Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
111/12.0TBAVV.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
NORMA IMPERATIVA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DILAÇÃO DO PRAZO
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, 462, e demais doutrina e jurisprudência aí citadas.
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127 a 129, e demais doutrina e jurisprudência aí citadas.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 639.º, N.º 3, 640.º, N.ºS 1 E 2, 662.º, N.ºS 1, 2 E 4, 674.º, 682.º, N.ºS 1 E 2.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 46.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 7.º, N.º 1, E 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26.05.2015, PROCESSO N.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1., ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não obstante ocorrer dupla conforme (o tribunal da Relação confirmou o sentenciado em 1.ª instância), a revista para o STJ é admissível, uma vez que sobre a concreta questão do incumprimento pelos apelantes do ónus específico fixado no art. 640.º, n.º 1, do NCPC (2013), só existe a decisão da Relação, não se perfilando, portanto, quanto a esse ponto, a dupla conformidade, que pressupõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito em que a última é confirmatória da primeira.

II - A inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no art. 640.º, n.° 1, do NCPC, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na al. a), do n.º 2, desse artigo.

III - Nesta sede, foi propósito deliberado do legislador não instituir qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual (art. 640.º, n.º 2).

IV - De resto, esse eventual convite, além de redundar num (novo) alargamento do prazo de oferecimento da alegação, contraria abertamente a ratio legis, de desencorajar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I AA e mulher, BB, residentes no lugar de …, Ponte da Barca, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e mulher, DD, residentes no lugar de …, Arcos de Valdevez, alegando, em síntese, que:

Por contrato celebrado em 31 de Janeiro de 2005, os réus prometeram ceder ao autor, que prometeu adquirir-lhes, as quotas de que cada um era detentor na EE -Sociedade Hoteleira, Lda, tendo-lhes entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, 40.000,00 €uros.

Ficou acordado que a escritura do contrato prometido seria realizada, no prazo máximo de um ano, mas tal não ocorreu, nem poderá já suceder, por exclusiva responsabilidade dos réus, que cederam as suas quotas nessa sociedade a terceiros, por escritura pública de 27 de Janeiro de 2012.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir a declaração de incumprimento desse contrato promessa, por causa exclusivamente imputável aos réus, e a condenação destes a pagar ao autor a quantia de 80.000,00 €uros, correspondente ao dobro do sinal prestado.

Os réus apresentaram contestação a contrapor diferente versão factual, sustentando, em resumo, que existe caso julgado, formado no procedimento cautelar e acção que correu termos entre as mesmas partes e não há motivo para a devolução do sinal em dobro, pois o incumprimento da promessa de cessão de quotas não lhes é imputável.

Concluíram, desse modo, pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam a pugnar pela inverificação da excepção de caso julgado.

Foi proferido despacho saneador, a refutar tal excepção, seguido da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos aí prestados, foi proferida sentença (em Maio de 2015) que, na procedência da acção, condenou os réus a pagarem aos autores a quantia de € 80.000,00.

Os réus apelaram (impugnando de facto e de direito), sem êxito, tendo a Relação de Guimarães confirmado o sentenciado na 1ª instância, depois de rejeitar o recurso atinente à matéria de facto, e, persistindo inconformados, interpuseram recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:

I. O recurso é interposto da decisão de rejeição da apelação na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, indeferindo-a e mantendo a factualidade provada nos termos decididos pela 1ª instância.

II. A decisão do Tribunal da Relação não encontra correspondência na decisão da 1ª instância sobre tal matéria, independentemente da convergência sobre as questões de direito em apreço, não se perfilando, portanto, quanto a tal matéria um problema de “dupla conformidade”.

III. Entendem os Recorrentes que a imposição legal – alíneas a), b) e c) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, quanto ao ónus da impugnação da decisão relativa à matéria de facto foi cumprida, ainda que de forma não completamente explícita e compartimentada.

IV. Quer quanto à especificação dos concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente julgados, quer ainda quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de matéria de facto diversa da recorrida, transcrevendo e indicando as respectivas passagens das gravações em que se fundou o recurso, bem como à decisão que, no entender dos Recorrentes, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.

