Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2815/20.4T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;

II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.

III – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua actividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

IV- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Decisão Texto Integral:


Processo 2815/20.4T8FSR.E1.S1

Revista Excepcional

50/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou a presente ação comum contra Banco Santander Totta, S.A., pedindo a condenação da Ré:

“a. a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 33,33 %, correspondente a 9 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b. a pagar ao A. o valor de quantia de € 30.476,41 Euros, acrescido de juros de mora no montante de € 1.456,41 Euros, num valor total global de €31.933,34 Euros, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado, valor onde se encontram englobados os respetivos subsídios de férias e de Natal, acrescida dos juros vencidos até integral pagamento do valor em divida.

c. a aplicar uma regra pro rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d. a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente ação até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença”.

A Ré contestou.

Foi realizada audiência final.

Em 22.09.2021, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, julgo a ação procedente e, consequentemente, condeno o R., Banco Santander Totta, SA:

a) A reconhecer ao A., AA, o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 33,33 %;

b) A pagar ao A., AA, a quantia de € 30 476,41 (trinta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora no montante de € 1 456,41 (mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e quarenta e um cêntimos) e dos juros vincendos, à taxa legal, desde a entrada da ação até integral pagamento do valor em divida.

c) A aplicar uma regra de três simples no apuramento da parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo A. AA para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário desde a propositura da presente ação até trânsito em julgado da mesma, a liquidar em execução de sentença;

d) A pagar ao A. AA as quantias que, sem aplicação da regra referida em c), reteve desde a propositura da ação ou venha a reter até ao trânsito em julgado da ação, acrescidas de juros de mora, entretanto, vencidos e dos vincendos, à taxa legal, a liquidar em incidente de liquidação de sentença.”.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 24.02.2022, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão recorrida.

A Ré interpôs recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões:

D. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011), e que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 9ºe 10º do Código Civil, os artigos 11º, 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10/5 e os artigos 54º, 62º n.º 1, 63º n.º 5 e 67º n.º 1 da Lei das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei n.º 04/2007 de 16/1).

E. Ao contrário do Acórdão fundamento, o Acórdão recorrido entende (incorretamente) que o Recorrente deduz da pensão de reforma que é paga pela Segurança Social ao Recorrido um montante acima do que seria admissível face ao estabelecido na Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, 1ª Série, n.º 29 de 08.08.2016, determinando que para o cálculo do valor da pensão paga pela Segurança Social a reter pelo Recorrente deverá ter-se única e exclusivamente em consideração o tempo relevante para a formação da pensão, dividindo-se esta pelo critério pro rata temporis.

F. A questão em análise nos presentes autos está relacionada com a coordenação entre regimes previdenciais (o regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e o regime previdencial dos bancários previsto no na regulamentação coletiva do setor bancário) quanto à prestação a atribuir na eventualidade de velhice, entendendo (incorretamente) o Acórdão recorrido que no cálculo do valor da pensão a reter pelo Recorrente se terão que considerar os 48 anos de descontos para a Segurança Social e não apenas os 40 anos que para a própria Segurança Social relevaram quer para a taxa de formação da pensão, quer para o cálculo da remuneração de referência.

G. A regra geral é a de que as instituições bancárias apenas se responsabilizam pela diferença entre os benefícios pensionísticos que o regime substitutivo garante e aqueles, da mesma natureza, que sejam pagos pela Segurança Social, sendo que a dúvida surge quando nem todo o valor dos benefícios da pensão de reforma paga pela Segurança Social decorrem do serviço prestado no setor bancário, caso em que as instituições bancárias apenas poderão fazer seu o valor que decorra do tempo de serviço prestado no setor.

H. O Recorrido esteve enquadrado no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem no período entre dezembro de 1970 e 03.04.1988 e entre 04.04.1988 e 31.07.1989, tendo a partir dessa data e até 31.12.2010 estado integrado no sistema previdencial dos bancários e a partir de 01.01.2011 até ao final da sua carreira contributiva ao serviço do Recorrente efetuado descontos para a Segurança Social (cfr. fls 2 do Doc. N.º 3 junto com a PI), sendo que entre dezembro de 1970 e 03.04.1988 não prestou atividade para instituições bancárias e entre 04.04.1988 e 31.04.2018 prestou atividade para o Recorrente.

I. Em cada um dos anos entre 1971 e 1989 e 2011 e 2018 foram registados na segurança social “períodos com contribuições”, tendo ainda sido considerados 21 anos (entre 08/1989 e 12/2010) referentes ao período de trabalho em que o Recorrido esteve abrangido pelo sistema previdencial dos bancários e onde não efetuou descontos para a segurança social (cfr. fls. 2 – “Anos civis para determinação da taxa de formação” - do Doc. N.º 3 junto com a PI).

