Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
711/10.2TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONSENTIMENTO INFORMADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CULPA DO LESADO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ILICITUDE
EQUIDADE
CONSENTIMENTO DO LESADO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
ATO MÉDICO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
Apenso:
Data do Acordão: 12/14/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECURSO PRINCIPAL:
-CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA;
RECURSO SUBORDINADO:
- NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A ação de responsabilidade civil por atos médicos pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado.

II - Na 1ª. situação visa-se, essencialmente, tutelar a saúde e a vida do paciente, enquanto que na 2ª. situação de causa de pedir o bem jurídico tutelado é o direito do paciente à autodeterminação na escolha dos cuidados de saúde.

III - Tanto o dever de informação (a que está vinculado o médico, e que constitui um dos requisitos da licitude sua atividade) como o consentimento do paciente para prática do ato médico (que deve se livre e esclarecido, tendo por base essa informação que lhe é transmitida, sob pena da sua invalidade, salvo naquelas situações excecionais de urgência, em que estando perigosamente em causa a sua vida/saúde, o mesmo não possa ser obtido em tempo útil e se deverá então presumir) são de conteúdo elástico, devendo ser aferidos à luz das especificidades de cada caso concreto.

IV - Funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da sua atuação, é sobre o médico que impende o ónus de prova do consentimento (livre e esclarecido) prestado pelo paciente.

V - Em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios, embora em casos muito particulares ou específicos possa transformar-se numa obrigação de resultado.

VI - Em ação de responsabilidade civil médica em que a causa de pedir radica na violação do consentimento informado, o cálculo do montante indemnizatório por danos não patrimoniais deverá ser feito com base em critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade/censurabilidade do responsável médico e bem como do próprio lesado na situação geradora desses danos, à gravidade e dimensão desses mesmos danos e à própria situação económica quer do lesante, quer do lesado.

Decisão Texto Integral:

***

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


1. O autor, AA, ..., instaurou (em 08/09/2010), contra os réus, HPP – Norte, SA. (atualmente com a designação de Lusíadas, SA.), BB, médico, Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA.”, e CC, médico, todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa condenatória (então sob a forma de processo ordinário), pedindo, na sua essência, no final a:

a) Condenação dos réus no pagamento de compensação por danos patrimoniais correspondente à incapacidade pelo autor sofrida em resultado da conduta dos réus, a liquidar em decisão ulterior;

b) Condenação dos réus no pagamento de compensação pelos danos não patrimoniais pelo autor sofridos em resultado da conduta dos réus, a liquidar em decisão ulterior;

c) Condenação dos réus HPP – Norte, SA, e BB na devolução da quantia pelo autor paga pela intervenção realizada nas instalações do primeiro, bem como dos valores aí despendidos em consultas e exames (no total de € 1.087,93);

d) Condenação dos réus Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA, e CC na devolução da quantia pelo autor paga pelas intervenções realizadas nas instalações da primeira, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.301,00);

e) Condenação dos réus na publicação da sentença a proferir nos autos, em jornal nacional de referência durante 4 domingos, de forma evitar que potenciais candidatos a realizar intervenção com recurso à técnica “Lasik” possam ser operados sem qualquer informação;

f) Condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, futuramente, com o avanço da ciência, possam ser executados para minimizar a incapacidade visual de que o autor ficou afetado.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Que desde os 6 anos de idade sofre de miopia e tem necessidade de usar óculos de forma permanente, o que se agravou com a idade, razão pela qual, em 2004 – e quando então já exercia a profissão de ... - em consulta oftalmológica no “Hospital dos Clérigos”, então pertença da ré HPP, registou 9 dioptrias no olho direito e 8,50 dioptrias no olho esquerdo.

Numa unidade da ré HPP teve acesso a brochura relativa a uma técnica de correção cirúrgica da miopia denominada “Lasik”, que lhe traria a solução para os seus problemas diários relacionados com o uso de óculos ou lentes de contacto, sem efeitos secundários, o que era confirmado em newsletter distribuída pela mesma ré em outubro de 2006.

Em dezembro de 2004 agendou consulta com o réu BB, que era o responsável pela execução do tratamento com recurso a tal tecnologia na ré HPP, para aferir da possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia que o afetava, visando cessar em absoluto a utilização de óculos ou lentes de contacto.

Na sequência dessa consulta, realizou os exames que o referido réu entendeu serem necessários para avaliar a situação, tendo dele recebido também algumas indicações pré-operatórias, bem como a informação de que a recuperação seria quase imediata e sem dores, tendo ainda sido alertado para a eventual necessidade de posteriormente, cerca de 3 meses após a primeira intervenção, se corrigir o que não ficasse perfeito na primeira intervenção. O réu transmitiu-lhe ainda que ele iria abandonar de forma definitiva o uso de auxiliares de visão, mas nada lhe disse sobre os riscos e possíveis efeitos secundários da intervenção.

Foi assim que na data agendada (.../05/2005) foi submetido (ao olho direito) à intervenção programada, no final da qual lhe foi dito que tudo se processara normalmente, devendo regressar no dia seguinte para acompanhamento da evolução da intervenção, o que fez, tenho-lhe novamente lhe sido transmitido que tudo estava a decorrer dentro da normalidade.

Em .../05/2005, o A. comunicou ao réu BB que sentia enevoada a visão do olho direito intervencionado, tendo o réu indicado que deveria submeter-se à intervenção ao olho esquerdo, momento em que ele procederia à correção ao olho direito que se revelasse necessária, como inicialmente fora programado. Porém, autor opôs-se a tal, informando que não permitiria a intervenção ao olho esquerdo enquanto a visão do olho direito não se mostrasse perfeita.

Em .../06/2005 foi novamente observado pelo réu BB, transmitindo-lhe que a visão no olho intervencionado não registara melhoras, tendo o réu insistido na realização da intervenção ao olho esquerdo e do retoque ao olho direito, acabando por reconhecer não saber se a recuperação estava a decorrer com normalidade por não ter realizado a operação de forma unilateral (ou seja, aos dois olhos na mesma altura, como propusera inicialmente ao A. e que este não aceitou).

Depois disso, e por perda de confiança no R. BB, em junho de 2005, o autor recorreu aos serviços da ré Clínica Oftalmológica, onde foi atendido pelo réu CC, a quem explicou o que havia sucedido com o réu BB, tendo sido informado por aquele, após realização de exames, ser apenas necessária a realização de retoque no olho inicialmente intervencionado, garantindo-lhe então que obteria visão a 100%, sem que, contudo, lhe tenha sido também dada qualquer informação sobre possíveis efeitos secundários da tecnologia “Lasik” ou da possibilidade de não ser atingido uma visão bilateral a 100%.

Contratou então com o réu CC e com a ré Clínica Oftalmológica a realização de intervenção laser aos 2 olhos, de forma unilateral, embora ao olho direito devendo ser efetuado apenas um “retoque”.

Em .../09/2005 foi submetido à intervenção cirúrgica ao olho direito, mas poucas melhoras registou após tal, permanecendo enevoada a visão desse olho. Posteriormente, e após ter sido informado pelo réu CC da necessidade de realizar um novo “retoque”, em 19 de janeiro de 2006 foi submetido a terceira intervenção ao olho direito, mas novamente sem obter o resultado que pretendia, sendo certo que a sucessão de intervenções ao olho direito piorou de forma considerável a qualidade da visão deste.

Por outro lado, os réus BB e CC não mandaram fazer os exames que eram necessários, os quais lhe permitiriam ter apurado que as características do autor não o tornavam bom candidato à submissão a intervenção com recurso a tal técnica.

Assim, em resultado da realização das intervenções por eles realizadas, o autor ficou afetado de danos permanentes na sua visão que não teriam ocorrido face ao estado da ciência médica e aos meios disponíveis.

Acresce ainda, que os referidos réus médicos não lhe revelaram adequadamente todas as informações sobre os efeitos secundários resultantes da cirurgia realizada. É que o autor só aceitou submeter-se às diversas intervenções porque não foi informado dos efeitos colaterais irreversíveis e não corrigíveis do “Lasik”, pois se conhecesse todos os efeitos secundários dessa técnica operatória, especialmente a falta de estudos a longo prazo e a possibilidade de danos irreversíveis e não corrigíveis, nunca teria se se teria submetido à referida operação.


2.  Todos os réus contestaram.


2.1 A ré HPP, defendeu-se por impugnação, alegando, na sua essência, desconhecer a generalidade dos factos alegados pelo A. remetendo a esse propósito para a explicações que, a tal propósito, viessem a ser dadas pelo R. BB na contestação por ele a apresentar, acabando por pedir a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

De qualquer modo, no final requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA., com o alegado fundamento de, na sequência de contrato de seguro com ela celebrado, ter transferido a sua responsabilidade civil por factos similares aos invocados pelo autor.


2.2 Os réus Clínica Oftalmológica e CC apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

No que concerne à 1ª. defesa, invocaram a ineptidão da petição inicial.

No que concerne à 2ª. defesa contraditaram, no essencial, a versão factual aduzida pelo A., negando qualquer atuação contra a “legis artis”, e afirmando terem sido prestados ao A. todos os esclarecimentos e informação que se impunham, nomeadamente através do R. BB.

E particularmente referiram ainda que autor não tinha especificidades nos olhos que desaconselhassem a utilização da técnica “Lasik”; que foram cumpridas todas as boas práticas médicas na data exigíveis; os exames foram os necessários e adequados; o programa terapêutico proposto ao autor e expressamente aceite por ele foi cumprido até ao momento em que o autor deixou de comparecer perante os réus; que a miopia residual integra o processo terapêutico, motivo por que o «retoque» é prática corrente e que anisometropia invocada pelo autor decorre apenas da circunstância de não ter sido operado ao olho esquerdo, sendo solucionado com o uso de lente de contacto ou a realização de cirurgia.

Pelo que pediram no final a procedência daquela invocada exceção ou então a improcedência da ação com a sua absolvição do pedido.


2.3 Por sua vez, o réu BB, na sua contestação, defendendo-se também por exceção e por impugnação.

No que concerne à 1ª. defesa, invocou a ineptidão da petição inicial.

No que concerne à 2ª. defesa contraditou, no essencial, a versão factual aduzida pelo A., negando qualquer atuação contra a “legis artis”, e afirmando terem sido prestado ao A. todos os esclarecimentos e informação que se impunham.

E particularmente referiu ainda quando em novembro de 2004 o autor foi a uma consulta de oftalmologia num estabelecimento hospitalar, inquiriu a médica que o assistiu da possibilidade de efetuar correção da miopia que o afetava através de técnica com recurso a laser, tendo recebido dessa médica informação quanto à natureza, vantagens, inconvenientes e possíveis efeitos secundários associados, ao que autor acabou por declarar estar ciente de tudo.

Na sequência disso, o autor, na consulta que teve lugar a ... de dezembro de 2004, evidenciou alto grau de conhecimento sobre a técnica em causa, a taxa de sucesso, os efeitos secundários e possibilidade de não obtenção do resultado almejado.

Foram, entretanto, realizados diversos exames ao autor para avaliar se o mesmo era bom candidato à realização da intervenção com utilização da técnica “Lasik, tendo-se apurado não existirem contra-indicações à realização da cirurgia ao olho direito do autor.

Em ... de junho de 2005, o réu concluiu pela necessidade de realizar o “retoque” para cuja possibilidade o autor havia sido advertido e que aceitou, propondo data para realização de novos exames e agendamento da nova intervenção, aos quais, porém, o autor faltou, não mais tendo tido contacto com ele, desconhecendo, assim, o seu atual estado clínico.

Pelo que terminou pedindo a improcedência da ação contra si e contra a ré Clínica Oftalmológica, com a absolvição do pedido.

Todavia, no final, requereu a intervenção acessória passiva das sociedades AMA – Agrupacion Mutual Aseguradora (Mútua de Seguros dos Profissionais de Saúde), e Axa Portugal – Companhia de Seguros, S.A., por terem sido subscritos contratos de seguros através dos quais estas entidades assumiram a responsabilidade de indemnizar terceiros por danos da natureza dos invocados pelo autor.


3. Por despacho judicial de 27/01/2011, foram admitidas as sobreditas intervenções requeridas perla ré HP (atualmente, como vimos, designada Lusíadas, SA.) e pelo R. BB, no que concerne às instituições por eles identificadas para o efeito, as quais, após terem sido citadas para o efeito, vieram apresentar as respetivas contestações, defendendo-se ali por exceção e por impugnação, nos termos que aqui se dão por reproduzidos.


4. No despacho saneador (proferido em 03/09/2012) julgaram-se improcedentes as invocadas nulidades decorrentes da alegada ineptidão da petição inicial e bem como as exceções de ilegitimidade, concluindo-se pela legitimidade processual, quer dos RR., quer das entidades intervenientes que foram chamadas.


5. Realizada a audiência de julgamento (que decorreu ao longo de várias sessões), foi proferida sentença que, no final, decidiu julgar improcedente a ação, absolvendo-se, em consequência, os RR. dos pedidos contra si formulados pelo A. .


6. Inconformado com tal sentença, dela apelou A., vindo o Tribunal da Relação do Porto (doravante também TRP), na apreciação desse recurso, a proferir, sem voto de vencido, acórdão (de 13/05/2021) no qual, julgando parcialmente procedente o recurso e bem como a ação, se decidiu nos seguintes termos:

« (…) condenar “os réus BB e CC a pagar ao autor (por manifesto lapso de escrita escreveu-se “aos autores”), cada um, a indemnização de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da presente data até integral pagamento.

Custas da ação e do recurso pelo autor na proporção de 97% e pelos réus condenados na proporção de 3%. »


7. Inconformados com esse acórdão do TRP, dele interpuseram recurso de revista (normal) o A. (a título principal ou independente) e o R. BB (a título subordinado).


8. Nas correspondentes alegações de recurso (independente) que apresentou, o A. concluiu as mesmas nos seguintes termos:

« 1 - O recurso é interposto do Acórdão proferido pela 1ª Secção do TRP, que deu parcialmente provimento ao peticionado pelo A, nomeadamente que decretando a responsabilidade civil dos RR. pelos danos morais sofridos pelo A. originados nos danos na sua visão, com base na inexistência do seu consentimento informado.

2 - No presente recurso, o recorrente com base no reconhecimento pelo Tribunal “a quo” da inexistência do consentimento informado pretende a:

a) condenação do réu BB na devolução/pagamento da quantia paga pela intervenção por si realizada, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.087,93) e a condenação do réu CC na devolução/pagamento da quantia pelo autor paga pela intervenção por si realizadas, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.301,00);

b) condenação dos réus médicos no pagamento de compensações por danos não patrimoniais sofridos pelo A. em função da sua conduta ilícita, a liquidar em decisão ulterior, não se conformando com o valor arbitrado oficiosamente, sem qualquer pedido, pelo tribunal “a quo”.

c) condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, futuramente, com o avanço da ciência, possam ser executados para minimizar a incapacidade visual de que o autor ficou afectado.

3 - Quanto à condenação dos médicos na devolução/pagamento das quantias pagas pelo A. com os tratamentos e exames e intervenção lasik, o TRP não condenou neste segmento, por razões que o A./recorrente tem que discordar frontal e respeitosamente.

4 - São 1.087,93 € do Réu BB e 1.301,00 € para o Réu CC, a que devem acrescer os juros de mora, pelo menos desde a citação.

5 - Os serviços foram erradamente prestados com violação do consentimento informado é os médicos que os devem suportar, nunca o A..

6 - Na teoria da decisão sub judicio existiu responsabilidade civil que origina o pagamento de danos morais, mas não o pagamento dos serviços médicos prestados com manifesta deficiência, por violação do consentimento informado.

7 - Não pode manter-se este segmento do Acórdão, ora em crise, que deverá ser

revogado ordenando-se a pagamento ao A. das quantias pagas pela alegada prestação dos serviços médicos.

8 - Os RR. foram condenados, cada um, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos morais de 3.500,00 €.

9 - Embora não seja bitola para a fixação da compensação que seja devida, o A.

quer deixar registado que em custas de parte tem mais de 10.000,00 € para pagar, não esquecendo os milhares de euros que gastou com exames e perícias médicas.

10 – A lide não pode ser para o A. uma mão cheia de nada e para os RR. uma absolvição encapotada, com o máximo respeito por todos os envolvidos.

11 - Pois bem, o pedido de danos morais na P.I. não foi liquidado com o argumento (formalmente transitado em julgado) de não ser possível na data de entrada da acção, fixar o seu quantum, que se estava ainda a avolumar e não era ainda definido.

12 – Assim, o recorrente relegou para liquidação em execução de sentença a quantificação dos mesmos, nem sequer alegando factos na sua plenitude no articulado inicial, apenas fazendo menção genérica à sua existência.

13 - Nessa senda foi surpreendido com o Acórdão “a quo”, que fixou um quantum indemnizatório, sem que tenha existido pedido concreto, nem a total alegação da amplitude dos factos.

14 - Entendendo o A. que o princípio dispositivo é ainda prevalente no processo civil e cabendo às partes definir o objecto do litígio (através da dedução das suas pretensões) e alegar os factos que integrem a causa de pedir ou que sirvam de fundamento à dedução de eventuais excepções, sendo que juiz só pode fundar a decisão nestes, sem prejuízo dos factos instrumentais e de os poder utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa, não compreende o A., salvo o devido respeito, a fixação dos 3.500 € de indemnização.

15 - Nestes termos, entende o recorrente que o nosso Supremo Tribunal deve ordenar a revogação do Acórdão do TRP e remeter o processo à primeira instância pata liquidação dos danos morais sofridos pelo A..

16 – Sem prescindir, escreveram os Senhores Desembargadores o seguinte para justificar o raquítico valor dos danos morais arbitrados ao recorrente:

“Com efeito, resultou provado que o autor abandonou o acompanhamento que vinha sendo feito pelo réu BB após a realização da cirurgia e o aparecimento da visão enevoada, não permitindo, alegadamente por perda de confiança, que este réu realizasse qualquer intervenção no sentido de concluir a cirurgia programada e/ou corrigir ou eliminar aquela consequência, desconhecendo-se se a mesma era possível e que resultados produziria, sendo certo que o autor havia sido informado por aquele médico da possibilidade de ser necessária uma correcção do trabalho realizado.”

17 - Pergunta o A., com humildade, que mais deveria ter feito?!

18 – Em primeiro lugar o A, pretendia com o lasik abandonar em absoluto o uso de óculos e lentes de contacto:

31- Na sequência, o autor agendou para ... de Dezembro de 2004, no "Hospital Privado ...", consulta com o réu BB, com vista a aferir da possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia, tendo o autor em vista abandonar em absoluto o uso de óculos ou lentes de contacto.

19 - Em segundo lugar, o médico BB pôde fazer todos os exames prévios que pretendeu e entendeu necessários, o A. e o médico não tinha limitações nesse particular:

33- Na sequência, o réu BB teve a oportunidade de realizar todos os exames que entendeu necessários à avaliação das características do autor (designadamente a topografia corneana, paquimetria, pupilometria, tonometria, a avaliação da acuidade visual e determinação da refracção do doente, mas não a aberrometria e a avaliação lacrimal), por forma a decidir da conveniência da realização da cirurgia refractiva.

20 - Em terceiro lugar, a única coisa que o BB informou o A. era a eventual necessidade de um retoque, ou seja, acertar a correcção da visão que que não ficasse perfeita primeira intervenção:

36- Quanto às possíveis complicações resultantes da intervenção, o réu BB transmitiu ao autor, pelo menos, a eventualidade de ser necessário levar a cabo um "retoque", ou seja, em fase posterior novamente utilizar o laser para correcção de algo que não ficasse perfeito na primeira intervenção.

21 - Em quarto lugar, o médico em referência não comunicou ao A. técnicas alternativas que existiam(em) e com muito menos risco:

38- O BB não transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.

