Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3316/05.6TBMTS.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
OBJECTO DO PROCESSO
OBJETO DO PROCESSO
DECISÃO ARBITRAL
LIMITES DO CASO JULGADO
INDEMNIZAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
AVALIAÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA / PROCESSO DE ARBITRAGEM / DECISÃO ARBITRAL / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, 705.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGOS 1.º, 38.º, N.º 1, 48.º, 49.º, 52.º, 58.º, 60.º, N.º 2, E 61.º, N.º S 1 E 2, 66.º, N.º5.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, N.º1, 621.º, 629.º, N.º 2, AL. D), 1082.º A 1084.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 62.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12 DE OUTUBRO DE 2010 (PROCESSO N.º 4925/07.4TBGMR.G1.S1) E DE 13 DE JULHO DE 2010 (PROCESSO N.º 4210/06.9TBGMR.G1.S1), AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 30 DE OUTUBRO DE 2012 (PROCESSO N.º 1333/06.8TBFLG.G.2S1), ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - No processo de expropriação, o objeto da relação material controvertida está consubstanciada na expropriação de um bem mediante o pagamento da justa indemnização.

II - O caso julgado da decisão arbitral, no processo de expropriação, limita-se à indemnização fixada, não se estendendo à fundamentação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


Nos autos de expropriação por utilidade pública urgente, em que é Expropriante Metro do Porto, S.A., e Expropriados AA e BB, tendo por objeto a parcela de terreno identificada pela referência TE-NM-…, com a área de 1715,30 m2, situada em Goimil, freguesia de Leça do Balio, concelho de Matosinhos, a destacar do prédio rústico, descrito, sob o n.º 00784/… (freguesia de Leça do Balio), na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, as Expropriadas recorreram para o então 1.º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos (Instância Local de Matosinhos, Secção Cível, Comarca do Porto) do acórdão arbitral, que fixara a indemnização, pela expropriação, no valor de € 141 195,95.

Realizada a instrução, onde se incluiu a avaliação, na qual se concluiu por atribuir à indemnização o valor de € 169 814,49, por sentença de 2 de fevereiro de 2015, a indemnização foi fixada em € 221 873,84.

Inconformada, a Expropriante apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 25 de janeiro de 2016, concedeu parcial provimento ao recurso, fixando a indemnização no montante de € 169 814,49.


Inconformadas, as Expropriadas recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

a) O acórdão recorrido está em contradição com o acórdão fundamento, quanto à formação do caso julgado da decisão arbitral.

b) O acórdão fundamento é o que melhor se coaduna com a natureza do processo especial de expropriação e com o silogismo judiciário.

c) O processo atinente à fixação da justa composição compõe-se pela aglutinação da operação de classificação e de avaliação do solo, sendo qualquer uma delas um pressuposto ancilar obrigatório e que condiciona de sobremaneira o resultado daquela decisão.

d) A decisão da Expropriante em não recorrer e das Expropriadas em sindicar a decisão arbitral em determinados aspetos concretos, define o âmbito do conhecimento do Tribunal (princípio do pedido), mas também toda a atividade instrutória, sobretudo quando quer a arbitragem, quer a avaliação, assumiram o mesmo critério de determinação da justa indemnização.

e) Se o resultado da avaliação assenta em toda uma série de premissas que são decididas pelos árbitros, a força do caso julgado há de estender-se àquelas premissas, àqueles parâmetros que determinam o resultado final da avaliação e não ater-se unicamente a este.

f) Impõe-se a aplicação do direito nos termos sufragados ao nível do acórdão fundamento.   


Pretendem as Expropriadas, com o provimento do recurso, a fixação da indemnização nos termos constantes da sentença.


Não foram apresentadas contra-alegações.


A Formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3, do CPC, por despacho, determinou a distribuição como revista normal.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está apenas em discussão o efeito do caso julgado da decisão arbitral, proferida no processo de expropriação.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Pelas instâncias foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:


1. Na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 00783/…, a aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico situado em Goimil, com a área de 7650 m2, encontra-se inscrito a favor das Expropriadas.

