Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1989/09.0TVPRT.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TERRAÇOS
PARTES COMUNS
INFILTRAÇÕES
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
TÍTULO CONSTITUTIVO
NULIDADE
DEVER DE VIGILÂNCIA
CONDOMÍNIO
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO DAS PARTES COMUNS
EDIFICIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA E REMETIDO O PROCESSO À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / OBJECTO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DE OBRIGAÇÃO – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / COMPROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / DIREITO E ENCARGOS DOS CONDÓMINOS / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTE E TRIBUNAL / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES.
Doutrina:
-Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª Edição, Coimbra, 2002, 74;
-Carvalho Fernandes, Direitos Reais, 5.ª Edição, Lisboa, 2007, 369;
-Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dia da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Coimbra, 3.ª Edição, 1983, 171;
-José António de França Pitão, Propriedade Horizontal, anotações aos artigos 1414.º a 1438.º-A do Código Civil, Almedina, 110;
-M. Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXIII, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 79 e ss., 84;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume III, 420.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 13.º, 286.º, 294.º, 417.º, 483.º, 492.º, 493.º, N.º 1, 494.º, 1305.º, 1346.º, 1347.º, 1405.º, N.º 1, 1406.º, N.º 1, 1408.º, 1409.º, N.º 2, 1411.º, 1412.º, 1420.º, N.º 2, 1421.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 3, 1422.º, N.ºS 1 E 2, 1423.º, 1424.º, N.ºS 1 E 3, 1427.º, 1428.º E 1438.º-A.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 12.º E 32.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-04-1997, PROCESSO N.º 96A756, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-11-2000, PROCESSO N.º 2899/00;
- DE 19-09-2002, PROCESSO N.º 02B2062, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-07-2003, PROCESSO N.º 1984/03, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-10-2003, PROCESSO N.º 03B2567, WWW.DGSI.PT;
- DE 16-10-2003, PROCESSO Nº 2567/03, WWW.STJ.PT;
- DE 16-11-2006, PROCESSO N.º 3468/06, IN WWW.STJ.PT, WWW.DGSI.PT;
- DE 05-03-2009, PROCESSO N.º 217/09, IN WWW.STJ.PT;
- DE 19-03-2009, PROCESSO N.º 07B3607, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-01-2010, PROCESSO N.º 635/09.6YFLSB, IN WWW.STJ.PT;
- DE 01-06-2010, PROCESSO N.º 95/2000.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-09-2010, PROCESSO N.° 358/08.3TBTCS.C1.S1;
- DE 13-09-2011, PROCESSO N.º 2095/07.7TBPHF.P1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 15-05-2012, PROCESSO N.º 218/2001.C3.S1;
- DE 31-05-2012, PROCESSO N.º 678/10.7TVLSB.L1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 10-12-2013, PROCESSO N.º 68/10.1TBFAG.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 211/12.6TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- DE 07-12-1993.
Sumário :
I - A interdependência existente entre as partes comuns e as fracções autónomas num prédio em propriedade horizontal – que tem de ser entendida à luz da função instrumental que aquelas desempenham –, repercute-se no regime jurídico aplicável a umas e a outras.

II - Num contexto em que apenas o autor tem possibilidade de constatar a existência de infiltrações, humidades e quedas de água (porque as mesmas ocorrem na fracção autónoma de que é proprietário), seria contrário à razão de ser da inversão do ónus da prova a aplicação do disposto no n.º 1 do art. 493.º do CC, sem prejuízo de impender sobre os réus, proprietários de fracção autónoma adjacente, o dever de vigilância sobre a sua fracção e sobre as partes comuns afectas ao seu uso exclusivo.

III - A inclusão dos terraços de cobertura no elenco das partes comuns justifica-se por os mesmos integrarem a estrutura do edificado, sendo, consequentemente, do interesse de todos os condóminos que a conservação daqueles não fique dependente da diligência de apenas alguns deles e que nesses espaços não sejam introduzidas inovações à revelia dos condóminos.

IV - Na medida em que os terraços intermédios servem de cobertura, ainda que parcial, a fracções de pisos inferiores ao último pavimento e integram, também eles, o núcleo estrutural do edifício, é de sufragar a doutrina mais recente deste STJ, segundo a qual tais terraços integram a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 1421.º do CC (em qualquer uma das suas versões), independentemente do piso em que se situam e de o seu uso estar, em exclusivo, afecto a algum dos condóminos.

V - A conclusão de que um terraço intermédio é parte imperativamente comum do edifício não impõe a necessidade de declarar a nulidade parcial do título constitutivo que o incluiu numa fracção autónoma.

VI - A previsão do n.º 3 do art. 1424.º do CC apenas abarca as despesas que se relacionem com a afectação exclusiva da parte comum, pelo que aquelas que não derivem da sua utilização privativa (como seja, vg. a sua impermeabilização) devem ser pagas segundo a regra do n.º 1 do mesmo preceito.

VII - Incumbindo a todos os condóminos o dever de conservação da partes comuns, recai sobre todos eles o dever de suportar as despesas correspondentes à correcção de vícios de manutenção, bem como, verificados que estejam os pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, a obrigação de indemnizar os prejuízos que advenham da falta de reparação.

VIII - Porque não se trata de um caso de litisconsórcio necessário (cfr. n.º 1 do art. 32.º do CPC e 2.ª parte do n.º 1 do art. 1405.º do CC), pode condenar-se os condóminos proprietários da fracção em questão a facultar o acesso ao terraço, para que o autor possa por si proceder à reparação e ainda no pagamento da parte que lhes caiba suportar, quer dos encargos com a reparação, quer da indemnização pelos prejuízos sofridos.

IX - Tendo as instâncias julgado prejudicado o apuramento do valor da reparação e, bem assim, a apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil e a proporção que cabe aos recorridos suportar, impõe-se ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Em Setembro de 2009, AA instaurou uma acção contra BB e CC (1ºs réus), o Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua … …, nº 1…3/2…5, no P…, representado pela administradora, DD - Administração de Condomínios, Lda. (2º réu) e EE - Tecnologias e Produtos para a Construção Civil, Lda. (3ª ré), pedindo a sua condenação solidária a:

“a) Reconhecer o direito de propriedade do autor relativamente à fracção urbana” designada pela letra M, correspondente ao 3º andar direito do prédio situado na Rua M… S…, 1…3 a 2…5, P…;

“b) Reconhecer, e eliminar, com carácter definitivo, todos os defeitos e vícios respeitantes ao terraço integrante do 4º andar direito do prédio (…), com carácter de urgência, em prazo a fixar pelo tribunal nunca superior a 30 dias; ou, em alternativa,

c) Caso não procedam a tal reparação, que seja reconhecido ao próprio autor o direito a ele próprio eliminar o respectivo defeito, a expensas exclusivas dos réus;

d) A pagarem ao autor adequada indemnização por todos os prejuízos por este sofridos, ou a sofrer, quanto à parte já liquidada, no valor de 30.333,80 euros, acrescidos do valor de 375,00 euros por mês a contar de Setembro de 2009 até efectiva reparação do terraço do 4º andar do sempre aludido prédio e definitiva reparação da fracção do A., nos termos expostos;

e)A pagarem ao autor todos os demais prejuízos, ainda não quantificáveis, a liquidar em execução de sentença;

f) A pagarem a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de € 150 diários por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação prevista na alínea b) deste pedido;

g) A pagarem juros ao autor a contar da citação, até integral pagamento, sobre todas as quantias em que vierem a ser condenados e bem assim o acréscimo previsto no art. 829-A do Código Civil;

h) Tudo com custas e demais encargos pelos réus.”

Para o efeito, e em síntese, AA alegou que é proprietário desde Fevereiro de 1984 e que reside na fracção M com o seu agregado familiar; que os 1ºs réus são proprietários da fracção P do mesmo prédio, localizada por cima da fracção M, desde Fevereiro de 1989; que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, é parte integrante da fracção P um terraço que é simultaneamente “cobertura da zona de quartos da fracção” M; que, uns anos antes da propositura da acção, na sequência de obras que os 1ºs réus efectuaram na sua fracção, “começaram a surgir humidades, cada vez mais frequentes, nos tectos e paredes da zona de quartos da fracção/habitação do A (…) e até queda de água” nos quartos cujo tecto corresponde ao referido terraço; que, por contrato de empreitada celebrado entre o condomínio e a 3ª ré em 24 de Julho de 2004, esta empresa obrigou-se a realizar trabalhos destinados à “impermeabilização de todos os terraços e fachadas do prédio (pondo fim aos problemas circunstanciais de humidades e infiltrações de água que se vinham a notar)”, trabalhos que não eliminaram os problemas verificados na fracção M; que a 3ª ré se obrigou, ainda, a reparar o interior da fracção M, o que fez indevidamente, porque os problemas reapareceram repetidamente, como notificaram a ré.

Em resumo: os problemas mantêm-se, sem que os réus assumam as correspondentes responsabilidades e sem que o autor os possa resolver definitivamente, desde logo por não ter acesso ao andar de cima, limitando-se a repetidas reparações na sua fracção e continuando a sofrer prejuízos.