V. Estando consequentemente cumprido o ónus dos Recorrentes concernente à impugnação da matéria de facto.

VI. Devendo-se, em razão do alegado, por que reunidos os requisitos consagrados pela referida disposição legal, antes de mais, conhecer da impugnação da matéria de facto colocada em crise no recurso.

VII. Sem prejuízo, cautelarmente, entendem os Recorrentes que, afastando-se a nulidade do acórdão recorrido pelas razões explanadas, que o Tribunal recorrido cometeu manifesto erro de julgamento por violação da lei processual.

VIII. Neste alcance, pese embora o acórdão recorrido ter negado provimento à sua apelação, assim confirmando a sentença da 1ª instância, entendem os Recorrentes que este tribunal superior, não obstante o elevadíssimo respeito que tal decisão lhes merece, pugnou por uma desacertada interpretação do art.º 640º do CPC.

IX. Conforme é consabido, à interposição de um recurso, em sede processual civil, incumbirá a quem dele faz uso o ónus de alegar, arregimentar conclusões e ainda, paralelamente, individualizar cada um dos pontos da discórdia com a decisão impugnada, designadamente, as normas jurídicas que se entendem violadas, por errada interpretação e aplicação, ou, em caso de invocação de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que devia ser aplicada, assim o preceitua o art.º 639º, n.º 2, a), b) e c) do CPC.

X. Ao recorrente impor-se-á, na eventualidade de ser impugnada a decisão sobre matéria de facto, o ónus de especificar, conforme decorre das alíneas a), b), e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, no que respeita aos meios probatórios invocados para fundamenta eventual erro na apreciação da prova produzida, designadamente a gravada, impende sobre o recorrente indicar com exactidão as passagens temporais da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

XI. Para o que interessa, reitera-se que, no âmbito da impugnação sobre matéria de facto, os pressupostos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC devem ser obrigatoriamente especificados pelo recorrente, sob pena de rejeição.

XII. No entanto, a cominação de rejeição do recurso, prevista para a falta dessas especificações, ao contrário do que acontece quanto à matéria da alínea b) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, não funciona automaticamente.

XIII. O Tribunal deve convidar os recorrentes a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação, de modo a evitar uma radicalidade ou resultado que se considera desmesuradamente grave e nefasto para os recorrentes.

XIV. De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 639º do CPC, não obstante inexistir uma disposição legal específica sobre a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, onde textualmente se consagre a possibilidade da prolação do despacho de aperfeiçoamento, o melhor e mais sábio entendimento doutrinal e jurisprudencial, fundado até mesmo em exigências de ordem constitucional, tem vindo a considerar que, em tais casos, o convite ao aperfeiçoamento se demonstra, para todos os efeitos, um dever a ser demonstrado pelo Tribunal ad quem e não, tão só, uma mera possibilidade a ser colocada em questão in casu.

XV. A interpretação do art.º 640º do CPC feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães é violadora do direito ao recurso, direito que em matéria de facto integra o núcleo essencial do direito de acesso à justiça consagrado no art.º 20º da CRP.

XVI. A resposta a dar não caberá, conforme decorre e bem de tal entendimento doutrinal e jurisprudencial, ao circunstancialismo de cada caso, mas antes da estrita obediência a princípios que se querem estruturantes do processo civil e que retêm no seu retinir, ecos de prerrogativas de ordem constitucional.

XVII. Neste sentido, verificando-se a ausência de especificações quanto a factos e meios probatórios, as conclusões revelam-se naturalmente deficientes.

XVIII. Facto que confere cobertura legal ao sobredito convite ao aperfeiçoamento, sustentado no preceituado pelo art.º 639º, n.º 3, 1ª parte e ainda cimentado no princípio da promoção oficiosas das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, a que se reportam os art.ºs 6º, n.ºs 1 e 2 e 411º, do CPC.

XIX. Contudo, mesmo a entender-se que as sobreditas especificações, em relação aos pontos de facto impugnados e aos meios de prova, deveriam , desde logo, constar do corpo das alegações, sempre esse convite ao aperfeiçoamento, que o n.º 1, ao contrário da n.º 2, do art.º 640º, do CPC, consente estaria coberto pelo princípio da cooperação – art.º 7º -, pelo princípio do poder de direcção do processo pelo juiz e do inquisitório – art.ºs 6º, n.ºs 1 e 2 e 411º, do CPC -, pelo princípio do contraditório e da proibição da indefesa – art.º 3º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC.

