Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22/18.5YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: AUSÊNCIA
AUSÊNCIA ILEGÍTIMA
FALTAS INJUSTIFICADAS
FALTAS JUSTIFICADAS
AUTORIZAÇÃO
FÉRIAS JUDICIAIS
FÉRIAS
TURNOS
VENCIMENTO
ANTIGUIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
Apenso:
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO/ DIREITO À INFORMAÇÃO.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – DEVERES, INCOMPATIBILIDADES, DIREITOS E REGALIAS DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS / ANTIGUIDADE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 63.º, N.º 1.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 9.º, N.º 1, 10.º, N.ºS 1 E 5, 10.º-A, N.º 2, 73.º, ALÍNEA C), 74.º, ALÍNEA C),
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º E 262.º, N.º 2.
Sumário :

I - A ausência do juiz nos dias úteis da circunscrição judicial pode ser legítima, mas carece da parte do CSM de autorização prévia ou, não sendo possível, justificação imediata após o regresso ao serviço.
II - A justificação imediata das faltas não fica dispensada pelo decurso das férias judiciais, não coincidentes com as férias autorizadas, ainda que seja organizado o serviço de turno.
III - As faltas injustificadas equivalem a "ausência ilegítima", implicando, designadamente, a perda de vencimento durante o período em que se tenham verificado e a não contagem na antiguidade.
IV - O art. 73.°, al. c), do EMJ, não enferma de inconstitucionalidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

   AA, Juiz de Direito, interpôs recurso, em 21 de março de 2018, do indeferimento tácito da reclamação por si apresentada, em 24 de novembro de 2017, contra o despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que considerara injustificadas as suas faltas ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de abril de 2017, com as consequências legais ao nível remuneratório e da antiguidade, recurso que, posteriormente, ampliou para a impugnação, com os mesmos fundamentos, da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 6 de março de 2018, que julgou improcedente a sua reclamação, e concluindo no sentido de que as faltas fossem consideradas justificadas ou, subsidiariamente, não fossem qualificadas como “ausências ilegítimas”, para efeitos de remuneração e de antiguidade.

Para tanto, alegou, em síntese, que as faltas ao serviço foram por motivo ponderoso não questionado e justificadas antes do regresso ao serviço, estando desprovido de base legal o entendimento contrário; por outro lado, o que, nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), implica a perda de vencimento e antiguidade é a “ausência ilegítima” e não a comunicação intempestiva da ausência legítima; a concluir-se pela “ausência ilegítima”, a interpretação do art. 74.º, alínea c), do EMJ, é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, pela perda de antiguidade e pelas repercussões altamente penalizadoras para a evolução na carreira.

Respondeu o Conselho Superior da Magistratura, alegando que o EMJ não contempla a diferenciação entre ausência ilegítima e ausência não justificada e, por isso, não há qualquer ofensa a norma legal, e concluindo pela improcedência do recurso.

A Recorrente, tendo alegado, formulou, em resumo, as seguintes conclusões:

a) A justificação das faltas foi antes do regresso ao serviço, considerando o período das férias judiciais da Páscoa e de não ter estado em serviço de turno.

b) Não é legítimo denegar a justificação fundada em motivo ponderoso, pelo facto de antes ter havido uma dispensa de serviço.

c) O que, nos termos do EMJ, implica a perda de vencimento e antiguidade é a “ausência ilegítima” e não a comunicação intempestiva de uma ausência legítima, fundada em motivo ponderoso, algo desconsiderado pela decisão recorrida.

d) Para efeitos do disposto nos arts. 10.º, n.º 5, e 74.º, alínea c), do EMJ, só será de qualificar como ausência ilegítima a falta sem motivo ponderoso.

e) A imposição da não contagem do período da ausência para efeitos de antiguidade é claramente desproporcionada.

f) Por isso, será de qualificar como inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 262.º, n.º 2, da Constituição), a interpretação dada ao art. 74.º, alínea c), do EMJ.

A Recorrente pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida, por justificação das faltas ou sem efeitos remuneratórios ou na antiguidade.

O Recorrido alegou, tendo reiterado a improcedência do recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, nomeadamente nos termos de fls. 101 a 113.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Estão provados os seguintes factos:

1. A Recorrente faltou ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de abril de 2017.

2. No dia 17 de abril de 2017, a Recorrente comunicou, por escrito, ao Juiz Presidente da Comarca de ...: “por razões de saúde, não foi possível comparecer ao serviço nos dias 5 a 7 de abril de 2017, razão pela qual solicito a V. Exa que tal ausência seja considerada justificada (nos termos do disposto no art. 10/1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais) ”.