22 - Em quinto lugar, o A. (não podia ser de outra forma) confiou os seus olhos no médico especialista em oftalmologia no HPP, então propriedade da Caixa Geral de Depósitos, agora Hospital Lusíadas:

39- O autor confiou integralmente e sem reservas na capacidade profissional do réu BB (especialista em oftalmologia), e no prestígio do réu "HPP - Norte, SA", como instituição de referência na prestação de cuidados de saúde.

23 - Em sexto lugar, o A. queixou-se de ter a visão enovoada, não era defeito na correcção (refractivo) que fosse resolvido com o retoque, que se destinava apenas a corrigir um sub correcção da miopia:

47- A 30 de Maio de 2005, regressado ao estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor queixou-se ao réu BB que a sua visão no olho já intervencionado (o direito) apresentava-se ainda bastante enevoada.

24 - Em sétimo lugar, as pregas que originavam a névoa e que foram registadas pelo médico, não estavam nos planos do tratamento:

48- Na sequência, após examinar o olho direito do autor, o réu BB verificou existirem pregas no "flap" (como se disse em 9-, a parte de tecido da córnea que é cortada e levantada para aplicação do laser).

25 - Em oitavo lugar, o médico propôs-se (num perigoso salto para a frente/no escuro) realizar a cirurgia ao olho esquerdo

49- O réu BB transmitiu ao autor que as pregas referidas em 48 não possuíam relevância, e propôs realizar, como agendado, pelo menos, a intervenção ao olho esquerdo …

26 - Em nono lugar, as regras da experiência comum “gritavam esbracejando” que o paciente deveria resolver primeiro o problema, para depois avançar para o tratamento do olho esquerdo, sendo que ao paciente, ora signatário, no meio de um turbilhão de sentimentos perturbadores, pareceu-lhe evidente essa actuação.

27 - Então tinha um olho enevoado e repleto de pregas e a solução era operar o outro olho?! Não pode ser!

28 - Em décimo lugar, o que fez o A. e bem, como comprova o resto da estória, opôs-se e transmitiu esse facto ao médico:

50-... Ao que o autor se opôs …

51-... Transmitindo ao réu BB que não permitiria a intervenção ao olho esquerdo enquanto a visão do olho direito não se apresentasse perfeita.

29 - Em décimo-primeiro lugar, o que fez o médico, sedimentando a decisão do A. agarrado aos “clamores” que ouvia das regras da experiência comum: aceitou a posição do A. e marcou nova observação (não cirurgia) para ... de Julho de 2005:

52- O réu BB aceitou a posição do autor, agendando o dia ... de Junho de 2005 para nova observação ao autor.

30 - O A. é apenas ... e subjugou a vontade e plano terapêutico do médico, num ápice?! Então ele o dito especialista não podia estar completamente seguro do que estava a fazer.

31 - Em décimo-segundo lugar, o A. manteve a visão enevoada e com pior qualidade:

53 - A ... de Junho de 2005, o autor queixou-se ao réu BB que continuava a apresentar a visão enevoada no olho direito, e sentia que piorara a sua visão nesse olho.

32 - Em décimo-terceiro lugar, o médico continuou a agendar novas observações, sem nada fazer, era esperar o tempo passar e “rezar” (nota que o recorrente é católico praticante) para que ficasse melhor:

54- Na consulta referida em 53- o réu BB agendou para daí apelo menos semanas nova data para observar o autor.

33 - Depois de tudo isto o que sucedeu ao A.:

55 - No dia 06 de Junho de 2005 o autor saiu bastante perturbado das instalações do réu "HPP - Norte, SA", preocupado com a situação do seu olho direito, apresentando diferença da acuidade visual entre os olhos de tal forma elevada que prejudicava a sua visão bilateral …

56-... O que causou perturbação do descanso e da vida profissional e pessoal do autor.

34 - O que faria um homem médio colocado nesta situação: continuava a aguardar algo que o médico claramente não controlava? Que não sabia o que fazer? Continuava a rezar?

35 - O A. teve medo, muito medo: olhos são apenas dois e não são substituíveis sendo a visão o mais sagrado dos nossos 5 sentidos, foi uma verdade de La Palice (ou lapalissada) que assaltou completa e brutalmente o espírito do signatário.

36 - O que fez? Pediu esclarecimentos por escrito sobre a sua situação: causas e procedimentos a seguir:

57- Já em Julho de 2005, através de diversos telefaxes, o autor solicitou ao réu esclarecimentos escritos sobre a situação, nomeadamente se iria recuperar a integral visão do olho direito, quais as razões para a visão enevoada do olho tratado, e sobre os procedimentos que iriam ser seguidos, ao que aquele réu jamais respondeu por escrito.

37 - Resposta do médico e do Hospital: O SILÊNCIO! (desculpem V. Exas as maiúsculas)

38 - Concluindo, o TRP entende que foi o A, quem abandonou os tratamentos?!

39 - Se tudo estava controlado porque não responderam ao A., por escrito, com a explicação do que se passava e com o plano terapêutico a seguir?!

40 - O pavor tornou-se pânico na mente do A., tal como aconteceria a qualquer bom pai de família.

41 - Não podia ser exigível ao A. outra coisa que não fosse procurar um outro oftalmologista reputado e contactou o CC, conceituado na cidade do ... e entre os seus pares, especialmente na área da cirurgia refractiva, onde tinha realizado centenas de intervenções.

42 – Com o CC são os seguintes os factos provados, muito similaresaos do especialista em visão BB:

62- Em Julho de 2005 o autor agendou consulta nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", na altura situadas na rua Gonçalo Sampaio, nº 271, visando informar-se sobre o actual estado clínico do seu olho direito e sobre as possibilidades de eventual correcção dos problemas que apresentava, com vista a alcançar a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto ...

63-... Sendo a ... de Julho de 2005 atendido pelo réu CC.

64 - Antes do referido em 62- e 63- o autor jamais tinha tido contacto com os réus "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", e CC, que até então desconheciam o historial clínico do autor.

65 - Na consulta referida em 62- e 63- o autor descreveu ao réu CC a sua versão quanto ao tratamento a que havia sido submetido pelo réu BB, e expressou as queixas quanto ao que sentia.

66 - O réu CC, depois de efectuar os exames (designadamente a aberrometria, a tonometria, a caratometria e a medição da graduação, mas não o teste de lágrimas e a análise à sensibilidade de contraste) que entendeu necessários (tendo o autor pago o respectivo custo), transmitiu ao autor que não tinha de se preocupar, embora entendendo necessária a realização de "retoque" ao olho intervencionado.

67 - A forma descontraída, confiante e segura com que o réu CC falou como autor transmitiu a este segurança que tudo correria pelo melhor e os problemas que sentia tinham solução breve e simples.

68 - O réu CC não transmitiu ao autor qualquer outra informação quanto a possíveis efeitos secundários permanentes da intervenção com recurso à técnica "Lasik", ou quanto à possibilidade de o autor não alcançar em toda a sua extensão a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto …

69 - ... Nem transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.

70 - O autor confiou nas capacidades do réu CC enquanto médico especialista em oftalmologia, e na reputação que este e a ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro- Barraquer, SA", possuíam.

71 - A 14 de Setembro de 2005, nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao seu olho direito com utilização da técnica "Lasik", levada a cabo pelo réu CC, tendo pago € 1.192,00.

72 - Nos dias subsequentes (designadamente a 15 e 30 de Setembro e 02 de Dezembro de 2005), o autor deslocou-se a diversas consultas de acompanhamento da intervenção, sentindo melhorias na visão do olho intervencionado.

73 - ... Apesar de continuar a sentir enevoada a visão do olho direito.

74 - Na sequência, o réu CC, a 02 de Dezembro de 2005, transmitiu ao autor que seria necessário levar a cabo novo "retoque" ao olho direito.

75 - A ... de Janeiro de 2006, o autor foi submetido a terceira intervenção ao olho direito com recurso à técnica "Lasik".

76 - Todos os contactos do autor com vista à prestação dos serviços referidos em 71- a 75- tiveram lugar directamente com o réu CC.

77- Não obstante as intervenções referidas em 71- e 75- , o autor continuou a não sentir melhorias na visão do seu olho direito, sentindo mesmo que a sucessão de intervenções piorou a qualidade de visão do olho direito. 78- O autor continuou a ser acompanhado pelo réu CC, que lhe propôs a realização de uma nova intervenção ao olho direito.

79 - A certa altura, o autor deixou de confiar no réu CC, entendendo que a situação estava fora do controlo deste …

80 -... A partir de ... de Março de 2006 abandonando o tratamento a que estava a ser sujeito.

43 - Pois bem, como resulta das profusa documentação e peritagens do processo, os olhos não são ilimitados para várias intervenções lasik, ou seja, os médicos não podem ir tentando até acertar.

44 - Tudo porque a córnea vai sendo desgastada com as intervenções, que no máximo devem ser apenas duas, três é uma clara e muito arriscada excepção, a partir daí em insano continuar.

45 - Existiam tratamentos alternativos como a lente intraocular que podiam diminuir o problema do A., nunca uma quarta intervenção.

46 - O que mais era exigido ao A.: uma quarta intervenção? uma quinta? Sexta? Ficar cego? Não era mais possível manter o especialista reputado CC a governar a situação.

47 - Pelas regras da experiência comum como um bom pai de família o A. fez uma pausa nos tratamentos e consultou a Clínica Barraquer em Barcelona (https://www.barraquer.com/es), publica e notoriamente um dos centros mais avançados do mundo em oftalmologia e disseram-lhe:

84 - Em Dezembro de 2006, o autor deslocou-se ao "Centro de Oftalmologia Barraquer", em Barcelona, onde foi observado pelo Dr. DD, que transmitiu ao autor que, em sua opinião, o autor não deveria ter sido submetido a intervenção cirúrgica aos olhos com recurso à técnica "Lasik".

48 - O que iria continuar o A. a fazer sendo seguido pelo CC que lhe prometeu os denominados “mundos e fundos”, tudo era de fácil resolução e nada cumpriu…

49 - Teria o A. que ficar cego para lhe consideraram danos morais significativos?

50 – Como restou o A. (factos provados):

17- O autor nasceu a .../.../1973 …

18- ... E é ..., estando há vários anos inscrito no Conselho ....

(…)

55 - No dia ... de Junho de 2005 o autor saiu bastante perturbado das instalações do réu "HPP - Norte, SA", preocupado com a situação do seu olho direito, apresentando diferença da acuidade visual entre os olhos de tal forma elevada que prejudicava a sua visão bilateral …

56 - ... O que causou perturbação do descanso e da vida profissional e pessoal do autor.

(…)

77 - Não obstante as intervenções referidas em 71- e 75-,o autor continuou a não sentir melhorias na visão do seu olho direito, sentindo mesmo que a sucessão de intervenções piorou a qualidade de visão do olho direito.

81 - A intervenção cirúrgica com recurso à técnica "Lasik" apenas deve ser realizada quando o paciente mantenha estabilizado o grau de miopia durante certo período (pelo menos 1 ano). (…)

86 - Caso o autor tivesse tido consciência que a intervenção cirúrgica com recurso à técnica "Lasik" não eliminaria a sua necessidade de recorrer ao uso de óculos e lentes de contacto, ou que originaria halos, "starbusts" e clarões, e dificuldades na visão nocturna sem correcção, teria decidido não submeter-se às intervenções referidas em 44-, 71- e 75-.

(…)

88 - Actualmente, o autor apresenta:

a. Astigmatismo irregular da córnea do olho direito;

b. Anisometropia (decorrente da grande diferença entre o erro refractivo dos 2 olhos, causador de diferenças entre a percepção do tamanho e nitidez, e sobrecarregando o cérebro, daí decorrendo sintomas como cefaleia, fotofobia, prurido, etc);

c. Visão bilateral apenas como uso de lente de contacto no olho esquerdo. Na impossibilidade de uso de lente (por inflamação ou cansaço) o autor perde a visão biocular, tendo de recorrer a óculos no olho esquerdo e colocar uma pala no olho direito;

d. Aniseiconia (disparidade do tamanho da imagem fornecida pelos 2 olhos);

e. Problemas na visão ao perto, no olho tratado, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo;

f. Noção alterada e oscilante das distâncias e da orientação físico-espacial, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo;

g. Surgimento de células epiteliais por baixo da córnea do olho direito, com o esclarecimento que tal não interfere com a visão do autor;

h. Acuidade visual de 9/10, no olho direito, com correcção óptica (-0.25-0.50x10), constatada em Setembro de 2016.

89 - Actualmente, o autor queixa-se de:

a. Blur matinal no olho direito (olho nublado ao acordar durante pelo menos 1 hora);

b. Halos, starbusts e clarões perturbadores da visão nocturna, designadamente na condução, na visualização de imagens da televisão, no uso de computador - em todas as situações de baixa luminosidade ou em que o objecto a visualizar possua iluminação própria;

c. Sensibilidade extrema à luz no olho direito. 90- Devido ao referido em 88- e 89-, o autor:

a. Em sua casa, alterou a configuração da sala de estar, e aumentou o diâmetro das televisões que aí possui;

b. No escritório, aumentou os pontos de luz e o diâmetro do monitor do seu computador;

c. Evita trabalhar à noite;

d. Evita conduzir à noite.

91- Toda a situação acima descrita causou ao autor angústia, desconforto com a sua visão, revolta, ansiedade e depressão, levando-o a procurar auxílio médico e medicamentoso.

51 - Constitui entendimento jurisprudencial actual que devem abandonar-se indemnizações miserabilistas a título de danos não patrimoniais, é imensa a jurisprudência nesse sentido que foi inicia da precisamente pelo nosso STJ e que só não se cita por respeito à inteligência de V. Exas.

52 - O A. era um jovem de 32 anos, ainda sem filhos e foi condenado a viver mais de 2/3 da sua vida adulta (olhando à esperança média de vida) com todos os problemas referidos e que o relatório do INML relata como causador de maior esforço no desenvolvimento das tarefas normais da vida quotidiana e no contexto profissional.

53 - O A. é ..., com todas as limitações descritas facilmente se percebe o esforço dos últimos 15 anos e dos 20 que faltam até à reforma.

54 - Se é verdade que uma parte significativa dos problemas resultam de não ter sido operado ao olho esquerdo, o que fazer?! É que não foi aos factos provados mas os oftalmologistas do processo (foram muitos) foram unanimes em dizer que o mais certo é voltar a acontecer nesse olho?!

55 - Vai o A. arriscar o único olho saudável que tem e que equilibra a sua visão e que permite não parar sua vida numa verdadeira “roleta russa”?

56 - É que a roleta russa só se coloca por falta de informação dos médicos, pois era uma cirurgia que o A. não necessitava para continuar a viver e com qualidade, uma vez que com lentes de contacto e óculos tinha uma visão a 100%!

57 - O A. vê-se na contingência de usar uma pala no olho operado… para equilibrar a visão. E só a usa em casa, devendo utilizá-la mais vezes, por vergonha extrema, admite.

58 - Atender, como ... um cliente com uma pala no olho ou deslocar-se a um julgamento ou a qualquer diligência judicial de pala preta no olho direito, não lhe passa sequer pela cabeça, é demasiado achincalhante para um drama originado pelos médicos.

59 - O A. perdeu parte da infância dos seus filhos pois não conseguia a acordar de noite e dar-lhes assistência…

60 - Dependeu e continua a depender em muitas situações da sua esposa, dos seus amigos e Colegas, para se deslocar, para trabalhar… Deixou de ir ao cinema, ao teatro, se sair à noute em qualquer ocasião.

61 - Não aceita convites de amigos e familiares para ir jantar com medo do que o escuro lhe causa na visão…

62 - Enfim, para não mais maçar V. Exas, resulta evidente das regras da experiência comum os tremendos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo A. e que este, por defeito, fixa em 200.000,00 €, a suportar por cada Réu em partes iguais de 100.000 €.

63 -O A. desde a data da última perícia percepcionou a decadência da sua visão do olho operado de forma significativa, tudo o que existia está mais vincado: os halos, a neblina matinal, o blur, as dificuldades na visão com pouca luminosidade ou em excesso dela…

64 - Numa outra penada o recorrente reiterando tudo o que disse supra para os danos de natureza não patrimonial, entende que os RR. devem ser condenados a pagar todas as despesas com tratamentos médicos futuros que se venham a mostrar convenientes para a diminuição dos danos na sua visão.

65 - Concluindo, entende o recorrente que a Revista se funda na incorrecta aplicação e interpretação da lei substantiva – alínea a), do nº 1, do artº 674º do CPC.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso proceder, sendo parcialmente revogado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e substituído por outro do Supremo Tribunal de Justiça que ordene a condenação dos RR., no pagamento ao A. dos valores pagos e reenviar o processo para a 1ª Instância de forma a ser fixada a indemnização pelos danos não patrimoniais tal como expresso na P.I. da lide, não prescindindo ser alterado o valor dos danos morais arbitrado, assim se fazendo. Por fim, condenar os RR. tal como peticionado nas despesas futuras de tratamento do A.. »


9. Por sua vez, nas suas alegações de recurso (subordinado) que apresentou – aproveitando ainda essa mesma peça parta contra-alegar o recurso independente do A. -, o R. BB concluiu as mesmas nos seguintes termos:

« 1. O recurso principal deve ser julgado improcedente – não alterando a decisão no sentido do recurso apresentado pelo Recorrente-Autor, e o acórdão recorrido ser confirmado, mas sem prejuízo de ser julgado procedente o recurso subordinado, ou seja, absolvendo o Recorrido dos pedidos formulados na ação, ou, caso se mantenha a condenação ser excluída a obrigação de indemnização ao lesado dada a culpa deste, ou a ser condenado sê-lo em menor montante, não superior a € 1.000,00, mas também, serem condenados os Réus HPP (atualmente Lusíadas SA), e Companhia de Seguros Mundial Confiança (atualmente Companhia de Seguros Fidelidade, SA), pois que o tratamento ao Autor foi ministrado ao Autor na organização HPP, que estipulou e recebeu o preço dos serviços prestados, estando o Autor inserido na organização dos HPP, como prestador de serviços, e nesse âmbito contratual, tendo realizado os atos médicos, ou seja como comissário e sendo comitente o Réu HPP.

2. Formula o Autor no seu recurso a pretensão de - “a) condenação do Réu BB … na devolução/pagamento da quantia paga pela sua intervenção”, constante das conclusões 2 a 7 das alegações de recurso.

Na verdade, esse pedido havia sido formulado sob ponto b) da petição inicial e foi julgado improcedente na sentença da primeira instância.

No acórdão recorrido, foi também decidido que “Os pedidos das alíneas c) e d) improcedem na totalidade em virtude da delimitação do objeto do recurso às consequências da falta do consentimento informado…” (vide ponto 41 do referido acórdão). Pelo que é de manter o entendimento do acórdão recorrido no que diz respeito à limitação do objeto do recurso e ao trânsito dessa decisão de improcedência desse pedido, constante da sentença proferida na primeira instância, de que o Recorrente não interpôs recurso;

3. Assim, deve este Supremo Tribunal de Justiça decidir não tomar conhecimento desta parte do recurso apresentado pelo Autor-Recorrente, por existir decisão transitada no processo relativamente a esse pedido.

4. É entendimento do Recorrido que o Meritíssimo Juiz a quo da primeira instância fez correta interpretação dos factos dados como provados, e exata aplicação da lei, pelo que a sentença não merecia qualquer censura e deveria ter sido confirmada apelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, absolvendo os Réus de todos os pedidos formulados; não obstante,

5. O acórdão recorrido decidiu que o Réu não fez prova de que o Autor tinha prestado consentimento informado sobre os atos médicos a realizar; mas tal decisão fez errada apreciação dos fatos e inexata aplicação da lei; na verdade,

6. Entende o Recorrido, seguindo a decisão da primeira instância que cabia ao Autor, caso se entendesse que não houve consentimento, fazer a prova que de qual seria a sua decisão – consentimento ou não consentimento se informado;

7. Provada a possibilidade de existirem alguns riscos, não se qual o grau de probabilidade destes riscos ou efeitos secundários e, em alguma medida, também não está especificado o respetivo grau de gravidade, designadamente se são irreversíveis ou não.