XX. E ainda pelo cunho de cooperação que deve presidir, ab initio, a todos os actos na condução e intervenção no processo, visando uma justa composição do litígio – art.º 7º, n.º 1, do CPC.

XXI. Não se mostrando provido de bom senso e razoabilidade que, uma vez podendo convidar os recorrentes a pronunciarem-se sobre a omissão, para o efeito de a suprir convenientemente, o tribunal determinasse, apenas e por si só, nessa parte a rejeição do recurso, por via do indeferimento da reapreciação da matéria de facto.

XXII. Afigura-se, assim, aos recorrentes precipitada, desproporcionada e desprovida de sustentação legal a decisão que indeferiu a referida reapreciação, mantendo a factualidade provada nos termos decididos pela 1ª instância.

XXIII. In casu, imponha-se o prévio convite ao aperfeiçoamento.

XX. Ao decidir de forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação dos art.ºs 639º, n.º 3, als. a), b) e c) do n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do art.º 640º, 6º, n.ºs 1 e 2 e 411º, do CPC (princípio da promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, art.º 7º (princípio da cooperação), art.ºs 6º, n.ºs 1 e 2 e 411º (princípio do poder de direcção do processo pelo juiz e do inquisitório), art.º 3º, n.ºs 1, 2 e 3 (proibição da indefesa), todos do CPC e ainda o art.º 20º da CRP.

Os autores não ofereceram contra-alegação e, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada pelas instâncias é a seguinte:

a) Por acordo celebrado em 31 de Janeiro de 2005 e apelidado pelas partes de contrato-promessa de cessão de quotas, os réus prometeram ceder ao Autor, ou a quem este indicasse, que prometeu adquirir-lhes, as quotas de que cada um era detentor na sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que gira sob a firma EE – Sociedade Hoteleira, Limitada, com sede na Rua Dr. …, nº .., rés-do-chão, na freguesia de Vila Ponche, do concelho de Arcos de Valdevez, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Arcos de Valdevez sob o número 346/27… e com o NIF 503 …, da qual os Réus eram os únicos sócios, conforme se retira da cópia do escrito junta aos autos de fls. 5 a 6 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

b) O preço global convencionado nesse acordo foi de € 140.000,00;

c) Nos termos do texto do acordo, como sinal e princípio de pagamento, o autor entregou aos réus a importância de € 40.000,00 através do cheque nº 42… sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, Balcão de Ponte da Barca;

d) Segundo o parágrafo único do acordo em causa, “fica a cargo dos primeiros outorgantes a actualização/obtenção do alvará de licença de ocupação, relativa à fracção em questão, junto da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, o auto de vistoria, bem como o pagamento de todas as despesas e dos ajustamentos em termos arquitectónicos/interiores que estão a ser legalizados nesta data junto da Câmara Municipal do Concelho de Arcos de Valdevez”;

e) Acordaram ainda que essa escritura seria outorgada no prazo máximo de um ano contado de 30 de Janeiro de 2005, posto que os Réus estavam a aguardar, junto da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, pela actualização/obtenção do alvará de licença de ocupação da fracção onde estava instalado o estabelecimento comercial propriedade da EE – Sociedade Hoteleira, Limitada, em cuja posse os Autores entrariam no dia 1 de Fevereiro de 2005;

f) Por escritura pública de 27 de Janeiro de 2012, lavrada perante o Licenciado FF, notário com Cartório na Rua do …, nº …, Urbanização das Fontainhas, em Ponte da Barca, o réu declarou ceder a sua quota de € 25.000,00 na EE – Sociedade Hoteleira, Limitada, a GG, e a ré, depois de ter dividido a sua quota de € 20.000,00 em quatro – uma de € 8.750,00, uma de € 2.250,00 e duas de € 4.500,00 –, cedeu a primeira delas a GG, a segunda a HH, e cada uma das demais respectivamente a II e a JJ, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 7 a 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