2. Por despacho n.º 9109/2004 (2.ª série), de 1.04.2004, do Secretário de Estado dos Transportes, publicado no Diário da República, n.º 106, II Série, de 6.05.2004, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação da parcela TE-NM-…, necessária à obra de duplicação do troço Fonte do Cuco-ISMAI da linha T respeitante ao troço do sistema do metro ligeiro do Porto Senhora da Hora-Maia-Trofa, com a área de 1715,30 m2, a destacar do referido prédio rústico, sito no Lugar de Goimil, freguesia de Leça do Balio, concelho de Matosinhos, a confrontar do norte com Rua da Estação do Araújo, do sul com caminho de servidão (Linhas da Póvoa de Varzim e Leixões), do nascente com parcela sobrante do prédio e do poente com linha férrea.

3. A parcela tem formato alongado, ligeiramente curvilíneo, com profundidade máxima de 13,0 m e mínima de 5,0 m.

4. A parcela tem frente para a Rua da Estação, pavimentada a cubos de granito e dotada de passeios, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede telefónica, rede de abastecimento de água, rede de saneamento com ligação a estação depuradora, rede de drenagem de águas pluviais e rede de gás.

5. A parcela está inserida no núcleo urbano de Leça do Balio, existindo na envolvente moradias de rés-do-chão e de rés-do-chão e andar e habitações multifamiliares de rés-do-chão, 1.º e 2.º andares.

6. Na área envolvente da parcela, existem campos de particulares.

7. Existem estabelecimentos do ensino básico e secundário, situados a menos de um Km de distância da parcela.

8. A freguesia de Leça do Balio não tem posto da GNR, centro de saúde, mercado nem cinema.

9. A estação ferroviária situa-se a cerca de 120 metros da parcela.

10. O cemitério situa-se a cerca de 2,5 Km de distância da parcela.

11. A rua mais próxima da parcela com restaurantes, comércio e serviços situa-se a cerca de 500 metros.

12. Os transportes públicos passam a cerca de 500 metros da parcela.

13. Da parcela acede-se ao Hospital Pedro Hispano, do qual dista cerca de 4 Km, em cerca de 10 minutos.

14. Da parcela acede-se ao Instituto Politécnico e ao Polo II da Universidade do Porto, de que dista cerca de 5 Km, em cerca de 10 e 20 minutos, respetivamente.

15. A parcela tem acessos a Matosinhos, Porto e Maia, através da VRI, da Via Norte e da A4.

16. A área de construção abaixo do solo não tem justificação económica na zona da parcela.

17. A parcela era utilizada para depósito de materiais e construção “a céu aberto”, destinado à comercialização.

18. No prédio identificado, a sul da parcela, existe uma rede metálica, com cerca de 15 m x 1,20 m, que separa a zona de materiais de construção da bouça e encontra-se em razoável estado de conservação.

19. A parcela é atravessada por duas minas, sendo uma pertencente às Expropriadas.

20. À data da DUP, na parcela, existiam quatro sobreiros, com 30 cm de DAP, um sobreiro, com 40 cm de DAP, e um eucalipto, com 25 cm de DAP.

21. A parte sobrante do prédio, com a área de 2185 m2, situa-se a nascente da parcela e a sul da zona da bouça, sendo que a parte sul, florestal, não está arrendada.

22. Em consequência da expropriação da parcela, o prédio identificado perdeu parte da sua frente para a Rua da Estação do Araújo.

23. À data da DUP, de acordo com o PDM de Matosinhos, a parcela estava inserida em “Zona Urbana e Urbanizável/Área Verde, de Parque e Cortina de Proteção Ambiental”.

24. Na decisão arbitral, considerando-se a parcela inserida em “área predominantemente industrial”, classificando-se a mesma como “solo apto para construção” e por não terem sido fornecidos os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º do Código das Expropriações, fixou-se a indemnização em € 141 195,95, sendo: Índice de construção: 1,0m2/m2; Tipo de aproveitamento: 70 % para atividade industrial; 30 % para os outros usos permitidos nos termos do Regulamento do PDM de Matosinhos; Custo global ponderado da construção à data da DUP: 0,70 x 400 €/m2 (para as instalações industriais) + 0,30 x 550 € (para as outras atividades) = 445 €/m2; Percentagem para o valor do terreno sobre o custo da construção: 18,5 %, sendo: - localização, qualidade ambiental e equipamentos (por localização do terreno inserida em zona de boas acessibilidades e boa qualidade ambiental): 12,0 % -       acesso em cubos de granito: 1,5 % - passeios: 0,5 % - rede de água: 1,0 % - rede de energia elétrica: 1,0 % -rede de águas pluviais: 0,5 % - rede telefónica: 1,0 % - rede de gás: 1,0 %; valor unitário do terreno: 1,0m2/m2 x 445 €/m2 x 0,185 = 82,33 m2; Valor do terreno da parcela: 1715 m2 x 82,33 €/m2 = € 141 195,95.

