, quando está em causa a privação de uso e dando por assente tratar-se de um dano patrimonial, se aquela privação redundou concretamente num dano emergente ou num lucro cessante, para apurar o valor dos mesmos, pois a indemnização visa precipuamente reconstituir - por equivalente pecuniário, na impossibilidade óbvia de reconstituição natural - a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o facto ilícito e o dano, (art. 562º e 563º CC).
Concluindo, pois:
A privação do uso (ou da possibilidade de uso) só constitui dano ressarcível mediante a referenciação às concretas e efetivas utilidades atingidas ou cuja fruição se frustrou; só assim se concretizará tal dano em termos de suscetibilidade da medição através da teoria da diferença (art. 566º nº2 CC); o dano normativo da privação do uso – isto é, sem consideração daquelas utilidades - é meramente abstrato e não exprime uma diferença entre situações patrimoniais, a menos que seja concretizado e explicitado em factos reveladores do prejuízo e dos benefícios frustrados em que consistiu a impossibilidade de gozo”.

Ora, com interesse específico para a questão, apenas resultou provado o seguinte:
- Na fração A é necessário reparar os danos nas paredes e saneamento e os que vierem a decorrer por via das obras de contenção e estabilização do edifício. - Em consequência das obras levadas a cabo pela Ré BB no prédio da Ré CCAM a fração A, propriedade dos Autores AA e mulher ficou impedida de ser utilizada para o seu fim de habitação. - A Camara Municipal, em Março de 2008, na sequência da vistoria efetuada em 20.02.2008, decidiu declarar interdita a utilização dessa fração.
- Esse apartamento foi, pelo menos até Novembro de 2007, habitado por uma irmã do Autor AA e desde, pelo menos 20.02.2008, que se encontra devoluta. - O valor de mercado da renda devida por tal fração situa-se em 400,00 € mensais. - Em 20.02.2008 a cave do prédio dos Autores encontrava-se devoluta. - Só posteriormente a este fim-de-semana a Ré teve acesso à cave do prédio dos Autores. - À data das obras a cave era ocupada por uma irmã do Autor AA com a qual o mesmo e sua mulher estavam de relações cortadas e com a qual não falavam.
É certo que se mostra provado que em 20.02.2008 a fração A dos 1ºs Autores (cave do prédio), ora em questão se encontrava devoluta. Todavia, tal data corresponde à data da vistoria realizada ao local (a qual levou a que no mês seguinte a Câmara Municipal tivesse interditado a utilização dessa fração) – vistoria essa que foi realizada na sequência e por causa dos danos provocados em consequência das escavações em causa nos autos, razão pela qual se deve presumir que a não utilização da fração, reportada a essa data de 20.02.2008, se devia à falta de condições de utilização da mesma, resultantes dos danos provocados pelas escavações.
Assim, o que releva para os efeitos em questão é aquilo que foi dado como provado no sentido de que a fração em causa ficou impedida de ser utilizada em consequência das obras levadas a cabo e que à data das obras a fração era ocupada por uma irmã do autor.

Contrariamente ao que defende a recorrente, resulta assim daí que, na linha do entendimento jurisprudencial que sufragamos, nos termos supra mencionados, os Autores lograram provar não só a impossibilidade/privação de utilização da fração, como também que tal privaçãogerou perda de utilidades que a mesma lhes proporcionava”.

É certo que não se provou se havia, por parte da irmã do Autor, o concreto pagamento de uma renda ou de qualquer outra espécie de retribuição - o que, a provar-se, implicaria desde logo e de forma inequívoca a existência de lucros cessantes. Todavia também não se provou, o contrário.
Ora, as regras da experiência comum levam-nos a concluir que essa utilização sempre haveria de trazer aos Autores uma qualquer vantagem económica com a qual deixaram de poder contar.
E a nosso ver não colhe, a propósito, o que, para justificar o entendimento contrário, invoca a Ré recorrente, quando diz que os Autores não usavam a fração, nem tinham intenções de a usar, pois que à data das obras a mesma era ocupada por uma irmã do Autor AA, com a qual o mesmo e sua mulher estavam de relações cortadas e com a qual não falavam.
Com efeito, para além da prova de uma concreta utilização da fração, ainda que por terceiro (que cessou apenas por causa das obra em questão), a própria circunstância relativa a esta falta de relacionamento até constitui um indicador claro da existência de uma qualquer vantagem patrimonial para os Autores – na medida em que não faria sentido que os Autores cedessem gratuitamente a utilização da fração a alguém com quem estavam de relações cortadas.

Em face do exposto, ainda que com fundamento não de todo coincidente com aquele em que a Relação se baseou, entendemos dever-se concluir no sentido da afirmação do direito dos Autores, ora recorridos, a serem indemnizados pela privação do uso da fração.

E, chegando a tal entendimento, importa verificar se a quantia mensal fixada para efeitos indemnizatórios pela Relação, de € 250,00 mensais, foi ou não (conforme defende a Ré apelante) corretamente fixada.
Isto tendo-se ainda em conta que os Autores haviam pedido o dobro dessa quantia (€ 500,00 mensais) e que a Ré recorrente defende (subsidiariamente) na revista que aquele valor seja baixado para € 100,00 mensais.

Ora, sendo certo que o valor em questão só podia ser fixado, conforme foi (pela Relação) com recurso à equidade, afigura-se-nos assistir alguma razão à Ré recorrente.
Com efeito, para além de os Autores não terem feito a prova do concreto prejuízo que para eles resultou da privação da utilização da sua fração, não sabemos quais são as características desta (quer em termos de espaço, quer em termos de qualidade).
Para além disso, trata-se de uma cave – o que em princípio, fazendo-se uma vez mais uso das regras da experiência comum, aponta no sentido de uma menor valorização da sua rentabilidade. E haverá ainda que ter-se com consideração a circunstância de utilização da fração ter sido cedida a uma irmã do Autor.
Ora para além de não se saber qual a génese dessa utilização e quando é a que a mesma teve início (pode ter sido há bastante tempo, numa realidade de marcado completamente diferente) não seria normal que a utilização da fração por uma irmã (sendo de presumir que no seu início o relacionamento até fosse bom) tivesse como contrapartida um qualquer valor ou vantagem de relevo.
E a haver esse valor ou vantagem de relevo, certamente que os Autores não deixariam de proceder à respetiva alegação e prova.

Assim, sem se deixar de ter em vista o princípio do ónus da prova, perante tal circunstancialismo, e com recurso à equidade, afigura-se-nos que, não obstante o valor peticionado pelos Autores, aquele que foi fixado pela Relação ainda se mostra exageradoafigurando-se como mais adequado o valor de € 150,00 mensais.

Procedem assim nesta parte, ainda que parcialmente, as conclusões da recorrente - impondo-se alterar o decidido pela Relação nessa conformidade.

Termos em que, concedendo-se parcial provimento à revista, se acorda:
a) Em revogar o decidido pela Relação no acórdão recorrido na parte em que, pela privação do uso da fração “A”, a Ré Caixa de Crédito Agrícola, ora recorrente, foi ali condenada a pagar aos Autores AAe mulher, a título de indemnização, a quantia de € 250,00 mensais, a contar de Março de 2008 até à completa reparação da referida fração; b) Alterando nessa parte, e apenas, o referido valor mensal, que se substitui pelo valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais; c) E no mais mantendo o decidido no acórdão recorrido.

Custas pela recorrente e pelos recorridos (Autores e Ré BB) na proporção de vencido.

Lisboa, 12 de Julho de 2018


Acácio das Neves (Relator)

Garcia Calejo

Roque Nogueira