3. O juiz Presidente da Comarca de ... reenviou o pedido de justificação das faltas ao Conselho Superior da Magistratura, considerando que não ser da sua competência (delegada).

4. Por despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 15 de outubro de 2017, foram consideradas “injustificadas as faltas dadas ao serviço nos dias 05, 06 e 07 de abril de 2017, pela Exma. Senhora Juíza de Direito, Dra. AA, a exercer funções na Comarca de ..., Juízo Local Criminal de ...– Juiz ..., retirando-se daí as devidas consequências legais, designadamente ao nível remuneratório e de antiguidade”.

5. O despacho baseou-se na “informação”, de 29 de maio de 2017, do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e Membros do CSM, constante de fls. 16 a 18, da qual consta, designadamente, que a Recorrente esteve ausente do serviço nos dias 3 e 4 de abril de 2017, nos termos do art. 10.º-A, n.º 2, do EMJ, e que as férias judiciais da Páscoa ocorreram de 9 a 17 de abril de 2017, não tendo a Recorrente neste período gozado férias pessoais.

6. A Recorrente reclamou do despacho para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, nos termos de fls. 19 a 24.

7. Em 21 de março de 2018, a Recorrente interpôs recurso contra o indeferimento tácito da reclamação.

8. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 6 de março de 2018, deliberou “considerar improcedente a reclamação apresentada”, face ao despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, nos termos de fls. 65 a 67.

9. Por requerimento de 3 de abril de 2018, a Recorrente, nos termos do art. 63.º, n.º 1, do CPTA, veio ampliar a instância, impugnando essa deliberação, “nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos do recurso que apresentou em 21 de março de 2018” (fls. 61).

10. Na resposta, o Recorrido declara que “nada tem a opor à requerida ampliação da instância” (fls. 75).

***

2.2. Delimitada a matéria de facto, importa então conhecer do objeto do recurso, respeitante à impugnação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 6 de março de 2018, que considerou improcedente a reclamação da Recorrente contra o despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 15 de outubro de 2015, que, baseado na informação dos serviços de 29 de maio de 2017, constante de fls. 16 a 18, considerou injustificadas as faltas ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de abril de 2017, pela Recorrente, com as consequências legais ao nível remuneratório e da antiguidade.

Contudo, a Recorrente alega, na essência, que a deliberação do CSM padece de violação da lei e ofende o princípio da proporcionalidade, quanto ao efeito da injustificação das faltas na antiguidade.

Já o Recorrido, por sua vez, argumenta não haver ofensa a qualquer norma legal ou ao princípio da proporcionalidade e, assim, o recurso ser improcedente, posição que o Ministério Público também corrobora no parecer emitido.

Da discussão dos autos, emerge, como questão fundamental, saber se a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, que considerou improcedente a reclamação da Recorrente contra o despacho do Vice-Presidente do CSM, que injustificou as faltas ao serviço, nos dias 5, 6 e 7 de abril de 2017, pela Recorrente, violou a lei, nomeadamente o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Não obstante a impugnação do denominado indeferimento tácito da reclamação, a ampliação da impugnação à deliberação do CSM, com a mesma fundamentação, permite afirmar que o objeto do recurso está integralmente consumido na impugnação da deliberação do CSM, sendo admissível a ampliação, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 63.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e que mereceu a expressa concordância das partes.

No recurso, está em causa, por um lado, a qualificação das faltas ao serviço como injustificadas e, por outro, os efeitos das faltas injustificadas, designadamente ao nível da perda de vencimento e da não contagem para a antiguidade, qualificação e efeitos com os quais a Recorrente não se conforma, chegando a arguir a inconstitucionalidade da interpretação contrária que possa ser dada ao art. 74.º, alínea c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho.

Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do EMJ, os juízes, em geral, com domicílio necessário na sede do juízo onde exercem funções (art. 8.º), podem ausentar-se da circunscrição judicial no período autorizado de férias, e quando no exercício de funções, em virtude de licença, dispensa e em sábados, domingos e feriados, mas em caso algum sem prejuízo da execução do serviço urgente.

Assim, no que se refere a dias úteis, a ausência do juiz da circunscrição judicial pode ser legítima, mas carece da parte do Conselho Superior da Magistratura de autorização prévia ou, não sendo possível, justificação imediata após o regresso ao serviço (art. 10.º, n.º 1, do EMJ).

De acordo com o disposto no art. 10.º, n.º 1, do EMJ, quando ocorra “motivo ponderoso”, os juízes podem ausentar-se da circunscrição judicial por número de dias que não exceda três em cada mês e dez em cada ano.

No caso vertente, a Recorrente faltou ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de abril de 2017, seguindo-se as férias judiciais da Páscoa (9 a 17 de abril), sem que para tal tivesse autorização do CSM.

A Recorrente apresentou justificação dessas faltas, em 17 de abril de 2017, ao presidente da Comarca, que a encaminhou para o CSM, e este, por despacho do seu Vice-Presidente, considerou-as injustificadas, quer por intempestividade, quer por se seguirem a dois dias de ausência (3 e 4 de abril), por dispensa de serviço, nos termos do disposto no art. 10.º-A, n.º 2, do EMJ.

Independentemente do motivo das faltas poder ser ou não “ponderoso”, questão que nem sequer vem discutida, a sua justificação não foi comunicada imediatamente após o regresso ao serviço, mas mais tarde, nomeadamente no dia 17 de abril de 2017, coincidente com o termo das férias judiciais da Páscoa.

Todavia, a circunstância das faltas ao serviço ter sido seguida do período de férias judiciais não legitimava a Recorrente a justificar as faltas naquela data. Não estando, nesse período, de férias autorizadas, a Recorrente tinha a obrigação de comunicar imediatamente ao CSM, ou a quem este tivesse delegado a competência, as faltas dadas ao serviço, em conformidade com o disposto no art. 10.º, n.º 1, do EMJ. Essa obrigação funcional, ditada pelos poderes de gestão atribuídos ao CSM, não fica dispensada pelo decurso das férias judiciais, ainda que seja organizado o serviço de turno. Na verdade, mesmo durante as férias judiciais, os juízes continuam a não poder ausentar-se da circunscrição judicial, pelo que a Recorrente, estando de regresso ao serviço, devia ter comunicado de imediato as faltas dadas. Podia a Recorrente não prestar serviço no tribunal, dado o período de férias judiais, mas não deixava de estar ao serviço e, por isso, regressada depois das faltas, tinha a obrigação de as comunicar imediatamente ao CSM.

A Recorrente, porém, comunicou as faltas ao serviço dez dias mais tarde e, assim, intempestivamente, levando a que, por esse motivo, fossem consideradas como injustificadas.

Por sua vez, as faltas injustificadas equivalem a “ausência ilegítima”, implicando, designadamente, a perda de vencimento durante o período em que se tenham verificado e a não contagem na antiguidade – arts. 10.º, n.º 5, e 74.º, alínea c), ambos do EMJ. Assim, a ausência ao serviço é ilegítima quando a falta é injustificada, independentemente de poder ficar a dever-se a “motivo ponderoso”.

A “ausência legítima”, ao invés, pressupondo a existência de motivo ponderoso e a comunicação prévia da falta, sendo possível, ou imediatamente após o regresso ao serviço, equivale à situação de falta justificada.

Isto significa que não pode aceitar-se o entendimento alegado pela Recorrente de que a “ausência ilegítima” não se identifica com a comunicação intempestiva da ausência fundada em motivo ponderoso, mas apenas a falta sem motivo ponderoso. Semelhante entendimento choca, frontalmente, com o regime normativo aplicável, o qual, para além da verificação do motivo ponderoso, exige também a comunicação prévia ou imediata após o regresso ao serviço, sendo certo ainda não ser transponível, para este caso, a jurisprudência da jurisdição administrativa porque, embora respeitante às faltas injustificadas, os casos concretos em julgamento são distintos e impõem tratamento jurídico diverso.

A omissão do preenchimento de qualquer um dos mencionados pressupostos determina a não justificação das faltas, com as consequências legais daí resultantes, que não podem deixar de se extrair, nomeadamente por efeito da aplicação do princípio da legalidade.

   

Neste contexto torna-se irrelevante o outro fundamento levado em conta para considerar injustificadas as faltas dadas ao serviço, nomeadamente a acumulação com as faltas por dispensa de serviço, ao abrigo do disposto no art. 10.º-A, n.º 2, do EMJ.

Ainda que este fundamento possa não se afigurar como válido, por a proibição da acumulação da dispensa de serviço estar reservada apenas “entre si ou com o período ou períodos de gozo de férias” (autorizadas), como resulta do texto da lei, circunstância que não se verifica no caso sub judice, a situação de ausência ilegítima, por faltas injustificadas, decorrente da omissão da comunicação tempestiva, mantém-se sem modificação e com as consequências legais referidas.

A Recorrente, contudo, questiona o efeito da ausência de serviço na antiguidade, considerando que é claramente desproporcionado e, por isso, a norma do art. 74.º, alínea c), do EMJ, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 262.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Na verdade, o art. 74.º, alínea c), do EMJ, estipula que “não conta para efeitos de antiguidade o tempo de ausência ilegítima do serviço”.

Por força desta disposição legal, as faltas injustificadas ao serviço não contam para efeitos de antiguidade. Pretende-se, assim, assegurar a assiduidade ao serviço, sem prejuízo, no entanto, da falta por razão ponderosa, devidamente comunicada, a fim de poder ser considerada justificada e, desse modo, obstar às consequências danosas, quer em termos de remuneração, quer da antiguidade. Estas consequências, por outro lado, apresentam-se como inteiramente razoáveis, tendo em conta os fins acautelados. Por isso, tais efeitos jurídicos, de modo algum, são suscetíveis de poder consubstanciar a violação do princípio da proporcionalidade, consagrado constitucionalmente.

Como já se referiu, é indiferente que o motivo das faltas possa ser ponderoso, se estas não tiverem sido comunicadas nos termos legalmente previstos e, por isso, serem consideradas injustificadas. Na verdade, a dicotomia admitida normativamente é tão só entre a falta justificada e a falta injustificada, não se admitindo outra.

No caso vertente, como se viu, as faltas ao serviço foram consideradas injustificadas, nomeadamente por falta da comunicação devida, tanto prévia como posterior, provocando fatalmente os efeitos previstos na lei, designadamente a não contagem das faltas na antiguidade. Tais efeitos derivam diretamente da lei, afastando a origem assente em poder discricionário.

A Recorrente, por outro lado, não alegou e demonstrou matéria concreta suscetível de caracterizar a perda de antiguidade como um efeito normativo desproporcionado, para além de ser inteiramente aceitável que as faltas injustificadas não contem para o cálculo da antiguidade.

Assim sendo, não enferma de inconstitucionalidade a norma do art. 74.º, alínea c), do EMJ, quando interpretada no sentido do efeito jurídico previsto abranger a falta injustificada, nomeadamente por comunicação intempestiva.

Nos termos descritos, não relevando as conclusões, improcede o recurso interposto pela Recorrente contra a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que indeferira a reclamação da Recorrente contra o despacho do Vice-Presidente do CSM de 15 de outubro de 2017.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A ausência do juiz nos dias úteis da circunscrição judicial pode ser legítima, mas carece da parte do Conselho Superior da Magistratura de autorização prévia ou, não sendo possível, justificação imediata após o regresso ao serviço.

II. A justificação imediata das faltas não fica dispensada pelo decurso das férias judiciais, não coincidentes com as férias autorizadas, ainda que seja organizado o serviço de turno.

III. As faltas injustificadas equivalem a “ausência ilegítima”, implicando, designadamente, a perda de vencimento durante o período em que se tenham verificado e a não contagem na antiguidade.

IV. O art. 73.º, alínea c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não enferma de inconstitucionalidade.

2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça, em conformidade com a regra da causalidade, fixando-a em 6 UC e declarando, como valor do processo, € 30 000,01.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso.

2) Condenar a Recorrente a pagar a taxa de justiça de 6 (seis) UC, declarando, como valor do processo, € 30 000,01.

Lisboa, 25 de outubro de 2018

(Olindo Geraldes)

(Alexandre Reis)*

(Tomé Gomes)

(Ferreira Pinto)

(Isabel São Marcos)

(José Rainho)

(Pinto Hespanhol)