J. Todas as retribuições auferidas pelo Recorrido e registadas na segurança social em cada um dos anos entre 04.04.1988 e 30.04.2018, foram de montante superior às pelo mesmo recebidas entre dezembro de 1970 e 03.04.1988 (cfr. fls. 2 – “carreira contributiva / remunerações” - do Doc. N.º 3 junto com a PI).

K. A remuneração de referência considerada para cálculo da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi determinada de acordo com dois critérios: (i) o primeiro critério corresponde à soma das 10 remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva, (ii) o segundo critério corresponde à soma das remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido, “até ao limite de 40”

L. A taxa de formação da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi, por aplicação do artigo 34º do D.L. n.º 187/2007, de 80%, correspondendo esses 80% a 40 anos de carreira contributiva, cada um deles valorizado à taxa de 2%, correspondendo esses 80% ao máximo de anos civis – 40 – admitidos pelo artigo 32º do D.L. n.º 187/2007.

M. A pensão de velhice atribuída pela Segurança Social ao Recorrido foi determinada considerando 40 anos de contribuições, sendo que 31 dos anos considerados foram cumpridos no período de 1988 e 2018 (cfr. fls. 2 – “determinação da remuneração de referência” - do Doc. N.º 3 junto com a PI), ou seja, durante o período durante o qual o Recorrido se encontrava ao serviço do Recorrente.

N. Na cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário estabelece-se que “As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no n.º 3 da cláusula 92ª, bem como aos demais titulares de pensões e subsídios neles previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços da Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta Secção”.

O. Ainda com o propósito de coordenar os benefícios do sistema previdencial da Segurança Social (no caso, a pensão de velhice da segurança social) e as prestações da mesma natureza com origem no Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancários, no n.º 2 da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário esclarece-se que “para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª”

P. Tendo em consideração as regras convencionais supra referidas, há que as coordenar com as regras legais em vigor por forma a proceder ao cálculo do remanescente da pensão paga pela Segurança Social ao Recorrido e que deverá ser retida pelo Recorrente.

Q. A Lei (artigo 26º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10.05) enumera os factos relevantes para o cálculo da pensão estatutária de velhice, a saber: (i) remuneração de referência; (ii) taxa global de formação da pensão; e (iii) fator de sustentabilidade, quando a ele haja lugar.

R. O artigo 28º do D.L. 187/2007 determina que a remuneração de referência considera toda a carreira contributiva até ao limite de 40 anos e que, quando o número de anos civis com registo de remunerações for superior a 40, para apuramento da remuneração de referência se considera a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas.

S. Por força da Lei, apenas as 40 remunerações anuais mais elevadas são consideradas para efeitos de formação da remuneração de referência, sendo que, no caso do Recorrido, 31 dessas 40 remunerações mais elevadas foram pagas pelo Réu, sendo que tais remunerações contribuíram em 88,66% no apuramento da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice do Recorrido.

T. Acresce que, considerando a situação dos beneficiários – como é o caso do Recorrido – inscritos na Segurança Social até 31.12.2001 (artigo 33º n.º 1 do D.L. 187/2007) para o cálculo da remuneração de referência também é considerado “o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, com registo de remunerações” – artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007.

U. Nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva o Recorrido prestou a sua atividade no sector bancário ao serviço do Recorrente, pelo que neste segundo critério de cálculo, a totalidade da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice foi auferida pelo Recorrido ao serviço do Recorrente, pelo que a retribuição auferida pelo Recorrido em atividade fora do Recorrente não contribuiu em mais de 11,34% para o apuramento da sua remuneração de referência.

V. No que respeita à (ii) taxa global de formação da pensão, de acordo com artigo 29º do D.L. n.º 187/2007, na taxa de formação da pensão o número máximo relevante de anos é 40 (quarenta), sendo esta regra reafirmada nos artigos 31º e 32º do D.L n.º 187/2007.

W. É, pois, mais uma vez por demais evidente que a taxa de formação da pensão de velhice do Recorrido apenas considerou, por imposição legal, 40 dos 48 anos da sua carreira contributiva, sendo que, como acima referido, os anos civis relevantes para o cálculo da remuneração de referência são aqueles em que, até ao limite de 40 anos, foram pagas a remunerações anuais revalorizadas mais elevadas (artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007).

