Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALEXANDRE REIS | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA AÇÃO EXECUTIVA ACÇÃO CAMBIÁRIA AÇÃO CAMBIÁRIA PRAZO DE PRESCRIÇÃO PROPOSITURA DA ACÇÃO PROPOSITURA DA AÇÃO FÉRIAS JUDICIAIS CITAÇÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/19/2019 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA / REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, REPRISTINANDO-SE A SENTENÇA DE 1ª INSTÂNCIA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO PROMOVIDA PELO TITULAR. | ||
Doutrina: | - Ana Filipa Antunes, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro Sérvulo Correia, Volume III, p. 56. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.º 2. LEI UNIFORME RELATIVA A LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 70.º, 77.º E 78.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-11-1992, PROCESSO N.º 003487, IN WWW.DGSI.PT; -DE 03-10-2007, PROCESSO N.º 07S359, IN WWW.DGSI.PT; - DE 26-11-2008, PROCESSO N.º 08S2568; - DE 14-01-2009, PROCESSO N.º 08S2060, IN WWW.DGSI.PT; - DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 1228/07.8TBAGH.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 329/08.0TTLRA.C1.S1; - DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 347/10.8TTVNG.P1.S1; - DE 29-11-2016, PROCESSOS N.º 448/11.5TBSSB-A.E1.S1; - DE 12-01-2017, PROCESSO N.º 14143/14.0T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 03-07-2018, PROCESSO N.º 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - E 12-09-2018, PROCESSO N.º 5282/07.4TTLSB.L1.S1; - DE 02-04-2019, PROCESSO N.º 1772/06.4TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I - O efeito interruptivo da prescrição estabelecido no n.º 2 do art. 323.º do CC pressupõe que: - (i) na data em que é requerida a citação, o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores; - (ii) a citação não tenha sido realizada dentro desses cinco dias; e - (iii) o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao requerente, entendendo-se que este, objectivamente, em nada contribuiu, em termos adjectivos, para o atraso. II - Em acção executiva intentada em 27-07-2007 e dependente de despacho liminar prévio de citação, a citação do executado em 19-09-2007 deveu-se causalmente à opção do exequente de propor a acção em férias judiciais e não requerer a citação urgente. III - Por consequência, o prazo de prescrição cambiária de três anos – arts. 70.º, 77.º e 78.º, todos da LULL, completou-se em 04-09-2017, sem se ter interrompido no prazo de cinco dias após a propositura da acção. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ([1]):
AA, SA, em 27.07.2017, instaurou contra BB e outros acção executiva para pagamento da quantia de € 31.077,12 e juros vincendos, alegando que a obrigação resulta da livrança dada à execução, não paga na data de vencimento (04.09.2014). A executada BB deduziu embargos, invocando a prescrição da obrigação cambiária. A exequente contestou, alegando, em síntese, que se deverá considerar interrompida a prescrição com a instauração da execução. Foi proferida sentença, julgando a oposição procedente e determinando a extinção da execução (apenas) contra a embargante. A exequente interpôs apelação, em cujo âmbito a Relação, por maioria, revogou a sentença e julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição.
A executada/embargante interpôs recurso de revista, cujo objecto delimitou com conclusões em que suscita a questão de saber se ocorreu a invocada excepção da prescrição, tendo em conta que o retardamento na efectivação da citação foi imputável à exequente. * Importa apreciar e decidir a enunciada questão, para o que releva a seguinte matéria de facto que a Relação teve por assente:
«1. Foi apresentada à execução pelo exequente AA, S.A. de que estes autos constituem um apenso, o documento junto a fls. 12 dos mesmos, denominado “livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres: Importância – 25.564,80 €; Vencimento – 2014-09-04; Local e Data de Emissão – Porto – 2014-08-25; Assinatura da subscritora: consta a assinatura e carimbo da sociedade CC Lda. No verso da livrança consta a Assinatura da embargante com a expressão ”Bom por aval à sociedade subscritora”. 2. A execução de que estes autos constituem um apenso deu entrada em juízo no dia 27.07.2017. 3. O exequente refere como causa de pedir “A obrigação resulta expressa e exclusivamente do título dado à execução, uma livrança, não paga na data de vencimento (04.09.2014), sendo executados a empresa subscritora e os avalistas da mesma”. 