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Declaração de voto


Do exame ao teor do art. 10º do EMJ resulta que o juiz, mesmo dispondo de motivo ponderoso para faltar ao serviço, também está adstrito a regras procedimentais na obtenção da justificação para uma tal falta e, designadamente, não pode ignorar que, para esse efeito, as férias pessoais não se confundem com as férias judiciais, como terá sucedido no caso.
Realmente, o preceito prevê a violação de dois deveres, autónomos entre si e com distintos valores: a obrigação de natureza substancial de não faltar ao serviço sem motivo ponderoso e o dever de cumprir o procedimento imposto para obter a justificação da falta (a sua comunicação prévia ou logo que possível ao CSM).
Ora, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, não parece razoável admitir que o pensamento do legislador fosse o de que o CSM tratasse de modo igual as violações a dois deveres tão distintos e a que subjazem valores e ilicitudes muito díspares. Com efeito, uma coisa é o reconhecimento da “ausência ilegítima” ao serviço do juiz e outra a qualificação de uma sua falta como “injustificada”, por razões meramente procedimentais.
Perante os tão diversos níveis de ilicitude de um e outro desses comportamentos – e, até de censurabilidade a que o juiz, em abstracto, com eles se pode sujeitar –, nas situações como a ora em apreço, em que um juiz, intempestivamente, solicite a justificação da falta, não deveria o CSM eximir-se da responsabilidade de aferir da existência, ou não, de motivo ponderoso para a falta dada, a fim de poder conferir o tratamento ajustado a cada uma das diferentes situações, em relação aos vários efeitos previstos nas duas citadas normas do EMJ: enquanto a do art. 10º nº 5 estatui que a ausência ilegítima implica a responsabilidade disciplinar e a perda de vencimento, da do art. 74º extrai-se que o tempo de ausência ilegítima do serviço não conta para efeitos de antiguidade.
A necessidade dessa diversidade de tratamento parece resultar da conjugação de tais normas de uma forma que me parece evidente para efeitos de desconto na antiguidade: como se sabe, atendendo ao modo como se estrutura a carreira dos juízes, o desconto de um dia que seja na respectiva antiguidade terá repercussões gravíssimas no seu futuro, tanto aquando dos posteriores movimentos como dos concursos de acesso a tribunais superiores, que, segundo se me afigura, não se proporcionam ao mero incumprimento de uma formalidade.
E o mesmo se passará com o acionamento da responsabilidade disciplinar. Na verdade, enquanto em casos de falta ao serviço sem motivo ponderoso – “ausência ilegítima” propriamente dita – dificilmente se compreenderá, perante o teor terminante daquele art. 10º, que o CSM não accione o seu poder disciplinar, numa situação em que a falta ao serviço venha a ser qualificada de “injustificada” apenas por intempestividade na formulação do respectivo pedido, aceita-se, com toda a normalidade, que não seja exercida a acção disciplinar – como terá sucedido neste caso –, uma vez que o mero reparo pela falta (procedimental) cometida se poderá ter por consumido no sancionamento traduzido tanto na não justificação da ausência ao serviço como na não despicienda perda de vencimento (ilíquido).
Já Vaz Serra (RLJ, 103- nº 3440, p. 564) lembrava que «o direito só raras vezes não dará solução a situações indesejáveis: as regras de interpretação e integração das leis são tão amplas e oferecem ao julgador tão fortes possibilidades de proteger situações carecidas do amparo do direito, que, em regra lhe será possível encontrar e aplicar a solução justa e oportuna dos conflitos de interesse que se lhe deparam». Também Barbosa de Melo (citado no AUJ nº 3/99 dizia que a «ponderação das consequências constitui ainda um momento de argumentação jurídica pelo menos para todos quantos entendem – e são hoje muitos – que a inferência jurídica não pode ficar alheia aos efeitos práticos da solução inferida».
Realmente, segundo penso, o aplicador do direito, quando procede à imediação entre a norma e a realidade que lhe subjaz e que aquele se destina a regular, não pode alhear-se, quer das concretas condições desta realidade, quer das consequências advindas de tal imediação.
Por isso, a solução para este problema não pode ser encontrada, numa visão analítico-lógico-formal, através da mera literalidade aparente do supra citado art. 10º, mas, sim, com a ideia de que a unidade do ordenamento jurídico é conseguida através da “consciência jurídica geral”, como ensinou Castanheira Neves (in RLJ 128/231), citado no “Assento” de 15-10-1996 (p. 087641): «é errada a concepção do direito como “texto”, em termos apenas linguísticos, e não menos o seu pensamento metodológico segundo uma simples análise interpretativa de textos ou enunciados linguísticos, já que em ambos há que considerar um essencial “mais” constitutivo e problemático-intencional ... nem as “leis”, em sentido jurídico, são simples “textos” no sentido e termos estritamente linguísticos nem a interpretação jurídica uma mera interpretação ou análise linguística ... é antes,... um acto normativo».
Propus, pois, que se interpretasse o art. 74º do EMJ como aplicável apenas à “ausência ilegítima” propriamente dita e não, também, à falta que venha a ser qualificada de “injustificada” por intempestividade na formulação do pedido da sua justificação, ainda que esta, para outros efeitos, se possa equiparar àquela.
Mantenho, assim, a ideia de que essa minha proposta interpretativa é a que alcança a unidade do ordenamento jurídico por ser a que melhor se conforma não só com a “consciência jurídica geral” como com o princípio da proporcionalidade.
Na verdade, afigura-se-me inconstitucional, por grave violação do referido princípio, a interpretação declaradamente literal que, equipara à “ausência ilegítima” a falta dada ao serviço para o qual o juiz apenas não tenha suscitado atempadamente a ponderação da justificação de que, eventualmente, disponha para a mesma.
(Alexandre Reis)