X. Deste modo, no que respeita aos critérios relevantes para a formação da pensão estatutária do Recorrido que:

i. 88,66% da remuneração de referência foi registada no período em que o Recorrido trabalhou para o Recorrente (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI e Doc. N.º 1 ora junto);

ii. a taxa de formação da pensão foi limitada aos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas, sendo que 31 em 40 foram precisamente ao serviço do Recorrente.

Y. Entender-se – como o Acórdão recorrido entende – que o Recorrido ao reter 88,66% da pensão de velhice da segurança social desconsidera a totalidade da carreira contributiva do Recorrido carece de fundamento e de sentido. Na verdade, tal “desconsideração” não decorre da vontade do Recorrido e a existir decorre única e exclusivamente da Lei que limita a 40 anos (os que correspondem às 40 remunerações anuais mais elevadas) o período de carreira contributiva a atender para efeitos de determinação da remuneração de referência e da taxa de formação da pensão. Deste modo, é inquestionável que o Recorrente se “limita” a seguir, nos seus precisos termos, os comandos legais em vigor sobre esta matéria.

Z. Não se poderá entender como violado o artigo 63.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. Nesta disposição determina-se que “todo o tempo de trabalho contribui (…) para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez”, tal sucede sempre “nos termos da Lei”, ou seja, de acordo com as previsões legais em vigor (incluindo, naturalmente, no que respeita aos limites máximos impostos).

AA. No que respeita ao cálculo da pensão de reforma devida ao Recorrido, cumpre recordar que o sistema de segurança social português tem como princípio basilar o princípio da contributividade. Este princípio determina que o cálculo da pensão tem por base os rendimentos de toda a carreira contributiva (com o limite das 40 remunerações mais elevadas), tendo o Decreto-Lei 187/2007 de 10.05 (cfr. artigo 33º) introduzido uma nova fórmula de cálculo da pensão estatutária, consagrando um regime específico para os trabalhadores (como é o caso do Recorrido) inscritos na Segurança Social até 31.12.2001.

BB. Esta forma de cálculo encontra-se espelhada no Doc. N.º 3 junto com a PI (campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 33º”). Num dos regimes – a designada P1 - a pensão calculada considera como “N” o “número de anos civis contados para o efeito. Esta taxa tem como limite máximo 80%” (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 34º”); o outro regime – a designada P2 – considera o número de anos civis até ao limite de 40 (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI . campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 32º”).

CC. Ou seja, a Lei não atribui relevância ao período da carreira contributiva para além dos 40 anos.

DD. É, pois, inequívoco que a pensão de velhice do Recorrido resultou de uma carreira contributiva limitada a 40 anos, correspondentes aos 40 anos em que o mesmo auferiu as 40 remunerações anuais mais elevadas (31 dos quais ao serviço do Recorrente).

EE. Deste modo, por aplicação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, no cálculo do valor da pensão a reter pelo Recorrente não terão que se considerar os 48 anos de descontos para a Segurança Social, mas apenas os 40 anos que relevam quer para a taxa de formação da pensão, quer para o cálculo da remuneração de referência.

FF. No que respeita à questão de ter única e exclusivamente em consideração o tempo relevante para a formação da pensão, dividindo-se este pelo critério pro rata temporis cumpre referir que tal não corresponde a uma correta aplicação do estabelecido pela Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário.

Com efeito,

GG. No âmbito do regime geral de segurança social há que considerar que o reconhecimento do direito à pensão de velhice depende do preenchimento das respetivas condições de acesso (definidas no D.L. n.º 187/2007 de 10.05), designadamente:

 inscrição do beneficiário no sistema de segurança social e requerimento da pensão pelo beneficiário;

 condição de idade inerente a esta eventualidade;

 preenchimento do prazo de garantia de contribuições dos trabalhadores e respetivas entidades empregadoras.

HH. Sendo um sistema contributivo, o sistema da segurança social tem por base os rendimentos do trabalho, pelo que no que respeita ao modo de cálculo da pensão (cfr. artigo 26º n.º 2 do D.L. n.º 187/2007) a lei atende ao número de anos de carreira contributiva e à média das remunerações anuais do trabalhador ao longo desses anos, aplicando a estes fatores uma taxa (a taxa de formação da pensão)

II. O sistema de segurança social rege-se por regras e princípios gerais previsto na Lei das Bases Gerais do Sistema da Segurança Social (LBGSSS), designadamente:

 princípio da contributividade (existe uma relação sinalagmática direta entre a obrigação de contribuir e o direito às prestações) – artigo 54º LBGSSS;

 princípio da não acumulação de benefícios sociais da mesma natureza – artigo 67º n.º 1 da LBGSSS;

 o valor das remunerações registadas constitui a base de cálculo para a determinação do montante das prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos da atividade profissional – artigo 62º n.º 1 LBGSSS;

 o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos do trabalho revalorizados, de toda a carreira contributiva – artigo 63º n.º 5 da LBGSSS -, o que traduz o princípio geral da unidade do sistema de segurança social (artigo 16º da LBGSSS) e o princípio constitucional (artigo 63º n.º 4 da CRP) que determina que todo o tempo de trabalho tem de ser considerado no cálculo das pensões de velhice e invalidez.