g) Em 23.05.2006, os aqui réus propuseram contra os aqui autores um procedimento cautelar comum, que com o nº 307/06.3TBAVV correu termos no extinto Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no qual peticionaram que, em consequência dos factos aí expostos, fossem estes: “condenados os réus a restituírem imediatamente aos autores a exploração do referido estabelecimento comercial de restauração denominado “EE” e as chaves da fracção predial onde ele está instalado, ou, em alternativa, a outorgarem a escritura de cessão de quotas objecto do contrato-promessa dos autos, pagando o preço ainda em dívida (cem mil euros), acrescido de juros legais de mora desde a data de citação, num prazo máximo de dez dias ou noutro que V. Exa. considere mais adequado”, conforme se retira da certidão da petição junta aos autos de fls. 324 a 340 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

h) Este procedimento cautelar findou em 07.07.2006 com o acordo, homologado por sentença, e cujas cláusulas são as seguintes: “1ª- Os requeridos comprometem-se a entregar o estabelecimento em causa aos requerentes até ao dia 31 de Julho de 2006”; “2ª- A quantia de € 4.500,00 (Quatro mil e quinhentos euros) relativa à utilização da fracção onde funciona o estabelecimento, ainda em dívida, será retirada pelos requerentes da conta bancária nº 024…, aberta no BANCO KK”; “3ª- Se a quantia existente nesta conta bancária for inferior a € 4.500,00 (Quatro mil e quinhentos euros), os requeridos entregarão aos requerentes a respectiva diferença”; “4ª- A quantia depositada nesta conta bancária que exceda os referidos € 4.500,00 (Quatro mil e quinhentos euros) será entregue aos requeridos”; “5ª- Os requeridos comprometem-se a que os funcionários do estabelecimento que são seus familiares cessem as suas funções no dia 31 de Julho de 2006”; “6ª- O acordo agora celebrado não implica a renúncia pelos requerentes ou pelos requeridos a qualquer um dos direitos que entendem que têm relativamente aos acordos que celebraram, os quais serão discutidos na respectiva acção judicial”; “7ª- As custas serão na proporção de metade, a cargos dos requerentes e dos requeridos” – conforme se retira da cópia da acta de inquirição de testemunhas junta aos autos de fls. 311 a 313 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

i) O autor marido propôs contra os aqui réus uma acção declarativa, sob a forma de processo ordinário e que sob o nº 639/06.0TBAVV correu termos no extinto Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, peticionado o seguinte: “A) Condenar-se os RR. no pagamento de 25.000,00 euros a título de danos sofridos pelo autor decorrentes da sua conduta em sede de responsabilidade pré-contratual; B) Declarar-se resolvido o contrato promessa celebrado entre o autor e os RR., melhor identificado na p.i.; C) Condenar-se os RR. a devolver a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 80.000,00 euros, acrescida de juros legais desde a citação dos RR. até efectivo pagamento; D) Condenar-se os RR. a pagarem aos AA. a título de danos por perdas futuras na quantia de 30.000,00 euros. (…) O que tudo perfaz a quantia de 135.000,00 euros”, nos termos que melhor surgem enunciados na certidão das peças da referida acção junta aos presentes autos de fls. 104 a 222 (cfr. fls. 121-122) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

j) Em reconvenção, os aqui e ali réus, peticionaram a condenação dos autores no pagamento da quantia de € 8.926,45 por danos infligidos nos equipamentos do estabelecimento comercial da sociedade e por estes não terem liquidado tempestivamente o PEC dos anos de 2005 e 2006;

k) Na parte dispositiva da sentença que pôs termo à acção pode ler-se: “I – julgar a acção totalmente improcedente e em consequência absolver os RR. dos pedidos; II – julgar a reconvenção parcialmente procedente e em consequência condenar os AA/reconvindos a pagarem aos RR/reconvintes o montante de € 2.221,32”;

l) Nessa decisão foram dados por provados, entre outros, os seguintes factos, conforme se retira da certidão da referida decisão junta aos autos de fls. 205 a 210 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

m) A sociedade EE – Sociedade Hoteleira, Lda. tem como actividade exclusiva a exploração de um estabelecimento comercial de restauração sito na Rua .., nº …, em Vila Fonche, Arcos de Valdevez; (…)

n) Os autores passaram a utilizar o estabelecimento comercial a partir do dia 1 de Fevereiro de 2005;

o) No dia 10 e Janeiro de 2006, os réus enviaram ao autor uma carta na qual lhe comunicavam que pretendiam executar as obras a que se tinham comprometido e que esta comunicação era feita ‘após diversos contactos pessoais, nomeadamente de 17 de Dezembro a 19 de Dezembro (neste último caso acompanhados do empreiteiro para executar a obra)’;