8. A circunstância de o autor ter sabido anteriormente por outro médico oftalmologista, do mesmo estabelecimento hospitalar da possibilidade de a eficácia da cirurgia regredir com o tempo e poder gerar fotofobia e síndrome de olho seco, é necessariamente relevante; pelo que existiu informação sobre os riscos de regressão dos efeitos e de causar fotofobia e síndrome de olho seco; é que,

9. O Autor procurou um médico nos HPP, e terá consultado um panfleto informativo nas instalações do HPP, e foi visto inicialmente por outro médico desse hospital – Dr. EE, que o encaminhou para o Réu BB, que era também médico nos HPP, pois que era ele Réu quem no HPP era responsável por esse tipo de tratamento em 2005, fatos provados 19, 20, 25, 26, 27, 30, 39, 59.

10. Entende o Recorrido que incumbia ao Autor a prova de que se fosse informado dos riscos não teria dado o consentimento, o que não logrou fazer. Ou seja não tendo feito essa prova deve entender-se que o Autor tomaria a mesma decisão de efetuar o tratamento lasik no caso de esses resultados (ser necessário continuar a usar óculos e surgirem os efeitos assinalados como provados) serem apenas prováveis (não certos, mas possíveis).

11. No caso existem fatores diversos imputáveis ao próprio autor que dificultam o apuramento do dano indemnizável ou a determinação da medida em que o mesmo é indemnizável.

12. Com efeito, resultou provado que o autor abandonou o acompanhamento que vinha sendo feito pelo réu BB após a realização da cirurgia e o aparecimento da visão enevoada, não permitindo, alegadamente por perda de confiança, que este réu realizasse qualquer intervenção no sentido de concluir a cirurgia programada e/ou corrigir ou eliminar aquela consequência, desconhecendo-se se a mesma era possível e que resultados produziria, sendo certo que o autor havia sido informado por aquele médico da possibilidade de ser necessária uma correção do trabalho realizado.

13. O Autor, antes de iniciar o tratamento, quando sem óculos ou lentes, era tecnicamente cego, tinha menos de 10% de visão, pois o seu grau de miopia era elevadíssimo, e tinha também astigmatismo, nos dois olhos.

14. O Autor era acompanhado na doença (miopia) desde a sua infância, a miopia foi-se agravando, e atingiu um grau elevadíssimo, sendo quase cego, e tinha também astigmatismo, pelo que o normal era que o Autor pretendesse corrigir essa situação – leia-se, essa doença ou disfunção grave de que padecia, minorando-a ou eliminando-a, que aliás era o resultado normal e previsível do tratamento, que aliás ocorreu.

15. Como resulta da factualidade provada, caso o Autor tivesse concluído o tratamento que contratou com o HPP e o Réu BB, todos os problemas que apresenta teriam sido resolvidos e o Autor teria ficado sem o desequilíbrio e efeitos da grande diversidade/desequilíbrio entre a acuidade visual dos dois olhos – o operado pelo Réu BB em que houve evidente melhoria, e quase total reparação da visão, e o não operado que se manteve com grande limitação de visão.

16. O autor não permitiu sequer ao médico que realizasse qualquer nova intervenção, apesar de estar informado que a cirurgia podia não produzir a totalidade dos seus efeitos na primeira intervenção e carecer de uma segunda para completar, concluir ou rectificar o resultado da primeira (dar um «retoque»), e a verdade é que o autor tinha contratado com ele a execução da cirurgia para correção da miopia, pelo que devia permitir que ele executasse a totalidade dos atos necessários à realização do objeto contratado.

17. Não o tendo feito e omitindo a colaboração necessária à execução da prestação a cargo do médico, não apenas entrou ele mesmo em incumprimento do contrato celebrado como impediu o médico de alcançar o resultado da eliminação das consequências indesejadas da intervenção, sendo certo que mesmo no âmbito do dever de indemnização a regra é a da restauração natural pelo que cabe ao devedor o direito de a procurar alcançar para se desonerar da obrigação alternativa da indemnização pecuniária (artigo 566.º do Código Civil).

18. Quer isto dizer que o Autor não permitiu ao Réu BB, este enquanto médico dos HPP, efetuar o tratamento contratado, orçamentado e pago aos HPP, e em diferentes vertentes:

- não permitiu concluir o tratamento ao olho direito que foi intervencionado; - não permitiu concluir o tratamento com a intervenção ao olho esquerdo; e,

- não permitiu concluir o tratamento na sua globalidade – a intervenção aos dois olhos, como sempre foi pressuposto do tratamento, e com eventual necessidade de retoque; sendo que não foi contratado pelo Autor a possibilidade de efetuar apenas o lasik num dos olhos, mas antes nos dois, embora a sua solicitação, não em simultâneo.

19. Foi provado que de todas as sequelas das intervenções que o autor apresenta (as indicadas no facto do ponto 88) praticamente todas elas decorrem de o autor não ter sido operado ao olho esquerdo, anomalias que se resolvem com recurso a lente de contacto ou cirurgia (94).

20. A opção de não ser operado ao olho esquerdo é do autor. Este estava informado que a cirurgia tinha de abranger ambos os olhos; e, a opção por não executar a cirurgia que resolveria estes problemas e que estava incluída no plano inicial do tratamento é igualmente uma opção do autor, o qual se torna assim igualmente responsável pela manutenção da situação indesejada resultante dos actos médicos praticados.

21. Pelo que não pode por isso o Autor pretender ser indemnizado por se recusar a concluir o tratamento, que de modo evidente lhe trouxe já melhoria muito significativa da acuidade visual do olho direito, devendo por isso ser excluído o direito a ser indemnizado.

22. Acresce que, fato não ponderado, e antes ponderado fato contrário foi inequívoca a prova de que a acuidade visual do olho direto melhorou significativamente.

23. Na verdade, como concluíram todos os exames periciais jutos aos autos o Autor, apesar de abandonar os tratamentos, primeiro com o Réu BB (em Junho de 2005) e depois com o Réu CC (em 31 de Março de 2006), viu reduzida a sua miopia e astigmatismo no olho direito:

- de -9 dioptrias de miopia, e de -0,50 dioptrias de astigmatismo, com uma acuidade visual com correção de 8/10, em Dezembro de 2004 (fato provado 25 e 97 e 98); para,

- -0.25 dioptrias de miopia e -0,50 de dioptrias de astigmatismo em Setembro de 2016, e com uma acuidade visual de 9/10 (facto provado 88-h) da sentença),

24. Pelo que deve concluir-se que com as cirurgias realizadas melhorou a acuidade visual com correção, e tendo agora com uma muito reduzida miopia, ou seja, o Autor que era praticamente cego (sem correção), vê bem sem próteses (óculos ou lentes) do olho direito, ou seja houve uma significativa melhoria da acuidade visual sem correção.

25. Por isso se diz no relatório pericial de fls…., - de 22 de maio de 2017, além de ter sido fixada uma desvalorização de 0%, que “…tendo havido, melhoria significativa da sua acuidade visual, quando comparada com a acuidade visual prévia ao tratamento”.

26. É verdade que houve uma sequela, mas que não interfere com a visão, o surgimento de células epiteliais, nem se provou traga qualquer dano ou efeito danoso.

27. E mesmo a outra referida sequela (considerada no acórdão recorrido) não é uma sequela pois era pré-existente – astigmatismo, que provoca a visão embaçada ou enevoada e a hipersensibilidade do olho à luz – mas que é igualmente superável com o uso de óculos e, sobretudo, constituí um risco de que o autor tinha sido informado pela outra médica oftalmologista que consultara antes dos réus.

28. Mas como concluíram todos os exames periciais juntos aos autos o Autor, apesar de abandonar os tratamentos, primeiro com o Réu BB (em Junho de 2005) e depois com o Réu CC (em ... de Março de 2006), viu reduzida a sua miopia e astigmatismo no olho direito:

- de -9 dioptrias de miopia, e de -0,50 dioptrias de astigmatismo, com uma acuidade visual com correção de 8/10, em Dezembro de 2004 (fato provado 25 e 97 e 98); para,

- -0.25 dioptrias de miopia e -0,50 de dioptrias de astigmatismo em Setembro de 2016, e com uma acuidade visual de 9/10 (facto provado 88-h) da sentença), donde se conclui que com as cirurgias realizadas melhorou a acuidade visual com correção, e tendo agora com uma muito reduzida miopia, ou seja, o Autor que era praticamente cego (sem correção), tinha 10% de visão, vê bem sem próteses (óculos ou lentes) do olho direito – tem agora mais de 70% de visão, ou seja houve uma significativa melhoria da acuidade visual sem correção.

29. Ora, dispõe o artigo 570º, n.º 1, do Código Civil que «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

30. Pelo que deveria o acórdão recorrido, e não fez, fazendo errada apreciação dos fatos e inexata aplicação da lei,

31. A ponderação das circunstâncias, na sua globalidade, sem esquecer, na tese do acórdão, a omissão do consentimento informado, tem que valorizar especialmente a recusa do Autor a concluir o tratamento ao olho intervencionado, e não intervenção no olho esquerdo, e, em especial, ao sucesso da intervenção realizada pelo Réu BB, que redundou como resulta dos fatos provados numa melhoria significativa da sua acuidade visual, quando comparada com a acuidade visual prévia ao tratamento”, expressa na redução quase total da miopia e na redução do astigmatismo, como acima referido.

32. Assim, entende-se que estamos perante um caso em que face à ponderação da globalidade das circunstâncias do caso do caso dos autos, a compensação deve ser excluída, pois que o Autor teve uma melhoria significativa da sua acuidade visual, quando comparada com a acuidade visual prévia ao tratamento”, expressa na redução quase total da miopia e na redução do astigmatismo, como acima referido.

33. Concluindo, na tese de se considerar que houve falta de consentimento informado, imputável ao Réu BB, ainda assim, deve sere excluída a fixação de uma indemnização a pagar ao Autor; ou caso assim se não entenda deve a mesma ser reduzida, num montante não superior € 1.000,00.

34. Assim, no recurso principal deve julgar-se:

- O pedido da alínea a) porque, conforme começou por se assinalar, o mesmo respeita à indemnização por uma incapacidade funcional que não se provou.

- Os pedidos das alíneas b) e c) (e não c) e d), como por lapso evidente consta do acórdão) improcedem na totalidade em virtude da delimitação do objecto do recurso às consequências da falta de consentimento informado. Essa restrição determina que o julgamento que aqui cabe não possa ter como fundamento a causa de pedir baseada nos contratos celebrados com os médicos e a sua resolução por incumprimento das respetivas obrigações, mas apenas a indemnização dos danos resultantes de um ilícito civil com fundamento no artigo 483.º do Código Civil, o que remete para os danos que têm como causa adequada o facto ilícito, não para a destruição do contrato e do respectivo sinalagma decorrente da respectiva nulidade ou resolução não arguidas na acção.

- O pedido da alínea d) (e não e) como por lapso evidente consta do acórdão) de publicação da sentença num jornal nacional («durante 4 Domingos, de forma a evitar que potenciais candidatos a realizar intervenção com recurso à técnica “Lasik” possam ser operados sem qualquer informação», sic) improcede evidentemente.

- Com efeito, encontramo-nos num domínio jusprivatistico em que não existe norma legal que imponha essa publicação; o direito do autor cinge-se a ser indemnizados dos danos que sofreu, não a infligir aos réus o dano reputacional da publicação da condenação; não se reconhece ao autor legitimidade nem interesse para acautelar o perigo para outrem da repetição da actuação dos réus, nem há motivos reais e demonstrados para a temer.

- Improcede identicamente o pedido da alínea e) (e não f) como por lapso evidente consta do acórdão), uma vez que como se viu foi o autor com o seu comportamento e decisões que impediu que tivessem sido já executadas intervenções destinadas a eliminar as consequências indesejadas da cirurgia.

35. Improcedem pois todas a conclusões do recurso formuladas pelo Autor Recorrente.

36. Deve, pois, sem prejuízo do recurso subordinado manter-se a decisão recorrida, e a não ser excluída a atribuição ao Autor de uma indemnização pela violação do direito ao consentimento informado, ou, caso assim se não entenda fixar a indemnização em montante inferior a € 1.000,00, mas deverá ser também condenado o HPP e a respetiva seguradora, como melhor se alegará no recurso subordinado.

37. Em sede de recurso subordinado, o Réu BB (a manter-se a sua condenação) discorda do segmento decisório que absolveu do pedido de indemnização pelos por si praticados – no que toca à violação do direito do Autor ao consentimento informado, quer o Réu HPP (a sociedade Lusíadas, SA), quer a seguradora desta sociedade.

38. O que resulta provado nos autos, e que aliás nunca foi colocado em causa pelo HPP, é o Autor procurou um médico nos HPP, e terá consultado um panfleto informativo nas instalações do HPP, e foi visto inicialmente por outro médico – Dr. EE, que o encaminhou para o Réu BB, que era também médico nos HPP, pois que era ele Réu quem no HPP era responsável por esse tipo de tratamento em 2005, fatos provados 19, 20, 25, 26, 27, 30, 39, 59.

39. Provou-se que - Em 2004 e 2005, o réu BB exercia as funções de coordenador do serviço de oftalmologia do réu “HPP — Norte, SA”, trabalhando em regime de prestação de serviços [artigos 8° e 61° da contestação do réu BB]. – fato provado 95;

40. Resulta ainda provado nos que a ... de Agosto de 2005, o autor envia comunicação escrita à administração do réu “HPP — Norte, SA”, descrevendo a sua versão da situação, informando que perdera confiança profissional no réu BB, e solicitando a devolução das quantias que havia pago (€ 2 000,00, acrescida de € 87,93 despendidos com exames e consultas) [artigos 71° e 72° da petição inicial; artigo 48° da contestação do réu BB] – fato provado 59.

41. Dos fatos provados decorre inequivocamente que o Autor não procurou o Dr. BB, mas antes um tratamento no estabelecimento hospitalar HPP no ...– à data designado Hospital da .... .

42. Quem emitiu as faturas pelos serviços prestados ao Autor pelo Dr. BB, -foi o HPP, e foi a esta sociedade que o Autor pagou as faturas, e depois de parte delas foi pelo HPP reembolsado.

43. O Reu BB, na sua atividade de prestador de serviços no estabelecimento hospitalar HPP ..., nos termos do artº 1154 do Código Cível, proporcionava aos HPP resultado do seu trabalho (intelectual e manual).

44. O Autor era cliente dos HPP a quem pagava os serviços prestados pelo Autor, que os HPP lhe faturavam, e os tratamentos eram efetuados nas instalações dos HPP, e as fichas clínicas dos tratamentos efetuados ao Autor identificavam os HPP, e não o concreto médico que prestava os serviços ou tratamentos; assim,

45. Resulta inequívoco dos autos e do exposto que os HPP encarregaram o Réu BB de efetuar aos clientes da sua unidade hospitalar os tratamentos médicos de que os clientes necessitassem (nomeadamente o Autor), e sendo certo que o Réu BB estava no exercício das suas funções ou atribuições enquanto médico e coordenador dos serviços de oftalmologia, do estabelecimento hospitalar quando efetuou os tratamentos ao Autor, ou seja existindo uma conexão adequada entre essa comissão – o executar tratamentos médicos a doentes do hospital por conta dos HPP, e em cumprimento de contrato de prestação de serviços, com esse objeto.

46. Ora, nos termos do artº 500 do Código Civil, “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.”.

E, sendo certo que no caso a relação de comissão no caso existe, por força do contrato de prestação de serviços, e o alegado ato ilícito foi praticado no âmbito e em conexão com o objeto desse contrato. Neste sentido os Ac. do STJ de 15-03-2005 (Proc.04ª4808), e de 02-03-2006(CJ/STJ, 20061º- 97).

47. Pelo que o acórdão recorrido, sem conceder, condenando o Réu, ao absolver os Réus HPP e a sua seguradora fez errada interpretação dos fatos e inexata aplicação da lei.

48. Assim, caso se entenda existir ato ilícito do Réu BB e obrigação de indemnizar o Autor, então a condenação no pagamento da indemnização deve ser não só do Réu BB, mas também do Réu HPP (Lusíadas, SA) e da seguradora desta sociedade (Companhia de Seguros Fidelidade, SA, ex-Companhia de Seguros Mundial Confiança).

49. Em conclusão do recurso subordinado, deve absolver-se o Recorrido BB dos pedidos formulados na ação, ou, caso se mantenha a condenação ser excluída a obrigação de indemnização ao lesado dada a culpa deste, ou a ser condenado sê-lo em menor montante, não superior a € 1.000,00, mas também, serem condenados os Réus HPP (atualmente Lusíadas SA), e Companhia de Seguros Mundial Confiança (atualmente Companhia de Seguros Fidelidade, SA), pois que o tratamento ao Autor foi ministrado ao Autor na organização HPP, que estipulou e recebeu o preço dos serviços prestados, estando o Autor inserido na organização dos HPP, como prestador de serviços, e nesse âmbito contratual, tendo realizado os atos médicos, ou seja como  sendo comissário.

Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso principal e procedente o recurso subordinado como é de Justiça. »


10. Contra-alegaram ainda:

10.1 O R. CC, pedindo no final a improcedência do recurso independente (do A.), e ainda revogação do acórdão recorrido no segmento em que o condenou a indemnizar o A. na quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais.

10.2 A interveniente (acessória) Axa (atualmente com a designação de Ageas Portugal – Companhia de Seguros, SA.), que se limitou a aderir às contra-alegações apresentadas pelo R.. CC dando-as por reproduzidas.

10.3 A interveniente (principal) Fidelidade - Companhia de Seguros, SA. (antes Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, SA. e antes ainda Companhia de seguros Mundial – Confiança), começando por defender, com os fundamentos ali aduzidos, e aqui dados por reproduzidos, a inadmissibilidade do recurso subordinado (de revista) interposto pelo R. BB, e nomeadamente no que a si concerne e até à própria R. HPP/Lusíadas, pugnando depois, e de qualquer modo, sempre pela improcedência desse recurso, com a manutenção do julgado nas instâncias que a absolveu do pedido.

10.4 A Ré HPP (atualmente designada por Lusíadas, SA.):

10.4.1 No que concerne ao recurso independente do A., começou por defender, com os fundamentos ali aduzidos, e aqui dados por reproduzidos, a inadmissibilidade desse recurso, pugnando depois, e de qualquer modo, sempre pela improcedência do mesmo, com a manutenção do julgado (pelo tribunal recorrido).

10.4.2 No que concerne ao recurso subordinado (de revista) interposto pelo R. BB, começou por defender, com os fundamentos ali aduzidos, e aqui dados por reproduzidos, a inadmissibilidade desse recurso, pugnando depois, e de qualquer modo, e na parte em que pede a sua condenação, sempre pela improcedência do mesmo, com a manutenção do julgado (pelo tribunal recorrido) que decidiu absolvê-la do pedido.


11. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

***

II - Fundamentação

1. Da admissibilidade dos recursos.

Como ressalta daquilo que se supra deixou exarado (cfr. pontos 10.3 e 10.4.1 e 10.4.2 do Relatório), nas suas respetivas contra-alegações que apresentaram aos mesmos, a admissibilidade do recurso independente (interposto pelo A.) é questionada pela recorrida Ré HPP (atualmente Lusíadas, SA.), o mesmo acontecendo no que concerne ao recurso subordinado (interposto pelo R. BB), deste feita pela interveniente Fidelidade - Companhia de Seguros, SA., e também por aquela mesma Ré.

Recursos esses que foram admitidos, como revista (normal) pelo tribunal a quo (cfr. despacho com referência ...).

Porém, é sabido que a decisão que admita um recurso (bem como fixe a sua espécie e determine o seu efeito) não vincula o tribunal superior (cfr. artº. 641º, nº. 5, ex vi artº. 679º - vg. no que concerne ao STJ - do CPC, diploma este ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos um normativo sem a indicação da sua fonte).

Vejamos então se, in casu, estão reunidos os pressupostos legais para a admissão de tais recursos como revista normal (centrando-nos sobretudo nos argumentos esgrimidos para o efeito por aquelas “partes” que que se opuseram à sua admissibilidade).

1.1 Quanto ao recurso independente (do A.).

Tendo em conta o valor da causa (correspondente a € 252 177,90 - cfr. despacho referência “Citius” nº. ..., datado de 04/03/2021), a natureza, o âmbito e diversidade dos pedidos formulados, e bem como as decisões que sobre eles recaíram (quer na 1ª., quer na 2ª. instâncias), é claro que esse valor ultrapassa o valor da alçada do tribunal da Relação de que ora se recorre (fixada, como se sabe, em € 30.000,00 – cfr artº. 44º LOSJ, aprovada pela da Lei nº. 62/2013, de 26/08), não se colocando também, a nosso ver, dúvidas que o grau de sucumbência do A./recorrente é-lhe desfavorável em valor superior a metade do valor dessa alçada, ou seja, em valor superior a € 15.000,00, e se dúvidas subsistissem a respeito - dada forma como o mesmo formulou tais pedidos -, então sempre, nos termos do estatuído na parte final do nº. 1 do artº. 629º, se deveria, a esse respeito, atender somente ao valor da causa (veja-se que o A./recorrente, entende neste seu recurso que não sendo ordenada, em decisão, a remessa dos autos à 1ª. instância, para aí ser fixado, em incidente de liquidação, tal como havia requerido/formulado no seu petitório inicial, o valor da indemnização a atribuir-lhe pelos alegados danos não patrimoniais, então defende que a condenação dos RR. pelo seu ressarcimento deve ser fixada em € 200.000.00 – cfr. nº. 62 das conclusões das suas alegações do recurso e o pedido final com que conclui as mesmas).

E daí a conclusão de estarem verificados os requisitos gerais (pois que os da legitimidade e da tempestividade não se colocam) previstos no artº. 629º, nº. 1, que permitem ao A. interpor o presente recurso, e desde logo contra os RR. BB e CC.

A questão que se poderia, a nosso ver, suscitar tinha a ver com o saber se in casu estaríamos perante uma situação de dupla conforme (a que se alude no nº. 3 do artº. 671º)

Como u se sublinhou no acórdão desde Supremo Tribunal de 13/10/2016 (proc. nº. 967/14.1TBACB.C1.S1, disponível em dgsi.pt) “inexistindo dupla conforme entre uma sentença absolutória do pedido e o acórdão da Relação em que se conclui pela condenação parcial da ré – dado que os fundamentos de uma e de outra decisão não podem ser considerados essencialmente idênticos – é de concluir pela admissão do recurso da autora.”

Também no conspecto doutrinal, Rui Pinto afastou a existência de dupla conforme obstativa do acesso ao terceiro grau de jurisdição no caso - análogo à situação que convoca a nossa análise – em que a primeira instância absolveu os réus do pedido e a segunda instância concedeu parcial provimento ao recurso apresentado pelo autor. E isto porque “o acórdão da Relação produziu efeitos materiais opostos aos efeitos materiais da decisão de 1ª. instância; é de teor parcialmente oposto (pois a condenação foi parcial) a esta decisão. A primeira decisão é negativa do pedido do autor; a segunda decisão é positiva do pedido do autor (“Repensando os requisitos da dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC)”, Julgar online, novembro de 2019, pág. 2, acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/11/20191118-ARTIGO-JULGAR-Dupla-conforme-Rui-Pinto.pdf.)

Uma vez, porém, que o recorrente deduz a sua pretensão recursória, de forma indistinta, contra os “réus”, há também que apreciar a admissibilidade do recurso independente interposto pelo autor contra as rés sociedades HPP – NORTE, S.A. e CLÍNICA OFTALMOLÓGICA RIBEIRO-BARRAQUER, S.A.

Relativamente a estas verificou-se uma conformidade decisória entre a sentença de primeira instância e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto: ambas as decisões absolveram as recorridas do pedido. No entanto, tal absolvição fundou-se em fundamentações díspares: enquanto a primeira instância considerou inexistir facto ilícito consubstanciador da obrigação de indemnização no âmbito da responsabilidade civil contratual, a segunda instância entendeu que, estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil relativamente aos réus médicos por violação do dever de informação, a factualidade provada se mostrava insuficiente para responsabilizar civilmente as sociedades comerciais em cujas instalações decorreram os atos médicos em causa. E isto porque não foi lograda “designadamente a demonstração da existência da situação de pluralidade de autores, instigadores ou auxiliares (artigo 490.º do Código Civil) ou de uma relação de comissão entre as sociedades e os médicos (artigo 500.º do Código Civil).”

As duas instâncias percorreram, pois, percursos jurídicos diferentes, em pontos nodais da apreciação jurídica da causa que, salvo melhor opinião, fundam uma divergência quanto à matéria de direito que, ao contrário do defendido pela recorrida HPP/Lusíadas S.A. na sua resposta, afasta a limitação recursória derivada da dupla conforme, nos termos do preceituado no nº. 3 do artº. 671º.

Por outro lado, não se descortina que, tal como propugnado pela recorrida Lusíadas S.A., a decisão impugnada seja desfavorável ao autor “no montante de € 2.388,93 (de acordo com o que consta das alegações de recurso), valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, € 15.000, (…).

E desde logo, pelas razões que supra deixámos referenciadas a propósito dos RR. BB e CC.

E depois ainda, e de qualquer modo, pelo seguinte:

Como nota Abrantes Geraldes, “A exigência complementar relacionada com o valor da sucumbência foi introduzida na reforma processual de 1985, com o objetivo de filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos Tribunais Superiores.

Frequentemente, em processos cujo objeto é integrado por diversos pedidos, a parte decai apenas relativamente a algum ou alguns deles; outras vezes o decaimento cinge-se a uma parcela do pedido único ou a um pedido meramente acessório (v.g. juros) (…). Mas a necessidade de concentrar energias naquilo que é mais importante, a premência na erradicação de instrumentos potenciadores da morosidade da resposta judiciária ou o interesse em dignificar a atividade dos Tribunais Superiores convergiram no sentido de fazer depender a recorribilidade também da proporção do decaimento, devendo este ser superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão impugnada (in “Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 48”).

Precisa o acórdão deste Supremo Tribunal de 26/09/2007 (proc. n. 06S4612, disponível em dgsi.pt) que “II - O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter (sublinhado nosso) (cfr. ainda o Ac. do STJ de 13/07/2006, proc. nº. 06S895, disponível em dgsi.pt).

Uma palavra lateral para fazer notar que, in casu, não é aplicável o entendimento vertido na fundamentação no AUJ nº. 10/2015, de 14/05 (“DR nº. 123/2015, Série I de 2015-06-26, páginas 4483/4493”) segundo o qual “para efeitos de ulterior interposição do recurso de revista, a medida da sucumbência corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de primeira instância e no acórdão da Relação”, tendo em conta que a decisão de primeira instância se estribou numa absolvição integral do pedido (no que concerne às aludidas RR.).

Neste conspecto, sendo a sucumbência de aferir pela diferença entre o montante do pedido em sede de apelação e o montante concedido, temos que, na situação que convoca a nossa análise, e uma vez que o recorrente reiterou o peticionado ab initio nos autos, o montante do pedido (que foi deduzido de forma ilíquida, ou pelo menos numa sua parte) a considerar deverá equivaler àquele que foi fixado (no sobredito despacho) como integrando o valor da causa, em cada um dos segmentos petitórios. Assim, o valor do pedido deduzido contra a recorrida HPP – NORTE, S.A. (agora Lusíadas S.A.) computa-se em € 250.876,90 (€1087,93 + € 229 538,97 + € 20 000,00 + € 250,00).

Por conseguinte, o valor da sucumbência quanto ao peticionado pelo recorrente contra a recorrida HPP – NORTE, S.A., excede o montante correspondente a metade da alçada da Relação, considerando que nenhum montante foi concedido (no que concerne às rés) ao recorrente pelo Tribunal da Relação do Porto neste particular. De qualquer modo, voltamos a enfatizar (face ao que acima já deixámos expresso), que neste seu recurso de revista, o A./recorrente, entende que não sendo ordenada, em decisão, a remessa dos autos à 1ª. instância, para aí ser fixado, em incidente de liquidação, tal como havia requerido/formulado no seu petitório inicial, o valor da indemnização a atribuir-lhe pelos alegados danos não patrimoniais, então defende que a condenação dos RR. (não fazendo destrinça entre eles), pelo ressarcimento só desses danos, deve ser fixada em € 200.000.00.

Idêntica conclusão vale para o montante da sucumbência do autor no que respeita ao pedido dirigido contra a ré CLÍNICA OFTALMOLÓGICA RIBEIRO-BARRAQUER, S.A. .

Tudo para concluir – assim se decidindo - que nenhum obstáculo (em concomitância do que concerne aos RR. BB e CC) se perfila também quanto à admissão do recurso (independente) interposto pelo autor contra a rés/recorridas HPP – NORTE, S.A. (agora Lusíadas, SA.) e CLÍNICA OFTALMOLÓGICA RIBEIRO-BARRAQUER, S.A. .


1.2 Quanto ao recurso subordinado (do R. BB).

Desloquemos, por ora, o foco de análise (sobre a sua admissão ou não) para o recurso subordinado apresentado pelo réu BB.

Peticiona o mesmo a revogação do acórdão recorrido no segmento em que determinou a sua condenação no pagamento de uma quantia ao autor (recorrente independente), pugnando, naquilo que para aqui mais releva, no sentido de ser excluída a indemnização (mesmo para o caso de, sem conceder, entender que houve da sua parte violação de dever de informação para prestação de consentimento informado) pela culpa imputável ao próprio lesado e, a título subsidiário, para o caso de se manter a decisão de condenação, a determinação de que pelo pagamento dessa compensação sejam condenados também a ré HPP (ora Lusíadas, SA.) e a sua seguradora (a interveniente principal Fidelidade), e por montante menor (€ 1.000,00) daquele que foi fixado no acórdão recorrido.

Retorque a recorrida Fidelidade que o recurso subordinado se mostra inadmissível no que respeita à pretensão subsidiária de condenação da recorrida, tendo em conta que o recorrente subordinado não se insurgiu (cfr. alegação – referende ao recurso de apelação - referência “Citius” nº. ..., datada de 08/02/2021) contra a absolvição das intervenientes ou da recorrida HPP, SA., não tendo, por outro lado, requerido, nos termos do preceituado no artº. 636.º do CPC, “a ampliação do objeto da apelação no sentido de, na procedência desta, ser uma eventual condenação (como veio a acontecer) extensiva ao R. HPP-NORTE, SA., e à sua seguradora, o que consolidou o trânsito em julgado da absolvição desta última, já que não visada na apelação do autor.”

Cotejando o teor do recurso de apelação apresentado pelo autor, verifica-se que através dele o demandante instou o Tribunal da Relação do Porto a pronunciar-se, para além do mais, quanto à violação do dever de informação por banda do réu BB (que praticou os atos médicos nas instalações da ré HPP - Norte, SA.), pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que ordene a condenação solidária dos réus tal como expresso na petição inicial da lide.

Se não suscita particular controvérsia a conclusão de que o autor dirigiu o seu recurso de apelação contra a recorrida HPP - Norte, SA., - na medida em que visou, indistintamente, todos os réus no seu pedido -, a verdade é que, como bem nota a interveniente, a sua absolvição do pedido (implícita, uma vez que não consta do dispositivo da sentença de primeira instância) não foi, de modo algum, contestada em sede de segunda instância, tendo-se cristalizado.

Tanto vale por dizer que se formou caso julgado obstativo da apreciação do mérito do recurso de revista subordinado quanto à interveniente Fidelidade (mas já não quanto HPP - Norte, SA.).

Acrescenta a Fidelidade que o recurso em análise não se mostra admissível, nos termos do disposto no nº. 3 do artº. 671.º do CPC, em virtude da existência de dupla conformidade decisória, considerando que a decisão recorrida confirmou a decisão da 1ª. instância, absolvendo a recorrida HPP - Norte, SA., do pedido.

De acordo com o AUJ n.º 1/2020, de 27/11/2019 (publicado no DR, I SÉRIE, de 2020-01-30) “o recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633.º do mesmo Código.”

Porém, in casu, pelas razões que supra se particularizaram, não obstante se ter verificado coincidência decisória nas duas instâncias quanto à absolvição do pedido relativamente à demandada HPP - Norte, SA., a verdade é que tais decisões mobilizaram fundamentações jurídicas essencialmente distintas para o efeito – o que permite afastar, por não poder considerar-se a existência de dupla conforme, o obstáculo à admissibilidade do recurso em apreço.

Aduz, por fim, a recorrida Fidelidade que o recurso subordinado apresentado contra a recorrida HPP - Norte, SA não se mostra admissível, uma vez que o que o recorrente subordinado pretende é, não apenas que se reaprecie a decisão na parte em que ficou parcialmente vencido, mas estender a condenação já proferida a um terceiro, pretensão que deveria ser objeto de um recurso independente, e não subordinado, dado não estar dependente da sorte da revista do autor.

Tal argumentação convoca a reflexão sobre a natureza do recurso subordinado.

Como se sublinhou no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2017 (proc. nº. 308/13.5TTVLG.P1.S1, disponível em dgs.pt ), “(…) II. Numa área onde prevalece o princípio do dispositivo e em que, por isso, cada uma das partes deve zelar pela tutela dos seus interesses, a lei faculta a cada uma das partes que seja vencida a opção entre um recurso independente ou um recurso subordinado – cf. art. 633º, nº 1, do CPC. III. O recurso independente assume total autonomia quer ao nível da admissão, quer da subsequente tramitação, ao passo que o recurso subordinado fica na dependência do recurso principal, sendo a apreciação do respectivo mérito prejudicada se por algum motivo não for apreciado o mérito do recurso principal. Ou seja, nos termos do nº. 3 do art. 633º, do CPC, o recurso subordinado caduca se houver desistência do recurso principal, se este ficar sem efeito ou se, por razões de forma, o Tribunal não tomar dele conhecimento. (…). V. A posição da parte que recorre subordinadamente não é equivalente à que é proporcionada pelo recurso independente, ficando a apreciação do mérito do recurso subordinado dependente das vicissitudes formais do recurso independente interposto pela Ré. Mas, excluída essa condicionante, a admissão do recurso subordinado permite à parte confrontar o Tribunal ad quem com a impugnação da decisão recorrida, na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, possibilitando a alteração do resultado. (…). VII. Interposto recurso subordinado, pode a parte que o deduziu integrar no mesmo as questões em que tenha ficado vencida, sejam questões de direito ou também questões de facto.” (sublinhado nosso).

Como faz notar o aresto,o pressuposto do recurso subordinado é que haja decaimento na decisão proferida para ambas as partes, sendo que uma delas pode fazer depender a sua reacção da posição assumida pela parte contrária: não recorrer se a contraparte também assim proceder, mas já no caso de que esta interponha recurso, a outra parte pode não prescindir também de impugnar a parte que lhe é desfavorável. É esta a ratio do recurso subordinado.

Aliás, ainda de acordo com o acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 19/10/2016 (proc. nº. 3/13.5TBVR..G1-A.S1, disponível em dgsi.pt), Esta denunciada caracterização do recurso designado de subordinado tem apenas a justificar a sua subsistência duas circunstâncias, quais sejam, a de que o recorrente principal não desista do recurso ou que, efectivamente, se não mostrem razões capazes de justificar que dele se não conheça. Quer isto dizer que ambos os recursos mantêm plena e acabada autonomia no que aos seus fundamentos e objectivos diz respeito, designadamente no que toca aos especificados aspectos em que cada uma das partes recorrentes ficou vencida.”

Como explica Abrantes Geraldes (in “Ob. cit., pág. 124”), “a situação do recorrente subordinado é instável, uma vez que a sua apreciação fica dependente das vicissitudes por que venha a passar o recurso principal (art. 633.º/3 do Código de Processo Civil), caducando se este ficar sem efeito (por verificação de uma situação de deserção ou de inutilidade superveniente) ou se se verificar qualquer outra situação obstativa do mérito do mesmo (a título de exemplo, extemporaneidade, irrecorribilidade, dupla conforme, ilegitimidade ou verificação de uma situação de aceitação expressa ou tácita da decisão.. No entanto, “ultrapassados os requisitos de ordem formal relacionados com a admissibilidade ou com a tramitação do recurso, o tribunal ad quem confrontar-se-á, no momento da decisão, com ambas as pretensões recursórias, sem que o resultado decretado a uma influa necessariamente no sucesso da outra.”

No caso que suscita a nossa análise, afigura-se-nos cristalino que o réu BB ficou vencido na parte em que a decisão recorrida decidiu absolver do pedido a recorrida HPP - Norte, SA., considerando ser da sua responsabilidade exclusiva o pagamento da indemnização arbitrada. Encontra-se, pois, assegurada legitimidade deste réu para recorrer subordinadamente.

Tendo em conta a autonomia que se verifica, no que aos seus fundamentos e objetivos, entre os recursos independente e subordinado, não há, salvo o devido respeito por outra opinião, que restringir, ao arrepio da lei, o objeto do recurso subordinado às questões diretamente suscitadas pelo recorrente independente. Tanto que, como observa Abrantes Geraldes (in “Ob. cit., pág. 125”) “o facto de o recurso principal se dirigir apenas ao modo como foi conhecido um dos diversos pedidos formulados, não afasta a possibilidade de a contraparte recorrer subordinadamente da decisão relativa aos demais.”

Numa outra formulação: não constitui causa para o não conhecimento do mérito do recurso a circunstância de o recorrente subordinado pretender discutir outra matéria – sobre a qual também foi proferida decisão que lhe foi desfavorável e até se integra no âmbito do recurso independente – para além da que contende com a sua condenação no pagamento de danos não patrimoniais ao autor.

Uma derradeira palavra para referir que a dedução de pedido subsidiário – cuja apreciação, por manifestação de vontade do recorrente, fica dependente do resultado do recurso interposto a título principal - no âmbito do recurso subordinado encontra arrimo no princípio do dispositivo que domina em matéria de recursos (e que, a título de exemplo, conhece uma manifestação no artº. 636º nºs. 1 e 2 do CPC, admitindo ao recorrido ampliar o objeto do recurso interposto pelo recorrente, ainda que subsidiariamente).

Diga-se, por último, que, mutatis mutandis, – e dado que os argumentos aduzidos para o efeito são, na sua essência, verossimilhantes -, se concluirá do mesmo modo no que concerne ao pedido formulado pela R. HPP (atualmente Lusíadas, SA.) no sentido de não ser admitido o sobredito recurso.

Perante o que se deixou exposto, e rematando – assim decidindo -, admitindo-se, como se admitiu, o recurso independente, é de admitir, também, o recurso subordinado apresentado pelo R. BB contra o autor e contra a ré HPP (agora Lusíadas, SA.) - ainda que se considere que o decaimento desse recorrente seja inferior a metade da alçada do tribunal da Relação (cfr. artº. 633º nº. 5 do CPC) -, excluindo-se, contudo, dele, ou seja, a sua admissão contra a interveniente principal Companhia de Seguros Fidelidade, SA. (antes Companhia de Seguros Mundial Confiança).

***

2. Do objeto dos recursos (independente e subordinado).

2.1 Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, e 679º do CPC).

Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

Importa, desde já deixar referido, que o A. enquanto na ação fundou as suas pretensões petitórios, para as quais veio requerer tutela judicial, em duas causas de pedir, consubstanciadas, por um lado, num alegado erro médico (por violação da legis artis, por parte de cada um dos réus BB e CC) e, por outro, na violação do dever de informação por parte daqueles para obtenção do seu consentimento relativamente às intervenções cirúrgicas a que se submeteu, ou seja, fundou também tais pedidos na falta de consentimento informado da sua parte para esse efeito.

Porém, no seu recurso de apelação para Relação, e à semelhança do que faz no presente recurso de revista, o autor restringiu expressamente o objeto e âmbito do seu recurso àquela segunda causa de pedir: inexistência de consentimento informado.

E é nessa medida, e à luz do estatuído a esse respeito pelo artº. 635º, nºs. 4 e 5, do CPC, que será definido objeto do recurso independente (e já agora também o do recurso subordinado do R. BB por virtude da referida restrição do objeto daquele), sendo o conhecimento das respetivas questões feito tão somente com base daquela 2ª. causa de pedir.

2.2 Ora, calcorreando as conclusões das alegações dos sobreditos recursos (independente – do A. - e subordinado - dos R.  BB), e respetivas contra-alegações, verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Do ónus de prova da prestação do consentimento informado/Do ónus da prova da exceção de comportamento alternativo lícito (recurso subordinado);

b) Da exclusão da compensação/indemnização por culpa do lesado (recurso subordinado);

c) Da condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos que futuramente possam vir a ser executados (recurso independente);

d) Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais (recurso independente e recurso subordinado);

e) Da condenação dos réus na devolução das quantias pagas (recurso independente)

f) Da responsabilidade da ré HPP/Lusíadas SA. (recurso subordinado).

***

3. Dos Factos.

Pelo tribunal a quo (TRP) foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se os termos da sua descrição, a ortografia, a ordem, a que constam do acórdão recorrido):

1 - A miopia é o nome comum dado ao erro de refracção da luz no olho, acarretando a focagem da imagem antes de atingir a retina.

2 - Um míope consegue ver os objectos próximos com nitidez, mas os distantes são visualizados como se estivessem embaçados (desfocados).

3 - O "Lasik" (acrónimo da expressão Laser-Assisted in Sito Keratomileusis) é um tipo de cirurgia laser refractiva realizada por oftalmologistas para correcção de patologias da visão, designadamente a miopia, o astigmatismo e a hipermetropia.

4 - No pré-operatório é essencial a realização de exames específicos, nomeadamente os seguintes: a. topografia corneana; b. pupilometria; c. paquimetria; e d. tonometria .

5 - A operação é efectuada pela criação de um "flap" (lamela; disco superficial) no olho, de forma a permitir a modelação dos tecidos corneais através de um laser de baixa potência.

6 - Usando a informação recolhida no pré-operatório, o computador calcula a quantidade e a localização do tecido corneal a ser removido durante a operação.

7 - Durante a operação o paciente está acordado, sendo-lhe colocadas nos olhos gotas anestésicas.

8 - Então, é aplicado no olho um anel de sucção da córnea, que tem por finalidade imobiliza o olho e permitir a criação do "flap" através de um microquerátomo mecânico.

9 - O "flap" fica preso à córnea por uma das suas extremidades e é dela separado, deixando visível e acessível o estroma, ou seja, a secção interna da córnea.

10 - Depois, utilizando um laser exímero (193nm), é remodelado o estroma corneal.

11 - O laser vaporiza o tecido de forma controlada, através da quebra das ligações intramoleculares, sem afectar significativamente o estroma adjacente.

12 - O tecido vaporizado é ínfimo, reduzido a mícrons de espessura.

13 - Após a separação do "flap" e durante a aplicação do laser, a visão do paciente permanece enevoada, podendo apenas ver a luz do laser.

14 - Depois da remodelação do estroma da córnea, o "flap" é recolocado sobre a zona tratada, onde permanecerá por adesão natural até a cicatrização estar completa.

15 - Após a intervenção, o paciente deve colocar no olho tratado gota antibióticas e antiinflamatórias,

por um período nunca inferior a 3 semanas, mas que poderá variar de acordo com as instruções do médico.

16 - É recomendado ao paciente o uso de óculos de sol e o evitar de luzes fortes, e são-lhe fornecidas umas palas críticas, para serem usadas durante o sono, de forma a evitar a afectação da zona tratada.

17 - O autor nasceu a .../.../1973 …

18 - ... E é ..., estando há vários anos inscrito no Conselho ....

19 - O réu "HPP - Norte, SA", dedica-se à prestação de serviço de saúde, nomeadamente através da exploração, no ..., do estabelecimento hospitalar denominado " Hospital da ...”.

20 - O réu BB é médico, especialista em oftalmologia, e, em 2005, prestava colaboração ao réu "HPP - Norte, SA".

21- A ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", dedica-se à prestação de serviços de saúde na área da oftalmologia.

22 - O réu CC é médico, especialista em oftalmologia, e, em 2005 e 2006, colaborava com a ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", com o esclarecimento que sempre foi o Director Clínico daquela.

23 - Na infância ao autor foi diagnosticada miopia, pelo que teve necessidade de usar óculos de forma permanente.

24 - Com o avançar da idade a miopia do autor aumentou de forma acentuada, associada ao próprio crescimento.

25 - Em Novembro de 2004, em consulta oftalmológica de rotina agendada no "Hospital dos Clérigos", então pertença do réu "HPP - Norte, SA", o autor registava 9,00 dioptrias (unidade de medida da potência de uma lente correctiva) no olho direito, e 8,50 dioptrias no olho esquerdo.

26 - Durante a espera para uma das diversas consultas que teve no estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor teve acesso a uma brochura sobre a correcção da miopia através de laser ("Lasik").

27 - Após analisar o folheto referido em 26-, o autor entendeu que o "Lasik" seria a solução para um dos seus maiores incómodos diários, o uso de óculos ou lentes de contacto, nada constando do folheto sobre qualquer efeito secundário ou complicações.

28 - Em Outubro de 2006 o réu "HPP - Norte, SA", distribuiu “newsletter” que incluía artigo intitulado "Laser de última geração no Hospital Privado …", no qual consta: «Esta cirurgia tem como objectivo a correcção de defeitos refractivos como a miopia, a hipermetropia e o astigmatismo, permitindo aos doentes uma visão de qualidade, sem a dependência dos óculos ou das lentes de contacto». E «embora existam outras técnicas cirúrgicas para correcção de defeitos refractivos, também utilizadas no Hospital, a técnica "Lasik" é a preferida na maior parte dos casos pelas vantagens que apresenta; os tratamentos são efectuados em ambulatório e com anestesia local, o procedimento é praticamente indolor, existe a possibilidade de tratamento bilateral simultâneo (os 2 olhos na mesma sessão), e há uma recuperação muito rápida da visão, permitindo que no dia seguinte o doente tenha, de um modo geral, uma acuidade que lhe permite restabelecer a sua vida normal».

29 - No documento referido em 28- nada é referido a propósito de complicações ou efeitos secundários, nem se incentiva à recolha de informação detalhada com o médico oftalmologista.

30 - Numa consulta que teve no estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor abordou a médica EE a propósito do tratamento com recurso à técnica "Lasik, que transmitiu ao autor que o médico no estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", responsável por esse tipo de tratamento era o réu BB, com quem deveria agendar consulta.

31- Na sequência, o autor agendou para ... de Dezembro de 2004, no "Hospital Privado ...", consulta com o réu BB, com vista a aferir da possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia, tendo o autor em vista abandonar em absoluto o uso de óculos ou lentes de contacto.

32 - Na consulta referida em 31- o réu BB transmitiu que teria de efectuar exames por forma a definir se era ou não bom candidato para ser submetido a tratamento com recurso à técnica "Lasik".

33 - Na sequência, o réu BB teve a oportunidade de realizar todos os exames que entendeu necessários à avaliação das características do autor (designadamente a topografia corneana, paquimetria, pupilometria, tonometria, a avaliação da acuidade visual e determinação da refracção do doente, mas não a aberrometria e a avaliação lacrimal), por forma a decidir da conveniência da realização da cirurgia refractiva.

34 - O autor questionou o réu BB quanto à possibilidade de realizar a intervenção cirúrgica de forma unilateral (um olho de cada vez), por forma a permitir-lhe não interromper totalmente a sua actividade profissional, ao que aquele réu declarou não existir qualquer obstáculo e que executaria a intervenção unilateralmente, apesar de ser adepto da cirurgia bilateral simultânea.

35 - Na sequência, o réu BB transmitiu ao autor alguns cuidados pré-operatórios que deveria observar (designadamente não utilizar lentes de contacto nos 8 dias anteriores às intervenções), e que a recuperação seria quase imediata, sem dores.

36 - Quanto às possíveis complicações resultantes da intervenção, o réu BB transmitiu ao autor, pelo menos, a eventualidade de ser necessário levar a cabo um "retoque", ou seja, em fase posterior novamente utilizar o laser para correcção de algo que não ficasse perfeito na primeira intervenção.

37 - O réu BB transmitiu ainda ao autor que, surgindo a necessidade de levar a cabo um "retoque", este apenas poderia ser realizado cerca de 3 meses após a intervenção originária, de forma a permitir a estabilização do olho e a conhecer- se a extensão da correcção necessária.

38 - O BB não transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.

39 - O autor confiou integralmente e sem reservas na capacidade profissional do réu BB (especialista em oftalmologia), e no prestígio do réu "HPP - Norte, SA", como instituição de referência na prestação de cuidados de saúde.

40 - Posteriormente, o autor foi telefonicamente informado, por uma funcionária administrativa do réu "HPP - Norte, SA", sob instruções do réu BB, que reunia as condições para a ser submetido a intervenção com utilização da técnica "Lasik", e que, quando entendesse, poderia proceder ao respectivo agendamento.

41 - Na sequência, ainda por via telefónica, em Abril de 2005 o autor agendou a intervenção para os dias 23 (olho direito) e 30 (olho esquerdo) de Maio de 2005.

42 - A ... de Maio de 2005, chegado ao estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor efectuou o pagamento da quantia de €2.000,00 como preço pelo tratamento a que ia ser submetido.

43 - Todos os contactos do autor com vista à prestação dos serviços referidos em 32- a 34- tiveram lugar directamente com o réu BB, nunca tendo o autor contactado com qualquer responsável social do réu "HPP - Norte, SA".

44 - A ... de Maio de 2005, no estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor foi submetido a intervenção ao olho direito com recurso à técnica "Lasik", realizada pelo réu BB.

45 - Após a intervenção, pelo réu BB foi transmitido ao autor que tudo correra normalmente, e que se deveria deslocar ao hospital, no dia seguinte, para ser acompanhada a evolução da intervenção.

46 - A ... de Maio de 2005, o autor novamente deslocou-se ao estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", tendo sido observado pelo réu BB, que lhe transmitiu que tudo estava a correr com normalidade, devendo regressar no dia 27 de Maio de 2005 para realização da intervenção ao olho esquerdo.

47 - A ... de Maio de 2005, regressado ao estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor queixou-se ao réu BB que a sua visão no olho já intervencionado (o direito) apresentava-se ainda bastante enevoada.

48 - Na sequência, após examinar o olho direito do autor, o réu BB verificou existirem pregas no "flap" (como se disse em 9-, a parte de tecido da córnea que é cortada e levantada para aplicação do laser).

49 - O réu BB transmitiu ao autor que as pregas referidas em 48- não possuíam relevância, e propôs realizar, como agendado, pelo menos, a intervenção ao olho esquerdo …

50 -... Ao que o autor se opôs …

51 -... Transmitindo ao réu BB que não permitiria a intervenção ao olho esquerdo enquanto a visão do olho direito não se apresentasse perfeita.

52 - O réu BB aceitou a posição do autor, agendando o dia 06 de Junho de 2005 para nova observação ao autor.

53 - A ... de Junho de 2005, o autor queixou-se ao réu BB que continuava a apresentar a visão enevoada no olho direito, e sentia que piorara a sua visão nesse olho.

54 - Na consulta referida em 53- o réu BB agendou para daí a pelo menos semanas nova data para observar o autor.

55 - No dia ... de Junho de 2005 o autor saiu bastante perturbado das instalações do réu "HPP - Norte, SA", preocupado com a situação do seu olho direito, apresentando diferença da acuidade visual entre os olhos de tal forma elevada que prejudicava a sua visão bilateral …

56 -... O que causou perturbação do descanso e da vida profissional e pessoal do autor.

57 - Já em Julho de 2005, através de diversos telefaxes, o autor solicitou ao réu esclarecimentos escritos sobre a situação, nomeadamente se iria recuperar a integral visão do olho direito, quais as razões para a visão enevoada do olho tratado, e sobre os procedimentos que iriam ser seguidos, ao que aquele réu jamais respondeu por escrito.

58 - Após o referido em 55- a 57-, o autor consultou outros oftalmologistas para aferir da sua situação, constatando que continuava a apresentar cerca de 2,00 dioptrias e pregas no retalho corneano do olho tratado.

59 - A ... de Agosto de 2005, o autor envia comunicação escrita à administração do réu "HPP - Norte, SA", descrevendo a sua versão da situação, informando que perdera confiança profissional no réu BB, e solicitando a devolução das quantias que havia pago (€ 2 000,00, acrescida de € 87,93 despendidos com exames e consultas).

60 - Em resposta à comunicação referida em 59-, o réu "HPP - Norte, SA", também por escrito remetido ao autor, datado de ... de Setembro de 2005, refutou as imputações feitas pelo autor.

61 - O réu "HPP - Norte, SA", acabou por restituir ao autor a quantia de € 1 000,00 referente apenas à intervenção não realizada ao olho esquerdo.

62 - Em Julho de 2005 o autor agendou consulta nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", na altura situadas na rua Gonçalo Sampaio, nº 271, visando informar-se sobre o actual estado clínico do seu olho direito e sobre as possibilidades de eventual correcção dos problemas que apresentava, com vista a alcançar a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto ...

63 -... Sendo a ... de Julho de 2005 atendido pelo réu CC.

64 - Antes do referido em 62- e 63- o autor jamais tinha tido contacto com os réus "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", e CC, que até então esconheciam o historial clínico do autor.

65 - Na consulta referida em 62- e 63- o autor descreveu ao réu CC a sua versão quanto ao tratamento a que havia sido submetido pelo réu BB, e expressou as queixas quanto ao que sentia.

66 - O réu CC, depois de efectuar os exames (designadamente a aberrometria, a tonometria, a caratometria e a medição da graduação, mas não o teste de lágrimas e a análise à sensibilidade de contraste) que entendeu necessários (tendo o autor pago o respectivo custo), transmitiu ao autor que não tinha de se preocupar, embora entendendo necessária a realização de "retoque" ao olho intervencionado.

67 - A forma descontraída, confiante e segura com que o réu CC falou com o autor transmitiu a este segurança que tudo correria pelo melhor e os problemas que sentia tinham solução breve e simples.

68 - O réu CC não transmitiu ao autor qualquer outra informação quanto a possíveis efeitos secundários permanentes da intervenção com recurso à técnica "Lasik", ou quanto à possibilidade de o autor não alcançar em toda a sua extensão a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto …

69 -... Nem transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.

70 - O autor confiou nas capacidades do réu CC enquanto médico especialista em oftalmologia, e na reputação que este e a ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro- Barraquer, SA", possuíam.

71 - A ... de Setembro de 2005, nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro- Barraquer, SA", o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao seu olho direito com utilização da técnica "Lasik", levada a cabo pelo réu CC, tendo pago € 1.192,00.

72- Nos dias subsequentes (designadamente a 15 e 30 de Setembro e 02 de Dezembro de 2005), o autor deslocou-se a diversas consultas de acompanhamento da intervenção, sentindo melhorias na visão do olho intervencionado.

73 -... Apesar de continuar a sentir enevoada a visão do olho direito.

74 - Na sequência, o réu CC, a 02 de Dezembro de 2005, transmitiu ao autor que seria necessário levar a cabo novo "retoque" ao olho direito.

75 - A ... de Janeiro de 2006, o autor foi submetido a terceira intervenção ao olho direito com recurso à técnica "Lasik".

76 - Todos os contactos do autor com vista à prestação dos serviços referidos em 71- a 75- tiveram lugar directamente com o réu CC.

77 - Não obstante as intervenções referidas em 71- e 75-, o autor continuou a não sentir melhorias na visão do seu olho direito, sentindo mesmo que a sucessão de intervenções piorou a qualidade de visão do olho direito.

78- O autor continuou a ser acompanhado pelo réu CC, que lhe propôs a realização de uma nova intervenção ao olho direito.

79 - A certa altura, o autor deixou de confiar no réu CC, entendendo que a situação estava fora do controlo deste …

80 -... A partir de ... de Março de 2006 abandonando o tratamento a que estava a ser sujeito.

81 - A intervenção cirúrgica com recurso à técnica "Lasik" apenas deve ser realizada quando o paciente mantenha estabilizado o grau de miopia durante certo período (pelo menos 1 ano).

82 - Em Dezembro de 2004, o autor registava 8,25 dioptrias no olho esquerdo.

83 - Em Julho de 2005, o autor registava 8,00 dioptrias no olho esquerdo.

84 - Em Dezembro de 2006, o autor deslocou-se ao "Centro de Oftalmologia Barraquer", em Barcelona, onde foi observado pelo Dr. DD, que transmitiu ao autor que, em sua opinião, o autor não deveria ter sido submetido a intervenção cirúrgica aos olhos com recurso à técnica "Lasik".

85 - A técnica "Lasik", em Portugal, é utilizada há cerca de 15 anos (tendo por referência à data da propositura da acção).

86 - Caso o autor tivesse tido consciência que a intervenção cirúrgica com recurso à técnica "Lasik" não eliminaria a sua necessidade de recorrer ao uso de óculos e lentes de contacto, ou que originaria halos, "starbusts" e clarões, e dificuldades na visão nocturna sem correcção, teria decidido não submeter-se às intervenções referidas em 44-, 71- e 75-.

87 - A realização de intervenção cirúrgica com utilização da técnica "Lasik" pode causar no paciente os seguintes efeitos, pelo menos, independentemente dos concretos meios empregues e da concreta prestação do médico oftalmologista:

a. Hipocorrecção ou hipercorrecção;

b. Astigmatismo irregular;

c. Perda de acuidade visual corrigida;

d. Diminuição da visão nocturna, halos, clarões e starbusts;

e. Diminuição do contraste visual;

f. Crescimento epitelial sob o "flap";

g. Infecção e ulceração do "flap";

h. Infecções oculares;

i. Síndrome de olhos secos;

j. Sensibilidade à luz;

k. Regressão da acuidade visual;

l. Regressão do resultado com a idade;

m. As imperfeições refractivas (miopia, astigmatismo e hipermetropia) que o paciente apresenta podem não ser corrigidas de forma total.

88 - Actualmente, o autor apresenta:

a. Astigmatismo irregular da córnea do olho direito;

b. Anisometropia (decorrente da grande diferença entre o erro refractivo dos 2 olhos, causador de diferenças entre a percepção do tamanho e nitidez, e sobrecarregando o cérebro, daí decorrendo sintomas como cefaleia, fotofobia, prurido, etc);

c. Visão bilateral apenas com o uso de lente de contacto no olho esquerdo. Na impossibilidade de uso de lente (por inflamação ou cansaço) o autor perde a visão biocular, tendo de recorrer a óculos no olho esquerdo e colocar uma pala no olho direito;

d. Aniseiconia (disparidade do tamanho da imagem fornecida pelos 2 olhos);

e. Problemas na visão ao perto, no olho tratado, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo;

f. Noção alterada e oscilante das distâncias e da orientação físico-espacial, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo;

g. Surgimento de células epiteliais por baixo da córnea do olho direito, com o esclarecimento que tal não interfere com a visão do autor;

h. Acuidade visual de 9/10, no olho direito, com correcção óptica (-0.25-0.50x10), constatada em Setembro de 2016.

89 - Actualmente, o autor queixa-se de:

a. Blur matinal no olho direito (olho nublado ao acordar durante pelo menos 1 hora);

b. Halos, starbusts e clarões perturbadores da visão nocturna, designadamente na condução, na visualização de imagens da televisão, no uso de computador - em todas as situações de baixa luminosidade ou em que o objecto a visualizar possua iluminação própria;

c. Sensibilidade extrema à luz no olho direito.

90 - Devido ao referido em 88- e 89-, o autor:

a. Em sua casa, alterou a configuração da sala de estar, e aumentou o diâmetro das televisões que aí possui;

b. No escritório, aumentou os pontos de luz e o diâmetro do monitor do seu computador;

c. Evita trabalhar à noite;

d. Evita conduzir à noite.

91 - Toda a situação acima descrita causou ao autor angústia, desconforto com a sua visão, revolta, ansiedade e depressão, levando-o a procurar auxílio médico e medicamentoso.

92 - Na consulta referida em 63-, a ... de Julho de 2005, o autor apresentava uma acuidade visual no olho direito, sem correcção, de <1/10, e, com correcção, de 35º -1.00 - 1,75 = 10/10.

93 - Nas várias consultas de acompanhamento a que se submeteu junto do réu CC (referidas em 72-), o autor apresentou a seguinte acuidade visual no seu olho direito:

a. a 15 de Setembro de 2005, sem correcção, de 9/10, e, com correcção, de 0,25 = 10/10;

b. a 30 de Setembro de 2005, sem correcção, de 9/10, e, com correcção, de 20º - 0,50 + 0,50 = 10/10;

c. a 02 de Dezembro de 2005, sem correcção, de 9/10, e, com correcção, de 5º - 1,00 + 0,50 = 10/10;

d. a 19 de Janeiro de 2006, sem correcção, de 10/10, e, com correcção, de 20º -1,00 + 0,25 = 10/10

e. a 20 de Janeiro de 2006, sem correcção, de 10/10, e, com correcção, de 90º - 0,25 = 10/10;

f. a 31 de Março de 2006, sem correcção, de 7/10, e, com correcção, de 0º - 0,25 + 1,50 = 10/10.

94 - A anisometropia, a visão bilateral apenas com o uso de lente de contacto no olho esquerdo, a aniseiconia, os problemas na visão ao perto, no olho tratado, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo, e a noção alterada e oscilante das distâncias e da orientação físico-espacial, quando não utiliza lente de contacto no olho esquerdo, referidos em 55- e 88-, decorrem de o autor não ter sido operado ao olho esquerdo, anomalias que se resolvem com recurso a lente de contacto ou cirurgia.

95 - Em 2004 e 2005, o réu BB exercia as funções de coordenador do serviço de oftalmologia do réu "HPP - Norte, SA", trabalhando em regime de prestação de serviços.

96 - No decurso da consulta referida em 30- a médica EE informou o autor sobre a possibilidade de a eficácia do tratamento com recurso à técnica "Lasik" regredir com o decurso do tempo e de a intervenção poder gerar fotofobia e síndrome de olho seco.

97 - Na consulta referida em 30- o autor apresentava 9,00 dioptrias de miopia e 0,50 dioptrias de astigmatismo no olho direito, e 8,50 dioptrias de miopia e 1,00 dioptria de astigmatismo no olho esquerdo.

98 - Na consulta referida em 31- o réu BB confirmou os valores de miopia e astigmatismo que o autor apresentava nos 2 olhos, verificando apenas alteração no olho esquerdo (de 8,50 para 8,25 dioptrias) relativamente ao exame realizado na consulta referida em 30-.

99 - Após a intervenção referida em 44- o réu BB informou o autor que durante algumas semanas deveria colocar no olho operado gotas antibióticas e antiinflamatórias, lágrimas artificiais, utilizar óculos de sol, não esfregar o olho, e dormir com protector ocular.

100 - Na consulta referida em 46- o autor apresentava acuidade visual de 5/10 sem correcção, e avaliação biomicroscópica óptima do olho intervencionado.].

101 - As pregas no "flap" referidas em 48- podem decorrer do facto de o paciente esfregar o olho intervencionado, ou da não colocação do protector ocular pelo paciente, e podem estar associadas a elevado número de astigmatismo miópico prévio.

102 - A ... de Junho de 2005 o réu BB diagnosticou ao autor uma regressão da miopia ou hipocorrecção, o que poderia justificar a necessidade de «retoque» (nova intervenção com recurso à técnica "Lasik" para eliminar a miopia residual).

103 - ... Propondo observar o autor em data posterior, para então efectuar novos exames e agendar a intervenção de "retoque".

104 - Segundo a pupilometria levada a cabo pelo réu BB, era de menos de 7 mm o diâmetro das pupilas do autor.

105 - Nos exames que levou a cabo o réu BB não detectou qualquer aberração ocular.

106 - Em Portugal e internacionalmente, a técnica "Lasik" é utilizada há cerca de 15 anos (tendo por referência a data da propositura da acção), existindo estudos quanto à sua taxa de sucesso e quanto aos seus efeitos secundários.

107 - Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., a interveniente “Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA", assumiu a obrigação de indemnizar por danos causados a terceiros no âmbito da exploração da actividade a que se dedica o réu "HPP Norte, SA".

108 - Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., celebrado com a Ordem dos Médicos, a interveniente "AMA - Agrupacion Mutual Aseguradora - Sucursal em Portugal" assumiu a obrigação de indemnizar por danos causados a terceiros na sequência de actos de médicos no exercício da sua profissão, com início de vigência a 01 de Janeiro de 2007.

109 - Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., a interveniente "AXA - Companhia de Seguros, SA", assumiu a obrigação de indemnizar por danos causados a terceiros no âmbito do desenvolvimento pelo réu BB da sua actividade profissional como médico oftalmologista.


***


4. Quanto à 1ª. questão.

- Do ónus de prova da prestação do consentimento informado/Do ónus da prova da exceção de comportamento alternativo lícito. (recurso subordinado)

Começa o recorrente subordinado BB por peticionar a sua absolvição dos pedidos formulados na ação, considerando que a decisão recorrida fez errada apreciação dos factos e inexata aplicação da lei ao decidir que cabia ao recorrente subordinado (médico) e não ao recorrido/autor fazer a prova de qual seria a sua decisão (consentimento ou não consentimento) se tivesse sido adequadamente informado/esclarecido. Segundo a sua perspetiva, incumbia ao autor a prova de que se fosse informado dos riscos não teria dado o seu consentimento – sendo que, perante o fracasso probatório do demandante nesta matéria, se deve entender que aquele tomaria a mesma decisão de efetuar o tratamento “Lasik” no caso de os resultados que se vieram a concretizar serem apenas prováveis.

Antes, porém, de respondermos a essa questão concreta que nos foi colocada, impõe-se uma alusão teórica à temática do direito ao consentimento informado por parte dos pacientes relativamente aos atos médicos a que se submetem.

É insofismável que o caso dos autos, sobre o qual foi pedido a intervenção do tribunal como vista a sua apreciação, se enquadra no âmbito da chamada responsabilidade civil médica.

Responsabilidade essa que se enquadra civilmente no instituto da responsabilidade civil, tanto contratual, como delitual, podendo existir um concurso (real ou aparente) de ambas as responsabilidades (numa relação de cumulação ou de autonomização de causas de pedir).

Na situação de concurso, o Código Civil é omisso sobre esta matéria, muito embora Vaz Serra (BMJ nº. 85, pág. 115 e ss.). houvesse equacionado o problema nos trabalhos preparatórios, no sentido de conferir ao lesado a possibilidade de optar por um ou outro regime e até de cumular regras de uma e outra modalidade da responsabilidade.

Segundo a teoria da opção, o lesado pode escolher uma das duas responsabilidades, sendo que para os defensores a teoria da consunção o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual.

Porém, vendo constituindo entendimento prevalecente neste Supremo Tribunal a opção pelo regime da responsabilidade contratual, quer com o fundamento de ser o mais conforme com o princípio da autonomia privada, quer por ser, em regra, aquele que é mais favorável à tutela efetiva do lesado (cfr., entre outros, a esse propósito, Ac. do STJ de 22/03/2018, proc. 7053/12.7TBVG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Nesse contexto, e em tese geral, cabe ao autor a alegação e prova dos seguintes elementos: (i) a existência de vínculo contratual; (ii) o incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico; (iii) a verificação dos danos; (iv) o nexo de causalidade entre a violação das legis artis e os danos.

Diga-se ainda, que é mais ou menos consensual entendimento de que, em regra, a obrigação do médico é havida como uma obrigação de meios, e não de resultado (vide, a esse propósito, para a distinção, por ex., Ricardo Ribeiro, in “Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado, pág. 20 e ss.”), em que o devedor se obriga apenas a desenvolver uma atividade diligente com vista ao resultado final, muito embora no âmbito da cirurgia estética haja quem a qualifique como obrigação de resultado, ou “de quase resultado”, dado mesmo nesses casos não olvidar-se da “álea” que sempre poderá influir nos serviços médicos, apesar do constante avanço da ciência. (Cfr., a esse propósito, entre outros, Acs. do STJ 26/4/2016, e de 15/11/2012, 17/12/2009 disponíveis em www.dgsi.pt).

Porém, importa não perder de vista que, dada a restrição que o A. fez do objeto do seu recurso (nos termos que acima deixámos assinalados) responsabilidade médica de que aqui se discute circunscreve-se tão somente à inexistência de consentimento informado, ou seja, as pretensões para as quais aquele requer agora tutela judiciária têm unicamente como causa de pedir a falta de consentimento informado, isto é, a violação do dever de informação para que o A. pudesse prestar um consentimento (esclarecido) sobre as intervenções médicas a que fui submetido.

E foi também já somente com base nessa causa de pedir que o tribunal recorrido apreciou/analisou o caso e decidiu, com o fundamento de tal dever de informação/esclarecimento não ter sido integral ou cabalmente respeitado/cumprido - e depois ter considerado preenchidos os demais pressupostos legais da sobredita responsabilidade civil -, julgar a ação parcialmente procedente, condenando os réus médicos a indemnizar o A. a título de danos não patrimoniais, nos termos do segmento decisório que supra deixámos transcrito.

A ação de responsabilidade civil médica pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 24/10/2019, proc. 3192/14.8TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Enquanto que na primeira situação de causa de pedir, com as regras de arte se visa salvaguardar a saúde e a vida do paciente, já na segunda o bem jurídico tutelado é o direito à autodeterminação nos cuidados de saúde.

Tem-se entendido que a obrigação de informação também constitui elemento essencial da legis artis (em sentido amplo), decorre do princípio geral da boa fé e como fonte de especiais deveres integrantes do contrato, cuja amplitude e intensidade é variável de caso para caso, assumindo, porém, autonomia, visto que esta particular regra de comportamento médico visa a tutela da autodeterminação (vide, por ex., Mariano Alonso Perez, in “ La relación médico-enfermo pressuposto de responsabilidade civil em torno a la “lex artis”, em Perfiles de la Responsabilidad Civil en el Nuevo Milenio, 2000, pág. 14 e ss.”; e Vera Raposa, in “Do ato médico ao problema jurídico, 2014, pág. 14 e ss.”).

Compreende-se a importância da informação, pois o consentimento do paciente (livre e esclarecido) é um dos requisitos da licitude da atividade médica, mas o seu conteúdo é “elástico” (Ac. do STJ de 9/10/2014, proc. nº 3925/07.9TVPRT, disponível em www.dgsi.pt), pelo que terá, além do mais, de adequar-se às especificidades de cada caso.

E daí que se tenha entendido que a informação e o consentimento do paciente não devam ser prestados de forma genérica (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 22/03/2018, proc. 7053712.7TBVNG.P1.S1, disponível em www.dgsii.pt).

O dever de informação e o consentimento informado têm consagração legal, nomeadamente, na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (publicada no DR 1ª Série de 03/01/2001), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artº. 3º), na CRPort. (artºs. 25º e 26º), no artº. 70º do Cód. Civil (direito geral de personalidade), no Código Deontológico da Ordem dos Médicos (artºs. 44º e 45º), e na Lei de Bases da Saúde (Lei nº. 48/99 de 24/8, alterada pela Lei nº. 27/2002 de 8/11).

E daí que constitua hoje entendimento incontroverso que sobre o médico recai um dever de informação e de obtenção de consentimento informado, sendo que o consentimento obtido só será valido se for livre e esclarecido. Dever que surge para neutralizar (ainda que sem eliminar) a assimetria de informação que tipicamente caracteriza a relação médico-paciente (cfr. Rute Teixeira Pedro, in “A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado - Centro de Direito Biomédico, número 15, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 78.”).

Dever de informação esse – que perdura ao longo de toda a relação contratual – que deve obedecer cumulativamente aos princípios da simplicidade e da suficiência, visando o esclarecimento.

João Vaz Rodrigues (in “O consentimento informado para o ato médico no ordenamento jurídico português - elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente -, número 3, Centro de Direito Biomédico, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, pág. 243”) após repudiar a necessidade de o agente médico transmitir informação que abarque quaisquer consequências excecionais que possam ocorrer, salienta não serem de desprezar “as informações sobre sequelas que, embora excecionais, possam ocorrer em consequência dos meios técnicos utilizados, ou ter especial interesse para o paciente, atendendo, por exemplo, à sua profissão ou aos seus interesses.”

No mesmo sentido aponta também o prof. TEIXEIRA DE SOUSA (in “O ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, “Direito da Saúde e Bioética, edição da AAFDL”) ao referir que “a obrigação médica envolve um dever principal – o dever de promover ou restituir a saúde ao doente, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida do doente – que é acompanhada por vários deveres acessórios, entre os quais, o de esclarecer o doente e de obter o seu consentimento, sendo que o desrespeito de qualquer destes deveres constitui o médico em responsabilidade civil.”

Como já acima deixámos referido, sendo o dever de informação um dos requisitos da licitude da atividade médica, todavia, o seu conteúdo é “elástico”, não sendo (como se escreveu no acórdão deste Tribunal de 09/10/2014) “(…) igual para todos os doentes na mesma situação. (…). “

Haverá, assim, que indagar caso a caso, se esse dever foi cumprido, pois a sua afirmação variará em função de cada situação concreta.

No que concerne ao ónus da prova do consentimento - questão que como vimos, aqui se suscita –, vem constituindo entendimento que, – como já ressalta do que se deixou exposto -, se nos afigura ser o mais atual (na sequência dos princípios que supra deixámos expressos) e dominante - e ao qual aderimos –, o mesmo recai sobre o médico ou a instituição de saúde, uma vez que o consentimento funciona como causa de exclusão da ilicitude e a adequada informação é pressuposto da sua validade, logo matéria de exceção, como facto impeditivo (nº. 2 do artº. 342º do CC).

Com efeito, como dá conta André Dias Pereira ainda que a moderna doutrina aceite “dentro de um apertado enquadramento, que o lesante se possa defender invocando a exceção de comportamento alternativo lícito” “o ónus da prova deve impender sobre quem se pretende fazer valer de um «facto impeditivo do direito invocado» (art. 342º, n.º 2, do C. Civil), ou seja, o médico. Como vimos, para o doente tratar-se-ia da prova de factos negativos (provar que não teria aceite a intervenção médico-cirúrgica, caso tivesse sido devidamente informado). Por outro lado, porque podemos considerar as normas que exigem o esclarecimento (art. 157º do Código Penal) como disposições legais de proteção e, deste modo, a doutrina entende haver uma inversão do ónus da prova (in “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Civilísticas apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012, págs. 435/437”, acessível emhttps://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31524/1/Direitos%20dos%20pacientes%20e%20responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf).

Em reforço do que afirmámos, e em idêntico sentido, permitimo-nos citar o recente acórdão deste Tribunal de 08/09/2020 (proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), quando a dado passo afirma “(…) Compete à instituição de saúde – e/ou médico – provar que, mesmo que houvesse cumprido corretamente os seus deveres de informação, o paciente se teria comportado do mesmo modo, tomando a mesma decisão. Não deve admitir-se a invocação da figura do consentimento hipotético quando estejam em causa violações graves dos deveres de conduta da instituição de saúde – e/ou do médico –, como sucede quando aquela omite informações fundamentais ou essenciais para a autodeterminação do paciente.”

E ainda o acórdão deste mesmo Tribunal de 02/06/2015 (proc. nº. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) quando afirma, a dado momento, que “(…) o ónus da prova do consentimento hipotético, doutrina oriunda da jurisprudência alemã, pertence ao médico  (…)”. Na mesma linha vejam-se ainda, entre outros, André Dias Pereira (“in “O consentimento informado na Relação Médico-Paciente, pág. 194”), Vera Raposo (in “Ob. cit., pág. 242 e ss.) e o Ac. do STJ de 26/11/2020 (proc. 21966/15.0T8PRT.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt.)

A esse propósito, discorreu-se, além do mais, no acórdão recorrido nos seguintes termos. “Não estando provado que a cirurgia em causa determina sempre a necessidade de o paciente continuar a fazer uso de óculos e/ou que causa sempre os efeitos indesejados assinalados (o que torna o facto provado irrelevante porque ele se refere à certeza), pode questionar-se se cabia ao autor provar que caso fosse informado dos riscos possíveis (de haver a possibilidade de se verificar um resultado que veio a ocorrer) não teria dado o consentimento ou, ao invés, cabia aos réus demonstrar que o autor daria o seu consentimento mesmo que tivesse essa informação. Por outras palavras, a questão de saber contra quem retirar consequências de não ter ficado provado o que faria o autor se tivesse sido confrontado com os riscos possíveis da cirurgia (com a possibilidade, não a certeza de eles ocorrerem): artigos 414.º do Código de Processo Civil e 346.º do Código Civil, segunda parte. A nosso ver, o ónus da prova recai sobre os réus. São os réus que têm a necessidade de demonstrar que a afectação da integridade física do autor pelas intervenções que realizaram é, afinal, lícita por existir uma causa de exclusão da ilicitude congénita a intervenções dessa natureza (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)11. A demonstração do consentimento serve essa finalidade, mas como para possuir tal alcance o consentimento necessita de revestir determinadas qualidades a demonstração terá de abarcar estas qualidades (ter sido precedido dos esclarecimentos e informações adequadas para a tomada de uma decisão livre e consciente). Se é suscitada a questão do consentimento hipotético, cabe ao autor do acto médico fazer a demonstração dos respectivos elementos constitutivos. Por isso, o facto provado (e a decisão de julgar não provado o outro facto) não é suficiente para excluir a ilicitude da actuação dos réus”.

A argumentação expendida pela decisão recorrida está em consonância com aquilo que se supra se deixou expresso, fazendo, a nosso ver, uma correta subsunção do direito aos factos, pelo que, não merece, a esse respeito, qualquer censura.

O recorrente subordinado não se pode prevalecer, assim, da existência de um “comportamento lícito alternativo”, uma vez que fracassou na demonstração da sua existência. Com efeito, ao contrário do que parece sugerir o recorrente, a circunstância de o autor ter sido previamente advertido, por outro médico oftalmologista, acerca dos riscos de regressão dos efeitos da cirurgia e da causação de fotofobia e de síndrome de olho seco, não permite concluir que, caso o autor tivesse sido adequadamente informado sobre os riscos que se vieram a materializar nos danos sofridos e atinentes a “blur” matinal no olho direito e halos “starbusts” e clarões perturbadores da visão noturna (cfr. ponto 89 dos factos provados), não se teria abstido de se submeter à intervenção em crise. E isto porque estes danos exorbitam, ou pelo menos parecem exorbitar, os riscos de regressão dos efeitos da cirurgia e da causação de fotofobia e de síndrome de olho seco que lhe foram comunicados.

Diga-se mesmo - embora em boa verdade não esteja diretamente aqui em causa neste recurso - que, à luz dos factos apurados, se concorda com a conclusão a que o tribunal recorrido chegou sobre a violação por parte dos RR. BB e CC do dever de informação a que estavam obrigados, ou seja, por esse dever não ter sido integral ou cabalmente respeitado/cumprido por eles, numa violação, em síntese, consubstanciada/concretizada por não terem informado/esclarecido adequada e/ou suficientemente o A. sobre todos os riscos e efeitos secundários (permanentes) que poderiam advir da intervenção cirúrgica a que o submeteram, ou mesmo sobre as técnicas alternativas existentes (vg. o Lasik personalizado ou a implantação de lente intra-ocular) ou ainda mesmo da possibilidade de não alcançar em toda a extensão a aptidão da sua visão se recurso a óculos ou lentes de contacto - cfr., nomeadamente, os pontos 38, 68 e 69 dos factos provados -, sendo certo ainda que ficou também provado (cfr. ponto 86), que caso o autor tivesse tido consciência que a intervenção cirúrgica com recurso à técnica "Lasik" não eliminaria a sua necessidade de recorrer ao uso de óculos e lentes de contacto, ou que originaria halos, "starbusts" e clarões, e dificuldades na visão nocturna sem correcção, teria decidido não submeter-se a tais intervenções médicas realizadas pelos aludidos RR. médicos. E daí que não obstante o A. ter dado o seu consentimento para tais intervenções, ele não poderá, in casu, considerar-se válido.

Não há, pois, que, no domínio dogmático da causalidade, afastar a imputação do nexo causal à conduta omissiva do aqui recorrente de prestação do dever de informação para obtenção do consentimento informado por parte autor, pelo que, e verificando-se os demais pressupostos acima referenciados da responsabilidade civil médica, improcedem os pontos 5 a 10 das suas conclusões de recurso.


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5. Quanto à 2ª. questão.

- Da exclusão da compensação/indemnização por culpa do lesado (recurso subordinado).

Prossegue o recorrente subordinado, aduzindo que a decisão recorrida fez uma inexata aplicação do artº. 570º nº. 1 do Código Civil, ao desconsiderar que o recorrido/autor não permitiu ao recorrente médico concluir o tratamento ao olho direito que foi intervencionado, concluir o tratamento a intervenção ao olho esquerdo e, bem assim, o tratamento na sua globalidade (a intervenção aos dois olhos, com eventual necessidade de retoque). A ponderação desta facticidade, em conjugação com a circunstância de a intervenção realizada pelo réu BB ter redundado numa melhoria significativa da acuidade visual do autor (expressa na redução quase total da miopia e na redução do astigmatismo) deveria ter levado o tribunal “a quo” a excluir a compensação do demandante.

Apreciemos.

A decisão recorrida, após ter considerado que sem a obtenção do consentimento do paciente, em decorrência da omissão do dever de informação, a afetação da integridade física e psíquica daquele é ilícita, constituindo um si mesmo um dano real, debruçou-se sobre a extensão de tal dano. Nesta sede, o tribunal a quo ponderou adequadamente a omissão de colaboração do recorrido-autor necessária à execução da prestação a cargo do médico, considerando ter resultado adquirido que praticamente todas as sequelas das intervenções que o autor apresenta (indicadas no ponto 88 da factualidade assente) decorrem de este não ter sido operado ao olho esquerdo, numa escolha que foi sua (sendo determinada, alegadamente, por perda de confiança no médico).

Concluiu o acórdão recorrido a este respeito: “a ponderação judiciosa da globalidade destas circunstâncias, como vimos variadas e com distintas repercussões quer ao nível da imputabilidade quer dos resultados, não justifica, a nosso ver, a exclusão da indemnização (não se justifica deixar de censurar o comportamento dos réus), mas justifica uma redução da mesma a um valor baixo por ser notório que o comportamento desconfiado do autor, de não colaboração e de rompimento com os planos programados acabou por ter forte influência no resultado produzido. Por tudo isso, afigura-se-nos que a indemnização dos danos não patrimoniais, que corresponde ao pedido da alínea b), deve ser fixada com base na equidade, mostrando-se adequado o valor de 3.500€ (três mil e quinhentos euros) por cada acto ilícito.”

Acompanhamos a posição expendida pelo tribunal recorrido (TRP). Com efeito, ainda que o autor haja contribuído causalmente para o resultado danoso, ao ter abandonado prematuramente o acompanhamento médico e ao obstaculizar a realização de intervenções que, com probabilidade, iriam neutralizar grande parte das sequelas por si sentidas (e que, em grande medida, redundam da circunstância de o olho esquerdo não ter sido sujeito a qualquer intervenção e não terem sido feitas as admitidas/previstas correções ao olho direito), tal facto não faz obnubilar a circunstância de se ter verificado por parte do recorrente subordinado uma violação do dever de informação gerador, de per se, de uma perda da liberdade de autodeterminação por banda do autor.

Assim, adquirido que se encontra que “a responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, pode radicar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do ato médico” (cfr. Ac. do STJ de 24/10/2019, supra citado), a subsistência dos danos por causa eventualmente imputável ao lesado ou a melhoria da acuidade visual do olho intervencionado não obliteram a circunstância de ter existido uma lesão do direito de autodeterminação do paciente (pois que a informação transmitida ao mesmo, nomeadamente sobre a os riscos que poderiam advir da intervenção e particularmente sobre as alternativas existentes à técnica utilizada na intervenção, não foi feita ou pelo menos de forma cabal e/ou adequada por forma a permitir-lhe um consentimento esclarecido), que radica no direito geral de personalidade. O que não permitirá excluir, de todo, a atribuição de uma compensação/indenização pela causação de danos não patrimoniais ao autor, nos termos do preceituado no artº. 570º nº. 1 do CC.


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6. Quanto à 3ª. questão.

- Da condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos que futuramente possam vir a ser executados (recurso independente).

A contribuição causal do autor para a subsistência dos danos que, na sua expressão maioritária, constituem decorrências do facto de o demandante não ter sido operado ao olho esquerdo (e não ter mesmo permitido que tivessem sido feitas as admitidas/previstas correções ao olho direito) por ter abandonado o acompanhamento médico deverá, no entanto, e salvo melhor opinião, conduzir à improcedência do pedido de condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos que futuramente possam vir a ser executados.

Com efeito, na linha do entendido pelo tribunal recorrido, crê-se que o autor omitiu a colaboração necessária à execução da prestação a cargo dos médicos, impedindo o réu BB de, através da competente reconstituição natural (artº. 566º do Cód. Civil), eliminar as consequências indesejadas da intervenção e obstando, do mesmo modo, a que o réu CC regularizasse a situação do olho direito (ainda que, neste caso, a conduta do autor possa porventura encontrar alguma justificação, nos termos da decisão recorrida, uma vez que a regularização do olho não foi alcançada após a realização de duas intervenções quando apenas uma havia sido acordada).

Recorde-se que, como sublinhado pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 07/02/2008 (proc. nº. 4598/07, disponível em www.dgsi.pt), a respeito de outra temática, “(…) III - A “culpa do lesado” não interfere com a culpa do agente, designadamente diminuindo-a, limitando a sua intervenção aos efeitos indemnizatórios da responsabilidade do lesante, actuando apenas sobre o montante a ressarcir. IV - Para que o evento deva considerar-se imputável ao lesado, não é necessário o concurso de um facto ilícito ou mesmo necessariamente culposo do lesado, censurável a título de culpa no sentido técnico-jurídico contido no art. 487.º CC, bastando que o facto (censurável/”culposo”), livre e consciente, deva ser “atribuível” a actuação do próprio lesado, em termos de auto-responsabilização (…).”

Desse modo, e independentemente do juízo a efetuar quanto à previsibilidade dos danos futuros alegados, a avaliação integrada da situação decidenda leva-nos a concluir que a conduta imputável ao autor – ainda que não culposa, em termos de dolo ou negligência - de recusa de sujeição a ulteriores intervenções cirúrgicas (com vista à resolução dos problemas e que estavam incluídos no planos inicial), sendo, de acordo com um critério de causalidade adequada, pelo menos concausal da subsistência das anomalias do olho direito deverá, nos termos do disposto no artº. 570º nº. 1 do Código Civil, repercutir-se negativamente na indemnização em causa, conduzindo à sua exclusão.

E daí que, a nosso ver, se mostre justificada a decisão do tribunal a quo de não lhe atribuir por esse eventual (pois, à luz dos factos apurados, não é certo, e nem sequer se apresenta, neste momento, como altamente previsível) dano qualquer indemnização.


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7. Quanto à 4ª. questão.

- Do “quantum” indemnizatório pelos danos não patrimoniais (recurso independente e recurso subordinado).

O tribunal recorrido decidiu condenar cada um dos aludidos réus médicos a pagar ao autor uma indemnização na quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais vencidos a partir da data da prolação do acórdão (data à qual foi atualizado o montante) e até ao seu integral pagamento.

Discordando desse montante, enquanto o A., na sua essência, defende o mesmo dever elevar-se para o montante global de € 200.000,00 (a suportar em partes iguais por cada um dos aludidos RR.), já o recorrente subordinado (o R. BB) defende que não sendo (como não foi, conforme atrás ficou decidido) essa indemnização excluída, então o seu montante não deve ir além dos € 1.000,00 (por cada um dos R. médicos).

Apreciando.

Importa começar com uma nota introdutória para sublinhar que, ao contrário do afirmado pelo autor/recorrente, a circunstância de o tribunal recorrido ter liquidado o valor da indemnização em crise, não obstante a dedução de um pedido genérico ou ilíquido (o autor peticionou a condenação dos réus no pagamento de compensação pelos danos não patrimoniais, a liquidar em decisão ulterior) não configura qualquer violação a princípio do dispositivo, na vertente do princípio do pedido.

A verificar-se tal situação, estaríamos perante uma nulidade por condenação em objeto diverso do pedido (artº. 615º, nº. 1 al. e), ex vi artº. 666º, nº. 1, ambos do CPC), nulidade essa que não foi objeto de expressa alegação/invocação por parte do recorrente/independente.

De qualquer forma, apenas se justificaria, na sequência da dedução de um pedido ilíquido, a prolação de uma condenação de teor genérico, nos termos do preceituado no artº. 609º nº. 2, do CPC, caso o tribunal não dispusesse de elementos para fixar o objeto da indemnização. Ora, no caso ajuizado, o tribunal a quo entendeu já dispor dos elementos indispensáveis a quantificar, com apelo à equidade (como, aliás, não poderia deixar de ser), a indemnização por danos não patrimoniais. Daí que, não obstante a falta de oportuna liquidação incidental (artº. 358º e seguintes do CPC), a condenação proferida não tenha sido de teor genérico, mas de um conteúdo específico.

O recorrente não se insurge – compreensivelmente - contra o facto de o tribunal recorrido ter atribuído uma indemnização de valor superior ao montante a liquidar (cenário em que se poderia equacionar uma violação do princípio do pedido, por condenação em quantidade superior ao peticionado), mas contra a circunstância de a prolação de tal decisão de teor específico ter impedido “a total alegação da amplitude dos factos.”

Ora, o incidente de liquidação visa tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento o devedor já foi condenado por prévia decisão judicial, cabendo ao credor o ónus de alegar (e provar) os factos necessários à quantificação dos danos a liquidar. No entanto, nesse incidente, e como sublinhou o acórdão deste Supremo Tribunal de 30/01/2003 (proc. nº. 02B4456, disponível em www.dgsi.pt), não é admissível ao credor “demonstrar que teve determinados prejuízos e qual o seu montante; é apenas permitido alegar e provar o montante dos prejuízos cuja existência ficou demonstrada” previamente.

No caso, o autor não poderia, como parece pretender em primeira linha, em incidente de liquidação ulterior, alegar factos novos integrantes dos danos não patrimoniais, ampliando a causa de pedir ao arrepio do disposto no artº. 265º do CPC - até porque não ficou demonstrada a existência de danos futuros -, mas tão só liquidar tais danos através da competente quantificação.

A prolação de uma sentença de condenação de teor específico, contendo-se no âmbito do pedido formulado pelo recorrente (que o mesmo acabou, como vimos, por liquidar na presente sede) não padece, assim, de qualquer vício, soçobrando, nessa medida, o pedido do autor de reenvio do processo para a primeira instância por forma a ser fixada a indemnização pelos danos não patrimoniais.

Aqui chegados, é altura de partir para a quantificação dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência da conduta dos RR. médicos.

Em termos gerais, e como resulta do artº. 562º do CC, o objetivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.

Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar, então, a indemnização em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1, do CC).

É precisamente o que acontece no caso em apreço destes autos, com os danos de natureza não patrimonial que o A. invoca ter sofrido, e cujo direito de indemnização já atrás (aquando da análise da 2ª. questão) se reconheceu lhe assistir e que radicam, em primeira linha, na violação do seu direito de personalidade, e mais concretamente por lesão/ofensa do direito à autodeterminação na escolha dos cuidados de saúde, ao ter prestado um consentimento, não devidamente informado, para as sobreditas intervenções cirúrgicas que os RR. médicos levaram a efeito no seu olho direito, e, em segunda linha e por via reflexa, das quais terão resultado para si algumas sequelas físicas e espirituais (ao nível dos incómodos e abalos psicológicos), sendo assim merecedores da tutela do direito (artº. 496º, nº. 1, do CC), e cuja gravidade deve ser medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

Por sua vez, e como é sabido, o cálculo do montante da indemnização por tais danos deverá ser feito com base em critérios de equidade (artºs. 496º, nº. 4, e 494º do CC), atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida (vide, por todos, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, págs. 473/474”, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, e de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, disponíveis in dgsi.pt).

Não podemos também olvidar que, nos termos do comando do atrás já referenciado artº. 570º, n º. 1, do CC, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas, de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Importa esse propósito referir, por um lado, que, e salvo sempre o devido respeito, a forma como o A. estrutura e explana as suas alegações de recurso mais parece que funda essa sua pretensão ressarcitória no erro médico/má prática de legis artis (o que, como atrás deixámos referido, por força da anterior restrição que fez do objeto do recurso, não é aqui possível agora considerar) e, por outro, o faz também tomando por base factos (vg. quanto à sua atual situação clínica ou estado de saúde) que não constam da matéria de facto apurada (dado como assente).

Posto isto, avancemos.

 O tribunal recorrido fundamentou, na sua essência, o montante de indemnizatório (de € 3.500,00, imposto a cada um dos RR. médicos) que decidiu atribuir ao A. pelos danos não patrimoniais sofridos, nos seguintes termos:

« (…) No caso existem factores imputáveis ao próprio autor que dificultam o apuramento do dano indemnizável ou a determinação da medida em que o mesmo é indemnizável. Com efeito, resultou provado que o autor abandonou o acompanhamento que vinha sendo feito pelo réu BB após a realização da cirurgia e o aparecimento da visão enevoada, não permitindo, alegadamente por perda de confiança, que este réu realizasse qualquer intervenção no sentido de concluir a cirurgia programada e/ou corrigir ou eliminar aquela consequência, desconhecendo-se se a mesma era possível e que resultados produziria, sendo certo que o autor havia sido informado por aquele médico da possibilidade de ser necessária uma correcção do trabalho realizado.

Também os actos médicos que o réu CC se propôs executar não foram concluídos porque o autor, após a segunda intervenção realizada por este, continuou a não sentir melhorias na visão do seu olho direito e recusou submeter-se à nova intervenção proposta por aquele médico abandonou o tratamento a que estava a ser sujeito. As situações não são exactamente iguais. No primeiro caso, o autor não permitiu sequer ao médico que realizasse qualquer nova intervenção, apesar de estar informado que a cirurgia podia não produzir a totalidade dos seus efeitos na primeira intervenção e carecer de uma segunda para completar, concluir ou rectificar o resultado da primeira (dar um «retoque»). No segundo caso, o autor ainda permitiu uma segunda intervenção, sendo certo que já a primeira tinha o objectivo específico de corrigir os resultados da cirurgia realizada pelo médico anterior. Embora se desconheça se o primeiro médico podia alcançar resultados melhores do que conseguiu o segundo (aparentemente poucos ou nenhuns) a verdade é que o autor tinha contratado com ele a execução da cirurgia para correcção da miopia, pelo que devia permitir que ele executasse a totalidade dos actos necessários à realização do objecto contratado. Não o tendo feito e omitindo a colaboração necessária à execução da prestação a cargo do médico, não apenas entrou ele mesmo em incumprimento do contrato celebrado como impediu o médico de alcançar o resultado da eliminação das consequências indesejadas da intervenção, sendo certo que mesmo no âmbito do dever de indemnização a regra é a da restauração natural pelo que cabe ao devedor o direito de a procurar alcançar para se desonerar da obrigação alternativa da indemnização pecuniária (artigo 566.º do Código Civil) (…). Dessa relação escapam uma sequela que não difere muito da situação preexistente, a acuidade visual, e outra que não interfere com a visão, o surgimento de células epiteliais. Escapa ainda uma última sequela que se relaciona efectivamente com as queixas que o autor sempre apresentou – o astigmatismo que provoca a visão embaçada ou enevoada e a hipersensibilidade do olho à luz – mas que é igualmente superável com o uso de óculos e, sobretudo, constituí um risco de que o autor tinha sido informado pela outra médica oftalmologista que consultara antes dos réus. Por fim, deve ter-se em consideração que estas situações levaram o autor a ter necessidade de introduzir mudanças no seu espaço familiar e de trabalho e a reduzir o trabalho e a condução no período nocturno (90), e causaram-lhe angústia, desconforto com a sua visão, revolta, ansiedade e depressão, levando-o a procurar auxílio médico e medicamentoso (91).

Ora, dispõe o artº. 570º, nº. 1, do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas, de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

A ponderação judiciosa da globalidade destas circunstâncias, como vimos variadas e com distintas repercussões quer ao nível da imputabilidade quer dos resultados, não justifica, a nosso ver, a exclusão da indemnização (não se justifica deixar de censurar o comportamento dos réus), mas justifica uma redução da mesma a um valor baixo por ser notório que o comportamento desconfiado do autor, de não colaboração e de rompimento com os planos programados acabou por ter forte influência no resultado produzido. Por tudo isso, afigura-se-nos que a indemnização dos danos não patrimoniais, que corresponde ao pedido da alínea b), deve ser fixada com base na equidade, mostrando-se adequado o valor de 3.500€ (três mil e quinhentos euros) por cada acto ilícito.”

Perante a matéria factual apurada, e na conjugação entre si, e tendo em conta as considerações de cariz teórico-técnico que supra deixámos expendidas, somos levados a dizer que, na sua essência, nos revemos na referida fundamentação que suportou quer a atribuição da indemnização ao A. pelos danos não patrimoniais sofridos, quer a redução do seu montante.

Na verdade, não podemos desconsiderar a contribuição do autor, ao abandonar o acompanhamento médico, para a subsistência dos danos, em conjugação com o facto de praticamente todas as “anomalias” decorrerem da circunstância de o autor não ter sido operado ao olho esquerdo, bem com o caráter não irreversível de tais anomalias, superáveis através do uso de uma lente de contacto ou cirurgia, e de o autor mesmo assim, e tal como se nos afigura resultar da matéria factual apurada, ter beneficiado, pelo menos ao nível do olho direito intervencionado, de uma melhoria significativa da sua acuidade visual, quando comparada com a acuidade visual prévia ao tratamento, expressa na redução bastante acentuada da miopia e do astigmatismo.

E daí que, se justifique, à luz do citado artº. 570º, nº. 1, do CC, uma redução do montante da indemnização.

Não podemos, todavia, desconsiderar o grau de lesão/ofensa que o A. sofreu no seu direito à autodeterminação na escolha dos cuidados de saúde, ao ter prestado um consentimento, não devidamente informado, para as aludidas intervenções cirúrgicas (e às quais não se teria submetido se tivesse sido devidamente informado/esclarecido), bem como as sequelas físicas e espirituais (ao nível dos incómodos e abalos psicológicos) com que atualmente ainda se depara (embora, enfatize-se, sendo todas elas reversíveis e para as quais contribuiu com o seu sobredito comportamento).

Igualmente não poderemos desconsiderar as atividades profissionais que as referidas partes há muito exercem (advocacia e especialistas de medicina), indiciadoras (pois da matéria factual apurada nada resulta em contrário), de acordo as regras da experiência comum de vida, de disporem de boa situação económica, e bem como o (longo) tempo já decorrido sobre a data da ocorrência dos acontecimentos aqui em apreciação.

Por fim, não poderemos ainda deixar de considerar a dignidade que deve estar associada nos tempos hodiernos aos montantes indemnizatórios.

Assim, num juízo ponderação global de tais circunstâncias e da equidade, afigura-se-nos como ajustado fixar o montante compensatório de tais danos não patrimoniais sofridos pelo autor na quantia global de € 20.000,00 (vinte mil euros), a suportar em partes iguais por cada um dos referidos RR. médicos (pois não vislumbramos, no caso, razões para os diferenciar nessa obrigação), assim, se elevando a quantia indemnizatória arbitrada pelo tribunal a quo, e nessa medida se revogando o seu acórdão sobre o decidido em tal questão.

Quantia essa atualizada à presente data, a qual deverão acrescer os correspondentes juros de mora, à taxa civil em vigor, e até ao seu integral pagamento.


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8. Quanto à 5ª. questão.

- Da condenação dos réus na devolução das quantias pagas (recurso independente).

Pretende o autor/recorrente a condenação dos réus na devolução das quantias por si pagas pelas intervenções médicas levas a cabo.

A decisão recorrida considerou que a restrição do objeto da apelaçãodetermina que o julgamento que aqui cabe não possa ter como fundamento a causa de pedir baseada nos contratos celebrados com os médicos e a sua resolução por incumprimento das respectivas obrigações, mas apenas a indemnização dos danos resultantes de um ilícito civil com fundamento no artigo 483.º do Código Civil, o que remete para os danos que têm como causa adequada o facto ilícito, não para a destruição do contrato e do respectivo sinalagma decorrente da respectiva nulidade ou resolução não arguidas na acção.”

A violação do dever de informação por parte dos réus médicos – cuja apreciação, de forma cristalina, integrou o objeto do recurso de apelação – configura um caso de concurso de responsabilidade civil contratual (cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços médico-paciente) e de responsabilidade civil extracontratual, fundada na violação dos direitos subjetivos do autor à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação (artºs. 25º/1 e 26º/1, da Constituição e 70º/1 do Código Civil) (Para além do que já supra deixámos referenciado a esse respeito, cfr. o já acima citado Ac. do STJ de 02/06/2015). Estamos, assim, no campo da relevância da lesão de direitos absolutos no decurso do cumprimento de uma obrigação contratual de prestação de serviços médicos.

Ora, também como já ressalta do que acima se deixou referenciado a esse respeito (citando-se a esse propósito o Ac. do STJ de 22/03/2018, proc. 7053/12.7TBVG.P1.S1), como fez notar o acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. nº. 136/12.5TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), verificando-se uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, “A orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal  (…), é no sentido da opção pelo regime da responsabilidade contratual por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.” (cfr. nesse sentido ainda os ali citados Acs. do STJ de 01/10/2015, proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 02/06/2015, proc. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 11/062013, proc. nº. 544/10.6TBSTS.P1.S1, de 15/12/2011, proc. nº. 209/06.3TVPRT.P1.S1, de 15/09 de 2011, proc. nº 674/2001.P1.S1, e de 17/12/2009, proc. nº. 544/09.9YFLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Nessa mesma linha, o acórdão deste Supremo de 02/11/2017 (proc. nº. 23592/11.4T2SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) sublinhou que o dever de esclarecimento e de informação resulta, simultaneamente, da lei e do contrato, “como dever acessório do dever principal”. Alguns autores, de entre os quais se salienta Nuno Pinto Oliveira, vão ainda mais longe aduzindo que “a qualificação do dever de esclarecimento e/ou de informação como um dever acessório de conduta ou dever lateral sugere, de uma forma explícita ou implícita, que o consentimento, o esclarecimento e a informação não são importantes — ou, pelo menos, que consentimento, esclarecimento e informação não são tão importantes como o tratamento”, concluindo depois que “como os bens jurídicos da autonomia, da saúde e da vida devem ter igual dignidade ou igual valor, o acto médico deve representar-se como um processo em que o consentimento e o tratamento são co-essenciais.” (“Ilicitude e Culpa na Responsabilidade Médica”, Materiais para o Direito da Saúde, Centro de Direito Biomédico, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 51, acessívelemhttps://www.uc.pt/fduc/ij/publicacoes/pdfs/imateriais/Imateriais_1.pdf).

Ora, sendo assim, e enquadrando a responsabilidade dos réus médicos no domínio da responsabilidade civil contratual, há que não desconsiderar que as quantias que o recorrente reclama correspondem, não a uma indemnização por danos patrimoniais advenientes do cumprimento defeituoso do contrato por violação do dever de informação, mas à restituição do preço pago pelas intervenções cirúrgicas realizadas – sendo que a “destruição” do contrato, através da sua resolução, não foi, efetivamente, objeto do recurso de apelação, encontrando-se, por isso, precludida a sua apreciação na presente sede.

Pelo que a decisão proferida a este respeito deverá, assim, ser mantida, soçobrando a pretensão do recorrente-autor.


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9. Quanto à 6ª. questão.

- Da responsabilidade da ré HPP/Lusíadas SA. (recurso subordinado).

Pretende, finalmente, o recorrente subordinado a condenação da ré HPP Norte (agora Lusíadas S.A.), com fundamento no disposto no artº 500.º do Código Civil, alegando para o efeito que os atos médicos sob escrutínio foram praticados no âmbito de uma relação de comissão estabelecida com aquela sociedade por força do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.

Esta pretensão vai, aliás, de encontro ao peticionado pelo recorrente-autor, que igualmente pretende a responsabilização desta instituição de saúde privada, ainda que não tenha autonomizado tal ponto nas alegações de recurso apresentadas.

A ré LUSÍADAS, SA., (antes HPP) pugna pela improcedência da pretensão vertente, aduzindo, em síntese, que o objeto do recurso perante o Tribunal da Relação do Porto foi delimitado às consequências da falta de consentimento informado por parte do recorrente, tendo o julgamento desta instância se pronunciado apenas sobre o “quantum” indemnizatório dos danos resultantes de um ilícito civil com fundamento no artigo 483º do Código Civil.

O tribunal recorrido negou tal pretensão, apreciando a questão nos seguintes termos fundamentadores: “Estão igualmente demandadas sociedades comerciais em cujas instalações decorreram os actos médicos contratados com os médicos. Sucede que em virtude da delimitação do objecto do recurso, esta Relação apenas pode apreciar a causa de pedir fundada no instituto da responsabilidade civil, no preenchimento dos pressupostos do artigo 483.º do Código Civil, nas consequências da prática de um acto lícito pelos médicos com os quais o autor contratou a prática dos actos médicos em cuja execução se verificou aquela ilicitude.

Nesse contexto, a matéria de facto provada é insuficiente para condenar aquelas sociedades no pagamento da indemnização. Na verdade, não tendo sido elas as autoras do acto ilícito e cabendo a responsabilidade em regra ao autor e apenas a terceiros nos casos excepcionais em que a lei o prevê, não basta para as responsabilizar o ter-se demonstrado que os médicos prestavam colaboração a essas sociedades (factos dos pontos 20 e 22) e/ou que os actos foram praticados em instalações clínicas ou hospitalares pertencentes às sociedades.

Era sempre necessário algo mais, designadamente a demonstração da existência da situação de pluralidade de autores, instigadores ou auxiliares (artigo 490.º do Código Civil) ou de uma relação de comissão entre as sociedades e os médicos (artigo 500.º do Código Civil). Refira-se que foi o próprio autor a alegar o desconhecimento na natureza da relação entre os médicos e as referidas sociedades ao abrigo da qual eles exerciam a medicina em instalações destas, razão pela qual não foi sequer alegado um fundamento para imputar às referidas sociedades a responsabilidade perante terceiros por actos ilícitos cometidos na prática clínica dos médicos.”

Vejamos os contornos da relação estabelecida entre o autor e a recorrida HPP – Norte (agora Lusíadas, SA.).

O enquadramento jurídico a aplicar à questão vertente não converge inteiramente com argumentação jurídica empreendida pela decisão recorrida (embora, avance-se desde já, resultado final seja idêntico).

Em primeiro lugar, cumpre realçar que a circunscrição do objeto do recurso à violação do dever de informação por parte do réu médico não obsta a que se analise a responsabilidade da clínica pelos danos decorrentes, precisamente, dessa violação.

Em segundo lugar, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que essa responsabilidade deve ser aferida, não à luz do preceituado no artº. 500º do Código Civil, mas por referência ao regime estatuído no artº. 800º, nº. 1, desse diploma, e que disciplina a responsabilidade por facto de outrem no domínio contratual.

Vejamos.

In casu ficou demonstrado que as sucessivas consultas do autor com o réu BB – profissional que lhe foi indicado como responsável pelo tratamento (ponto 30 dos factos provados) - tiveram lugar nas instalações da clínica recorrida, onde o recorrente subordinado prestava colaboração como especialista em oftalmologia. Provado ficou, ainda, ter sido naquelas instalações que o autor foi submetido à intervenção com recurso à técnica Lasik, tendo sido nas mesmas que efetuou o respetivo pagamento (pontos 42 e 44 da matéria de facto provada). Assente ficou, no entanto, que todos os contactos do autor com vista à prestação dos serviços referidos tiveram lugar diretamente com o réu médico, nunca tendo o autor contactado com qualquer responsável social da então HPP – Norte, S.A. (ponto 43 dos factos provados).

A facticidade em crise poder-nos-ia conduzir para a existência, não de um “contrato total” (sobre esta modalidade, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 23/03/2017, proc. nº.  296/07.7TBMCN.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) mas de uma modalidade de contrato que a doutrina denomina como “contrato dividido”, em que a clínica/hospital assume, em regra, as obrigações decorrentes da realização da operação (locação de equipamentos, fornecimento de medicação, não tendo existido internamento “in casu”), enquanto o serviço médico é direta e autonomamente celebrado por um médico (atos médicos). Segundo ainda o entendimento plasmado nesse citado acórdão “I- No âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo médico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do CC. II- Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou, eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negocial que tenha assumido com aquele.”

Em tais casos, e conforme discorre André Dias Pereira, “a responsabilidade da clínica e do médico assistente é dividida nos exatos termos acordados no contrato, isto é, a clínica responde pelas prestações genéricas de assistência hospitalar: preparação das instalações e equipamentos, contratação e disponibilização de assistentes e ajudantes da equipa médica (excluindo aqueles que o médico escolher pessoalmente), prestação de medicamentos, comida e instalações hoteleiras. O titular da clínica responde, pois, pelos comportamentos dos seus órgãos, representantes e auxiliares (art. 800.º). O médico contratado, por seu turno, responde pelas prestações de natureza médica e terapêutica, pelo seu próprio incumprimento (art. 798.º) e os dos seus auxiliares (art. 800.º).

Em suma, a clínica tem, nestes casos, a possibilidade de reclamar a ilegitimidade numa lide de responsabilidade médica, ou, pelo menos, de não ser responsabilizada (solidariamente) pelos danos decorrentes de um erro médico (in “Ob. cit., pág. 600, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31524/1/Direitos%20dos%20pacientes%20e%20responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf”).”

Flui, pois, do exposto que ante o programa contratual vigente entre as partes, a recorrida HPP/Lusíadas, S.A., não deverá ser responsabilizada pelos danos decorrentes da violação, por parte do réu BB, do dever de informação, enquanto cumprimento defeituoso da prestação de natureza médica, sendo certo ainda a manifesta insuficiência da matéria factual apurada no sentido de permitir caracterizar (com um mínimo de segurança/certeza) a relação contratual estabelecida, a tal propósito, entre as duas partes.

Diga-se, aliás, que idêntico raciocínio é de fazer, com resultado final semelhante, no que concerne à relação entre os RR. CC e a Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA., .

É assim de manter, ainda que fazendo apelo a fundamentação não coincidente, a decisão recorrida neste particular.


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III - Decisão

Assim, perante o exposto, acorda-se em:

1) Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado do R. BB.

2) Conceder parcial procedência ao recurso (de revista) independente e condenar cada um dos réus, BB e CC, a pagar ao autor, AA, a quantia indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos a contar da presente data e até ao seu integral pagamento, alterando-se nessa medida o acórdão recorrido.

3) Manter, quanto ao demais, o decidido no acórdão recorrido.

Custas da ação pelo A. e por cada um dos sobreditos RR., na proporção do seu respetivo decaimento, e que para o efeito se fixa em 4/5 para o primeiro e 1/5 para os segundos.

Custas do recurso subordinado pelo R. BB.

Custas do recurso independente pelo A. e pelos RR. BB e CC na proporção do seu decaimento, e que para o efeito se fixa em 4/5 para o primeiro e 1/5 para os segundos (artº. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


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Sumário:

I - A ação de responsabilidade civil por atos médicos pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado.

II - Na 1ª. situação visa-se, essencialmente, tutelar a saúde e a vida do paciente, enquanto que na 2ª. situação de causa de pedir o bem jurídico tutelado é o direito do paciente à autodeterminação na escolha dos cuidados de saúde.

III - Tanto o dever de informação (a que está vinculado o médico, e que constitui um dos requisitos da licitude sua atividade) como o consentimento do paciente para prática do ato médico (que deve se livre e esclarecido, tendo por base essa informação que lhe é transmitida, sob pena da sua invalidade, salvo naquelas situações excecionais de urgência, em que estando perigosamente em causa a sua vida/saúde, o mesmo não possa ser obtido em tempo útil e se deverá então presumir) são de conteúdo elástico, devendo ser aferidos à luz das especificidades de cada caso concreto.

IV - Funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da sua atuação, é sobre o médico que impende o ónus de prova do consentimento (livre e esclarecido) prestado pelo paciente.

V - Em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios, embora em casos muito particulares ou específicos possa transformar-se numa obrigação de resultado.

VI - Em ação de responsabilidade civil médica em que a causa de pedir radica na violação do consentimento informado, o cálculo do montante indemnizatório por danos não patrimoniais deverá ser feito com base em critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade/censurabilidade do responsável médico e bem como do próprio lesado na situação geradora desses danos, à gravidade e dimensão desses mesmos danos e à própria situação económica quer do lesante, quer do lesado.


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Lisboa, 2021/12/14


Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Nuno Ataíde das Neves

Cons. Maria Clara Sottomayor (Voto vencida, de acordo com declaração que junto)


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Segue-se a declaração de voto da exma. sra. conselheira Clara Sotto Mayor (2ª. adjunta):

Revista n.º 711/10.2TVPRT.P1.S1



Declaração de voto


Teria revogado o acórdão recorrido e arbitrado, em face da factualidade provada, valores mais elevados de montante indemnizatório ao autor, correspondentes à totalidade dos danos por si sofridos, por entender que no caso concreto não é aplicável a norma do artigo 570.º do Código Civil, como fundamento da exclusão ou da redução da indemnização.

O relevo da culpa do lesado traduz um princípio geral da teoria da responsabilidade civil. Todavia, a sua aplicabilidade aos casos de responsabilidade médica, em que o paciente ocupa o lugar central e merece maior proteção pela sua vulnerabilidade, deve ser feita, tendo em conta a especificidade da relação-médico doente e o papel que a confiança no médico representa para o paciente. 

Nos casos em que a responsabilidade médica decorre do incumprimento do dever de informação pelo médico, como no caso dos autos, penso que não pode sequer falar-se em culpa do lesado, por três motivos: 1) O tratamento que o lesado rejeitou (retoque no olho direito e operação no olho esquerdo) era precisamente a correção de um tratamento já iniciado no olho direito e que lhe tinha causado lesões (factos provados n.ºs 47, 49, 51 e 102); 2) Em relação a esse tratamento, provou-se que os médicos não informaram o paciente de todos os riscos e efeitos secundários, nem da existência de outras técnicas alternativas (factos provados n.º 38, 68, 69 e 87); 3) provou-se ainda que o paciente não teria decidido operar-se aos olhos se soubesse dos riscos da intervenção (facto provado n.º 86). 

Considero, portanto, que o comportamento do autor de recusar a operação ao olho direito para correção das deficiências provocadas pela primeira intervenção (bem como de recusar operar o olho esquerdo) não consistiu num comportamento censurável do lesado, mas numa medida de autoproteção e de prudência natural da parte de quem valoriza o seu corpo, in casu, os seus olhos, e tem, compreensivelmente, medo de os perder. Esta vulnerabilidade de um paciente em relação a um órgão vital como os olhos não pode ser censurada nem valorada como recusa em colaborar com um programa de tratamento. Censurável poderá ser, por exemplo, a recusa em tomar uma medicação ou a adoção de comportamentos expressamente desaconselhados pelo médico, ou proibidos, o que não foi o caso. O que ficou provado foi que o autor decidiu realizar a operação a um olho de cada vez e proceder à operação do olho esquerdo só depois de assegurar que o olho direito estava bem e disso informou o médico, o que este aceitou (factos provados 49 a 52). Provou-se ainda que o autor não se teria sujeitado à operação aos olhos com a técnica Lasik se soubesse os riscos que corria (facto provado n.º 86). Neste quadro fáctico, mesmo tendo em conta os factos n.º 37 e 94, penso não poder imputar-se qualquer censurabilidade à conduta do autor que justifique redução ou exclusão da indemnização à luz do artigo 570.º.

Em relação ao segundo médico consultado, menos ainda se poderá falar de qualquer culpa do lesado, uma vez que este sujeitou-se a duas intervenções para corrigir o olho direito (factos provados n.ºs 71 e 75), sem sucesso (tendo ainda, após essas intervenções corretivas piorado a qualidade da sua visão – facto n.º 77), não sendo, de todo, exigível, que se sujeitasse a mais tratamentos, ou que arriscasse operar o olho esquerdo.

O paciente é dono do seu corpo e por isso mesmo deve ser esclarecido sobre as alternativas terapêuticas e sobre o balanço custo-benefício destas, para que fique plenamente ciente dos riscos que acarreta e das obrigações de colaboração que lhe incumbem.  Ora, se os médicos em causa não inteiraram o paciente de todos os riscos e efeitos secundários inerentes às intervenções terapêuticas, como se provou, também não é exigível ao paciente que colabore com o médico quando se verifica um desses riscos com o qual não contava por não ter sido informado. Tanto mais que o médico BB nem sequer respondeu à carta que o autor lhe dirigiu a pedir esclarecimentos sobre os problemas do seu olho direito após a operação e procedimentos a seguir (facto provado n.º 57). Não se pode olvidar que o elemento confiança é o cerne da relação médico-paciente e nestas situações não se pode censurar o paciente por perder a confiança no médico e rejeitar a continuação de um tratamento sobre cujos riscos não foi devidamente informado. A relação médico-paciente, apesar de ser uma relação contratual, obedece a uma lógica muito distinta de outros contratos, e o paciente, que recusa, neste contexto, e em relação a um órgão vital, a correção da prestação deficiente, não pode ser censurado como seria qualquer outro credor que recusasse uma prestação de facto. A perda da confiança no médico é, pois, um motivo legítimo para recusar colaborar na continuação de um tratamento que já deixou sequelas no corpo do paciente (factos n.º 47 e 88) e em relação ao qual o médico continuou sem cumprir os seus deveres de informação.

Mesmo nos casos em que seja aplicável o artigo 570.º do Código Civil (culpa do lesado), parece-me ser a exclusão da indemnização uma solução apenas adequada para casos de negligência grave do paciente, devendo, em regra, optar-se por soluções equitativas de repartição de responsabilidades entre o paciente e o médico. A esta luz, afigura-se-me também, que, no caso dos autos, surge como desproporcionada a exclusão da indemnização por todas as despesas que o autor venha a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos que futuramente possam vir a ser executados.

Maria Clara Sottomayor