25. Na decisão arbitral, considerou-se que a parcela sobrante do prédio não sofre desvalorização, em consequência da manutenção das suas potencialidades construtivas, face ao previsto no PDM.

26. Na decisão arbitral, as benfeitorias não foram consideradas, em face do modo como o terreno foi avaliado.

27. No 1.º relatório de avaliação da parcela, considerando-se o prédio inserido em “área predominantemente industrial” e classificando-se a parcela como “solo apto para construção”, concluiu-se: Tipo de aproveitamento – industrial; Índice de construção: 1,0m2/m2; Armazém: 0,70m2/m2; Escritório de apoio (em piso superior ou em entrepiso): 0,30m2; Custos unitários de construção à data da DUP: Armazém: 400 €/m2; Escritórios: 550 €; Percentagem para o valor do terreno sobre o custo da construção: 22 %, sendo: - localização, qualidade ambiental e equipamentos (localização do terreno inserido numa zona em expansão urbana, com boas acessibilidades, servida de transportes públicos e de alguns equipamentos; qualidade ambiental razoavelmente boa): 12,0 % - acesso rodoviário pavimentado: 1,5 % - passeios: 0,5 % - rede de abastecimento de água: 1 % - rede de saneamento: 1,5 % - rede de distribuição de energia elétrica: 1 % - rede de drenagem de águas pluviais: 0,5 % - estação depuradora em ligação à rede de saneamento: 2 % - rede de gás: 1 % - rede telefónica: 1 %; Valor unitário do terreno: (0,70 m2/m2 x 400 €/m2 + 0,30 m2/m2 x 550 €/m2) x 0,22 = 97,90 m2; Valor do terreno da parcela: 1.715,30 m2 x 97,90 €/m2 167.927,87 €; Rede metálica: 15 m x 1,50 m x 20 €/m2 = 360 €

28. No 1.º relatório de avaliação, as árvores referidas em 20. não foram valorizadas, porquanto o aproveitamento construtivo implicaria a sua remoção.

29. No 1.º relatório de avaliação, considerou-se que a parcela sobrante do prédio não sofre qualquer desvalorização, por manter proporcionalmente a capacidade construtiva e o valor anteriores à expropriação.

30. Em 2004, os indicadores de mercado estatístico para terrenos para habitação, no concelho de Matosinhos, eram: mínimo: 112 €/m2; médio: 321 €/m2; máximo: 602 €/m2.

31. Na simulação do valor patrimonial tributário da parcela, classificada como “terreno para construção” e afetação a “habitação”, foi obtido o valor de € 225 260,00.

32. No 2.º relatório da avaliação da parcela, considerado o prédio inserido em “Zona Urbana e Urbanizável /Área Verde, de Parque e Cortina de Proteção Ambiental” e classificada a parcela como “solo apto para construção”, concluiu-se: Tipo de aproveitamento: habitacional/moradia individual; Índice de construção: 0,85 m2/m2 (considerando a área urbana contida no perímetro de 300 metros, conjugada com as possibilidades de novas edificações, e adotando-se a tipologia estabelecida no PDM para a “Zona Urbana e Urbanizável/Área Predominantemente Residencial”); Custos unitário de construção à data da DUP: (0,9 x 652,19 €/m2 (Portaria n.º 1243/03, de 29.10)) = 586,97 €/m2, arredondada para 587 €/m2; Percentagem para o valor do terreno sobre o custo da construção: 22 %, sendo: - localização, qualidade ambiental e equipamentos (localização do terreno inserido numa zona em expansão urbana, com boas acessibilidades, servida de transportes públicos, todas as infra-estruturas urbanísticas e vários equipamentos; boa qualidade ambiental): 12,0 % - acesso rodoviário pavimentado: 1,5 % - passeios: 0,5 % - rede de abastecimento de água: 1 % - rede de saneamento: 1,5% - rede de distribuição de energia elétrica: 1 % - rede de drenagem de águas pluviais: 0,5 % - estação depuradora em ligação à rede de saneamento: 2 % - rede de gás: 1 % - rede telefónica: 1 %; Reforço e prolongamento de infraestruturas para o interior do prédio (considerando o aproveitamento construtivo do tipo habitacional e a forma e dimensões do prédio): 10 %; Valor unitário do terreno: 0,85 m2/m2 x 587 €/m2 x 0,22 x (1-0,10) = 98,79 €/m2; Valor do terreno da parcela: 1.715,30 m2 x 98,79 €/m2 = € 169 454,49; Rede metálica: 15 m x 1,20 m x 20 €/m2 = € 360,00.