p) Nesta carta os réus acrescentaram que as obras tinham que ser executadas no mês de Janeiro e que se comprometiam a executá-las num sábado, dia de encerramento do estabelecimento;

q) Assim, os réus solicitaram uma resposta até 13 de Janeiro de 2006, o qual era uma sexta-feira, para poderem executar as obras no dia seguinte, que era sábado, sendo que estas seriam ‘concluídas no mesmo dia’;

r) O autor não autorizou que os réus executassem as obras;

s) Mais tarde, os réus comunicaram ao autor que a escritura pública seria outorgada no dia 5 de Abril de 2006, no Cartório Notarial de Arcos de Valdevez;

t) Neste dia, a escritura pública não foi outorgada, tendo a Exma. Senhora Notária emitido o certificado que consta de fl. 21e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

u) Deste certificado resulta que os réus apresentaram diversos documentos para que a escritura pública fosse outorgada e que, com estes documentos, a Exma. Senhora Notária procedeu à sua elaboração;

v) Todavia, porque faltava a licença de utilização do estabelecimento, o autor disse que não assinaria o contrato, pois a apresentação desse documento pelos cedentes configurava uma das condições que haviam ficado estipuladas no correspondente contrato-promessa de cessão de quotas;

w) O alvará de abertura de estabelecimento comercial explorado pela sociedade, emitido pelo Governo Civil de Viana do Castelo no dia 22 de Maio de 1997, apenas autoriza uma capacidade máxima de cinquenta lugares sentados;

x) Quando foi celebrado o acordo o estabelecimento estava a ser utilizado com 64 lugares sentados junto a mesas e 8 bancos junto ao balcão, no total de 72 lugares sentados;

y) Nesta altura, o autor sabia que o estabelecimento estava a ser utilizado com estes lugares sentados;

z) A sociedade tem uma dívida anterior ao dia 31 de Janeiro de 2005, no valor de cerca de € 65.000,00;

aa) Esta dívida é relativa à fracção onde funciona o estabelecimento comercial explorado pela sociedade, a qual pertence aos réus;

bb) Quando foi celebrado o acordo do dia 31 de Janeiro de 2005, o autor sabia que não havia sido emitida a licença de utilização do estabelecimento comercial explorado pela sociedade;

cc) Os ajustamentos em termos arquitectónicos/interiores referidos no acordo de 1 de Janeiro de 2005 eram os seguintes: (i) ampliação da área e da altura da casa de banho destinada ao pessoal, existente no piso superior, acrescentando-lhe vestiários e duas divisões; (ii) construção no piso superior de uma parede em pladur com menos de 6 m2, dotada de uma porta, entre o cimo das escadas e o acesso à casa de banho e ao armazém, formando um outro armazém ou uma sala de arrumos;

dd) Estas obras implicavam que o estabelecimento comercial ficasse com menos 6 lugares sentados junto ao local onde as mesmas seriam realizadas, o que o autor sabia;

ee) Quando foi celebrado o acordo, o autor tinha conhecimento destas obras;

ff) No mês de Março de 2005, o autor autorizou os réus a executar as obras de ampliação da área e da altura da casa de banho destinada ao pessoal, existente no piso superior, acrescentando-lhe vestiários e duas divisões;

gg) Os réus executaram estas obras;

hh) O autor, porém, solicitou que as restantes obras apenas fossem executadas posteriormente, o que os réus aceitaram;

ii) Entretanto, o autor passou a recusar que os réus executassem estas obras;

jj) Era a estas obras que se referia a carta que os réus enviaram no dia 10 de Janeiro de 2006;

kk) Para que os réus obtivessem a licença de utilização do estabelecimento comercial bastava que fossem executadas estas obras;

ll) Os réus já executaram estas obras;

mm) E já obtiveram a licença de utilização do estabelecimento comercial;

nn) Esta licença de utilização apenas autoriza uma capacidade máxima de 50 lugares sentados;

oo) Actualmente o estabelecimento está a ser utilizado com 72 lugares sentados;

pp) Quando foi celebrado o acordo do dia 31 de Janeiro de 2005, o autor sabia que a sociedade tinha uma dívida anterior ao dia 31 de Janeiro de 2005, no valor de cerca de € 65.000,00;

qq) Ficou acordado que esta dívida seria liquidada mensalmente pelos réus, mas através de uma conta bancária aberta em nome da sociedade;

rr) O autor aceitou que a dívida fosse liquidada desta forma;

ss) Os réus despenderam a quantia de 2.221,32 relativa à utilização do estabelecimento pelos autores.  