JJ. As condições de atribuição da pensão de velhice são muito diferentes nos dois sistemas (segurança social e previdencial dos bancários) porquanto o regime de segurança social tem como substrato essencial as contribuições dos beneficiários, no sistema previdencial do ACT dos bancários o direito às prestações sociais não assenta necessariamente nas contribuições dos trabalhadores beneficiários, nem é exigido um prazo de garantia ou densidade contributiva. Assim, o sistema público de pensões tem em consideração não apenas os anos de carreira contributiva, mas também as respetivas remunerações sobre as quais recaíram contribuições, pelo que nesse sistema o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva. Deste modo, a taxa global da pensão tem a ver com a totalização de períodos contributivos à razão de uma taxa de formação de cerca de 2% por cada ano até ao máximo de 80%.

KK. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 1-A/2011 de 3 de janeiro todos os trabalhadores bancários foram integrados no regime geral da Segurança Social quanto à eventualidade de velhice com efeitos a 01 de janeiro de 2011 (cfr. Decreto-Lei n.º 1-A/2001, de 3 de Janeiro, artigos 1.º/1, 2.º, 3.º/2, alínea b) e 11.º/2), pelo que a partir desta data o regime do Setor Bancário assumiu, quanto aos trabalhadores bancários, natureza complementar, conferindo benefícios apenas na parte que exceda o valor das prestações atribuídas pela segurança social – ou, na formulação dos acordos coletivos de trabalho mencionados, na «diferença entre o valor desses benefícios [“atribuídos por instituições ou serviços de segurança social”] e o dos previstos nesta secção” (ACT 2011, cl.ª 136.ª/1, segunda parte; ACT 2016, cl.ª 94.ª/1, segunda parte).

LL. A integração dos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social determina a necessidade de coordenação de regimes, sendo que no caso dos trabalhadores admitidos antes de 2009 (como é o caso do Recorrido) ficou estabelecido que os mesmos, apesar de beneficiarem de pensões do regime geral, continuam a beneficiar das mensalidades da pensão bancária, que continua a funcionar como complementar, continuando o período de descontos para a segurança social (desde janeiro de 2011) a contar igualmente para efeitos de antiguidade da pensão bancária, o que garante a estes trabalhadores um benefício acrescido, porquanto o período de serviço após 2011 tem efeitos de incremento quer na pensão do regime geral, quer na pensão bancária. É, pois, evidente que regime transitório não coloca em causa o n.º 4 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, pois existe uma total salvaguarda do antigo sistema porquanto ficou garantido que os bancários receberão, sem mais encargos, pelo menos os valores correspondentes às “mensalidades” de acordo com todo o tempo de serviço (incluindo após 01.01.2011) prestado até à reforma.

MM. Foi, no entanto, instituído um mecanismo de limitação das responsabilidades, de modo a permitir determinar nas pensões pagas pela Segurança Social o que é imputável à Banca e o que é imputável a outros empregos – esse mecanismo é o previsto na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, sendo a responsabilidade do Recorrente limitada ao que não é conferido pelo sistema público. Ou seja, vigora o princípio de não acumulação de benefícios da mesma natureza também se encontra previsto no artigo 67º n.º 1 da LBGSSS.

NN. Assim, ao regime substitutivo (mais vantajoso) do ACT do Setor Bancário devem deduzir-se os benefícios da mesma natureza atribuídos pela Segurança Social (cfr. cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário), não se podendo deduzir o que resultar de esforço contributivo do trabalhador por trabalho prestado fora da Banca, o que impede o Recorrente de cumular o benefício previdencial previsto na indicada regulamentação coletiva com a mesma pensão de velhice da segurança social, tendo apenas a receber a diferença entre eles.

OO. Para aplicação da regra constante da cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário é necessária uma operação técnica: a operação de cálculo da diferença do valor das prestações dos dois sistemas de segurança social que se sobrepõem.