Justificando a demanda de todos os réus, o autor afirmou, a concluir a petição inicial, que “por defeito/avaria de impermeabilização do (…) terraço, resultante de obra nova ou falta de conservação, verificaram-se e verificam-se infiltrações de águas na zona de quartos (…)”, com graves prejuízos. Ora os 2ºs réus, como proprietários da fracção P, “estão obrigados à sua conservação e a utilizá-la por forma a não causar prejuízos nas habitações terceiras”, e a indemnizar quem sofre prejuízos; como, segundo o título constitutivo, o referido terraço integra a fracção P, são responsáveis pelos prejuízos, em primeiro lugar, os seus proprietários mas, em segundo lugar, também o condomínio, porque tal terraço é “terraço de cobertura” e, portanto, considerado por lei como zona comum e, em terceiro lugar, a ré EE, por ter assumido contratualmente a obrigação de reparação dos vícios. A responsabilidade é solidária e corresponde aos montantes acima indicados.

Todos os réus contestaram, separadamente.

O condomínio e a ré EE defenderam-se por impugnação e sustentaram ser partes ilegítimas: o condomínio, por estar em causa uma parte integrante de uma fracção do prédio; a ré EE, por não ter celebrado, nem qualquer contrato com o autor, nem qualquer contrato que incluísse a reparação do interior da sua fracção.

Também CC impugnou e sustentou não ter legitimidade, por se tratar de uma parte comum e porque os condóminos apenas respondem “em proporção do valor das suas fracções” pelas “despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício”. Por entre o mais, disse não ter acesso à fracção P por estar divorciado da ré BB e nunca ter tido conhecimento dos problemas relatados pelo autor, bem como ser excessiva a indemnização pretendida.

BB considerou-se igualmente parte ilegítima, por se tratar de parte imperativamente comum e que não está exclusivamente afecta à sua fracção, pois também serve de cobertura da fracção de baixo. Invocou a prescrição do direito de indemnização – as obras a que o autor se refere tiveram lugar em 1989 e a acção foi proposta em 9 de Setembro de 2009 – e contestou por impugnação, afirmando, nomeadamente, que “a origem dos alegados danos e prejuízos nada tem a ver com a actuação da 1ª ré contestante”, antes resulta de deficientes trabalhos de impermeabilização que foram desenvolvidos por empresas contratadas pelo condomínio. Disse ainda que, desde que detém a posse efectiva da fracção P, “sempre procedeu à conservação que lhe era exigível”; e requereu a intervenção acessória provocada de FF e de GG, arrendatários da fracção entre Janeiro de 2006 e Outubro de 2009, por hipotético direito de regresso.

O autor replicou e requereu a intervenção principal provocada dos “eventuais proprietários do prédio que foi construído contiguamente ao prédio do autor”, HH - Empreendimentos Imobiliários, S.A. e do “proprietário correspondente ao 3º andar esquerdo do prédio (…), onde alegadamente se realizaram obras”, II (fls. 319).

Pelo despacho de fls. 360 foi admitida a intervenção de FF, de GG, de HH - Empreendimentos Imobiliários, S.A. e de II; todos vieram ao processo pronunciar-se.

Pelo despacho de fls. 586, proferido nos termos do artigo 31º-A, nº 1, do Código de Processo Civil anterior, o autor foi convidado “para vir dizer contra qual dos réus pretende fazer seguir a acção, sob pena de a mesma se vir a extinguir por absolvição de todos os réus da instância”, por não ser admissível a coligação, nos termos formulados.

O autor veio indicar os réus BB e CC, manifestando embora a sua discordância com o despacho.

No despacho de fls. 614, os réus Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua M…. S…, nº 1…3/2…5 e EE - Tecnologias e Produtos para a Construção Civil, Lda. e os intervenientes principais II e HH – Empreendimentos Imobiliários, SA foram absolvidos da instância, com fundamento em coligação ilegal.

O autor recorreu; mas o recurso não veio a ser admitido na Relação, por inadmissibilidade de recurso autónomo.

No saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade oposta por BB e CC e remeteu-se para final o conhecimento da prescrição.

Pela decisão de fls. 1024, foram habilitados CC, JJ e KK como sucessores de BB, entretanto falecida.


2. A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 1457. Em síntese, e recordando que a questão a decidir era a de saber se os réus BB (substituída pelos sucessores, como se viu) e CC “estão constituídos no dever de proceder à reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelo autor em resultado e infiltrações que se registam no interior da fracção autónoma de que é proprietário”, o tribunal entendeu:

– que se trata de uma acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, na qual a causa de pedir formulada contra estes réus assenta “num duplo fundamento: por um lado, no facto de estes terem levado a cabo obras no terraço da fracção autónoma de que são proprietários (terraço esse que, nos termos do respectivo título constitutivo, integra essa fracção), obras essas que vieram a originar humidades e quedas de água nos quartos da fracção autónoma de que aquele é igualmente proprietário; por outro lado, no facto de tais demandados não terem procedido à devida conservação e utilização do referido terraço, o que igualmente contribuiu para os danos cuja reparação reclama”;

que o autor não fez prova de que “as infiltrações registadas no interior da sua fracção (…) tenham tido na sua génese qualquer acção ou omissão” dos réus;

– que não se provou que “essas patologias se tenham verificado a partir do momento em que os réus levaram a cabo obras na sua fracção”;

– que a lei em vigor à data da outorga do título constitutivo da propriedade horizontal, 26 de Abril de 1983, – isto é, a redacção originária da al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil, “1. São comuns as seguintes partes do edifício: (…) b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento” –, originando embora divergências de interpretação, devia ser interpretada com o sentido que literalmente veio a ser introduzido na referida alínea pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, ou seja, como considerando imperativamente comuns “os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção”;

– que essa interpretação implica, no caso, que, não obstante figurar no título constitutivo da propriedade horizontal como integrando a fracção autónoma P, o terraço é imperativamente parte comum: “o ajuizado terraço, ainda que de uso exclusivo da fracção dos réus, constitui uma parte imperativamente comum do edifício, dado que desempenha também a função de cobertura deste”;

– que, no entanto, importa saber “sobre quem impende o dever de suportar os encargos referentes a esse terraço de cobertura”, sobretudo no que respeita “ao custeio das obras necessárias para a sua impermeabilização e isolamento” – cfr. nºs 1 e 3 do artigo 1421º do Código Civil;

– que o terraço dos autos destina-se ao uso exclusivo da fracção P, mas que esse facto “não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção”, porque também “serve de cobertura ao edifício”, sendo “um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos”;

– que, portanto, como resulta do nº 1 do artigo 1424º do Código Civil, a reparação do terraço e dos demais danos reclamados pelo autor é da responsabilidade do condomínio.

O autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto; pelo acórdão de fls. 1753, substituído pelo acórdão de fls. 1891 por ter procedido uma nulidade das que foram arguidas no recurso, concedeu-se provimento parcial à apelação, declarando-se expressamente que o autor era proprietário da fracção M do prédio e julgando favoravelmente alguns pontos da impugnação da decisão de facto; quanto ao mais, a acção foi julgada novamente improcedente.

Tal como a 1ª instância, a Relação entendeu que o terraço deve ser considerado parte comum, acentuando o carácter interpretativo da nova lei – já aflorado em 1ª instância – e a sua aplicabilidade ao caso, de acordo com o artigo 13º do Código Civil, da qual resulta que os “terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura” são “sempre comuns, independentemente do piso em que se situam”, sendo que “o terraço em questão é um terraço de cobertura”.

Igualmente entendeu que “a norma do artigo 1421º é imperativa e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal”, não sendo necessário “obter previamente a declaração judicial de nulidade (…) para considerar que o terraço em questão integra as partes comuns do edifício”.

Afastou a hipótese de abuso de direito por parte dos réus, suscitada pelo autor, desde logo por não resultar provada matéria de facto que a sustentasse e, finalmente, negou a aplicabilidade ao caso do regime de responsabilidade previsto nos artigos 492º e 493º do Código Civil. Salienta-se a seguinte passagem do acórdão:

“Sem dúvida que todo o condómino, por pertencer ao universo dos condóminos que formam o condomínio, tem um dever geral de vigilância relativo às partes comuns, pois é comproprietário delas.

Mas este dever geral de vigilância é um dever diverso do previsto no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, pois, aquele dever não tem acoplado, como se referiu, o «dever de fazer as obras de conservação necessárias» a evitar danos.

Este é um dever que deriva da qualidade de condómino e não da de pessoa que «… tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar…»

Concluiu-se, por conseguinte, que os Réus não podem ser responsabilizados à luz das normas dos artigos 492.º e 493.º do Código Civil. (…). Tendo-se concluído que o terraço é parte comum e que não há responsabilidade imputável aos Réus à luz das normas dos artigos 492.º e 493.º do Código Civil, cumpre absolver os Réus do pedido (sem contudo deixar de lamentar que os tribunais não tenham conseguido solucionar a questão colocada pelos Autores, pois é evidente que os Autores têm direito a ser indemnizados por alguém”.


3. O autor interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando “relevância social e (…) jurídica”, bem como “oposição com o decidido noutros acórdãos de tribunais superiores”, em particular “no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.04.1997 com o número 96A756”.

O recurso foi admitido pelo acórdão de fls. 1990, por ser conveniente a conferir “ao cidadão comum aquela segurança interpretativa que é pressuposto da melhor aplicação do direito”.

Nas alegações que apresentou, o recorrente formulou as conclusões seguintes:

 

«I - O Acórdão recorrido, no entender do recorrente, decide questões de Direito que assumem especial relevância social e cuja apreciação pela sua relevância jurídica é necessária para a melhor clarificação e até uniformização Jurisprudencial, tudo com vista à melhor aplicação do Direito.

II - O Acórdão recorrido, por outro lado, no entender do Recorrente, decide sobre as mesmas questões de facto no âmbito de vigência da mesma legislação, em oposição com o decidido noutros Acórdãos de Tribunais Superiores, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça, transitados em julgado.

III - Em particular o Acórdão recorrido decide diversas questões de facto, no âmbito do mesmo quadro legislativo, em oposição com o decidido sobre idênticas questões no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.04.1997 com o número 96A756 do Exmo. Senhor Dr. Juiz Conselheiro Machado Soares.

IV - Verificando-se, pois, também oposição de julgados entre o decidido pelo tribunal a quo e aquele Acórdão aqui invocado como acórdão fundamento.

V - Pelo que se verifica oposição/ fundamento para o presente recurso de Revista Extraordinária, nos termos do art° 672, n° 1, als a), b) e c) do CPC.

VI - As questões decididas no acórdão recorrido que estão em oposição com outros arestos, são as seguintes:

A) - A questão de saber se o Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro deve ser qualificado como Lei Interpretativa para efeitos de aplicação do artigo 13° do Código Civil;

B) - A questão de se qualificar o terraço intermédio com as características do dos Réus (proprietários da fracção "P" do prédio sito à Rua M… S…, 205 no P…) como terraço de cobertura, para efeitos de aplicação do artigo 1421° do Código Civil, sendo a sua manutenção da responsabilidade do Condomínio do referido prédio e não dos Réus.

C) - A caracterização de terraços qualificados como partes privadas integrantes de fracção autónoma por título constitutivo de propriedade horizontal constituída antes de tal novidade legal ou sua qualificação como partes comuns.

VII - O recorrente, no que concerne a tais posições concretas perfilha os entendimentos do Acórdão que indica como fundamento, considerando que o Acórdão recorrido errou na apreciação destas questões, devendo pois no seu entender a decisão recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, nomeadamente a acção intentada pelo Recorrente julgada procedente por provada.

VIII - Ora, ao contrário do pretendido do Acórdão recorrido, a alteração do art° 1421 do Cod. Civil, salvo o devido respeito, representa, no melhor entendimento, não ter carácter interpretativo (não havia nada a interpretar) (admitindo-se no entanto poderem existir decisões judiciais diversas).

IX - O Legislador decidiu apenas tomar uma solução diferente - tout court.

X - No entender do A., recorrente, é claro que o caso dos autos não integra os requisitos indispensáveis a conceder à LN caracter interpretativo e/ou efeito retroactivo (a polémica, aliás continua ...) trata-se no caso de uma solução nova, tão somente.

XI - No caso, nunca seria de aplicação retroactiva, pois que a própria Lei art° 13 do CC ressalva da sua aplicação os efeitos já produzidos por sentença, ainda que por decisão não transitada, ou por actos de análoga natureza.

XII - Se é assim, como é, é claro que tal norma jamais se poderia considerar aplicável de negócios jurídicos consolidados há décadas, nos termos da lei

XIII - Pois pensar de outra maneira seria lançar a maior confusão no comércio jurídico em geral.

XIV - Em qualquer caso, nunca poderia considerar-se a alteração do título constitutivo.

XV - Salvo o devido respeito é pacífica a Jurisprudência no sentido de considerar que a propriedade horizontal se determina pelo respectivo estatuto regulador.

XVI    - Ou seja, pelo respectivo título constitutivo em conformidade com o projecto aprovado pela entidade administrativa competente.

XVII   - Sendo certo que os Tribunais tem entendido que há nulidade de título quando contraria o que foi aprovado pela Câmara Municipal – veja-se Acórdão do Tribunal Constitucional de 7.12.1993.

XVIII   - A modificabilidade do título só pode ser conseguida por unanimidade de todos os condóminos, ou por decisão judicial, mas para isso é necessário que se reúnam todos os pressupostos legais, nomeadamente a desconformidade com o projecto aprovado – vejam-se art°s 1419 e 1422 do Cod. Civil

XIX - Ora, no caso concreto, ninguém colocou a Juízo o pedido de declaração de nulidade, ainda que parcial, ou redução, do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio em questão nos autos, nos termos expostos.

XX - E dai que só se possa concluir pela inadequação da fundamentação constante da decisão recorrida e, por maioria de razão, da inadequada decisão proferida.

XXI - Aliás, a solução do Acórdão recorrido viola a lei não só quanto ao objecto, como quanto ao meio utilizado.

XXII - Tal solução consubstancia uma afectação/ extinção do direito de propriedade constitucionalmente consagrado.

XXIII - Os direitos constitucionalmente consagrados só podem ser alterados pelo poder legislativo ou por autorização deste, nos termos estritos da Lei.

XXIV - A nova Lei, Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro, é um mero decreto-lei sem prévia autorização legislativa.

XXV - Considerar-se a possibilidade das normas do D.L. alterarem o regime de direito de propriedade ferem-nas de verdadeira inconstitucionalidade, que se deixa à cautela invocada.

XXVI - Acresce que a solução do Acórdão recorrido representa um confisco a favor de particular que a Constituição não só não contempla, mas proíbe, nos termos expostos.

Por outro lado,

XXVII - Os terraços intermédios não devem considerar-se terraços de cobertura.

XXVIII - "Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços de cobertura com os terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de "terrazo a livello" - José António de França Pitão, Propriedade Horizontal, anotações aos artigos 1414 a 1438-A do Código Civil, Almedina, pag.110.

XXIX - É que estes terraços são mais varandas fechadas do que terraços de cobertura – é o caso dos autos

XXX - Note-se que se trata de terraços que constituem verdadeiras utilidades integradas na fracção, que podem simplesmente a céu aberto constituírem verdadeiros jardins, espaços de convívio ou lazer, perfeitamente integrados nas fracções, sendo que se acede a eles apenas por estas e sem acesso às partes comuns – é o caso dos autos.

XXXI - A sua caracterização e a sua funcionalidade é, essencialmente, respeitante à fracção e é completamente diferente dos terraços de cobertura.

XXXII - Os terraços de cobertura têm acesso a partes comuns do prédio, normalmente através de alçapão ou de escada que constitui o último lanço e tem características de construção que privilegiam a segurança e estanquicidade em detrimento da estética e/ou de outras utilidades.

XXXIII - Os terraços/ varanda, como o dos autos, estão perfeitamente integrados na fracção, não têm acesso por zonas comuns e são dotados de equipamentos e elementos construtivos de acordo com a estética da fracção e de acordo com as suas utilidades privadas, as mais das vezes ao gosto dos respectivos proprietários, nomeadamente no que respeita aos pavimentos cerâmicos e/ou outros equipamentos.

XXIV - Assim, não obstante se reconheça que esta questão é uma questão polémica, o A. perfilha entendimento diverso ao do Acórdão recorrido – o do Acórdão fundamento.

XXXV  - Todas estas questões deverão ser reapreciadas como objecto da Revista Extraordinária.

XXXVI - Isto esclarecido, deve, em qualquer caso, anotar-se que, para o caso de a revista ora requerida ser considerada inadmissível a título excepcional, deve entender-se que caberá ainda ajuizar da sua admissibilidade como revista normal, conforme se afirma, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de 21 de Setembro de 2010, processo n° 358/08.3TBTCS.C1.S1.

XXXVII   - Ao decidir como decidiu o Dig. Tribunal recorrido violou por erro de aplicação e/ou interpretação nomeadamente o disposto nos artigos 13, 1419, 1421 e 1422 do Código Civil, Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro e artigos 12, 13, 18, 62, 150 e 165 da CRP.


TERMOS EM QUE

Se deve:

A)      admitir o presente recurso de Revista Extraordinária, verificados que sejam os invocados fundamentos e requisitos tal como a Lei prescreve, com todas as
consequências legais

B)     Mais deve julgar-se procedente o presente recurso, apreciando-se todas as matérias sujeitas ao Supremo Tribunal de Justiça, com todas as consequências, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro julgue sempre procedente a acção, e, se verificados os requisitos legais, proceda à uniformização de Jurisprudência quanto às matérias sujeitas à apreciação desse Supremo Tribunal de Justiça

C)     Em qualquer caso, ainda que se considerasse a Revista Extraordinária inadmissível, o que não se concebe, o recurso deveria ser julgado como Revista Ordinária, nos termos expostos, pois assim se fará JUSTIÇA.

MAIS REQUER, que o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos expostos, julgue a presente revista excepcional de forma ampliada, por forma a assegurar uniformização de jurisprudência».


Em contra-alegações, os réus sustentaram a manutenção do decidido, concluindo nestes termos:


I. O Recorrente não cumpre o ónus de indicação das razões pelas quais entende serem as questões que pretende ver apreciadas por este Supremo Tribunal de inequívoca relevância social;

II. O acórdão fundamento invocado pelo Recorrente não representa a linha jurisprudencial seguida pelos tribunais superiores;

III. Nos termos do disposto no artigo 1421° do CC, quer na sua versão actual, quer na versão anterior à entrada em vigor do DL 267/94, de 25 de Outubro, todos os terraços de cobertura, ainda que intermédios, constituem parte comum do prédio;

IV. O comando deste artigo, em qualquer uma das suas versões, tem natureza imperativa, não podendo ser derrogado pelas declarações dos proprietários constantes do título constitutivo da propriedade horizontal;

V. Que, in casu, nem dispõe que o terraço em causa constitui parte privada da fracção da Ré;

VI. O Recorrente esgrime uma série de questões novas, que não constam do acórdão fundamento e que não foram por este apreciados, não podendo, assim, tais questões ser apreciadas nesta sede;

VII. O terraço em causa nos presentes autos serve de cobertura a uma parte da fracção do Recorrente, assim funcionando como telhado desta zona;

VIII. Não se vislumbrando, assim, quaisquer razões para que este telhado não seja considerado como terraço de cobertura, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1421° do CC, seja qual for a versão que se defenda ser aplicável à hipótese dos autos;

IX. Já que em ambas as versões o terraço de cobertura, ainda que intermédio, é considerado, imperativamente, como parte comum do prédio.

X. Por onde se verifica nenhum fundamento existir para alterar a decisão recorrida, que representa, assim, uma decisão equilibrada e justa e que, ademais, acolhe a linha jurisprudencial mais recente e seguida de forma quase unânime pelos tribunais superiores, designadamente por este Supremo Tribunal;

XI. Deve, assim, o acórdão proferido ser mantido na íntegra,

 Assim se fazendo, como sempre, inteira JUSTIÇA!»


4. A fls. 1954, a relatora expôs a Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a pretensão do recorrente de que o recurso fosse julgado como revista ampliada, exprimindo a opinião de que “se encontra suficientemente estabilizada a interpretação que foi adoptada em ambas as instâncias, no sentido de que o terraço dos autos é imperativamente comum, à luz da al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil, quer na redacção primitiva, quer na que resultou do Decreto-Lei nº 267/94”.

A fls. 1959, o Senhor Presidente proferiu despacho no sentido de não existir fundamento para deferir tal pretensão, por não estarem reunidas “as condições normativas que aconselham o julgamento ampliado da revista”, não existindo pois “fundamento para determinar, nos termos do artigo 686º, nº 1, do CPC, o julgamento ampliado da revista”.

Transcreve-se o núcleo da fundamentação do despacho:

“6. A competência prevista no artigo 686º, nº 1, do CPC, tem pressupostos vinculados a garantir a segurança, a certeza e a estabilidade da jurisprudência, prevenindo ou fazendo terminar situações de divergências jurisprudenciais consistentes no STJ, ou prevenindo riscos de mutações jurisprudenciais que perturbem inesperadamente o valor da previsibilidade.

Os pressupostos enunciados na lei («necessidade» e «conveniência» para assegurar a uniformização da jurisprudência)que devem sustentar a decisão, previstos no artigo 686º, nº 1, do CPC, são vinculados à realização das finalidades de segurança, certeza e estabilidade da jurisprudência, e logo pelo sentido comum das noções têm diferentes graus de intensidade.

A «necessidade» constitui um pressuposto de vinculação de maior intensidade, deixando, consequentemente, menos espaço para a ponderação prudencial; a «conveniência» supõe menor intensidade vinculativa, determinada por juízos de mais ampla apreciação, que permitem e aconselham maior latitude de ponderação.

A «necessidade» remete para a probabilidade de verificação de situações que constituam imediatamente, se efectivamente ocorressem, uma séria perturbação da estabilidade jurisprudencial; o caso mais saliente será a previsibilidade (ou a probabilidade) de julgamento em sentido contrário a jurisprudência uniformizada.

A «conveniência» deve ser verificada, por seu lado, pela análise e ponderação de variáveis de diversa natureza. Há conveniência, com efeito, em evitar ou superar situações de discrepância interpretativa; mas o procedimento previsto no artigo 686º do CPC não deve ser usado de modo que não permita o desenvolvimento jurisprudencial, nomeadamente quando as questões não estejam ainda suficientemente trabalhadas na doutrina e na jurisprudência.

Não basta, por isso, a existência de interpretações divergentes sobre determinada questão; sendo indesejável a consumação de jurisprudência contraditória ou a persistência de divergências, deve ser razoavelmente previsível que a complexidade da questão ou a formação de correntes jurisprudenciais com alguma consistência impeçam a prevalência de uma das teses ou soluções em confronto.

7. Nas circunstâncias do caso, e aplicando os critérios da lei, não ocorre necessidade ou conveniência em determinar que o julgamento se faça com intervenção do Pleno das Secções Cíveis.

No tema central que o recurso convoca, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem percorrido um caminho de consolidação interpretativa que permite configurar, sem desvio perceptível, uma tendência jurisprudencial dominante, ao menos nas decisões da última década e meia.

Como sublinha a Senhora Relatora, o STJ vem julgando com estabilidade que os terraços intermédios com funções de cobertura, ainda que afectos ao uso de uma fracção autónoma, constituem imperativamente partes comuns do edifício, à luz de qualquer uma das redacções do artigo 1421º do Código Civil (acórdãos de 19 de Setembro de 2002, procº nº 02B2062, de 16 de Outubro de 2003, procº nº 03B2567, de 31 de Maio de 2012, procº nº 678/10.7TVLSB.L1.S1 ou de 9 de Junho de 2016, procº nº 211/12.6TVLSB.L2.S1).

Deste modo, na jurisprudência do Supremo não se encontram divergências contemporâneas a que seja adequado pôr cobro, assim como não parece existir risco atendível de mutação jurisprudencial inesperada que possa operar em prejuízo das desejáveis estabilidade e segurança. Além de tudo isso, não há também precedente decisão uniformizadora sobre o assunto, que possa vir a ser contrariada”.


5. Vem provado o seguinte:


1 - O Autor é, desde Fevereiro de 1984 e até ao presente, o único e exclusivo dono de uma fracção destinada a habitação designada pela letra «M», correspondente ao 3.º andar direito com entrada pelo n.º 205 do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua M… S…, 1...3 a 2...5, .... P…, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do P… sob a ficha n.º 1…5/20…27, com inscrição da propriedade horizontal n.º 15…3 a fls. 104-v do Livro F-24 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Foz do Douro sob o art. 2…6, fracção essa correspondente a uma habitação tipo T4 + 1 (alínea A) da matéria de facto assente).

2 - Os Réus são, desde Fevereiro de 1989, e até ao presente, os proprietários de uma fracção destinada a habitação designada pela letra «P», correspondente ao 4.º andar direito com entrada pelo n.º 205 do referido e mesmo prédio urbano (alínea B) da matéria de facto assente).

3 - O prédio sito na Rua M… S…, 1...3/2...5, no P…, encontra-se, desde 1983, constituído em propriedade horizontal, conforme escritura lavrada no 2.º Cartório Notarial do P…, no dia 26 de Abril de 1983, a fls. 74 Vº a 76 do Livro D-65, devidamente registada na Conservatória do Registo Predial do P… sob o n.º 15…3 a fls. 104-v do Livro F-24 (alínea C) da matéria de facto assente).

4 - A fracção dos Réus corresponde à habitação localizada por cima da fracção do Autor (alínea D) da matéria de facto assente).

5 - Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção propriedade dos Réus, é constituído, para além do mais, por um terraço, do lado Nascente, ao nível do 4.º andar, conforme sua descrição na Conservatória do Registo Predial (alínea E) da matéria de facto assente).

6 - O referido terraço corresponde, por outro lado, à «cobertura» da zona de quartos da fracção do A. (alínea F) da matéria de facto assente).

7 - Há alguns anos atrás, os Réus levaram a efeito obras na sua fracção (alínea G) da matéria de facto assente).

8 - O Autor comunicava aos Réus o aparecimento de humidades e infiltrações na parte da zona dos quartos da sua fracção (alínea H) da matéria de facto assente).

9 - Em Março de 2006, foi o problema comunicado à Ré Aurora Pereira, que nada referiu (alínea I) da matéria de facto assente).

10 - O Autor deu conhecimento à Ré Aurora Pereira do reaparecimento da humidade e de ter insistido com a «EE» para a respectiva reparação (alínea J) da matéria de facto assente).

11 - Em Abril de 2008, o Autor deu conhecimento à Ré BB de que reapareceram, de novo, humidades nos tectos dos quartos e, no que concerne ao quarto suite, pelo lado Norte, pingava mesmo água do tecto (chovia no quarto) (alínea L) da matéria de facto assente).

12 - O Autor deu conhecimento à Ré BB da carta datada de 2 de Abril de 2008, que faz fls. 92 a 94 (alínea M) da matéria de facto assente).

13 - Nem os Réus, nem ninguém por eles, se deslocaram ao local para proceder à vistoria, a efectuar por um representante do Autor e por um da «EE» (alínea N) da matéria de facto assente).

14 - O Autor enviou à Ré BB a carta que faz fls. 109 dos autos (alínea O) da matéria de facto assente).

15 - O Autor não tem acesso ao 4.º andar (alínea P) da matéria de facto assente).

16 - O tecto de cobertura da fracção do Autor, na parte Este (junto à Rua M… S…), a que corresponde à zona de quartos é composto pela placa de pavimento do 4.º andar contíguo (por cima) à habitação do A. (alínea Q) da matéria de facto assente).

17 - Os Réus encontram-se divorciados, por sentença datada de 12 de Março de 2007, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 376/06.6TMPRT, o qual correu termos na 2.ª secção do 2.º juízo do Tribunal de Família e Menores do P… (alínea R) da matéria de facto assente).

18 - O terraço que se situa ao nível da fracção autónoma da Ré e que serve de cobertura à zona dos quartos no interior da fracção autónoma do Autor é de uso exclusivo dos proprietários da referida fracção «P» e a ele apenas se acede pelo interior dessa fracção (alínea S) da matéria de facto assente).

19 - Situa-se o terraço em apreço ao nível do piso da fracção «P», constituindo um seu prolongamento e servindo, ao mesmo tempo, de cobertura parcial à fracção autónoma propriedade do Autor (alínea T) da matéria de facto assente).

20 - Em Março de 1997, foi celebrado entre o Condomínio do prédio e uma sociedade denominada por «LL - Renovação de Edifícios e Estruturas, Lda.» um contrato de empreitada, o qual teve por objecto o edifício descrito nos autos, e, concretamente, a impermeabilização dos terraços e coberturas adjacentes à fracção autónoma do Autor e dos Réus (alínea U) da matéria de facto assente).

21 - Por terem sido deficientemente executadas as obras por si contratadas, o Condomínio protagonizou uma iniciativa judicial contra a identificada «LL, Lda.», a qual correu termos na 5.ª Vara Cível do Porto, 1.ª Secção, sob o n.º 638/99 (alínea V) da matéria de facto assente).

22 - Nessa acção judicial pediu a 2.ª Ré a resolução do contrato de empreitada celebrado com a dita «LL» e a sua condenação no pagamento de indemnização de cerca de € 60.000,00 (alínea X) da matéria de facto assente).

23 - A decisão judicial da referida acção judicial declarou resolvido o referido contrato de empreitada e condenou a falada «LL» no pagamento à aqui 2.ª Ré do montante de €49.879,79, valor a que acresciam juros à taxa legal então em vigor (alínea Y) da matéria de facto assente).

24 - Determinou ainda a decisão judicial proferida que seria relegada para execução de sentença a liquidação do valor de outros danos sofridos no interior das fracções após a sua impermeabilização pela dita «LL», até ao limite de €9.975,96 (alínea Z) da matéria de facto assente).

25 - Em Julho de 2004, o Condomínio adjudicou à «EE, Tecnologias e Produtos para a Construção Civil, Lda.» a empreitada cuja cópia faz fls. 45 a 83 dos autos.

Através de circular datada de 2 de Agosto de 2004, o Condomínio comunicou a todos os condóminos do edifício a adjudicação dessa empreitada (alínea AA da matéria de facto assente).

26 - Através de circular datada de 16 de Novembro de 2004, o Condomínio deu nota a todos os condóminos que a obra contratada à «EE» havia terminado e solicitou a todos os condóminos que apresentassem «…por escrito, no prazo de dez dias, todas as reclamações ou vícios quanto à obra realizada» (alínea BB) da matéria de facto assente).

27 - O Autor é casado com MM, sendo que o seu agregado familiar é constituído por ambos os cônjuges e seus 2 filhos, NN, com 21 anos de idade e OO, com 19 anos de idade, ambos estudantes (resposta ao facto controvertido n.º 1).

28 - Desde que o Autor adquiriu a referida fracção, ela é residência habitual, no P…, do seu agregado familiar (resposta ao facto controvertido nº 2).

29 - Em Março de 1997 existiam bolores, humidades e até queda de água, nos 4 quartos que compõem a parte Este da fracção do autor e cuja cobertura corresponde ao terraço ao nível do 4.º andar (resposta ao facto controvertido nº 3).

30 - Sempre que chovia com mais quantidade, as humidades e infiltrações vindas do terraço do 4.º andar, continuavam a aparecer na parte da zona de quartos da fracção do A. (resposta ao facto controvertido nº 4).

31 - Após o verão de 2007 registaram-se humidades e infiltrações na zona de quartos da fracção do autor (resposta ao facto controvertido nº 6).

32 - O Autor insistiu com a «EE» para que procedesse à reparação do problema de humidades e infiltrações referido em 31.º (resposta ao facto controvertido n.º 7).

33 - Em Abril de 2008, tendo chovido com alguma frequência, reapareceram, de novo, humidades nos tectos dos quartos (resposta ao facto controvertido n.º 10).

34 - E no que concerne ao quarto suite, pelo lado Norte, pingava mesmo água do tecto (chovia no quarto) (resposta ao facto controvertido n.º 11).

35 - Em Outubro/Novembro de 2008, a «EE» deslocou técnicos ao terraço do 4.º andar do prédio sito na Rua M… S…, nºs 1...3/2...5, tendo constado que, por lapso, não haviam impermeabilizado uma caleira ou conduta de águas (resposta ao facto controvertido n.º 12).

36 - Procederam então aos referidos trabalhos, no final de 2008, ficando o Autor a aguardar até aos primeiros meses de 2009 – época das chuvas – com vista a saber se efectivamente a impermeabilização havia sido conseguida (resposta ao facto controvertido nº13).

37 - E, de facto, no quarto suite da habitação do A., a partir daí deixou de verificar-se pingos de queda de água do piso superior (terraço do 4.º andar) (resposta ao facto controvertido n.º 14).

38 - Em 2008, o Autor reparou toda a parte Este da sua habitação – 4 quartos, corredor e duas casas de banho - respectivas paredes, tectos, caixilharias, madeiras (resposta ao facto controvertido n.º 15).

39 - Ficando com o tecto do seu quarto/suite, a aguardar a solução do problema para conclusão das obras de reparação, (com uma área sem estuque nem reboco, com a laje à vista), situação que perdura até hoje (resposta ao facto controvertido n.º 16).

40 - Em Agosto de 2009, voltou a chover no quarto/ suite do A. (pinga água no quarto, na cama e mesinhas de cabeceiras) (resposta ao facto controvertido n.º 17).

41 - No quarto do filho do Autor continuam a surgir humidades (resposta ao facto controvertido nº 21).

42 – Em 2004 as referidas infiltrações de água continuaram a provocar em toda a zona de quartos bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes (resposta ao facto controvertido n.º 22).

43 - No que toca às paredes e tectos dos 4 quartos, o Autor removeu os rebocos e estuques apodrecidos, de novo e massa das paredes e tectos e procedeu-se à pintura dessas áreas, tendo sido reparadas as caixilharias de madeira deterioradas (resposta ao facto controvertido n.º 23).

44 - Os trabalhos de carpintaria ascenderam ao valor de 2.100,00 Euros (resposta ao facto controvertido n.º 24).

45 - Os trabalhos de trolha e pintura (massas e pinturas) ascenderam a um valor de cerca de € 2.000,00 (resposta ao facto controvertido n.º 25).

46 - Por outro lado, sofreram também precoce degradação os estores e as fitas das persianas (respeitantes a essas 4 dependências de quartos) (resposta ao facto controvertido nº 26).

47 - A sua reposição, ou substituição, implicou um encargo de pelo menos 1 800,00 Euros (resposta ao facto controvertido nº 27).

48 - Na zona onde se situa a fracção do autor, a renda de um imóvel destinado a habitação com a área de 200 m2 e com um lugar de garagem, sem padecer de quaisquer patologias, cifra-se num montante mensal não inferior a €1.500,00 (resposta ao facto controvertido nº 28).

49 - Frequentemente, tinham as paredes e tectos com bolores e permanentes infiltrações de água (resposta ao facto controvertido nº 29).

50 - Os estuques do tecto apodreceram e pelo menos em 2 quartos – o quarto do A. e o quarto do seu filho OO – ameaçaram queda dos respectivos estuques (resposta ao facto controvertido nº 30).

51- Com frequência, os filhos do A., em especial seu filho OO, que sofre de asma alérgica, via-se (e vê-se) impedido de dormir no seu quarto, tendo que pernoitar na habitação de seus avós, que se localiza no mesmo prédio, no 1º andar (resposta ao facto controvertido nº 31).

52 - Por largos períodos, chovia no quarto principal da habitação do A. (resposta ao facto controvertido nº 32).

53 - Para a realização das obras de reparação referidas em 43º foram necessários, pelo menos, quinze dias (resposta ao facto controvertido nº 33).

54 - Para o efeito, o A. e seu agregado familiar tiveram que retirar o mobiliário desse sector para o outro sector da casa, a qual ficou entregue aos técnicos da construção civil para realizarem a obra (resposta ao facto controvertido nº 34).

55 - A verificação de humidades e o aspecto desagradável das paredes e tectos provocam angústias e padecimentos no A., e seu agregado familiar (resposta ao facto controvertido nº 35).

56 - Uma das divisões da fracção do autor esteve adaptada a escritório (resposta ao facto controvertido nº 36).

57 - O aspecto da área e a redução das condições de habitabilidade dificultavam e dificultam que os filhos do A. recebessem amigos e colegas e desenvolvessem a sua actividade normalmente (resposta ao facto controvertido nº 37).

58 - Pelo que tiveram que transferir o seu local de estudo para uma varanda (marquise) próxima da sala de estar (resposta ao facto controvertido nº 38).

59 - Concluída que seja a reparação, haverá necessidade de proceder à substituição do parquet do quarto suite da fracção do A. (pelo menos) (resposta ao facto controvertido nº 39).

60 - E a novas reparações nos tectos, paredes, caixilharia de madeira (resposta ao facto controvertido nº 40).

61 - E nova pintura da referida área da casa (100 m2) (resposta ao facto controvertido nº 41).

62- Com a água que pinga no referido pavimento e com o apodrecimento de estuques o referido parquet da parte Este da casa do A. foi danificado (resposta ao facto controvertido nº 42).

63 - O Autor teve despesas destinadas a financiar acções judiciais e extrajudiciais dos efeitos desses comportamentos (resposta ao facto controvertido nº 43).

64 - Teve de proceder a buscas, deslocações, solicitar serviços de terceiros e perder tempo (resposta ao facto controvertido n.º 44).

65 - Tem ainda de suportar os custos associados à prestação de serviços por Advogados e outros mandatários, às acções judiciais, a pagamento de preparos e custas e à obtenção de outros documentos oficiais (resposta ao facto controvertido nº 45).

66 - No ano de 1989, os RR realizaram obras de conservação da fracção, tendo reforçado as telas de revestimento do aludido terraço junto às soleiras de acesso à sala e ao escritório da fracção (resposta ao facto controvertido nº 46).

67 - Desde 18 de Novembro de 2002, os RR encontravam-se separados de facto, tendo o Réu marido, desde então, deixado de usar e fruir a fracção sua propriedade (resposta ao facto controvertido nº 47).

68 - A fracção dos RR, desde 18 de Novembro de 2002, vem sendo ocupada e administrada em exclusivo pela Ré BB (resposta ao facto controvertido nº 48).

69 - A fracção foi usada pela Ré mulher até Março de 2005 para sua habitação própria (resposta ao facto controvertido nº 50).

70 - O revestimento dos pavimentos da fracção autónoma propriedade dos Réus é em madeira (resposta ao facto controvertido nº 52).

71 - Para além da “LL”, deu-se uma outra intervenção técnica posterior, a qual visou eliminar parte das patologias que o edifício apresentava, designadamente ao nível da impermeabilização dos terraços de cobertura (resposta ao facto controvertido nº 53).

72 - A qual ocorreu em 2001 e foi da autoria de uma sociedade denominada por “PP” (resposta ao facto controvertido nº 54).

73 - Uma vez mais contratada pelo Condomínio do prédio (resposta ao facto controvertido nº 55).

74 - Pelo Condomínio foi enviada a todos os condóminos do prédio descrito nos autos, a comunicação que faz fls. 292 dos autos (resposta ao facto controvertido nº 56).

75 - Na sequência da solicitação aludida em 26º, a Ré BB dirigiu ao Condomínio, em 21NOV2005, as reclamações constantes do Doc. de fls. 299 (resposta ao facto controvertido nº 57).

76 - Por contrato celebrado em 24NOV2005, a Ré BB deu de arrendamento a fracção autónoma de que é proprietária a FF e GG (resposta ao facto controvertido nº 58).

77 - A relação arrendatícia então firmada teve início em 01JAN2006 e terminou em OUT2009 (resposta ao facto controvertido nº 59).

78 - Durante o período em que durou o arrendamento, os arrendatários colocaram na laje do terraço de cobertura afecto à sua fracção autónoma, um conjunto de vasos que continham plantas (resposta ao facto controvertido nº 60).


6. A questão a tratar neste recurso consiste em determinar se os réus são ou não responsáveis pela reparação dos defeitos e vícios do terraço em causa nestes autos, ou por suportarem a respectiva reparação pelo autor, e ainda pelos danos por este sofridos, em consequência de humidades, infiltrações e quedas de água verificadas na sua fracção (M), vindas do terraço.

Não vem provado que tais humidades, infiltrações e quedas de água tenham sido consequência de obras que os réus BB e CC tenham realizado, como o autor alegou inicialmente como parte da causa de pedir; o que torna necessário determinar se o referido terraço é parte comum ou pertence à fracção de que os réus são proprietários desde 1989, como aliás consta do título constitutivo da propriedade horizontal, outorgado em 26 de Abril de 1983; na hipótese de se concluir que o terraço é parte comum, haverá ainda que saber se as despesas de conservação (impermeabilização, no caso) são da exclusiva responsabilidade dos réus, uma vez que o terraço, de qualquer forma, está afectado em exclusivo à utilização da sua fracção, P, ou se antes correm por conta de todos os condóminos – o condomínio não é uma entidade juridicamente autónoma; apenas se autonomiza para certos efeitos, como seja, em alguns casos, a intervenção em juízo (cfr. al. e) do artigo 12º do Código de Processo Civil e artigo 1424º, nº 1424º, nºs 1 e 3 do Código Civil).

Igualmente caberá determinar se os réus respondem pelos prejuízos sofridos pelo autor.


7. Antes de afrontarmos a questão principal dos autos, cumpre todavia recordar:


– Está transitada em julgado a decisão de absolvição da instância dos réus Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua M… S…, nº 183/205 e EE - Tecnologias e Produtos para a Construção Civil, Lda., de fls. 614, com fundamento em coligação ilegal. Na verdade, não se vê que tenha sido oportunamente impugnada. Assim sendo, a procedência dos pedidos do autor só pode ser avaliada em relação aos réus que permaneceram em juízo;


– Escreveu-se no acórdão de 19 de Março de 2009, com a mesma relatora, www.dgsi.pt, proc. nº  07B3607:

«Como todos sabemos, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício (ou eventualmente num conjunto de edifícios que obedeça aos requisitos previstos no artigo 1438º-A do Código Civil, ao qual foi acrescentado pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro), formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio moldados segundo o regime da compropriedade (artigo 1420º do Código Civil). 

Nas palavras de M. Henrique Mesquita (A propriedade horizontal no Código Civil Português, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII – nºs 1-2-3-4, pág. 79 e segs., pág.84), “o que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas”.

Essa interdependência – que carece de ser entendida à luz da função acessória e instrumental que as partes comuns desempenham por relação às fracções autónomas – repercute-se, naturalmente, no regime jurídico aplicável, quer a umas, quer a outras.

Assim e por exemplo, no que respeita às fracções autónomas, os respectivos proprietários estão, não só, sujeitos “às limitações impostas aos proprietários (…) de coisas imóveis”, como relembra o nº 1 do artigo 1422º do Código Civil (vejam-se, por exemplo, os artigos 1346º ou 1347º do Código Civil), mas ainda sofrem, no âmbito dos normais poderes de “uso, fruição e disposição” que o artigo 1305º atribui ao proprietário, outras restrições decorrentes da sua inserção no conjunto.

É o que resulta, nomeadamente, do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, que proíbe ao condómino que prejudique “a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” com obras realizadas na sua fracção (ressalvada a autorização prevista no nº 3) ou “por falta de reparação” de que a mesma careça, que a destine a “usos ofensivos dos bons costumes” ou lhe dê “uso diverso do fim a que se destina” ou, ainda, que pratique “actos ou actividades que tenham sido proibidas no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição” (cfr. ainda o nº 4).

Relativamente às partes comuns – (…) –, o legislador português optou por remeter para o regime da compropriedade, como se viu já, opção mantida pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro.

Naturalmente que o regime da compropriedade tem de sofrer as adaptações decorrentes da apontada ligação funcional (acessória e instrumental, não é demais observar) entre as partes comuns e as fracções autónomas, em particular quanto aos poderes que cada condómino sobre elas pode exercer e quanto à forma como se processa a respectiva administração e eventual oneração, ou disposição.

Em alguns casos, a lei afasta expressamente pontos do regime em geral definidos para a compropriedade. Assim sucede com a impossibilidade de renúncia ao direito sobre as partes comuns, como forma de o comproprietário se eximir ao pagamento de “despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum”, admitido pelo artigo 1411º para a compropriedade e excluído na propriedade horizontal pelo nº 2 do artigo 1420º; com o direito de pedir a divisão da coisa comum, consequência da regra segundo a qual nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão (artigo 1412º do Código Civil), excluído na propriedade horizontal (artigo 1423º); ou com o direito de preferência (1409º), igualmente excluído na propriedade horizontal.

Nenhuma novidade decorre destas exclusões: se o conjunto entre a propriedade singular (sobre as fracções) e comum (sobre as partes comuns) é incindível, e se nenhuma pode, portanto, ser alienada separadamente, é inevitável que aquela renúncia seja inadmissível; na compropriedade, cada comproprietário pode alienar a sua quota (art. 1408º). Se as coisas comuns (quer necessária, quer presumidamente comuns) são comuns ainda que estejam afectadas ao uso de uma fracção autónoma (cfr. artigo 1421º) e são instrumentais em relação à utilização das fracções autónomas, seria incongruente a possibilidade de divisão. Se é inalienável separadamente a “parte” de cada condómino nas partes comuns, não faria sentido que os outros pudessem preferir em eventuais alienações a terceiros. Note-se que não é comparável com a preferência na compropriedade a não atribuição do direito de preferência “na alienação de fracções”, expressa no artigo 1423º do Código Civil; na ausência de disposição expressa, seria necessário fazer decorrer tal direito de preferência da compropriedade em relação às partes comuns, o que não teria viabilidade, desde logo porque implicaria a inversão do nexo de acessoriedade e de instrumentalidade existente entre as partes comuns e as fracções autónomas. Admite-se, todavia, que o preceito esclareça dúvidas que poderiam, por exemplo, ser levantadas, tendo em conta o regime previsto no artigo 417º do Código Civil (aplicável à preferência legal do comproprietário por remissão do artigo 1409º, nº 2).

Noutros pontos, a lei regula autonomamente questões com relevo específico no âmbito da propriedade horizontal, como se pode verificar, por exemplo, no regime previsto pelo artigo 1428º para a hipótese de destruição de todo ou de parte do edifício.

Outras vezes ainda, disciplina expressamente matérias relativamente às quais admite que o regime se afaste em maior ou menor medida do que define para a compropriedade.

É o que sucede, por exemplo, com o direito de uso das partes comuns.

Na compropriedade, cada consorte tem direito de usar a coisa comum, com a limitação do fim “a que a coisa se destina” e da proibição de privar os demais “do uso a que igualmente têm direito” (nº 1 do artigo 1406º do Código Civil). É todavia possível regular o uso, por acordo (mesmo preceito).

Na propriedade horizontal, mais uma vez ocorre que a relação funcional entre as partes comuns e as fracções autónomas se repercute nas regras aplicáveis ao uso das partes comuns: é admissível fixá-las no título constitutivo (cfr., por exemplo, o nº 3 do artigo 1421º) ou no regulamento do condomínio; mas nunca de forma a prejudicar a utilização e fruição das fracções autónomas.»


8. Este apelo ao modo de conjugação dos poderes e deveres dos condóminos releva, desde logo, para averiguar da possibilidade de aplicação do regime previsto nos artigos 492º e 493º do Código Civil, pretendido pelo autor; sendo certo que, pela especificidade das previsões normativas correspondentes, entende-se que, se dúvidas houvesse, apenas se poderiam colocar relativamente à aplicabilidade do disposto no nº 1 do artigo 493º – note-se que o recorrente também não explica como se poderia aplicar um regime previsto para edifícios que ruíram, no todo ou em parte (artigo 492º), ou para os danos causados “no exercício de uma actividade perigosa”.

Ora, para além das razões apontadas no acórdão recorrido, que se subscrevem, sempre se reforça que, no caso concreto, seria totalmente contrário à razão de ser do regime de inversão do ónus da prova constante do nº 1 do artigo 493º a sua aplicação a uma situação na qual, como a Relação refere, só o autor poderia detectar as infiltrações, humidades e quedas de água verificadas na sua fracção. O que naturalmente não significa que sobre os réus não recaia o dever de vigilância, quer da sua fracção, quer de eventuais partes comuns afectas ao seu gozo exclusivo, como permite o nº 3 do artigo 1421º do Código Civil.

Justifica-se o confronto entre esta situação e aquela que foi considerada no acórdão de 10 de Dezembro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 68/10.1TBFAG.C1.S1.


9. Mas interessa igualmente para a análise dos demais fundamentos da pretensão do autor.

Segundo a versão inicial do artigo 1421º do Código Civil, vigente à data, quer da outorga do título constitutivo da propriedade horizontal, quer da aquisição da fracção P pelos réus BB e CC, são imperativamente comuns “b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”. Esta redacção transitou do artigo 123º do “Anteprojecto para o futuro Código Civil”, da autoria de Pires de Lima, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 123, pág. 225 e segs. pág. 272, com as respectivas revisões ministeriais, e do posterior Projecto, publicado pelo Ministério da Justiça em 1966.

Compreende-se facilmente razão da natureza obrigatoriamente comum destas “partes do edifício”, para utilizar a terminologia do corpo do mesmo nº 1 do artigo 1421º: integram a respectiva estrutura e, portanto, é do interesse objectivo dos titulares das fracções autónomas que a sua conservação não fique dependente de algum ou alguns deles, mais ou menos diligentes na prossecução do interesse comum da preservação geral do prédio, e que eventuais inovações que o condómino pretenda efectuar estejam sujeitas ao regime das inovações em partes comuns, como garantia de que se não prejudica à revelia dos demais a cobertura do prédio.

Recorda-se, a propósito, que Carvalho Fernandes distinguia, dentro dos elementos necessariamente comuns, quatro categorias fundamentais: o solo, os elementos estruturais do edifício, as zonas de circulação interna comum e as instalações correspondentes a serviços comuns: Direitos Reais, 5ªed., Lisboa, 2007, pág.369.

Sucede, todavia, que a referência à afectação ao último pavimento levantava algumas dúvidas quanto a saber se eram necessariamente partes comuns do prédio em regime de propriedade horizontal os chamados terraços intermédios com função de cobertura de pisos inferiores, mas afectados ao uso de pisos intermédios, e não “ao uso do último pavimento”, dúvida essa que, conjugada com a circunstância de o título constitutivo integrar na fracção P o terraço dos autos, simultaneamente de cobertura e afecto ao uso exclusivo dessa fracção (cfr. pontos 5, 6, 16, 18 e 19 dos factos provados), volta a ser colocada pelo recorrente no presente processo.

Note-se, aliás, que o recorrente, seguindo a orientação perfilhada no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Abril de 1997, www.dgsi.pt. Proc. nº 96A756, sustenta que os terraços intermédios, como ninguém discute que é o terraço a que este litígio respeita, não são terraços de cobertura, para o efeito de serem incluídos na al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil, como partes obrigatoriamente comuns, nem na redacção primitiva, nem naquela que resultou do Decreto-Lei nº 267/94. Apenas seriam terraços de cobertura, para este acórdão, aqueles que tal como o telhado – [dão] cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade”; “Um terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio, e que dá cobertura apenas a uma parte deste que, obviamente, se não situa na sua parte superior, ao nível do último pavimento” não é, para este acórdão, repete-se, um terraço de cobertura. No sentido de que o Decreto-Lei nº 267/94 alterou a qualificação dos terraços intermédios que servem de cobertura a pisos intermédios, e que a versão inicial do artigo 1421º, nº 1, b) se deve aplicar quando a propriedade horizontal se constituiu antes da entrada em vigor dessa alteração, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2000, proc. nº 2899/00.

Ora, para além da letra da lei – que põe a par telhados e terraços de cobertura, salientando por essa forma a função de uns e de outros que justifica a natureza obrigatoriamente comum –, não tem fundamento material distinguir terraços que se situam ao nível do telhado e terraços intermédios, que simultaneamente sirvam de cobertura parcial imediata a uma ou mais fracções, e, mediatamente, ao prédio, independentemente do piso onde se situem.

     Por várias razões: tal como o telhado não dá cobertura apenas ao último piso, mas faz parte da estrutura do prédio e é parte comum para todos os condóminos, e não só para os que se encontrem na vertical por baixo desse telhado, mesmo que não cubra todo o prédio, também se incluem na al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil, em qualquer das suas versões, os terraços intermédios, que servem de cobertura (total ou parcial) apenas a alguma (ou algumas) fracções, pois também integram a estrutura do prédio. Como se observa no acórdão de 15 de Maio de 2012, revista nº 218/2001.C3.S1, “não obstante não servir de cobertura integral, mas, apenas, parcial do andar situado no piso inferior, nem se situar ao nível do telhado do edifício, não sustentando a totalidade da cobertura do respectivo espaço físico, está funcionalmente afecto, além de outras, a servir a mesma finalidade de protecção contra os elementos líquidos da atmosfera”. Ou como escreveu Aragão Seia, Propriedade Horizontal; 2ª. ed., Coimbra, 2002, pág. 74: “Os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura, por exemplo, a uma garagem ou a um estabelecimento, como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectados ao uso exclusivo de um condómino, são parte comum”.


10. Diferentemente do que sustenta o recorrente, interpreta-se a doutrina mais recente do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de ter estabilizado a interpretação de que, quer à luz do texto inicial do Código Civil, quer após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 267/94, os terraços intermédios que sirvam de cobertura a alguma ou algumas fracções são necessariamente partes comuns, independentemente de estarem ou não afectados ao uso de alguma ou algumas fracções do último piso, ou de qualquer piso, e independentemente da qualificação que lhes for dada pelo título constitutivo (assim, vejam-se a título de exemplo os acórdãos de 3 de Julho de 2003, revista nº 1984/03, de 16 de Outubro de 2003, www.dgsi.pt, proc. nº 03B2567, de 27 de Janeiro de 2010, revista nº 635/09.6YFLSB, Sumários de Acórdãos, www.stj.pt )

Versando somente sobre a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 267/94, que interpretam no sentido de considerar comuns os terraços intermédios com função de cobertura de pisos intermédios, cfr., por ex., o acórdão de 19 de Setembro de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02B2062, de 16 de Novembro de 2006, revista nº 3468/06, Sumários de Acórdãos, www.stj.pt, de 5 de Março de 2009, revista nº 217/09, Sumários de Acórdãos, www.stj.pt, de 31 de Maio de 2012, revista nº 678/10.7TVLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos, www.stj.pt. Este último, a título de obiter dictum, porque a propriedade horizontal a que respeita fora apenas constituída em 2000, considerou que o Decreto-Lei nº 267/94 alterou a qualificação dos terraços intermédios, com referência à redacção inicial do Código Civil; e observou que está consolidada a jurisprudência no sentido de que, para a versão decorrente do Decreto-Lei nº 267/94, é parte comum “qualquer terraço que sirva de cobertura ao próprio edifício ou a alguma das fracções prediais, ainda que destinadas ao uso exclusivo de qualquer condómino”, tal como o acórdão de 9 de Junho de 2016, www.dgsi.pt, proc. nº  211/12.6TVLSB.L2.S1, acórdão no qual, dando como exemplo o acórdão de 1 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 95/2000.L2.S1, relativo a um prédio no qual a propriedade horizontal foi constituída antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 267/94, se observou que a jurisprudência tem vindo a adoptar “o critério acima exposto”.


Entende-se assim que, independentemente do piso em que se situam, são necessariamente comuns os terraços intermédios que servem de cobertura a algum ou algum dos pisos, pois exercem a mesma função de cobertura que exerceriam se se situassem ao nível do último piso, e porque a titularidade do terraço não se confunde com a sua afectação (com o respectivo uso). A circunstância de estar afectada ao uso exclusivo de algum ou alguns dos condóminos não altera a natureza de parte que seja comum. Assim, cfr. acórdãos de 5 de Março de 2009, revista nº 217/09, e de 13 de Setembro de 2011, proc. nº 2095/07.7TBPHF.P1.S1, ambos in Sumários de acórdãos, www.stj.pt : “Uma coisa é a propriedade de tal parte comum, outra, com ela inconfundível, é a afectação, em uso exclusivo, do terraço” ou Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado cit, vol. III, pág. 420: uma coisa é a titularidade, outra “o uso ou afectação prática da coisa, muito embora haja uma estreita correlação entre esses dois elementos”.

Como se diz em Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dia da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Coimbra, 3ª ed., de 1983, pág. 171 – por referência, portanto, ao texto inicial do Código Civil – “É certo que pode em certos casos facultar-se, em exclusivo, o uso do terraço a um ou mais condóminos (…). E é o caso de andares recuados, com terraço privativo: este continua a ser elemento comum do prédio”.


11. Conclui-se, portanto, que o terraço em causa nos autos, quer à luz da al b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil vigente à data da outorga do título constitutivo da propriedade horizontal e da aquisição da fracção P, quer à luz do mesmo preceito, tal como foi alterado pelo Decreto-Lei nº 267/94, é imperativamente parte comum do edifício, não tendo validade a sua inclusão na fracção P, sem necessidade de declaração judicial da nulidade parcial do título (arts. 294º e 286º do Código Civil): cfr., a título de exemplo, o já citado acórdão de 3 de Julho de 2003, revista nº 1984/03, ou o acórdão de 16 de Outubro de 2003, revista nº 2567/03, Sumários de Acórdãos, www.stj.pt .


12. Não está colocada nos autos a questão da eventual conversão da inclusão do terraço na fracção P em afectação ao uso exclusivo da mesma fracção. No entanto, vem provado que o terraço, a que apenas se acede pela fracção P, está afectado ao seu uso exclusivo; questão que agora não releva, como se verá.


13. Resolvida a questão da propriedade do terraço, coloca-se a questão de saber quem é responsável pelas despesas da sua conservação (no caso, pela respectiva impermeabilização), tendo em conta os nºs 1 e 3 do artigo 1424º do Código Civil (correspondente ao nº 2 da versão primitiva do preceito), dos quais resultam a regra de que as despesas de conservação das partes comuns são da responsabilidade dos condóminos, “em proporção do valor das suas fracções” (nº 1), salvo tratando-se de “partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos”, que “ficam a cargo dos que delas se servem” (nº 3).

Mas este último preceito tem de ser devidamente interpretado, respeitando a respectiva razão de ser. Se uma parte é comum, compreende-se que a regra seja a de que todos os condóminos suportem a respectiva manutenção, porque a natureza comum tem como justificação tratar-se de uma parte de que beneficia o prédio enquanto tal e, portanto, todos os condóminos, enquanto seus proprietários em conjunto.

Se uma parte do prédio, apesar de ser comum, está afectada à utilização de um ou de alguns dos condóminos, então justifica-se que essa afectação exclusiva se repercuta na responsabilidade pelas despesas correspondentes; mas apenas na medida em que se relacionem com essa afectação exclusiva.

No caso, trata-se da impermeabilização do terraço e não se provou qualquer actuação dos réus que a tenha danificado: não pode considerar-se da exclusiva responsabilidade do proprietário da fracção P, por não se relacionar com a afectação ao uso exclusivo dessa fracção, isto é, com a sua utilização individualizada, na expressão utilizada pelo acórdão de 16 de Novembro de 2006, revista nº 3468/06, Sumários de Acórdãos, www.dgsi.pt .

Não tem assim aplicação o nº 3 do artigo 1424º do Código Civil; vale, portanto, a regra de que as despesas necessárias à manutenção do terraço, no que à sua impermeabilização respeita, são da responsabilidade de todos os condóminos, na proporção “do valor das suas fracções” (nº 1 do artigo 1424º do Código Civil).


14. Sendo todos os condóminos responsáveis pela conservação do terraço, ou, mais especificamente, pela sua impermeabilização, recai igualmente sobre os mesmos a obrigação de indemnizar algum condómino que sofra danos resultantes de vício de impermeabilização, nos termos gerais do artigo 483º do Código Civil, também na proporção do valor das respectivas fracções.

Esclarecendo um pouco melhor: é da responsabilidade de todos os condóminos a conservação das partes comuns; detectado um vício que cumpre corrigir, recai sobre todos os condóminos o dever de suportar as despesas correspondentes e de indemnizar o proprietário que tenha sofrido prejuízos em consequência da falta de reparação.

É claro que essa obrigação de indemnizar pressupõe a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, para além da ilicitude – já assente, por resultar da prova que o vício se mantém: que direitos do autor foram lesados e em que extensão (recorde-se que o autor pede indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais), se há nexo de causalidade entre o vício de impermeabilização e os danos alegados e provados e se houve negligência dos condóminos, no seu conjunto, para além das demais circunstâncias do caso (cfr. artigo 494º do Código Civil).

No caso concreto, a reparação pode considerar-se urgente, valendo então o disposto no artigo 1427º do Código Civil. O condómino cuja fracção permite o acesso à parte comum terá de facultar o acesso ao autor, com o fim de lhe permitir que proceda à reparação; tal como sempre terá de o permitir ao administrador, em qualquer caso. A interligação entre as partes próprias e comuns, na propriedade horizontal, obriga a limitações ao direito de propriedade exclusiva sobre a fracção, como se recordou já.


15. Não é possível condenar os condóminos proprietários da fracção P, nem na reparação dos prejuízos sofridos, nem a suportarem por si sós as despesas de reparação, nem, também por si sós, a indemnizar o autor pelos danos provados, por não estarem em juízo o condomínio ou os demais condóminos, por si mesmos; fica portanto prejudicada a condenação referida em f) do pedido (sanção pecuniária compulsória).

Mas essa falta não impede que se condene os mesmos condóminos proprietários da fracção P a facultar o acesso ao terraço, para que o autor possa por si proceder à reparação – o que equivale à procedência do pedido identificado como c), restrito a estes condóminos; tal como não impede a condenação dos mesmos na parte que lhes caiba suportar, quer dos encargos com a reparação, quer da indemnização pelos prejuízos sofridos.

Na verdade, não seria um caso de litisconsórcio necessário, que envolvesse a presença de todos os condóminos, para que se pudesse conhecer do mérito da causa – cfr artigo 32º, nº 1 do Código de Processo Civil e artigos 1405º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil.


16. Sucede que nesta acção nunca houve decisão, nem sobre o preço da reparação, nem sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, ou o montante dos prejuízos sofridos. Trata-se de questões que ficaram por apreciar nas instâncias, por se ter entendido que a natureza comum do terraço impedia qualquer procedência da acção.

Não podendo o Supremo Tribunal de Justiça proceder a essa averiguação em 1ª instância, determina-se que o processo seja remetido ao Tribunal da Relação do Porto, para que se proceda ao cálculo do custo da reparação da impermeabilização do telhado, bem como à determinação dos pressupostos da obrigação de indemnizar pelos danos sofridos pelo autor em consequência da violação dessa obrigação e à determinação da proporção que cumpre suportar aos proprietários da fracção P.


17. Antes de terminar, cumpre apreciar algumas questões suscitadas pelo recorrente, que se não consideraram necessárias à resolução do recurso:


– Não tem qualquer relevância, neste recurso, determinar se o Decreto-Lei nº 267/94, na parte em que alterou a redacção da al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil, é ou não uma lei interpretativa, no sentido do artigo 13º do Código Civil. Com efeito, entende-se que, à luz da versão inicial do Código Civil, o terraço dos autos já seria qualificado como parte comum;

– Por essa mesma razão, a nulidade parcial do título constitutivo não resulta de qualquer aplicação retroactiva de nenhuma disposição legal;

– Ainda que assim não fosse, não pode de forma alguma considerar-se um título constitutivo de propriedade horizontal como um “acto de natureza análoga” aos referidos no artigo 13º. Nem o recorrente justifica a afirmação que faz, o que dispensa maiores explicações;

– Não se vê que argumento se possa retirar do Acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Dezembro de 1993, citado pelo recorrente;

– Para se considerar nula uma disposição de um título constitutivo de propriedade horizontal e, portanto, como comum uma parte do prédio que nele é incluída numa fracção autónoma, não é necessário obter previamente a declaração judicial de nulidade;

– Não tem consequências, para o caso, a afirmação não densificada de inconstitucionalidade referida ao Decreto-Lei nº 267/95, razão pela qual se não analisa a questão;

– Não há qualquer confisco; note-se, aliás, que os proprietários da fracção P sustentaram, no processo, a natureza comum do terraço.


18. Nestes termos, concede-se provimento parcial à revista, decidindo-se:


a) Condenar os réus CC, JJ e KK a permitirem ao autor o acesso ao telhado dos autos, para que possa proceder à reparação da respectiva impermeabilização;

b) Condenar os réus CC, JJ e KK no pagamento de parte do custo dessa reparação, na proporção do valor da sua fracção;

c) Determinar que o processo seja remetido à Relação para que se apure o custo da mesma reparação e se aprecie o pedido de indemnização formulado pelo autor nesta acção, incluindo os juros que forem devidos;

d) Condenar os réus CC, JJ e KK no pagamento de parte da indemnização que vier a atribuir-se ao autor, na proporção do valor da sua fracção.


Custas segundo o vencimento que vier a apurar-se.


Lisboa, 12 de Outubro de 2017


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Távora Victor