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (art.ºs 635º, n.º 4 , e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[1]), resumem-se à análise e dilucidação da única questão jurídica por eles colocadas a este tribunal e que consiste em determinar se, na apelação que interpuseram, cumpriram o ónus imposto pelo art.º 640º do Cód. Proc. Civil, com o inerente dever funcional da Relação em reapreciar a decisão referente à matéria de facto, ainda que precedida de prévio convite ao aperfeiçoamento da alegação recursiva.

Antes da abordagem dessa questão, convém referir que, não obstante ocorrer dupla conforme (o Tribunal da Relação confirmou o sentenciado em 1ª instância), a revista para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível, uma vez que sobre a concreta questão do incumprimento do referido ónus só existe a decisão da Relação, não se perfilando, portanto, quanto a esse ponto, a dupla conformidade, que pressupõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito em que a última é confirmatória da primeira.

Importa ainda relembrar, antes de nos focarmos na questão central objecto do recurso de revista, que a competência para apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio radica nas instâncias, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo situações de excepção legalmente previstas, conhecer apenas da matéria de direito (cfr. art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - e art.ºs 662º, n.º 4, 674º, n.ºs 1 a 3, e 682º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil). É, neste âmbito, que inequivocamente se insere, como decorre do art.º 674.º, n.º 1, alínea b), do Cód. de Proc. Civil, a alegada violação e errada aplicação da lei de processo, pelo acórdão recorrido, mais propriamente o disposto no art.º 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que fixa o ónus do recorrente no caso de impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Vejamos, então, a questão suscitada no recurso, nessa óptica, levando também em conta que, como tem sido insistentemente observado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em numerosos arestos, a evolução legislativa encetada em 1995, na área do processo civil, alterou profundamente os objectivos que foram traçados, de início, para os Tribunais de Relação. Assim, a um modelo inicial (o de 1961) em que se previa que “as respostas do Tribunal Colectivo não podem ser alteradas pela Relação, salvo ...”, sucedeu outro (o fixado pela Reforma de 1995/96) em que se proclamava que “a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação ...” e estabelece-se agora (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil) que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto…”.

Houve, pois, um acentuado reforço de poderes dos Tribunais de Relação e, paralelamente, proporcionou-se às partes o recurso a um verdadeiro e duplo grau de jurisdição em matéria de facto, conferindo-lhes uma maior e mais eficaz possibilidade de reagir contra eventuais erros do julgador de 1ª instância. Porém, procurando inibir divagações dos sujeitos processuais e evitar impugnações genéricas ou generalizadoras da decisão referente à matéria de facto, fizeram-se exigências ao recorrente que terá de ser, agora, mais meticuloso e parcimonioso na forma como procede à análise e à impugnação da decisão da matéria de facto.

Essas exigências ou ónus específico a cargo do recorrente impugnante da decisão da matéria de facto constavam já do art.º 690.º-A do Cód. Proc. Civil, na versão anterior, e foram reforçadas, constando agora do actual art.º 640º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil. Decorre deste que, no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no art.º 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na alínea a), n.º 2, desse artigo.

Nesta sede, ao contrário do que sustentam os recorrentes, foi propósito deliberado do legislador não instituir «qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação» a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual (art.º 640º, n.º 2). De resto, esse eventual convite, além de redundar num (novo) alargamento do prazo de oferecimento da alegação, contraria abertamente a ratio legis, de desencorajar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto»[2].

O convite ao aperfeiçoamento está reservado apenas, como se vê do disposto no art.º 639º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, para o recurso que verse sobre matéria de direito, procedimento que, a nosso ver, não será de observar em recurso tendo por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto[3].