PP. A cláusula 94ª é totalmente omissa relativamente à operação de cálculo da diferença do valor das prestações pois apesar de se estabelecer a regra da responsabilidade complementar das Instituições de Crédito, nada se estabelece sobre o modo de operacionalizar/calcular essa responsabilidade, existindo assim uma lacuna regulativa no ACT do Setor Bancário.

QQ. Assim, numa primeira linha, a questão a resolver nos presentes autos não se reconduz à interpretação da Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, havendo sim que proceder à integração da lacuna do regime previdencial do ACT do Setor Bancário.

RR. Há, pois, que analisar a Cláusula 94ª n.º 1 segunda parte de acordo com os critérios de integração de lacunas da lei (estabelecidos no artigo 10º do Código Civil), não deixando, contudo, de ter em consideração os critérios de interpretação da Lei (conforme estabelecido no artigo 9º do Código Civil).

SS. Para a determinação do sentido da norma (artigo 9º do CC) deve atender-se ao elemento literal (exigindo-se que o sentido da norma tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso – artigo 9º n.º 2), deve ponderar-se a intenção do legislador conjugando-a com o momento em que a norma é aplicada e deve ainda atender-se ao elemento sistemático.

TT. Na integração das lacunas da norma (artigo 10º do CC) deve atender-se às normas aplicáveis a situações análogas (artigo 10º n.º 1 do CC) e, na falta de caso análogo, integrando a lacuna segundo a norma que o intérprete criaria se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10º n.º 3 do CC).

UU. No caso em análise nos presentes autos, há que verificar se existe alguma situação análoga ao caso omisso que seja regulada na Lei. Existindo essa situação análoga regulada na Lei, integra-se a lacuna através da aplicação daquele regime ao caso omisso.

VV. Estando em causa a desagregação da parte da pensão sujeita ao regime legal da pensão de velhice e invalidez aprovado pelo D.L. n.º 187/2007 de 10.05 e tendo esse regime legal regras próprias para o cálculo desta pensão, tais regras, tendo sido aplicadas para determinar o valor daquela pensão, não podem deixar de ser aplicar na operação desatinada a determinar o valor dos benefícios da mesma natureza, pelo que para a situação em análise nos presentes autos a situação análoga é a prevista no artigo 28º do Decreto-lei n.º 187/2007.

WW. Para o cálculo da pensão de velhice o artigo 28º do D.L. 187/2007 de 10.05 manda atender ao tempo de trabalho com registo de contribuições (carreira contributiva) e à remuneração de referência, aplicando ao produto destes fatores a taxa de formação da pensão. Assim, se estes fatores são tidos em conta na fase de construção da pensão da segurança social, os mesmos não podem deixar de ser tidos em conta na determinação das parcelas que compõem essa mesma pensão e que, ainda dentro desse mesmo processo de construção da pensão, têm que ser separadas para determinar a medida da responsabilidade complementar que eventualmente caiba às Instituições de Crédito no âmbito da Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário – cfr. a este propósito o elucidativo e Douto Parecer de Direito da Senhora Professora Maria do Rosário Palma Ramalho já junto aos autos.

XX. A lacuna regulativa da cláusula 94ª n.º 1 II parte do ACT do Setor Bancário quanto ao modo de cálculo da diferença entre a pensão de velhice garantida pela Segurança Social e a reforma de invalidez presumível prevista no ACT do Setor Bancário terá, nos termos estabelecidos no artigo 10º do CC, necessariamente que ser integrada através da aplicação das regras de cálculo da pensão de velhice previstas no D.L. n.º 187/2007 de 10.05.

YY. Assim sendo, só a consideração, não apenas dos anos das duas fases da carreira contributiva (dentro e fora do setor bancário e com o limite dos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas), mas também as remunerações que consubstanciam essa carreira contributiva na medida em que essas remunerações assumem na valorização dos benefícios, é que dá total aplicação à salvaguarda prevista na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, sendo que o critério pro rata temporis apenas é aceitável em regimes alheios à contributividade (o que não é o caso do regime geral da Segurança Social português).

ZZ. Se por mera hipótese de raciocínio se entender que a situação em causa nos presentes autos não configura uma lacuna regulativa (o que apenas por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se concebe), reduzindo-se apenas a uma questão de interpretação da cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário, sempre se chegaria a idêntica conclusão.

AAA. Mesmo com recurso aos critérios de interpretação da Lei estabelecidos pelo artigo 9º do CC, o critério pro rata temporis não seria passível de aplicação pois, desde logo, este critério não se coaduna com o sentido (ratio legis) da regra da Cláusula 94ª n.º 1 (segunda parte) a que o artigo 9º n.º 1 do CC manda atender e também não tem um mínimo de correspondência na letra da referida Cláusula como manda atender o n.º 2 do artigo 9º do CC.