4. A executada/embargante BB foi citada em 19.09.2017.» * Dispõe o nº 1 do artigo 323º do CC: «A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente». Por sua vez, prescreve o nº 2 do mesmo artigo: «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias». A questão suscitada no presente recurso é apenas a de saber se, nos termos deste nº 2, o prazo de prescrição cambiária de 3 anos (arts. 70º, 77º e 78º da LULL) que, tendo iniciado em 4.9.2014 (data do vencimento da livrança dada à execução), terminaria em 4.9.2017, foi ou não interrompido 5 dias depois de a citação ter sido requerida, em 27.7.2017, portanto, em plenas férias judiciais. Uma vez que a citação só ocorreu efectivamente em 19.9.2017, entendendo-se que a mesma não se fez dentro de 5 dias depois de ter sido requerida por causa imputável à exequente, não se verificou qualquer interrupção e a prescrição consumou-se em 4.9.2017. Na decisão recorrida, sufragada por maioria, considerou-se que, tendo sido interposta a acção executiva com antecedência superior a trinta dias em relação ao decurso do prazo de prescrição, a citação não se concretizou nos cinco dias subsequentes à data em que a acção foi instaurada devido ao decurso das férias judiciais, as quais constituiriam razões alheias à exequente e, por isso, nos termos do artigo 323º, nº 2, do CC, ocorreu a interrupção da prescrição decorridos cinco dias sobre essa data, ou seja, antes de se perfazerem três anos sobre a data de vencimento da livrança ([2]). A posição que prevaleceu invocou o apoio do entendimento expresso nos acórdãos proferidos por este Tribunal nos processos 329/08.0TTLRA.C1.S1, 347/10.8TTVNG.P1.S1, 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 e 5282/07.4TTLSB.L1.S1, em 20-10-2011, 20-06-2012, 29-11-2016 e 12-09-2018, respectivamente. Cremos, todavia, que a mesma não deve ser mantida. Segundo o entendimento pacífico e constante, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do citado artigo pressupõe que: (i) na data em que é requerida a citação, o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores; (ii) a citação não tenha sido realizada dentro desses cinco dias; (iii) o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao requerente, entendendo-se aqui que este, objectivamente, em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto [v. Acs STJ de 4-11-1992 (p. 003487 ([3])), de 3-10-2007 (p. 07S359], de 14-01-2009 (p. 08S2060), de 3-02-2011 (p. 1228/07.8TBAGH.L1.S1), de 12-01-2017 (p. 14143/14.0T8LSB.L1.S1), de 3-07-2018 (p. 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1) e de 02-04-2019 (p. 1772/06.4TVLSB.L2.S1), todos em www.dgsi.pt]. Na verdade, tem-se interpretado a expressão “causa não imputável” em termos de causalidade objectiva, no sentido de que o retardamento só exclui a interrupção da prescrição se for objectivamente imputável à conduta do requerente e quando esta infrinja objectivamente a lei em qualquer termo processual até à efectivação da citação. A perspectiva enunciada não significa, porém, que a referida expressão esteja totalmente dissociada da ideia de culpa, designadamente quanto à não observância da lei adjectiva ([4]), alheamento que não se conciliaria com a natureza da prescrição, cuja razão de ser reside na penalização da inércia do titular do direito, a par da salvaguarda da certeza e da segurança do direito, e daí que a sua interrupção pressuponha a prática de actos, nomeadamente o da citação, que deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão. Como tal, «não basta ao respectivo titular fazer dar entrada em juízo da peça processual em que consubstancia a sua vontade de fazer exercer o direito: porque a lei exige a citação (ou a notificação) do acto judicial que exprime o exercício do direito pelo respectivo titular, haverá este que actuar no sentido de a parte a quem esse exercício é dirigido tenha conhecimento do mesmo antes de operar a prescrição, justamente porque essa parte, razoavelmente, contava com a prescrição, não tendo, por isso, que se sujeitar à respectiva interrupção sem o conhecimento de tal exercício». Foi o que ponderou o acórdão deste Tribunal de 26-11-2008 (p. 08S2568), em cujo sumário se acrescenta: «Por isso, deverá o titular, se não solicitar a citação prévia, actuar de molde a que, de um lado, a instauração da acção ocorra em data que permita que a citação da outra parte tenha lugar antes de decorrida a totalidade do prazo prescricional – pois é necessária a obtenção de um mandado ou ordem de citação –, e, de outro, que possibilite a efectivação, de harmonia com os comandos legais, desses mandados ou ordem dentro do decurso do indicado prazo». Ora, no caso em apreço, tratando-se de citação dependente de despacho liminar prévio do juiz [arts. 226º, nº 4, a) e e) e 726º, nº 6 do CPC], se a exequente a tivesse requerido, mesmo sem natureza urgente, até ao último dia útil antes do período das férias de verão de 2017, embora, em termos de normalidade, não fosse provável que a mesma se efectivasse até 4/9 seguinte, ainda se poderia admitir, objectivamente, a possibilidade de tal suceder, se os autos fossem apresentados pela secretaria ao juiz e este determinasse a citação, tudo no próprio dia da apresentação do inerente requerimento, uma vez que do comando inserto no nº 1 do art. 137º do CPC – não se praticam actos processuais durante o período de férias judiciais – já estaria exceptuado o cumprimento de tal despacho (cf. nº 2 do preceito). É evidente que, não o tendo feito, antes requerendo a citação (não urgente) quando já estavam em curso as férias judiciais, a exequente não podia ignorar que a lei de processo vedava a submissão dos autos a despacho judicial – e, por consequência a subsequente efectivação da citação – enquanto decorresse o período das férias, ou seja, até ao 1º dia útil após estas (1-09-2017, sexta-feira), então, já sem qualquer possibilidade de a interrupção da prescrição ocorrer com a citação da embargante até ao completo decurso do respectivo prazo. Portanto, para permitir que citação se realizasse antes do decurso do prazo de 5 dias, em conformidade com o quadro procedimental a que estava vinculada, a exequente teria de a requerer antes de férias, caso não pretendesse optar pela faculdade de a requerer com urgência. Não o fez e assim contribuiu causalmente para que a citação só se efectivasse em 19 de Setembro: mesmo descontando o não uso pela exequente da faculdade de impulsionar a prática pelo juiz (durante as férias) do acto processual de que dependia a citação da executada, requerendo-a com urgência, não pode deixar de se concluir, em termos de causalidade objectiva, que o retardamento do acto idóneo a interromper a prescrição se deveu ao facto de aquela ter obnubilado as normas procedimentais ou adjectivas no caso aplicáveis, «radicando nessa infracção objectiva – e só nela – a preclusão do benefício emergente do referido nº2 do art. 323º» ([5]).
Procede, pois, o recurso. *
Decisão:
Lisboa, 19/06/2019
Alexandre Reis
Lima Gonçalves
António Magalhães (voto de vencido) * ________ Voto de Vencido Como relator, teria negado a revista e confirmado o acórdão. Como se disse no projecto, que não obteve vencimento, por retardamento na efectivação da citação imputável ao autor (da acção) deve entender-se a conduta deste último que venha a infringir objectivamente a lei em qualquer termo processual e que conduza a que a citação se não faça dentro dos cinco dias após ter sido requerida (cfr. o Ac. STJ de 19.12.2012, Clara Sottomayor, em www.dgsi.pt). A culpa não pode ser figurada, pois, sem uma violação objectiva da lei, sem uma infracção a regras procedimentais a que a exequente (no caso) estivesse vinculada e que tivessem sido causais da demora na consumação do acto de citação – não relevando para o efeito uma “omissão” de actos ou diligências aceleratórias, como o caso da citação urgente (Ac. STJ de 19.12.2012). Ora, observando o caso concreto, não se pode imputar à exequente qualquer infracção à lei. A exequente, com a sua conduta, não violou objectivamente a lei. Não o fez quando intentou a execução nas férias, na medida em que, nos termos do art. 137º, nº 1 do CPC, o podia fazer automaticamente. E também não o fez quando não requereu a citação urgente (que não estava obrigada a requerer). Como assim, não se pode afirmar que lhe era exigível outra conduta. Era possível mas não lhe era exigível. A exequente não necessitava de uma diligência excepcional mas apenas a necessária que a levasse a respeitar a antecedência mínima de 5 dias relativamente ao termo prescricional e a não infringir a lei em qualquer termo processual até à efectivação da citação (cfr. Ac. STJ de 20.5.1987, no BMJ nº 367, pág. 483 e o Ac. R.P. de 12.4.1999 (sumário), Azevedo Ramos, em www.dgsi.pt). Além disso, não se afigura totalmente coerente que o sistema permita, por um lado, que a exequente intente execução e requeira a citação em férias e depois, por outro, que a penalize porque, afinal, devia ter requerido a citação não em férias mas enquanto os tribunais estavam em actividade (com a antecipação necessária para poder ser efectuada dentro de cinco dias, sem contar com as férias, ou seja, em 13 de Julho de 2017) ou devia ter requerido a citação urgente em férias de modo a que a fosse possível efectuar a citação antes do termo do prazo de prescrição. Teria concluído, pois, que a não efectivação dentro de 5 dias da citação requerida pela exequente em férias não lhe devia ser imputada e que, consequentemente, a prescrição se tinha interrompido em 1 de Agosto de 2017 (antes, portanto, do termo do prazo em 4 de Setembro do mesmo ano). * Lisboa, 19 de Junho de 2019 --------------------
[3] Com o seguinte sumário: «A prescrição deve ter-se por interrompida decorridos cinco dias após a apresentação em juízo da petição inicial quando, requerida a citação cinco dias antes do termo do prazo prescricional, esta apenas se realize posteriormente, por motivos de índole processual, de organização judiciária ou do regime tributário. Aquela consequência verifica-se no caso de o autor fazer o preparo inicial dentro do prazo legal, embora em data posterior àquela em que se completaria o prazo prescricional». |