No caso em apreço, a apelação impetrada pelos recorrentes versava também sobre a decisão da matéria de facto, tendo merecido a seguinte apreciação/decisão da Relação de Guimarães: “Desde logo, os recorrentes insurgem-se contra a decisão de facto, pretendendo a reapreciação da prova gravada, com o fundamento de que o tribunal a quo não faz qualquer menção aos depoimentos de parte e considera irrelevante a prova testemunhal. Todavia, em sede de impugnação da matéria de facto, o novo regime estatuído no artº 640º, nº1, als. a) e c), do CPC vigente (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26.06), na esteira, aliás, do anterior artº 685º-B, do CPC, impõe como ónus ao impugnante que especifique obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, os recorrentes omitem de todo quais os pontos concretos da matéria de facto que pretendem impugnar, assim como se ignora qual a decisão diversa da recorrida sobre o factualismo impugnado. Não basta indicar os depoimentos que impunham uma decisão genericamente diversa, nomeadamente em termos de decisão de direito, por incumprimento do contrato promessa imputável aos recorridos.

É manifesta a maior exigência hoje feita neste domínio - ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto - impondo às partes grande rigor e precisão, enunciando em concreto que factos foram incorrectamente julgados e qual o conteúdo dos factos correctamente julgados, uma procedente a impugnação….(….)…No caso sub judice, julgamos impor-se a conclusão de que os apelantes não observaram, de forma patente, os requisitos legais supra enunciados. Isto porque não discriminaram quais os pontos de facto que pretendem ver modificados e o sentido dessa modificação, limitando-se genericamente a afirmar qual a interpretação do relato de determinadas testemunhas - LL, MM, NN e OO – e do teor do depoimento do autor para concluírem que o contrato promessa de cessão de quotas se extinguir com a transacção no procedimento cautelar e, consequentemente, houve incumprimento do mesmo por culpa dos recorridos.

Nesta conformidade, inobservados os respectivos trâmites, vai indeferida a reapreciação da prova, com fundamento na prova testemunhal e por depoimento de parte – artº 640º, do CPC. Mantém-se, pois, a factualidade provada nos termos decididos pela 1ª instância – artº 663º, nº6, do CPC.”

Percorrendo, agora, a alegação que os recorrentes apresentaram na apelação e que consta de folhas 527 a 546, vê-se que, depois de um longo excurso em que se descreveu o percurso do litigio entre as partes, a narração dos factos provados, neste e noutro processo, fez-se o enquadramento do recurso, colocando-o, em dois níveis: a) o da vigência do contrato promessa; b) o da responsabilidade pelo incumprimento desse contrato (cfr. fls. 531 verso), discorrendo-se, depois, e argumentando sobre tais temáticas até folhas 538, altura em que, sob o título de reapreciação da prova gravada, se acrescentou “na audiência de julgamento houve lugar a depoimentos de parte dos autores e a prova testemunhal. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Mm.º Juiz a quo não faz qualquer menção aos depoimentos de parte e considera irrelevante a prova testemunhal. Ao contrário, e s.m.o., entendem os apelantes que alguns desses depoimentos constituem um importante contributo para a descoberta da verdade, nomeadamente quanto…..(….)…1-Vontade das partes de resolverem o contrato-promessa com a transacção judicial 2 - Incumprimento do contrato-promessa”.

Em lado algum, incluindo nas transcrições dos depoimentos que se seguem ou nas conclusões, que correspondem ao decalque do corpo alegatório, se indicam os concretos pontos da matéria de facto que são impugnados e muito menos é mencionada a proposta de decisão que deveria ser tomada pela Relação, o que nos leva a concordar com o veredicto daquele tribunal expresso no acórdão recorrido.

Também para nós é patente que os recorrentes não cumpriram o referido ónus processual específico, estabelecido pelo art.º 640º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, não merecendo ser acolhido tudo o que em contrário argumentaram e concluíram, a esse propósito.

O mesmo sucedendo, aliás, quanto à necessidade de previamente lhes ser dirigido convite ao aperfeiçoamento, antes da rejeição do recurso, procedimento que, como atrás já se acentuou, apenas é devido em matéria de direito (art.º 639º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil) e não é extensível ao recurso (ou à parte do recurso) que vise a impugnação da decisão da matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada. Refuta-se, pois, o entendimento que, a tal propósito, seguiu o acórdão citado pelos recorrentes e em que sobejamente se abonam[4] para lograr obter ainda o convite ao aperfeiçoamento da sua alegação relativa ao recurso de apelação que oportunamente impetraram e para cuja preparação beneficiaram até do alargamento do prazo de 10 dias (art.º 638º, n.º 7, do Cód. Proc. Civil).

Não cremos que os princípios processuais que referem ou o art.º 20º da CRP não consintam a interpretação normativa aqui feita, em total convergência com a realizada pela Relação, sobre o sentido e alcance do aludido ónus processual especifico a cargo do recorrente que impugne a decisão da matéria de facto e a consequência da sua inobservância.

Desde logo, aos recorrentes não foi negado o acesso ao recurso, tanto assim que a parte atinente à matéria de direito foi apreciada pela Relação e na parte em que houve imediata rejeição (a referente à impugnação da matéria de facto) viu a via recursiva aberta até ao Supremo Tribunal de Justiça em ordem a dilucidar se a Relação terá ou não aplicado correctamente a lei de processo. Não poderá, por isso, falar-se de indefesa ou negação de defesa.

Mais, beneficiaram até do alargamento do prazo para preparar meticulosamente a interposição do recurso para a Relação (art.º 638º, n.º 7, do Cód. Proc. Civil) e só não viram reapreciada a componente do recurso de apelação em que pretendiam impugnar a decisão da matéria de facto por circunstâncias derivadas exclusivamente do menor cuidado com que a alegação recursiva foi preparada e minutada, o que se insere na auto-responsabilidade das partes.

Por outro lado, esse ónus não pode ser tido, contrariamente ao que defendem os recorrentes, como desproporcionado ou sequer desrazoável e a sua inobservância não deverá ser suprida pelo tribunal de recurso que, na sequência das já referidas alterações legislativas, na área processual, viu reforçados os seus poderes, em sede de matéria de facto, com a inerente sobrecarga de trabalho para quem ali exerce funções, já que lhe é exigido, conforme vem sendo abundantemente salientado pela jurisprudência deste Alto Tribunal, que se debruce sobre os diferentes pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente, fazendo recair a sua análise crítica e incisiva sobre os meios probatórios por ele indicados, ou seja, terá de revisitar as provas em que o recorrente se abonou e, de seguida, atestar ou infirmar a razão probatória em que se fundamentou a 1ª instância para dar ou não como provado determinado facto.

Neste contexto, não parece razoável ou sensato fazer recair no tribunal de recurso maiores exigências do que aquelas que resultam da lei, ampliando o leque da sua carga funcional, com a criação de um prévio convite ao aperfeiçoamento, no caso de impugnação da matéria de facto, com o inerente retardamento da tramitação do recurso e subsequente protelamento da decisão.

Os casos em que tal se impõe encontram-se estabelecidos pelo legislador, nada consentindo ou aconselhando à sua ampliação, muito menos no campo da impugnação da decisão referente à matéria de facto, em que o recorrente dispõe de prazo mais alargado para meticulosamente preparar e elaborar o recurso. A leitura e alcance interpretativo feitos pelos recorrentes dos princípios processuais em que se abonam, conduziriam a que as partes e os seus mandatários se eximissem de toda e qualquer responsabilidade quanto ao desenrolar da lide, mesmo recursiva, pois sempre lá estaria o tribunal, qual permanente e insubstituível amparo assistencial, para suprir toda e qualquer deficiência que viesse a ser detectada nas suas alegações ou contra-alegações. A intervenção assistencial do tribunal, enquadrada nos princípios que os recorrentes citam, está reservada, apenas e tão só, para os casos definidos e previstos na lei de processo, o que não sucede relativamente ao convite prévio pelo qual se batem.   

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões dos recorrentes, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe apontam, nem viola as disposições legais ou princípios que indicam.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar consequentemente o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


*



Lisboa, 14 de Julho de 2016


António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que o recurso tem por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013 e o processo é posterior a 01 de Janeiro de 2008 (cfr. os seus art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º).

[2] Cfr, neste sentido, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, pág. 462, e demais doutrina e jurisprudência aí citadas.

[3] Cfr, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 127 a 129, e demais doutrina e jurisprudência aí citadas.

[4] Acórdão do STJ de 26.05.2015, proferido no processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1., acessível, através de www:dgsi.pt, cuja orientação não tem, segundo julgamos e fazer fé, na jurisprudência publicada, não tem tido seguidores.