BBB. Acresce que o critério adotado pelo Recorrido(e pelo Acórdão fundamento) não coloca em causa qualquer preceito constitucional. Desde logo, não é colocado em causa o princípio da igualdade uma vez que, como acima já referido, o sistema previdencial dos bancários é até mais favorável do que o regime geral da segurança social - cfr. Ac. do TC n.º 675/2005 – (diga-se, aliás, que este princípio determina que se trate de modo diferente o que é diferente, ou seja, manda tratar de forma diferente e proporcional as situações em que há diferentes valores de rendimentos de trabalho descontados nas contribuições e quotizações).

CCC. O princípio da confiança também não é posto em causa uma vez que com a forma de cálculo adotada pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento não há uma qualquer diminuição de proteção, sendo inclusivamente inteiramente respeitados os direitos em formação (cfr. artigo 66º da LBGSSS), sendo que relativamente ao trabalho prestado fora da Banca o Recorrente recebe integralmente aquilo que resulta dos seus descontos revalorizados

DDD. Também é respeitado o n.º 4 do artigo 63º da CRP. No método utilizado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento o tempo dentro e fora da Banca não deixa de contribuir para a reforma, o tempo conta sempre e proporcionalmente quando (como é no método adotado pelo Recorrido) é considerada a carreira contributiva (que é expressa em descontos). Aliás, em momento algum a CRP refere que só o tempo deve ser considerado e que deverá ser ignorado o volume das contribuições.

EEE. Não se poderá igualmente ignorar que a Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário prevê uma regra que limita a responsabilidade das instituições bancárias, permitindo que esta corresponda apenas à diferença entre o valor dos benefícios pensionísticos pagos pela Segurança Social e o valor dos benefícios previstos no ACT.

FFF. Na cláusula 94ª não se refere “tempo”, mas sim “contribuições”, “valores” e “benefícios” referindo-se expressamente que a responsabilidade das instituições bancárias se limita a uma diferença entre o valor (e não tempo…) dos benefícios da segurança social e dos previstos no ACT do Setor Bancário. A cláusula 94ª do ACT impõe assim uma averiguação dos fatores de formação da pensão paga pelo sistema público para permitir apurar o que é imputável a cada um dos períodos (fora e dentro da Banca).

GGG. Assim, o critério pro rata temporis fixado pelo Acórdão recorrido e defendido pelo Recorrido não encontra qualquer sustentação nem na letra nem no espírito da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário.

HHH. Há igualmente que atender ao elemento racional da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário. O objetivo é evitar o locupletamento do trabalhador com duas fases de serviço na Banca (uma não contributiva e outra contributiva) em que a segunda confere expetativas (ainda que virtuais) nas pensões da Segurança Social e simultaneamente nas reformas (“mensalidades”) bancárias, evitando-se igualmente um encargo excessivo para o empregador

III. Este equilíbrio e equidade só são possíveis de ser alcançados se se tiver em conta não só o tempo, mas também o esforço contributivo em cada um dos momentos (dentro e fora da Banca), ou seja, se se considerar a distribuição dos benefícios em função do esforço contributivo, sendo que este desiderato só é possível se for adotado o método de cálculo adotado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento (em que deduz na pensão que suporta a totalidade da pensão paga pela Segurança Social para a qual contribuiu na íntegra).

JJJ. Por fim, há ainda que atender aos elementos sistemáticos: a cláusula 94ª do ACT destina-se a evitar uma questão de dupla proteção.

KKK. O princípio da contributividade encontra-se previsto e é basilar do regime geral da segurança social (cfr. artigo 54º da LGBSSS) e tem por base uma regulamentação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações (bem como ao respetivo montante). Neste regime a dimensão dos contributos (contribuições) é pedra basilar e tem influência direta nas prestações de reforma.

LLL. É, pois, evidente que o critério pro rata contributum é o único que permite dar plena e efetiva aplicação às regras previstas na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, pelo que o método de cálculo adotado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento não merece qualquer censura ou reparo devendo o mesmo ser reconhecido como o correto e correspondente ao espírito e letra da citada cláusula.

MMM. A divisão em duas parcelas daquela pensão – a correspondente ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário (“pensão extra-banco”) e a que resulta do trabalho para o Recorrente – deve considerar os mesmos fatores de cálculo, sob pena de se apurar de modo distinto o valor da totalidade da pensão e o de parte dela.

NNN. A remuneração de referência auferida pelo Recorrido durante o período de trabalho prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário, revalorizada de acordo com as regras legais aplicáveis, foi inferior à que recebeu ao serviço do Recorrente, pelo que a pensão correspondente àquele período de trabalho, calculada nos termos acima indicados, é naturalmente inferior à gerada pela carreira contributiva adquirida enquanto trabalhador do Banco.

OOO. Tendo em conta o método acima referido, do montante da pensão de velhice do regime geral de segurança social, 88,66% do valor corresponde ao número de anos da carreira contributiva do Recorrido ao serviço do Recorrente e ao valor da correspondente remuneração de referência, e 11,34% do valor da pensão da Segurança Social corresponde ao número de anos daquela carreira contributiva e ao valor da remuneração de referência respeitantes ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário. É, pois, inequívoco que não há qualquer incorreção na divisão da pensão de velhice do regime geral de segurança social auferida pelo Recorrido.

PPP. Por aplicação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, o Recorrente tinha – e tem – direito a deduzir 88,66% do valor da pensão de reforma paga pela Segurança Social, pelo que é imperioso reconhecer-se a correção do método de cálculo adotado pelo Recorrente (e pelo Acórdão fundamento), bem como a correção dos cálculos efetuados, não sendo o Recorrente devedor de qualquer montante ao Recorrido, o que igualmente deverá ser reconhecido, revogando-se, em consequência, o Douto Acórdão recorrido.

O Autor contra-alegou.     

Por acórdão da Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil foi a revista excepcional admitida.

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
x
Cumpre apreciar e decidir.
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário, publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011.
x
Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

1. A R. é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.

2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, pg. 2339 e ss., instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.

3. O A. encontra-se filiado no Mais Sindicato, que também usou Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.º ...

4. O A. foi admitido ao serviço da R. em 04 abril de 1988.

5. Por acordo celebrado entre as partes em 22.03.2018, o A. passou à situação de reforma, com efeitos a 1 de maio de 2018.

6. Por comunicação escrita datada de 22 de setembro de 2018 o Centro Nacional de Pensões informou o A. que “(…) o requerimento oportunamente apresentado foi deferido (…) a pensão por VELHICE tem início em 2018-05-01, sendo o seu valor atual € 1 564,76.

O pagamento dos valores que tem direito será efetuado no mês de 2018-10, através do Banco Santander Totta.(…)”.

7.Tal valor sofreu as seguintes atualizações:

- De maio a dezembro de 2018, € 1 564,76;

- De janeiro a dezembro de 2019, € 1 576,36;

- De janeiro de 2020 até à presente data, € 1 580,14.

8. O A. passou à situação de reforma integrado no nível 15 do ACT para o setor bancário, passando a auferir uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a mensalidade base de, e segundo as sucessivas atualizações:

- € 1 828,04 de maio de 2018 até dezembro de 2018;

- € 1 832,61 de janeiro de 2019 até outubro de 2019;

- € 1 847,27 daí em diante;

9. Acrescida de diuturnidades no valor de € 281,15 até dezembro de 2018; de € 283,26 de janeiro até outubro de 2019 e, daí em diante, no valor de € 285,53.

10. O Banco Santander, adianta a pensão de reforma, de acordo com os cálculos do Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário, recebendo, depois, a totalidade do valor pago pela Segurança Social, através de instrumento emitido pelo bancário para esse desiderato, sendo considerada “instituição centralizadora”, em montante equivalente ao período de trabalho a seu serviço, abonando, depois, o trabalhador pela diferença – o valor que nos recibos é pago ao A. a título de “Pensão Extra-Banco”.

11. A título de pensão extra banco a R. pagou ao A.:

a) entre maio de 2018 e dezembro do mesmo ano € 178,88/mês acrescida de duas prestações no mesmo valor relativas a subsídio de Natal e férias;

b) entre janeiro de 2019 e dezembro do mesmo ano € 178,37/mês acrescida de duas prestações no mesmo valor relativas a subsídio de Natal e férias;

c) entre janeiro de 2020 e outubro do mesmo ano € 179,07 /mês acrescida de uma prestação no mesmo valor relativas a 14º mês em abril;

12. O A. teve a seguinte carreira contributiva:

a) De 01-12-1971 a 03-03-1988 efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividade dependente remunerada a entidade não bancária;

b) De 04-04-1988 a 31-07-1989 efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes da admissão no Banco BCI/Santander, então integrado no RGSS;

c) De 08-1989 a 12-2010, enquanto trabalhador bancário, alterou o regime de descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

d) de 01/2011 até à reforma, por força da extinção da CAFEB, passou a descontar para a Segurança Social.

13.Em data anterior a 2 de janeiro de 2019 o A. remeteu escrito à R. declarando “ (…) foi reconhecido, através de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o princípio da proporcionalidade direta (ou da regra de três simples) no pagamento das reformas, no caso do trabalhador ter prestado trabalho fora do sector - ou máxime, no caso do trabalhador ter descontado, alternadamente, para a segurança social.

Neste considerando impõe-se a correção imediata do método de divisão que aplicam no valor que aufiro a título de pensão paga pela segurança social, sendo-me devolvida a quantia ilicitamente descontada.(…)”.

14. Por carta datada de 02/01/2019 a R. comunicou ao A. que “ (…) O Banco procedeu à divisão em duas parcelas da pensão auferida por V. Exa. proporcionalmente ao tempo de serviço por si prestado em cada um dos períodos considerados, mas também ao valor de referência que neles auferiu.

A remuneração auferida por V. Exa. durante o período de trabalho prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do setor bancário, revalorizada de acordo com as regras legais aplicáveis, foi inferior à que recebeu ao serviço deste banco, pelo que a pensão correspondente àquele período de trabalho, calculada nos termos acima indicados, é naturalmente inferior à gerada pela carreira contributiva adquirida enquanto trabalhador no Banco. (…)”.

15.Em 28.01.2019 o A. voltou a comunicar à R. “(…) para manifestar a (…) indignação com o modo como o Banco Santander (…) está a tratar do assunto da reforma, na parte (…) atribuída pela segurança social(…)” ( conforme fls. 104vº a 105 que se dão por reproduzido.

16.Por carta datada de 11.03.2019, a R. reafirmou a posição já anteriormente assumida.

17. Durante o processo negocial de revisão do Acordo Coletivo de Trabalho o Grupo negociador em representação das instituições de crédito na negociação da cláusula correspondente ao pagamento do subsídio de doença dos trabalhadores o R., representado pelo GNIC, tece a seguinte consideração à formulação da cláusula:

“Cláusula 41.ª, n.º 2, alínea e)

O GNIC considera desnecessária a inclusão desta alínea, cuja eliminação propõe, tendo em conta que o conteúdo da Cláusula 69.ª, já acordada, e do novo n.º 1 da Cláusula 70.ª, proposto pelo GNIC, solucionam esta matéria, no sentido de que, quando o valor do subsídio de doença previsto no ACT for superior ao pago pela Segurança Social há lugar ao pagamento de um complemento do subsídio de doença”.

18. Na mesma ronda negocial, quanto à cláusula que prevê a forma de justificação de falta pelo trabalhador bancário:

“Cláusula 73ª-A

O GNIC referiu que o conteúdo desta cláusula deve ser coincidente com o regime do Serviço Nacional de Saúde relativo à emissão do Certificado de Incapacidade Temporária (CIT), tendo-se registado consenso sobre esta matéria”.

Ao abrigo do disposto no art.º 607.º n.º 4 do CPC ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT, por força do teor de fls. 19 vº a 21 provou-se ainda que:

19. No cálculo da pensão, a título de remuneração de referência, a segurança social considerou vinte e sete remunerações, ou seja as relativas aos anos de 1971 a 1988, 1989, 2011 a 2018.

x
- o direito:

A questão da interpretação das cláusulas 136.ª do anterior ACT Bancário e 94ª do ACT Bancário publicado em 22.01.2011 ou 98º do ACT do Montepio publicado em 28/02/2017, já foi objecto, neste Supremo Tribunal e secção social, de várias decisões- v.g., entre vários e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos desta Secção Social de 08.06.2021, P. 2276/20.8T8VCT.S1, de 29.09.2021, P. 17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 23.06.2021, P. 2115/20.0T8VFR.S1, e de 29.09.2021, P. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e. mais recentemente, de 01.06.2022, proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S1 e de 11/05/2022, proc. 2722/20.0T8CSC.S1.

Os pedidos deduzidos nestes autos pelo Autor, bem como a respetiva causa de pedir, coincidem, no essencial, com tudo aquilo que estava em causa nesses outros processos nos quais foi demandado quer a mesma Ré, quer outras instituições bancárias.

Assim sendo, dada essa similitude e por aderirmos à respetiva argumentação, passamos a citar a seguinte passagem do citado aresto de 08.06.2021:

“(…)

A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

“Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”[…]

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho […] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

Sem necessidade de mais considerações, há que concluir no sentido da improcedência da revista.

x

Decisão:

Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 29/11/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes

Sumário (da responsabilidade do Relator e reproduzindo o constante do acórdão de 01/06/2022, proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S1).