33. No 2.º relatório da avaliação, as árvores referidas em 20. não foram valorizadas, face ao critério de avaliação adotado.

34. Do relatório da avaliação efetuada por Perito da lista oficial, escolhido pela Expropriante, consta a indemnização, pela expropriação da parcela, no valor de € 102 918,00.

35. A Expropriante procedeu ao depósito, em 15 de julho de 2005, na Caixa Geral de Depósitos, da quantia de € 102 918,00, à ordem das Expropriadas.



*****



2.2. Delimitada a matéria de facto pelas instâncias, e expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da questão relativa ao efeito do caso julgado da decisão arbitral, no âmbito do processo de expropriação.

Preliminarmente, esclarece-se que a revista é admissível por efeito do disposto no art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente por alegada contradição do acórdão recorrido com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22 de fevereiro de 2011 (processo n.º 122/06.4TBFLG.G1), quanto ao caso julgado da decisão arbitral, em processo de expropriação.

Sem esse circunstancialismo, o recurso seria inadmissível (art. 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações), mesmo a título de revista excecional, pois esta pressupõe, naturalmente, a inadmissibilidade do recurso decorrente apenas da verificação da dupla conforme.


No acórdão recorrido, acolhendo-se o entendimento sufragado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de outubro de 2012 (processo n.º 1333/06.8TBFLG.G.2S1), acessível em www.dgsi.pt, concluiu-se que a decisão arbitral, em processo de expropriação por utilidade pública, faz caso julgado no que respeita ao montante da indemnização e não quanto às qualificações que os árbitros tenham efetuado.

Por sua vez, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22 de fevereiro de 2011, que constitui o acórdão fundamento, decidiu-se, ao invés, que o caso julgado do acórdão arbitral incide sobre a decisão, como conclusão de certos fundamentos, e atinge estes enquanto pressupostos da decisão.

É, neste último aresto que, na verdade, as Recorrentes se estribam para a impugnação do acórdão recorrido, de modo que, com o provimento da revista, se possa represtinar a sentença.

Subjacente à controvérsia está, em particular, a valoração diferenciada do índice de construção e da necessidade de despesas para reforço e prolongamento de infraestruturas para o interior do prédio, feita pelos árbitros e, na fase do recurso da arbitragem, na avaliação realizada pelos cinco peritos. Daí, portanto, a discrepância entre o valor fixado pela sentença, € 221 873,84, e pelo acórdão recorrido, € 169 814,49, este coincidente com o da avaliação realizada pelos peritos.


O processo de expropriação por utilidade pública, na fase litigiosa, conclui-se com o acórdão arbitral, que fixa o valor da indemnização pela expropriação, e ao qual são juntos os laudos, sendo tal decisão arbitral passível de recurso para os tribunais comuns (arts. 38.º, n.º 1, 49.º, n.º s 1 e 2, e 52.º, todos do Código das Expropriações).

A decisão arbitral é, na verdade, uma verdadeira sentença de um tribunal arbitral necessário – art. 1082.º a 1084.º do Código de Processo Civil (CPC).

Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo (art. 619.º, n.º 1, do CPC).

Com o caso julgado, a sentença torna-se imodificável, sem prejuízo do efeito da procedência dos recursos extraordinários. Deste modo, e de forma pragmática, garante-se a certeza e a segurança do Direito, condição indispensável à vida em sociedade (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, 705).

Por outro lado, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, nos termos expressos do disposto no art. 621.º do CPC.

Sobre o alcance do caso julgado, têm-se afirmado, fundamentalmente, duas posições, uma no sentido de cobrir apenas a decisão e outra a contemplar a decisão e, também, a sua motivação.

No processo de expropriação, o objeto da relação material controvertida está consubstanciada na expropriação de um bem mediante o pagamento da justa indemnização. Por isso, não obstante a referida dualidade de critérios, o caso julgado, quanto à decisão arbitral, abrange apenas a expropriação e a indemnização.

Com efeito, a essência da decisão arbitral está na fixação da indemnização atribuída pela expropriação. A justificação do cálculo da indemnização, por outro lado, encontra-se nos laudos juntos ao acórdão dos árbitros, assim como nas respostas aos quesitos pertinentes para a fixação do valor dos bens objeto de expropriação (arts. 48.º e 49.º, n.º 3, do Código das Expropriações).

Assim, a decisão arbitral que fixa a indemnização estabelece os termos e limites do caso julgado, não carecendo, para o efeito, da motivação, em conformidade com o disposto no art. 621.º do CPC.


Na sequência do recurso interposto da decisão arbitral reabre-se a discussão sobre a indemnização pela expropriação, nomeadamente quanto à base de cálculo que serviu de fundamento à fixação da indemnização.

Essa discussão, embora sujeita a certos limites objetivos, pode, no entanto, ser alargada, em particular em termos de matéria de facto. Com efeito, as partes podem requerer provas, sendo obrigatória a realização de uma avaliação por cinco peritos, para além do tribunal poder ordenar as diligências instrutórias consideradas úteis à decisão da causa (arts. 58.º, 60.º, n.º 2, e 61.º, n.º s 1 e 2, do Código das Expropriações), tudo isto num misto de procedimento processual de recurso e de ação.

Podendo a matéria de facto vir a ser algo diversa, em resultado das diligências instrutórias, e podendo a perícia coletiva por cinco peritos apresentar um cálculo diferente, advindo da utilização de outros critérios, tal seria incompatível com a extensão do caso julgado a quaisquer parcelas que tivessem servido para a fixação da indemnização pela expropriação.

De outro modo, existiria uma limitação intolerável quanto aos fins da instrução, designadamente da avaliação (obrigatória), comprometedora da fixação da justa indemnização, fim essencial do processo de expropriação (art. 1.º do Código das Expropriações), em correspondência com o imperativo constitucional consagrado no art. 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

 Nesta conformidade, o caso julgado da decisão arbitral, no processo de expropriação, limita-se à indemnização fixada, não se estendendo à fundamentação.

Neste sentido, para além do citado acórdão, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2010 (processo n.º 4925/07.4TBGMR.G1.S1) e de 13 de julho de 2010 (processo n.º 4210/06.9TBGMR.G1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.


No caso vertente, as Expropriadas recorreram da decisão arbitral, que fixara a indemnização pela expropriação no valor de € 141 195,95, pedindo que a mesma fosse estabelecida no valor de € 257 250,00, sendo certo que a Expropriante se conformou com tal decisão arbitral.

Na sentença, a indemnização foi fixada no valor de € 221 873,84.

Por efeito da procedência parcial da apelação interposta pela Expropriante, a Relação fixou a indemnização no valor de € 169 814,49, adotando o cálculo unânime dos peritos da avaliação.

Relativamente à Expropriante, a decisão arbitral transitou em julgado, quanto à fixação da indemnização no valor de € 141 195,95, na medida em que a mesma não impugnou tal decisão.

No entanto, quanto aos fundamentos, nomeadamente à base do cálculo dos árbitros, não se estende o caso julgado, pelos motivos antes especificados, não procedendo a alegação das Recorrentes.

Por outro lado, a fixação da indemnização no valor de € 169 814,49, no seguimento da procedência parcial do recurso interposto da decisão arbitral pelas Expropriadas, sendo superior ao valor da indemnização fixado na decisão arbitral, não ofende o caso julgado entretanto formado.  


Nestes termos, não relevando as conclusões do recurso, nega-se a revista, confirmando o acórdão recorrido.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. No processo de expropriação, o objeto da relação material controvertida está consubstanciada na expropriação de um bem mediante o pagamento da justa indemnização.

II. O caso julgado da decisão arbitral, no processo de expropriação, limita-se à indemnização fixada, não se estendendo à fundamentação.


2.4. As Recorrentes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista.


2) Condenar as Recorrentes no pagamento das custas.


Lisboa, 8 de setembro de 2016


Olindo Geraldes (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova