Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
60/09.9YFLSB
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 04/15/2010
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário : O prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere a segunda parte do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz de instrução pelo período de tempo que se mostrar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo de três meses, referido na mesma norma;
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
            A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal (CPP) interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da referida Relação de 06/01/2009, proferido no processo n.º 6085-08, da 5.ª Secção, com fundamento em estar ele em oposição com o acórdão de 24/09/2008, proferido no processo n.º 6650/08, da 3.ª Secção da mesma Relação, transitados ambos em julgado, tendo tais acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação.
Para tanto concluiu a respectiva motivação do seguinte modo:
            1. No Acórdão recorrido a questão jurídica que vinha colocada  foi decidida no sentido de que, mostrando-se verificados os pressupostos de que depende a susceptibilidade de prorrogação do prazo de adiamento de acesso aos autos, tal adiamento nunca poderá, porém, ser superior a três meses.
            2. Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferido, a 24 de Setembro de 2008, no Processo n.º 6650/08-3.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, o Acórdão a que supra se aludiu, no ponto V., que consagrou solução oposta: em tais circunstâncias, a prorrogação do adiamento do acesso aos autos não está sujeita ao limite de 3 meses nem a qualquer outro limite máximo pré-estabelecido na lei.
            3. Tendo ambos os Acórdãos transitado em julgado e não sendo já nenhum deles susceptível de recurso ordinário, impõe-se a fixação de jurisprudência, pronunciando-nos no sentido de que, no acolhimento da solução consagrada no citado Acórdão proferido no Processo n.º 6650/08-3.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, será de decidir não se encontrar sujeita a qualquer limite temporal a prorrogação do prazo de adiamento do acesso aos autos a que alude o 2.º segmento do n.º 6 do art. 89.º do CPP.
  2.Foram juntas certidões dos acórdãos recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito em julgado.
 
3. Admitido o recurso, os autos subiram a este Supremo Tribunal, tendo o  Ministério Público, na vista a que se refere o art. 440.º n.º 1 do CPP, emitido parecer no sentido de ocorrerem os pressupostos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
           
4. Proferido despacho liminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência a que se refere o art. 441.º do CPP, na qual foi decidido, por acórdão, ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.

5. Notificado nos termos do art. 442.º n.º 1 do CPP, veio o M.º P.º apresentar as suas alegações, que, devido à sua extensão, praticamente reproduzindo todo o articulado da motivação, aqui se resumem ao essencial:
Depois de caracterizar o regime de segredo de justiça no regime vigente antes das alterações ao Código de Processo Penal (CPP) introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta enuncia as modificações que vinham sendo postuladas a tal regime para sublinhar que elas não colocavam em causa «o paradigma da exclusão da publicidade na fase de inquérito», visto que:
«- sublinhava-se a necessidade de redução do segredo de justiça à fase de investigação;
«- reconhecia-se a necessidade de revisão do segredo de justiça, em ordem à obtenção da “concordância prática entre a necessidade de preservar a investigação e as garantias de defesa;
«- salientava-se, ainda, a necessidade de articulação entre os “limites temporais do segredo de justiça e os prazos do inquérito”.
Refere que esta perspectiva foi acolhida na Proposta de Lei n.º 109/X.
Particularmente no que dizia respeito à articulação entre os limites temporais do segredo de justiça e os prazos do inquérito, na parte em que se previa que, esgotados os prazos de duração máxima do inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido passariam a poder consultar todos os elementos do processo, salvo se o juiz de instrução determinasse, a requerimento do Ministério Público, o adiamento do acesso aos autos por um período máximo de três meses, aquela magistrada salienta as críticas que foram tecidas a tal solução e a chamada de atenção de alguns críticos para outras soluções tidas como mais adequadas, nomeadamente «a acolhida no Código de Processo Penal italiano, que, fazendo “coincidir o prazo do inquérito com o segredo de justiça, permite que, justificando o Ministério Público perante o juiz de instrução as dificuldades de obtenção da prova e a necessidade de continuação do inquérito, este prorrogue os referidos prazos pelo tempo justificado e considerado necessário”»   
Críticas que não terão deixado de ser ponderadas aquando da discussão e votação da proposta de substituição do n.º 6 do art. 89.º
A seguir, a Senhora Procuradora-Geral Ajunta faz-se eco de várias criticas que foram feitas ao novo sistema que foi implantado, quer no que diz respeito ao segredo de justiça propriamente dito, configurando «uma alteração radical de um modelo de processo que expressamente se afirmou querer manter e respeitar», quer no que toca ao acesso aos autos, uma vez terminados os prazos do inquérito – solução na qual muitos vêem uma inaceitável pressão sobre o Ministério Público e outros, «uma forma de  demonstrar que existem reflexos concretos sobre o desenrolar do processo, os quais estão ao serviço do reforço das garantias de defesa do arguido e, ergo, da máxima acusatoriedade possível do processo, em estrito cumprimento da Lei de Autorização Legislativa, ao abrigo da qual o actual CPP foi aprovado».    
            Relativamente à interpretação do n.º 6 do art. 89.º do CPP, sobre o qual incide directamente o presente conflito de jurisprudência, expende a referida magistrada que, do ponto de vista literal, são possíveis as duas interpretações em causa. Todavia, a que se afigura mais adequada e a que encontra «suporte mais consistente na letra da lei» é a que dela faz o acórdão-fundamento, ou seja, que a prorrogação a que alude a última parte do n.º 6 do art. 89.º, sendo por tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, há-de ter em conta o tempo efectivamente necessário a tal objectivo, sem dependência do prazo rígido de três meses, previsto na 1.ª parte do preceito. Um período dessa forma rígido, tornar-se-ia incongruente, por ser esse «um período objectivamente incompatível, por insuficiente para a conclusão do inquérito em muitos dos casos de “terrorismo”, “criminalidade violenta”, “criminalidade especialmente violenta e “criminalidade altamente organizada”, a exigir investigação muito complexa e dependente, com frequência, de diligências ou actos a realizar por terceiros, que não o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal, por vezes, exigindo mesmo o cumprimento de cartas rogatórias». Sendo o prazo rígido de três meses manifestamente escasso numa grande parte dos casos à conclusão do inquérito, o legislador, se pretendesse a estatuição de tal prazo rígido, tê-lo-ia explicitado, sendo claramente previsível, ao estabelecer-se a prorrogação, que se colocasse a dúvida.
            Apesar da alteração do anterior paradigma em matéria de segredo de justiça, «a consideração da especificidade do inquérito, com o inerente reconhecimento do forte interesse público de que seja assegurada a eficiência da investigação criminal e um correcto exercício da acção penal, não pôde deixar de ser tida em conta pelas alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, ainda que naturalmente compatibilizada com a dos outros direitos e interesses, nomeadamente do arguido e da vítima, em consonância com a injunção ao legislador ordinário da adequada protecção ao segredo de justiça, erigida constitucionalmente como garantia institucional no art. 20.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.»   
            O recurso ao elemento sistemático inculca isso mesmo. Por exemplo, no caso das limitações previstas ao direito de informação no primeiro interrogatório judicial de arguido detido – art. 144.º, alínea d) – e também aquando da fundamentação do despacho de aplicação de medidas de coacção e sua comunicação – art. 194.º, n.ºs 4, alínea b), 5 e 6. Isto, não obstante estarem em causa «relevantíssimos direitos do arguido.
            Do mesmo modo, quanto ao conhecimento a dar a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, por se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade ou indispensável ao exercício de certos direitos, tal ministração de conhecimento está dependente de não pôr em causa a investigação (art. 86.º, n.º 9). Sucede igualmente no caso de se tornar necessário ao esclarecimento da verdade a prestação de esclarecimentos públicos a pedido de pessoa publicamente posta em causa ou para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública (art. 86.º, n.º 13).
            Igual demonstração de prevalência do interesse da investigação, no confronto com direitos e interesses dos sujeitos e participantes processuais, encontra-se no próprio art. 89.º, n.ºs 1 e 6, relativamente ao adiamento do acesso aos autos.
            Recorrendo à ratio legis, adianta a Senhora Procuradora-Geral Adjunta que esta se surpreende na particular relevância do interesse público na investigação eficaz da criminalidade referida na última parte do n.º 6 do art. 89.º do CPP, altamente lesiva de interesses fundamentais da sociedade, e no consequente julgamento dos respectivos agentes. Esse tipo de investigação prima frequentemente pelo recurso a meios que, além de complexos, não dependem do Ministério Público, nem dos órgãos de polícia criminal, e ás vezes dependem mesmo de instâncias internacionais, que tardam na resposta, pelo que o prazo normal previsto para a realização do inquérito, ainda que acrescido do prazo de 3 meses, é manifestamente exíguo.
A protecção conferida pela Constituição ao segredo de justiça, em nome do interesse público implicado na investigação, não pode deixar de conter uma injunção ao legislador ordinário no sentido de tutelar o segredo de justiça de forma suficiente, apropriada, pertinente e eficaz, pelo que, pressupondo-se, face à evidência destes objectivos, que a lei ordinária os teve em conta, «tem de concluir-se que a prorrogação do período de adiamento de acesso aos autos deve ser por um prazo correspondente ao objectivamente indispensável à conclusão da investigação».
Tal não equivale a tornar indefinido o prazo para a sua realização, havendo que considerar o estatuto do Ministério Público – magistratura dotada de autonomia, vinculada a critérios de legalidade estrita e de objectividade, participante da execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania competentes, titular do exercício da acção penal e incumbindo-lhe a defesa da legalidade democrática; por outro lado, a prorrogação depende de decisão de um juiz de instrução criminal e não é por tempo indeterminado, mas pelo tempo objectivamente indispensável, estando a decisão judicial sujeita a recurso. Além disso, pode ser pedida a aceleração processual.
O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 428/2008 «reconheceu que, embora subjacente ao regime do n.º 6 do art. 89.º do CPP esteja “a preocupação compreensível de proteger os arguidos (e outros intervenientes processuais) de demoras excessivas dos inquéritos”, não se pode ignorar também “que, muitas vezes, especialmente na criminalidade económica, a rápida conclusão do inquérito não depende exclusivamente da diligência do seu titular, o Ministério Público, por tal implicar a actividade de terceiras entidades (relatórios periciais, cartas rogatórias para outros países, etc.)”».
Todas estas razões confluem para dar à norma em apreço o sentido acima propugnado.
Conclui pela fixação da seguinte jurisprudência:
A parte final do art. 89.º, n.º 6 do CPP, que permite a prorrogação do adiamento do acesso aos autos quando estiver em causa a criminalidade prevista nas alíneas i) a m) do art. 1.º, deve ser interpretada no sentido de que o prazo de prorrogação do adiamento não é um prazo fixo de três meses, mas antes o prazo que, no caso concreto, se mostre objectivamente indispensável à conclusão da investigação.

6. Por sua vez, o recorrido, AA, veio também apresentar as suas alegações em sentido diametralmente oposto às do ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1.ª O art. 89.º, n.º 6 do CPP ao prever a possibilidade excepcional de prorrogação do prazo de adiamento do acesso aos autos deve ser interpretado no sentido de que tal prorrogação deve ser sujeita a prazo certo de duração máxima não superior ao prazo prorrogado, fixando-se jurisprudência nesse sentido (art. 437.º do CPP).
2.ª É o que resulta da correcta interpretação extensiva da norma (arts. 9.º e 11.º do CCv).
3.ª Quando assim se não entenda, o mesmo enunciado normativo decorre de integração de lacuna (art. 4.º do CCP), quer por analogia quer por apelo ao princípio geral do processo penal que salvaguarda a garantia de defesa e a celeridade processual, os quais têm protecção constitucional (arts.20.º, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.º 11 da CRP).
  4.ª O art. 89.º, n.º 6 do CPP é materialmente inconstitucional, por violação dos arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.º 1 da CRP, quando previr que a possibilidade excepcional do prazo de adiamento do acesso aos autos não, nos casos ali previstos, está sujeita a prazo.
Termina pedindo a fixação de jurisprudência no sentido do acórdão recorrido.

7. A oposição de acórdãos foi já decidida na fase preliminar, tendo-se concluído na conferência pela oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Porém, não tendo a referida decisão força de caso julgado formal, podendo a mesma questão ser reapreciada pelo pleno das secções criminais, como vem sendo decidido uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se proceder a tal reapreciação.

7.1. No acórdão recorrido, estava em causa decidir se, nos termos previstos no art. 89.º, n.º 6 do CPP, a prorrogação de anterior prazo de três meses por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação se tem de conter dentro daquele primeiro prazo ou se, pelo contrário, e conforme foi decidido em 1.ª instância, inexiste para tal prorrogação qualquer limite predeterminado, podendo estabelecer-se prazo mais longo.
Com efeito, a questão suscitada no Tribunal da Relação de Lisboa era a de saber se, estando em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1.º do CPP (terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente organizada), existe, para além da possibilidade de adiar o acesso aos autos por parte dos intervenientes processuais por um período máximo de três meses em relação a todos os tipos de crime, a de prorrogar tal adiamento, por uma só vez, por período de tempo superior ao do adiamento inicialmente concedido.
Na apreciação de tal matéria, decidiu-se no acórdão recorrido revogar a decisão da 1.ª instância, com o fundamento de que a referida prorrogação não podia, em circunstância alguma, ser superior a três meses.

7.2. Por seu turno, o acórdão-fundamento, da mesma Relação de Lisboa, pronunciando-se sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação, estando igualmente em causa uma situação de investigação que se enquadrava no mesmo tipo de criminalidade (alíneas i) a m) do art. 1.º do CPP), decidiu em sentido diametralmente oposto, pois, em revogação da decisão da 1.ª instância, veio a conceder a prorrogação do adiamento do acesso aos autos por um prazo de 8 meses, tido como objectivamente indispensável à conclusão da investigação, entendendo que este prazo de prorrogação não estava sujeito ao limite de três meses.

7.3. Deste modo, comparando os dois arestos e respectivas situações de facto, não parece restar dúvida de que os mesmos decidem de maneira oposta a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação.
Impõe-se, pois, confirmar, nesta sede, o julgamento prévio efectuado na conferência que decidiu a questão preliminar, nada obstando ao prosseguimento do recurso com vista à solução do conflito de jurisprudência.



FUNDAMENTAÇÃO
8. A Questão
Neste conflito de jurisprudência, a questão a dirimir por acórdão uniformizador diz, pois, respeito a saber se, com respeito ao n.º 6 do art. 89.º do CPP, actualmente vigente, a prorrogação do adiamento do acesso aos autos por parte do arguido, do assistente e do ofendido, pode, nos casos em que esteja em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1.º, ultrapassar os três meses previstos na 1.ª parte do preceito, consoante as necessidades objectivamente consideradas indispensáveis para a conclusão da mesma investigação, ou deverá conter-se dentro do mencionado limite.
O preceito em causa (art. 89.º, n.º 6) diz textualmente o seguinte:
Findos os prazos previstos no art. 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.    
Já vimos as posições contrapostas do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento.
O acórdão recorrido, para concluir que a referida prorrogação tinha necessariamente de conter-se no prazo de três meses estribou-se nas seguintes considerações:
«O elemento literal aponta inequivocamente no sentido de que a prorrogação nunca poderá ir além de três meses, o período máximo da primeira dilatação do prazo previsto no art. 276.º, do CPP. Em primeiro lugar, para aí aponta o termo “prorrogado” utilizado pelo legislador, sem fixação de prazo diverso do inicial. Em todas as demais situações previstas no ordenamento jurídico português, as prorrogações de prazo são sempre pelo mesmo tempo do prazo inicial ou por período mais curto do que este, nunca por período mais longo. Muito menos por prazo não concretamente definido pelo legislador. Todavia, o que mais releva para se chegar àquela conclusão é a expressão “por uma só vez”. Na verdade, pode ler-se na norma aqui em causa que “o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, …” (negrito e itálico da nossa autoria). Conforme se refere no Ac. da Relação de Guimarães abaixo citado ⌠de 14/04/2008, Proc. n.º 360-08 - 2⌡”(…) a redacção que veio a ser adoptada apenas acrescentou novo período máximo de três meses ao anteriormente previsto. Esse período máximo deverá inclusive ser reduzido se for menor o “prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Outra interpretação deixa sem sentido a referência ao facto de a prorrogação apenas poder ser feita “uma só vez”. Se a ideia tivesse sido não estabelecer limites temporais para a nova prorrogação, nenhum sentido faria vedar a possibilidade de o juiz, a todo o tempo, fixando sucessivos prazos, ir fiscalizando se continua a justificar-se em concreto a prorrogação. Nem, também, nenhum sentido faria estabelecer um primeiro período de três meses, que o legislador qualificou de “máximo”. Nada permite a interpretação de que a redacção adoptada visou esvaziar o conteúdo da proposta inicial.”    
(…)
«Admitir que a expressão utilizada pelo legislador – por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação – permite a prorrogação do prazo por um qualquer prazo superior a três meses – sem que o respectivo limite esteja legalmente definido – seria admitir que o legislador deixou tudo na mesma, ou ainda pior do que estava antes, no que respeita aos crimes abrangidos pela previsão do segmento normativo em causa. Ou seja, depois de decorrido o prazo normal de 1 ano, previsto no art. 276.º, n.º 2, alínea c) do CPP para a investigação daquela mencionada criminalidade, bem como o mencionado período “máximo” (segundo o legislador) de três meses para o adiamento do acesso aos autos, seria possível, no entendimento do M.º P.º e do despacho recorrido, prorrogar tal prazo de três meses por um período de vários anos (3 anos … 5 anos … 10 anos … etc?), desde que tal prorrogação fosse feita de uma só vez e desde que fosse considerado tal prazo objectivamente indispensável à investigação (saliente-se que a lei fala, não por acaso em “conclusão” da investigação). «O resultado a que se chega com a interpretação dada pelo M.º P.º e pelo despacho recorrido é precisamente o mesmo a que se chegaria caso o legislador tivesse dito que aquele prazo de três meses podia ser livremente prorrogado pelo número de vezes que se mostrasse “objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Mas o que o legislador disse foi precisamente o contrário: “por uma só vez”. O que é manifestamente incompatível com aquela pretendida interpretação, a qual conduz, na nossa perspectiva e pelas razões atrás expostas, a um resultado que o legislador quis manifesta e expressamente afastar.»

Quanto ao acórdão-fundamento, para concluir que a prorrogação do adiamento do acesso aos autos, nos casos da criminalidade referida nas alíneas i) a m) do art. 1.º, pode ser superior a três meses, louvou-se nos seguintes considerandos:
 «A pergunta a fazer agora é saber se, a verificarem-se razões para concessão de nova prorrogação, qual o prazo para a mesma?
«A resposta, cremos, encontra-se na própria lei, que fala “em prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Isto significa, em nosso entender, que no momento em que é requerida tal prorrogação, deverá o requerente fazer um cálculo de quais os elementos probatórios que necessita previsivelmente ainda de recolher e qual o prazo provável necessário à sua obtenção. Deverá assim fazer uma estimativa devidamente fundamentada, em termos temporais, de quanto tempo demorará a obtê-los (justificando minimamente esse seu cálculo), requerendo então ao julgador que prorrogue a manutenção do segredo pelo tempo necessário à sua realização.
«Essa estimativa terá de ser objectivada – isto é, tem de ser traduzida numericamente, de forma a que, sendo deferida, se possa saber antecipadamente e com precisão, a data em que o processo passará a ser público.
«Mas esta quantificação numérica não está sujeita a um limite máximo pré-estabelecido na lei, nem sequer aos 3 meses previstos para os processos em geral, prorrogação esta que, apesar da anterior, é autónoma relativamente à ora em apreciação.
«E tal conclusão decorre, singelamente, no nosso entendimento de dois considerandos:
«Se o legislador quisesse ter fixado um prazo máximo para essa prorrogação extraordinária, tê-lo-ia feito, dizendo-o directamente ou por remissão e, como se viu, não é isso que consta na lei;
«A mera circunstância deste ser já um segundo prazo de prorrogação não pode determinar, de forma automática, que tenha de ser forçosamente igual ou inferior ao anterior, pois os seus requisitos e o seu campo de aplicação são diversos, correspondendo a uma excepção dentro da própria excepção (vide, no mesmo sentido, Curso de Processo Penal II, pp. 30 e 31, Germano Marques da Silva, Verbo).
«E salvo o devido respeito, bem se entende que assim seja.
«Nos tempos que correm, a globalização, a abolição de fronteiras, a expansão do universo virtual, se têm um lado positivo, também têm o seu reverso, traduzindo-se muitas vezes em actuações criminosas de contornos muito complexos e de crescente dificuldade investigatória, em que a revelação do que se mostra adquirido para os autos, das diligências probatórias que se pretendem ainda realizar ou que estão em curso, deitarão por terra qualquer possibilidade de efectivo apuramento dos factos e responsabilização dos seus autores. E logo nos casos de criminalidade mais séria e que mais abala a segurança dos cidadãos e do Estado de direito. Basta pensar-se que, de entre o rol dos crimes previstos nesta última excepção, se encontra o terrorismo.
«E se num mundo ideal seria possível, quase imediatamente, ter-se ao alcance do investigador todos os elementos necessários para se poder decidir, com a segurança jurídica necessária, pelo formular de uma acusação ou pelo seu arquivamento, a verdade é que, em muitos e numerosos casos, esse sonho é de impossível realização, pois são muitas vezes necessários meses ou anos de árduo trabalho, para se conseguirem obter os elementos necessários (quando conseguem) a tal fim. Com efeito, basta pensar no tempo que, apesar de tudo, ainda demoram a maioria das perícias ou a comunicação com entidades estrangeiras, cuja colaboração se mostre necessária.»

9. No mesmo sentido do acórdão recorrido decidiu-se no acórdão da Relação de Guimarães de 14/04/2008, no Proc. n.º 360/08 – 2, já referido no número antecedente a propósito da fundamentação do acórdão recorrido, que assimila a argumentação daquele e, por isso, nos dispensamos de renovar aqui.
No sentido do acórdão-fundamento decidiram os acórdãos da Relação de Lisboa de 17/09/2008, Proc. n.º 5036/08, da 3.ª Secção; de 24/09/2008, Proc. n.º 6650/08, da 3.ª Secção e de 20/01/09, Proc. n.º 9198/2008, da 5.ª Secção.
Os argumentos adiantados são sensivelmente os mesmos do acórdão-fundamento: utilização da expressão “por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”; a natureza da criminalidade que está em causa, normalmente complexa, morosa e dependendo, muitas vezes, da realização de diligências de outras entidades, que não o Ministério Público; a possibilidade de frustração do êxito da investigação precisamente nos processos de natureza mais complexa e que respeitam à criminalidade mais temível e mais danosa socialmente; a garantia que oferece o controle da necessidade de prorrogação excepcional do prazo pelo juiz de instrução, “assegurando-se que o interesse invocado pela entidade que dirige o inquérito não cerceia, de forma desproporcionalmente gravosa os direitos de defesa do arguido, e é justificado”, como refere o apontado acórdão de 24/09/2008 (Proc. n.º 6650/08).

10. Apreciação
10.1. Introdução
10.1.1. A questão a dirimir neste conflito jurisprudencial centra-se, como se disse já, à volta da disposição contida no art. 89.º, n.º 6 do CPP, especialmente no que toca à 2.ª parte. Tal disposição é inovadora, tendo sido introduzida pelas alterações da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
O normativo em causa, reproduzido no número anterior, começa por remeter directamente para o art. 276.º do mesmo ordenamento jurídico, que estabelece os prazos de duração máxima do inquérito, findos os quais este deve terminar por um despacho de arquivamento ou de acusação, conforme se tenham recolhido ou não indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi ou foram os seus agentes.
Por outro lado, relaciona-se directamente com processos sujeitos ao regime de segredo de justiça. Ora, este foi profundamente alterado na última reforma do processo penal. Convém, por isso, fazer um breve excurso por esse regime, sem o qual o ponto fulcral do nosso problema não alcança uma correcta dimensão de compreensão lógica.
 
11. O regime publicidade/segredo na lei anterior
11.1. Para nos reportarmos apenas ao regime que vinha desde a redacção originária do CPP/1987, afirmava-se, logo de entrada, no art. 86.º, n.º 1, o carácter público do processo penal, sob pena de nulidade, mas isso a partir da decisão instrutória, ou se a instrução não viesse a ter lugar, a partir do momento em que já não pudesse ser requerida.
Desse modo, o segredo de justiça impunha-se legalmente nas fases preliminares do processo, correspondente à fase de investigação e à fase da instrução, mas aí afrouxado na sua vertente interna, visto que os sujeitos processuais podiam ter acesso ao processo, desde logo para elaborarem o requerimento instrutório – o arguido, no caso de ter havido acusação, e o assistente, no caso de o Ministério Público o ter arquivado total ou parcialmente (arts. 89.º, n.º 1 e 287.º, n.º 1, alíneas a) e b). Por outro lado, se os actos a levar a cabo na instrução não eram, por regra, franqueados aos sujeitos processuais (como era entendimento dominante, depois materializado no acrescento do n.º 2 ao art. 289.º, pela revisão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto de 1998), o debate instrutório, consistindo numa discussão oral de natureza contraditória, com participação do Ministério Público, arguido e seu defensor, assistente e seu advogado, com a finalidade de discutirem perante o juiz sobre a existência ou inexistência de indícios de facto e de elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento, implicava necessariamente o acesso ao processo desses sujeitos processuais (arts. 289.º e 297.º 298.º e 302.º).
Com a revisão de 1998 deu-se um passo mais no sentido do alargamento da publicidade e consequente redução do segredo de justiça, visto que a fase de instrução podia ser pública (interna e externamente), se a mesma fosse requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, não declarasse que se opunha à publicidade (art. 86.º, n.º 1). Isto, porque, como salienta MARIA JOÃO ANTUNES, («O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção», Liber Discipulorum Para Jorge De Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1247), devendo a publicidade/segredo estabelecer-se de acordo com a fase e as finalidades a prosseguir, num objectivo de concordância prática entre os diversos direitos e interesses que conflituam no processo penal (procura da verdade material, restabelecimento da paz jurídica rompida com a prática do crime, princípio da presunção de inocência do arguido, independência e imparcialidade da justiça penal, defesa do arguido), uns a reclamarem a publicidade do processo e outros, o resguardo da investigação através do segredo, se o arguido era o requerente da instrução, tal significava que contra ele já havia sido deduzida uma acusação pelo Ministério Público e (ou) pelo assistente (nomeadamente nos casos de crime particular), o que afrouxaria as exigências do princípio da presunção de inocência e, por outro lado, o arguido podia achar melhor, do ponto de vista do interesse da sua defesa, que o processo, nesta fase que já não é propriamente de investigação, passasse a decorrer de forma pública.
No regime anterior, por conseguinte, o princípio da publicidade do processo penal, que é o seu princípio-regra, sofria derrogações impostas por lei na fase de inquérito, que decorria de forma secreta, numa dupla vertente: internamente, impondo-se a todos os participantes processuais e outras pessoas que tivessem tomado contacto com o processo, e externamente, em relação a todos e quaisquer indivíduos alheios a esse processo, não tendo nele qualquer tipo de intervenção ou participação.
Estabelecia o art. 86.º, n.º 4 do CPP: «O segredo de justiça vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) - Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) - Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.»
Na fase de instrução, já vimos que esta podia ser totalmente pública, quando fosse requerida apenas pelo arguido e este não declarasse opor-se à publicidade; nos outros casos, o segredo era internamente atenuado, nos termos já assinalados, vigorando externamente em toda a extensão.
    A ponderação a fazer (ou legalmente pressuposta) entre os diversos direitos e interesses conflituantes variava, pois, de acordo com a fase processual e a intensidade com que uns ou outros se impunham na sua relação conflitual, de modo que a fase de secretismo tinha a sua expressão máxima na fase de inquérito, em detrimento da publicidade, que ia progressivamente alargando-se nas outras fases, com estreitamento daquela, até alcançar o apogeu na fase de julgamento – fase por excelência pública.
Acentue-se, no entanto, que o secretismo processual, bem como a sua publicidade não eram absolutos. Quanto ao segredo de justiça, este podia ser parcialmente derrogado, na estrita medida das finalidades a obter, nomeadamente com vista: a) ao esclarecimento da verdade (podendo dar-se, para tal fim, conhecimento de acto ou de conteúdo de acto em segredo de justiça); b) à instrução de outro processo de natureza criminal ou disciplinar de natureza pública; c) à dedução de pedido de indemnização civil; d) à composição extrajudicial de litígio, em caso de processo criminal por acidente de viação, podendo ainda ser prestados esclarecimentos públicos acerca do processo, em determinadas condições, tudo nos termos constantes das disposições contidas nos números 5, 6, 7, 8 e 9 do art. 86.º.
Por outro lado, o direito de defesa do arguido impunha também limitações ao segredo de justiça (encarado na sua vertente interna), nomeadamente no que dizia respeito ao conhecimento de determinados elementos constantes dos autos, tendo o Tribunal Constitucional declarado inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 86.º, n.º 1 e 89.º, n.º 2 do CPP, na interpretação segundo a qual «o juiz de instrução não pode autorizar em caso algum e fora das situações tipificadas nesta última norma, o advogado do arguido a consultar o processo na fase de inquérito para poder impugnar a medida de coacção de prisão preventiva que foi aplicada ao arguido, por violação das disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 5 da Constituição (…)» (Acórdão n.º 121/97 (DR II S, de 30/04/97).
Era a questão do acesso aos autos, regulada fundamentalmente no art. 89.º do CPP. O arguido, o assistente e as partes civis podiam ter acesso a auto, para consulta, na secretaria ou noutro local onde estivesse a ser realizada qualquer diligência, bem como obter cópias, extractos ou certidões autorizadas por despacho, ou independentemente dele, para efeito de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos estipulados por lei (n.º 1). Se, porém, o Ministério Público não tivesse deduzido ainda acusação, o arguido, o assistente, se o procedimento criminal não dependesse de acusação particular,  e as partes civis só podiam ter acesso a auto na parte respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados, bem como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em que devessem intervir. Para tal efeito, as partes referidas do auto ficavam avulsas na secretaria, por fotocópia, pelo prazo de 3 dias e sem prejuízo do andamento do processo.   
Por conseguinte, só com o encerramento do inquérito ⌠dedução de acusação pelo Ministério Público, despacho de arquivamento e notificação ao assistente para deduzir acusação, no caso de o procedimento depender de acusação particular (arts. 89.º citado, 277.º, 283.º, 284.º, 285.º, 287.º, todos do CPP)⌡cessavam as restrições implicadas pelo segredo de justiça na sua vertente interna, com a inerente possibilidade de acesso aos autos pelo arguido, assistente e partes civis, devendo ter-se em conta a aludida decisão do Tribunal Constitucional no que tocava ao direito de defesa do arguido.
MARIA JOÃO ANTUNES, todavia, em posição crítica ao referido aresto, entendia que a norma constante do art. 89.º, n.º 2 do CPP, limitativa do acesso aos autos, não era fulcral para se aferir da medida de realização dos direitos de defesa do arguido, rejeitando a ideia de que o arguido necessita de aceder aos autos, durante o inquérito, para conhecer “os indícios que serviram de fundamento à decisão de manutenção ⌠e de aplicação⌡de uma medida de coacção tão gravosa para a sua liberdade, como é a prisão preventiva”, e sustentando que “esse conhecimento ocorre obrigatoriamente por outras formas, nomeadamente por força do disposto nos arts. 97.º, n.º 4, 141.º, n.º 4, 194, n.ºs 2 e 3 e 254.º, n.º 2” ⌠normativos da versão anterior à actual⌡. Daí que afirmasse que «(…) “as necessidades da investigação e da sua eficiente condução” não são prosseguidas no processo penal português, com prejuízo de restrições substanciais dos direitos de defesa”. Uma conclusão que só pode ser retirada depois de uma avaliação da forma como ao arguido é ou não assegurado, em termos globais, o direito de defesa na fase de inquérito e não, propriamente, porque se verifica que há uma norma que limita o acesso aos autos – o art. 89.º, n.º 2 do CPP.» (Ob. cit., pp. 1266 e 1267).
         
11.2. Quanto ao princípio da publicidade do processo, este tinha, como se disse, a sua fase de apogeu no julgamento, mas também ele não era absoluto, como o não é ainda agora, após as alterações efectuadas, continuando a verificar-se restrições semelhantes, com pequenas diferenças, às que vigoravam antes e constantes dos artigos 86.º n.º 3, na redacção anterior e 86.º, n.º 7, na redacção actual (dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova), 87.º (assistência do público a actos processuais, nomeadamente às audiências de julgamento) e 88.º (meios de comunicação social), mas a que não dedicaremos especial enfoque, dada a necessidade de restringir o discurso ao objecto em análise.  

12. As alterações decorrentes da revisão do CPP
12.1. Os antecedentes
12.1.1. A matéria da publicidade/segredo de justiça foi das que sofreu mais acentuada remodelação com as inovações introduzidas pela Lei n.º 47/2008, de 29 de Agosto, a ponto de se falar em alteração radical do regime até então vigente.
Com efeito, ao contrário do que até aqui sucedia, o segredo de justiça deixou de se impor como derrogação ex lege do princípio da publicidade nas fases preliminares do processo, mais concretamente, durante a fase de investigação em inquérito.
A matéria do segredo de justiça vinha já sendo debatida de longa data, exprimindo vários sectores ligados à teoria e prática do Direito Penal e Processo Penal um inconformismo com as soluções que estavam consagradas e advogando uma mudança, de modo a reconfigurar de outro modo as relações dialécticas entre publicidade e secretismo, ou seja, uma outra forma de estabelecer a concordância prática dos diversos interesses e direitos frequentemente conflituantes que se visavam realizar com uma e com outro (fundamentalmente, os interesses da investigação, ligados à descoberta do crime e dos seus autores, aquisição e preservação das provas, por um lado, e o direito de defesa do arguido, bem como a preservação da sua inocência, por outro). A posição que parecia dominante ia no sentido da manutenção, no essencial, do princípio da exclusão da publicidade, com limitações como as já referidas a propósito da lei anterior, mas restringindo-o estritamente à fase do inquérito, estabelecendo a acusação como marco determinante da sua cessação. Assim, entre outros, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, «Publicidade Do Processo – Restrições Ao Direito De Informação – Gravação E Tomada De Imagens E Som – Segredo De Justiça», Justiça E Comunicação Social, Seminário realizado em Lisboa nos dias 10,11 e 12 de Outubro de 1996, Edição do Ministério da Justiça, pp. 151 e ss. Mas outras posições se desenhavam, que não se conformavam com a rigidez de um secretismo processual,  ainda que restrito à fase do inquérito, determinado por imposição de uma lei geral e abstracta, que, sem distinguir as variadíssimas situações concretas e sem deixar margem a qualquer apreciação do órgão judicial ou, mais concretamente da autoridade judiciária competente, não possibilitava a distinção entre aqueles casos em que realmente o segredo de justiça se justificava, daqueles outros em que não ocorria qualquer motivo relevante para prosseguir a investigação  sob o manto do secretismo processual. Invocavam-se a tal propósito os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade (art. 18.º da Constituição), cujo desrespeito, em termos de se não observarem os estritos limites por eles impostos no caso concreto, levava a sacrificar, de forma constitucionalmente periclitante ou mesmo injustificada, outros direitos fundamentais, nomeadamente o direito de defesa do arguido e o direito à informação (Cf. ARTUR RODRIGUES DA COSTA, «Segredo de Justiça e Comunicação Social», Revista do Ministério Público, Ano 17, n.º 68 (OUT/DEZ de 1996), pp. 49 e ss. e VITAL MOREIRA, «Liberdade de informação e segredo de justiça», jornal Público de 20/1/04), no qual o Autor referia a amplitude excessiva do segredo de justiça, quer no tempo quer na extensão, traduzindo-se, portanto numa considerável limitação da liberdade de informação em geral e da liberdade de imprensa em particular, afirmando ainda que (…) parece lícito afirmar que, tendo em conta a essencialidade da liberdade de informação nas sociedades liberal-democráticas, ela só deve ceder perante o segredo de justiça, se este a não puser em causa de forma desproporcionada. E concluía no sentido de «primeiro, proceder a uma redução drástica do âmbito temporal e processual do segredo de justiça, de modo a limitá-lo ao mínimo necessário. Depois, admitir uma margem de apreciação judicial em cada caso (…)».
Nessa linha, RUI PEREIRA, que acabou por presidir à Unidade de Missão Para A Reforma Penal, sustentava em tese geral e para além da formulação de “um critério do qual se infira em que medida deve ser concedido, caso a caso, o acesso aos autos em homenagem às garantias de defesa”, o seguinte: «(…) sem pôr em causa a investigação, julgo que se deve restringir o âmbito do segredo de justiça, tendo em conta que em determinados processos (por exemplo, relativos a abuso de liberdade de imprensa) ou certos actos processuais (acórdãos proferidos por tribunais superiores quanto a matérias de direito) ele não se justifica. E tão pouco se justifica que o segredo se estenda para além da acusação – na instrução, o processo deve tornar-se público»  («A crise do processo penal», Revista do Ministério Público, n.º 97 (JAN/MAR 2004), pp. 25/26).  
Assim, no âmbito da reforma a empreender nos domínios do Direito Penal e de Processo Penal, a matéria do segredo de justiça estava de antemão votada a sofrer modificações; porém, não tão radicais e profundas como acabaram por surgir na versão definitiva que veio a materializar-se em lei, pois mesmo as posições mais avançadas, na sua maioria, pressupunham o segredo de justiça na fase de inquérito, temperado com uma margem de apreciação judicial em cada caso.

12.1.2. As diversas fases por que passou a reforma
12.1.2.1. No Anteprojecto do Código de Processo Penal apresentado em Julho de 2006 pela Unidade de Missão Para A Reforma Penal, mantinha-se a regra de que «o processo está sujeito a segredo de justiça até ao termo do prazo para requerer a abertura de instrução, excepto se o Ministério Público determinar a sua publicidade» (n.º 2 do art. 86.º). Tal poderia ocorrer «em qualquer momento do inquérito, com a concordância do arguido, quando entender que a cessação do segredo não prejudica a investigação e os direitos dos participantes processuais ou das vítimas» (n.º 3 do art. 86.º). Na fase de instrução, se o arguido declarasse que se opunha à publicidade, o processo continuaria «sujeito ao segredo de justiça até ao trânsito em julgado da decisão instrutória» (n.º 4 do art. 86.º).
No que dizia respeito ao segredo interno, o art. 89.º, n.º 1 previa que «durante o inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando o Ministério Público a isso se opuser, por considerar, fundamentalmente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.»
Uma novidade a assinalar e com interesse directo na solução deste conflito jurisprudencial era a que se relacionava com o esgotamento dos prazos do inquérito. Estabelecia-se no art. 89.º, n.º 6: “Findos os prazos previstos no artigo 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses.”

12.1.2.2. A Proposta de Lei n.º 109/X (DR 1.ª S/A, de 23/12/2006) mantinha, do Anteprojecto, os n.ºs  2 e 3 do art. 86.º; o n.º 4 passava a dispor de forma inovadora que, «no caso de o arguido requerer a publicidade, mas o Ministério Público não a determinar, os autos são remetidos ao juiz, que decide, por despacho irrecorrível, depois de ouvir o ofendido, se o processo continua sujeito a segredo de justiça ou se torna público».
O n.º 5, por seu turno, recuperou o anterior n.º 4: na fase de instrução, o arguido e só ele podia opor-se à publicidade, mantendo-se o processo secreto (segredo externo) até ao trânsito em julgado da decisão instrutória, mas a decisão podia ser revogada em qualquer momento, nos termos do n.º 7.
No que toca ao acesso aos autos, foi também acrescentado no n.º 2 do art. 89.º que «se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível».
Quanto ao art. 89.º, n.º 6, foi mantido.

12.1.2.3. O sentido de algumas destas disposições legais viria a ser alterado na Assembleia da República, à última hora, no decurso da discussão e votação na especialidade, pelo grupo constituído no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e sem que, como se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2008, de 12/08/08 (DR, 2.ª S de 30/09/08), o relatório da referida Comissão forneça “qualquer indicação que permita compreender a sua justificação” (tendo sido requerida a avocação pelo Plenário da votação na especialidade (…)”.
Vejamos, então, os textos, tal como acabaram por ficar, na sua versão definitiva.  

12.1.2.4. Publicidade/segredo na versão resultante da Lei 48/2007
Artigo 86.º
Publicidade do processo e segredo de justiça
1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
2 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.
3 - Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
4 - No caso de o processo ter sido sujeito, nos termos do número anterior, a segredo de justiça, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer momento do inquérito.
5 - No caso de o arguido, o assistente ou o ofendido requererem o levantamento do segredo de justiça, mas o Ministério Público não o determinar, os autos são remetidos ao juiz de instrução para decisão, por despacho irrecorrível.
(…)

Artigo 89.º
Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos      processuais
1 - Durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o    responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.
2 - Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível.
(…)
6 - Findos os prazos previstos no artigo 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.     

Por conseguinte, em matéria de segredo de justiça, as modificações introduzidas à última hora foram profundas. E mais: alteraram o respectivo paradigma. Na verdade, a derrogação do princípio da publicidade, na fase de inquérito, deixou de ser regra, como era próprio do regime anterior e conforme a uma longa tradição jurídica existente entre nós. Mesmo no Anteprojecto apresentado pela Unidade de Missão Para A Reforma Penal, o segredo de justiça continuava a ser consubstancial à fase de investigação, vigorando até ao termo do prazo para requerer a instrução, excepto se o Ministério Público, com a concordância do arguido, determinasse a sua publicidade, uma vez verificado que esta não prejudicava a investigação, nem os direitos dos participantes processuais. Introduzia-se um módulo de flexibilização em tal regime, estabelecendo-se a possibilidade de derrogação do princípio do segredo, mesmo na fase de inquérito, se o Ministério Público assim o requeresse, verificadas determinadas condições e obtendo-se a concordância do arguido. No que toca à instrução, o regime era muito semelhante ao introduzido pela reforma de 1998, ou seja: pressupondo-se que o inquérito tinha decorrido com sujeição ao segredo de justiça, a publicidade passava a vigorar a partir do requerimento de abertura da instrução, se esta fosse requerida pelo arguido e este não declarasse que se opunha à publicidade.
Na Proposta de Lei n.º 109/X, introduziu-se uma variante que apontava já para uma mudança do modelo até então vigorante no processo penal: podendo o arguido requerer, autonomamente, a publicidade na fase de investigação, fazia-se intervir o juiz de instrução para decidir em última análise, caso o Ministério Público se opusesse à pretensão do arguido.
O mesmo se passava no tocante ao acesso ao processo contemplado no art. 89.º, n.º 1, visto que, no n.º 2 desse artigo, passou também a fazer-se intervir o juiz de instrução para o caso de se verificar divergência entre a pretensão dos participantes processuais que podiam requerer tal acesso e o Ministério Público. O juiz de instrução decidia, então, o conflito por despacho irrecorrível, à semelhança da hipótese indicada anteriormente.
Na versão que acabou por prevalecer e que passou para o texto da lei, verificou-se a reviravolta assinalada: a publicidade do processo passou a ser a regra logo a partir da fase preliminar do processo, pondo-se termo, de uma forma radical, à tradição jurídica da derrogação da publicidade durante a investigação da notitia criminis.
O segredo de justiça passou a existir como excepção casuística, devendo ser determinado, caso a caso, pelo Ministério Público, no interesse da investigação e (ou) dos direitos dos participantes processuais, mas carecendo, mesmo assim, tal decisão do único titular do inquérito de validação por parte do juiz de instrução.
O juiz de instrução, por seu turno, também passou a poder determiná-lo, por despacho irrecorrível, a requerimento do arguido (mas não só deste; agora, também do assistente e do ofendido), depois de ouvido o Ministério Público.
No caso de o segredo de justiça ser determinado por decisão do Ministério Público, validada pelo juiz de instrução, aquele passou a poder levantar o segredo a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento dos participantes processuais indicados. Porém, neste último caso, se o Ministério Público estiver em desacordo, intervém o juiz de instrução, que decide, por despacho irrecorrível.
O segredo de justiça é limitado à fase de inquérito, cessando com o encerramento deste e não tem que coincidir, como se extrai do já exposto, com a sua duração.
Quanto à instrução, esta passou a ser sempre pública, independentemente do sujeito processual requerente e da vontade dele. Ou seja, o segredo de justiça, a existir, fica confinado à fase de inquérito, segundo um mecanismo complicado em que entram os interesses conflituantes dos sujeitos processuais, cuja divergência é dirimida, em último termo, pelo juiz de instrução, que passa a ser elemento decisivo da sua determinação em concreto.
No tocante ao acesso aos autos como consequência do termo dos prazos do inquérito (cessação do segredo interno), também aqui a versão final resultante da discussão na Assembleia da República foi contemplada com um acrescento na parte final do n.º 6 do art. 89.º, passando a dispor-se que o prazo de três meses de adiamento do acesso aos autos por parte do arguido, do assistente e do ofendido, «pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação», residindo aqui, precisamente, como já foi assinalado, o punctum saliens do presente conflito de jurisprudência.  
Antes de centrarmos nele, decisivamente, a nossa atenção, salientemos, em jeito de conclusão, que a matéria do segredo de justiça veio a saldar-se, como já foi avançado, por uma inversão total em relação ao regime que vigorava antes e que se inscrevia na nossa tradição jurídica de muito longa data, inversão que também o é em relação ao regime proposto pela Unidade de Missão Para a Reforma Penal no seu Anteprojecto e mesmo em relação à Proposta de Lei 109/X, que continuava a prever o regime de segredo de justiça como inerente, de forma geral, à fase de investigação. Como salienta COSTA ANDRADE, «Significa isto que, no contexto do novo ordenamento positivado, as situações de segredo de justiça ficaram reduzidas a casos decididamente marginais e excepcionais. Cabendo precisar que a marginalidade e a excepcionalidade não se revelam apenas no plano fáctico ou quantitativo segundo o modelo regra-excepção. Intervém também aqui um factor simbólico, expresso no teor “fraco” da dignidade normativa reconhecida ao segredo de justiça: tanto na existência como na essência, quer no se, quer no quando ou quanto, o segredo de justiça está hoje inteiramente dependente da iniciativa e da intervenção dos sujeitos processuais (arguido, assistente, Ministério Público, Juiz de Instrução), segundo diferentes modelos de interacção. Não resultando em nenhum caso de imposição ou injunção directa da lei, o segredo está em toda a linha cometido à disponibilidade dos sujeitos processuais. O que significa que o legislador de 2007 se conforma com a possibilidade prática de não sobrar qualquer espaço para o segredo de justiça. E, por vias disso, com a possibilidade de não subsistir qualquer área de tutela para um segredo de justiça que entretanto o legislador constituinte erigiu à constelação dos bens jurídicos constitucionais (artigo 20.º, n.º 3 da Constituição da República).» («“Bruscamente no verão passado”, a reforma do Código de Processo Penal», Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 137.º n.º 3499 (MAR/ABR 2008), pp. 230/231).  

12.1.2.5. Críticas ao regime instituído
Para além do reputado penalista citado, o regime instituído quanto ao segredo de justiça tem sido, de um modo geral, alvo das mais aceradas críticas (Em sentido concordante com a reforma, manifestou-se GERMANO MARQUES DA SILVA, “A Publicidade Do Processo Penal E O Segredo De Justiça. Um Novo Paradigma?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), Ano 18, n.ºs 2 e 3 -ABR/SET 2008-, pp. 257 e ss.). Passaremos essas críticas sumariamente em revista, e não de forma exaustiva, por esse aspecto do problema só nos interessar como enquadramento da solução do caso.
À cabeça de todos, colocaremos FIGUEIREDO DIAS, que alude a «uma aprofunda desfiguração da fase de inquérito, ao substituir o princípio do segredo de que uma tal fase se revestia pelo princípio oposto da publicidade» (“Sobre A Revisão de 2007 Do Código De Processo Penal”, RPCC, Ano 18, n.ºs 2 e 3, p. 371). E mais adiante, depois de salientar a intenção da Unidade de Missão de manter o segredo de justiça na fase de inquérito, regulando-o todavia de uma forma mais equilibrada, afirma: «Fazendo tábua rasa deste propósito, o Parlamento operou deliberadamente uma revolução copernicana da natureza do inquérito. Com o que criou limites pesados e de consequências nefastas e impredictíveis à investigação criminal no seu todo; abriu a porta à multiplicação de tensões, entre, por um lado o MP e os órgãos de policia criminal e, por outro lado, entre estes e o juiz de instrução; e trouxe para a rua situações eventualmente dotadas de relevo jurídico-criminal, cujo conhecimento público, dado o estádio incipiente em que o seu esclarecimento se encontra, é prejudicial não só ao dever estadual de investigação do crime, mas também a interesses elementares das pessoas presumivelmente – mas em muitos casos, em definitivo, infundadamente – implicadas.» (p. 372).       
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO (“Publicidade E Segredo Na Última Revisão Do Código De Processo Penal”, Revista do CEJ, n.º 9 (especial) – 1.º semestre de 2008 – afirma que «o novo regime processual de segredo de justiça (…) assenta numa ruptura profunda do Direito anterior.» (p. 15). Segundo ele, são de assinalar a «consagração de limites muito significativos à investigação criminal e aos poderes do Ministério Público durante o inquérito criminal, a par de alguma desvalorização da instrução»; o aumento significativo dos poderes do JIC no inquérito – uma fase dirigida pelo Ministério Público; o desequilíbrio do modelo anterior assente na concordância prática dos vários interesses e direitos em conflito e modulada de acordo com a fase processual em causa; o desaparecimento de uma articulação clara entre as duas fases do processo (fase preliminar, compreendendo o inquérito e a instrução, e fase de julgamento), alteração que «pode pôr em causa a eficiência da investigação criminal, a eficácia processual de alguns meios de prova e a própria presunção de inocência do arguido, na sua vertente social, durante as fases preliminares do processo.» (pp. 8 a 10).
HENRIQUES GASPAR partilha de opinião semelhante, ao assacar à reforma, tal como ela veio a materializar-se, uma «alteração radical do modelo, tanto no que respeita ao valor e às finalidades do princípio da exclusão da publicidade, como também das funções do juiz de instrução.»; «desvios de teleologia»; «inversão sistémica»; »perturbação intensa na coerência do processo» (…) «com consequências devastadoras na plano da operacionalidade, da eficácia e dos resultados» (“Processo Penal: Reforma Ou Revisão: As Rupturas Silenciosas E Os Fundamentos (Aparentes) Da Descontinuidade”, RPCC cit., pp. 347 e ss., particularmente pp. 353 a 355).    
PEDRO MARIA GODINHO VAZ PATTO afina pelo mesmo diapasão, ao falar de “alteração surpreendente”; menosprezo dos direitos do arguido, nomeadamente do princípio da presunção de inocência, podendo o inquérito decorrer publicamente mesmo contra a sua vontade, ao contrário do que sucedia, quer no regime até então vigente, quer no Anteprojecto apresentado pela Unidade de Missão e mesmo na Proposta de Lei n.º 109/X (seria o caso de o segredo de justiça não ser requerido pelo Ministério Público e o juiz de instrução não deferir requerimento do arguido nesse sentido, e o caso de o juiz de instrução não validar a decisão do Ministério Público de colocar o processo sob segredo de justiça), sucedendo que, na instrução, o processo é sempre público, mesmo que o arguido mantenha interesse no sigilo; subversão das funções do JIC, ao colocá-lo no centro da disputa sobre os interesses a salvaguardar na investigação (“O Regime Do Segredo De Justiça No Processo Penal Revisto” – Revista do CEJ já citada, pp. 46 a 48). 
Curiosamente, COSTA ANDRADE, que levanta um sem-número de problemas e questões a propósito do novo regime publicidade/segredo – “um regime que nos escassos meses de vigência que já leva, suscitou uma miríade de problemas normativos, doutrinais e prático-jurídicos que as primeiras reflexões, discussões e controvérsias vão deixando a descoberto» (ob. cit., p. 230), também vê com bastante apreensão as implicações de tal regime no estatuto e funções das respectivas magistraturas, a projectarem-se na eficácia e operacionalidade da própria investigação: do lado do juiz de instrução, a perda de «distanciação face ao fluir dos conflitos, que lhe assegurava a objectividade e neutralidade conaturais ao acto jurisdicional e seus marcadores eidéticos (…), «surgindo como que mergulhado na própria conflitualidade» (…) E «ganhando um maior comprometimento com a sorte da investigação, surgindo indissociavelmente associado ao respectivo sucesso ou fracasso. Tudo a projectar-se em diluição das responsabilidades das instâncias formais de controlo e em perda de confiança da comunidade.» (…) «As implicações são ainda maiores e mais perturbadoras do lado do Ministério Público. Porventura mesmo incompatíveis com o estatuto de uma magistratura autónoma» (p. 233).  
Por outro lado, este mesmo Autor assinala que o novo regime faz diluir as fronteiras entre as diversas fases do processo, estabelecendo a comunicabilidade entre o inquérito e o julgamento, pela dimensão de contraditoriedade que, desde logo, assume o inquérito e tornando questionável a existência de uma fase como a da instrução (pp 230 e ss) – opinião partilhada por NUNO BRANDÃO, “A Nova Face da Instrução”, RPCC, Ano 18, n.ºs 2 e 3 (ABR/SET 2008), p. 227 e ss.   Tudo a potenciar, na opinião do primeiro Autor citado, o fomento dos “meios ocultos de investigação” (idem, ibidem), ou, na opinião de HENRIQUES GASPAR, «a recomposições na realização do inquérito», tais como «reordenar métodos e estratégias, redefinir prioridades, perspectivar resultados segundo prognose de eficácia ou de êxito, reservar ou preservar fontes, sobrestar processualmente na exposição precoce de meios de prova, no acomodamento que é possível com uma leitura da intenção legislativa que não favorece o resguardo da eficácia (…)» (ob. cit., p. 351).
Na mesma linha crítica da reforma, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2008 (DR 2.ª S. de 30/09/2008), acentua que «foi só no decurso da discussão e votação, na especialidade (a cargo de um grupo de trabalho constituído no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e especificamente na reunião final da Comissão, realizada em 18 de Julho de 2007, que foram apresentadas as propostas de alteração aos artigos 86.º e 89.º do CPP que acabariam por ser aprovadas e que apresentam uma alteração radical – para a qual o relatório da referida Comissão (DAR, 1.ª S/A, n.º 117, de 23 de Julho de 2007) não fornece qualquer indicação que permita compreender a sua justificação.»

12.1.2.6. Não nos compete, porém, pronunciarmo-nos sobre o alcance da inversão do regime em que assenta a excepcionalidade do segredo de justiça na fase de inquérito, mas tão só traçarmos as linhas essenciais do novo regime, para a compreensão do qual apelámos ao contributo de algumas visões críticas. A solução do nosso problema reconduz-se à apontada questão do acesso aos autos e, dentro desta, à possibilidade de adiamento desse acesso e, sobretudo, à prorrogação do prazo a que se refere a última parte do n.º 6 do art. 89.º do CPP.
Ora, esta questão supõe sempre que o processo se encontra em segredo de justiça e os seus traços essenciais, uma vez determinado, são basicamente semelhantes aos do regime que vinha da lei anterior.
Com efeito, nos termos do art. 86, n.º 8 do CPP, «O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de: a) assistência à prática ou tomada de conhecimento de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir; b) divulgação de ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.»
O segredo de justiça impõe-se, portanto, interna e externamente. Internamente, em relação aos próprios sujeitos e participantes processuais, que não podem assistir a actos processuais a que não tenham o direito de assistir, nem divulgar a ocorrência de acto processual ou dos seus termos, mesmo relativamente a outro sujeito ou participante processual. Externamente, o segredo de justiça impõe-se a todas as pessoas que estejam de fora da relação processual, sendo de destacar, neste âmbito, que, para além da proibição de assistência ou tomada de conhecimento de qualquer acto processual, não pode ser divulgado o seu teor seja por quem for, independentemente de a tomada de conhecimento ter provindo de contacto com o processo – proibição que se relaciona com o tipo legal de crime do art. 371.º do CP, que, nesse aspecto, sofreu um aditamento com as alterações da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, de mero esclarecimento, sendo os mesmos os respectivos elementos típicos, segundo uns, e traduzindo-se numa inovação típica, segundo outros (Cf., quanto a esta querela, FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, ob. cit., p. 40).   
O segredo de justiça visa uma tríplice ordem de objectivos: tradicional e fundamentalmente, o resguardo da investigação, com vista à descoberta do crime e dos seus agentes e à submissão destes a julgamento, assegurando-se a recolha e a preservação das provas; de acordo com posições que têm vindo a solidificar-se cada vez mais, visa também a realização do princípio da presunção de inocência do arguido, constitucionalmente garantido no art. 32.º, n.º 2 da CRP, tanto mais que se trata de uma fase em que ainda não está devidamente aclarado o facto em investigação, protegendo-se, assim, o direito daquele ao bom nome e reputação, como também de outros participantes processuais; finalmente, a imparcialidade e serenidade na realização da própria justiça, evitando-se intromissões estranhas e perturbadoras, julgamentos antecipados e paralelos, nomeadamente por parte dos órgãos da comunicação social (tryal by newspapers).  
O segredo de justiça continua a não ser absoluto, conhecendo limites mais  alargados em certos aspectos do que os que estavam previstos na  lei anterior, embora sendo basicamente os mesmos. Assim admitem-se derrogações estritas, em certas condições: para esclarecimento da verdade (aliena a) do n.º 9 do art. 86.º do CPP); quando se mostrem indispensáveis ao exercício de direitos pelos interessados (aliena b);  com o fim de juntar certidões de conteúdo de acto ou de documento a outro processo de natureza criminal ou para instruir processo disciplinar de natureza pública, e ainda para dedução de pedido de indemnização civil de uma forma geral (n.º 11) e, em especial, em processo respeitante a acidente provocado por veículo de circulação terrestre (n.º 12); com o fim de prestar esclarecimentos públicos, necessários ao restabelecimento da verdade e desde que não prejudiquem a investigação, neste caso a pedido de pessoas publicamente postas em causa ou para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública (n.º 13, alíneas a) e b).  
Para além destes limites, há ainda que ter em conta a regulamentação mais detalhada no âmbito do primeiro interrogatório de arguido detido e das medidas de coacção, tendentes a dar mais ampla satisfação ao direito de defesa, isto na sequência de jurisprudência do TC (Acórdãos n.ºs 121/97, já referido e 607/2003, de 5 de Dezembro (DR 2.ª S de 8/04/2004). Nos termos do art. 141.º, o juiz de instrução, para além do dever de informar o detido dos seus direitos, deve dar-lhe conhecimento dos motivos da detenção; dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime, devendo todas essas informações ficar a constar do auto de interrogatório. Por seu turno, o Ministério Público e o defensor podem suscitar pedidos de esclarecimento sobre as respostas dadas pelo arguido e podem ainda requerer ao juiz que formule as perguntas que entendam relevantes para a descoberta da verdade (n.º 4, alíneas a ) a d) e n.º 6).
Os restantes interrogatórios obedecem em tudo quanto for aplicável às mesmas regras.
E, no que se refere à aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, com excepção do termo de identidade e residência, o Código estipula agora, de forma mais minuciosa, que tal aplicação é sempre precedida de audição do arguido, podendo ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial. O despacho que aplica aquelas medidas tem de ser fundamentado, sob pena de nulidade, com a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que for possível, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; com a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade, ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; com a referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os indicados no art. 193.º, destinados a dar cumprimento às exigências de necessidade, adequação e proporcionalidade de cada uma das medidas, e os indicados no art. 204.º, que se referem aos pressupostos de fuga ou perigo de fuga; ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Acresce que não podem ser considerados para a aplicação da medida quaisquer factos ou elementos do processo que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição, com ressalva dos perigos acima enunciados. E mais: o arguido e seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição do recurso (art. 194.º, n.ºs 3, 4, alíneas a ) a d), 5 e 6).
 Será ainda de ter em conta o disposto no art. 89.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, já referido, que regulamenta o acesso aos autos na fase de inquérito, podendo o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos deles constantes, bem como obter, extractos, cópias e certidões, quer ele esteja em segredo de justiça, quer não esteja. Porém, estando em segredo de justiça, o Ministério Público pode opor-se a essa consulta, «por considerar, fundadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.» Neste caso, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível.
Por conseguinte, os sujeitos e participantes processuais, mesmo estando o processo a decorrer sob segredo de justiça, podem ter acesso a elementos dele constantes, desde que se considere que tal não acarreta prejuízo para a investigação ou direitos dos participantes processuais ou das vítimas. Isso vem a traduzir-se numa significativa alteração em favor dos direitos dos participantes processuais, nomeadamente do arguido, o que se deve, sem dúvida, à jurisprudência do Tribunal Constitucional, principalmente os falados Acórdãos.

13. O adiamento do acesso aos autos e respectiva prorrogação do prazo  
13.1. Estando os autos a decorrer sob segredo de justiça, estabelece inovadoramente, como vimos, o art.89.º, n.º 6 que, findos os prazos do inquérito (previstos no art. 276.º), o arguido, o assistente e o ofendido passam a poder consultar todos os elementos do processo. Porém, o juiz de instrução pode determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses.
Esta disposição, que diz respeito à cessação do segredo interno, constava já do Anteprojecto apresentado pela Unidade de Missão e da Proposta de Lei n.º 109/X. Porém, a Assembleia da República veio, à última hora, acrescentar o último segmento ao texto do n.º 6 do art. 89.º do CPP, tendo sido essa uma das alterações de surpresa à Proposta de Lei n.º 109/X.
Esse n.º 6 acabou por ficar com a seguinte redacção: «Findos os prazos previstos no art. 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m)  do artigo 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação (a negrito o segmento acrescentado).
Ora, é esse segmento que nos cabe interpretar, resolvendo o diferendo jurisprudencial.
Fundamentalmente há duas teses, como vimos: uma segundo a qual a prorrogação do prazo, precisamente porque se trata de uma prorrogação e por uma só vez, não pode ultrapassar o prazo inicial, podendo embora ser menor. O tempo objectivamente indispensável à conclusão do inquérito seria, assim, o determinante do prazo de prorrogação, mas este teria de conter-se necessariamente dentro do limite de três meses.
A outra tese é oposta: a prorrogação não teria prazo prefixo, podendo estender-se para além de três meses, consoante o tempo objectivamente indispensável para a conclusão do inquérito.
Na primeira corrente alinham PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário…, p. 258, o qual afirma que «é esse o sentido limitativo da palavra prorrogação e da restrição da prorrogação a uma só vez. Se não, haveria frustração do propósito da lei de evitar a continuação ad aeternum de certos processos criminais, precisamente aqueles que dizem respeito à criminalidade das alíneas i) a m) do art. 1.º.»; LOBO MOUTINHO, A limitação temporal do segredo do processo relativamente ao arguido – o Pós-Acórdão n.º 428-08 do Tribunal Constitucional, in www.servulo.pt , defendendo a necessidade de limitar temporalmente o segredo do processo na  sua faceta interna, em nome dos direitos de defesa do arguido. Estes direitos estão comprimidos por força do segredo de justiça, que é estabelecido em prol da investigação, não devendo o arguido sofrer indefinidamente uma limitação desses direitos, sempre a crédito de quem investiga. O conhecimento dos elementos que constam do processo é imprescindível para o exercício de uma defesa eficaz, pelo que o prolongamento indefinido do segredo processual seria lesivo, por ofensa do princípio da proporcionalidade, dos direitos do arguido. Assim, conclui que «para além da flexibilidade introduzida logo pela possibilidade geral de prorrogação do acesso aos autos por um período máximo de três meses (art. 89.º, n.º 6, I parte), como se viu, na ponta final dos trabalhos preparatórios da revisão de 2007 foi introduzida uma outra possibilidade de prorrogação por um máximo de mais três meses para os casos de terrorismo, criminalidade violenta e altamente organizada (art. 89.º, n.º 6, II parte). Por força da conjugação de ambas, o prazo máximo mais elevado (12 meses) pode ser acrescido nada mais nada menos do que em metade (6 meses).»   
Na segunda corrente, integram-se FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, visado especialmente no estudo referido anteriormente, o qual começa por referir as críticas tecidas por organizações profissionais e lamentando que não tenham tido eco suficiente na Unidade de Missão, quando bastaria «ter criado no art. 276.º um regime de suspensão da contagem do prazo do inquérito, quando estivessem em causa diligências a executar por terceiros, que não o MP ou os OPC ⌠ógãos de polícia criminal⌡», ou «(…) fixar-se um prazo-limite para a realização de tais diligências ou mesmo para a duração da suspensão. Ou ainda declarar-se o regime inaplicável à criminalidade organizada, em especial aos crimes económico-financeiros, à corrupção e à criminalidade transnacional. Propostas de alteração que o poder político deve ponderar rapidamente, antes que o novo regime produza danos irreversíveis em algumas investigações criminais em curso e inviabilize processos futuros.»
Em última análise, postula um remedeio por via hermenêutica e defende que «numa leitura articulada materialmente com o interesse público inerente à investigação criminal, o art. 89.º, n.º 6, do CPP não pode permitir o acesso automático aos autos sempre que tal possa pôr gravemente em causa a investigação, se a sua revelação impossibilitar a descoberta da verdade ou se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime» (ob. cit., pp. 32, 33).
Também PEDRO MARIA GODINHO VAZ PATTO vai no mesmo sentido, advogando que, a considerar-se «que o segundo prazo também tem a duração máxima de três meses, não fará muito sentido que só este (e não também o primeiro, aplicável a quaisquer crimes) fosse, dentro desse limite, “objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Ou seja, esta referência terá sentido se for ele apenas a fornecer o critério de fixação do prazo (e não apenas a fornecer esse critério dentro do prazo limite de três meses: se assim fosse, também seria aplicável ao prazo inicial, aplicável a quaisquer crimes)». Por outro lado, a história do preceito, levando em conta que o segmento da lei sobre a prorrogação do prazo não constava do Anteprojecto nem da Proposta de Lei, tendo sido introduzido aquando da discussão na Assembleia da República, no seguimento das observações do Ministério Público, inculca que a ratio da lei está mais de acordo com o sentido proposto (ob. cit., pp. 64 e ss.).
GERMANO MARQUES DA SILVA também se mostra favorável a esta interpretação. Com efeito, afirma: «Poder-se-ia, porventura, entender que, tratando-se de uma segunda prorrogação, não deveria ter duração superior à primeira, sob pena de se subverter a preocupação do legislador em estabelecer prazos máximos de duração do segredo de justiça, mas, atendendo ao tipo de criminalidade de que se trata e em razão da gravidade da qual é admitida a segunda prorrogação, entendemos que esta prorrogação tem natureza excepcional. Cremos que esta segunda prorrogação não tem limite temporal, tendo a duração que for objectivamente indispensável à conclusão da investigação. A letra do artigo da lei parece-nos reforçar este entendimento, ao dispor simplesmente que o prazo pode ser prorrogado «por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação». A prorrogação tem de ser fundamentada em elementos objectivos constantes do processo (ex: perícia demorada, carta rogatória que se aguarda).» (Curso de Processo Penal II, Editorial Verbo 2008, 4.ª edição, p. 31).

13.2. Impõe-se, pois, determinar o sentido da lei, através dos cânones interpretativos.           
O primeiro elemento de interpretação é a letra da lei, o chamado elemento gramatical. Porém, o texto da lei, só por si, é insuficiente, mesmo que aparentemente muito claro, estando completamente arredado o brocardo latino in claris non fit interpretatio. É que as palavras são quase sempre polissémicas, e, por outro lado, é sabido que existe frequentemente uma distância, maior ou menor, entre o pensamento e a sua expressão.
Para além do teor verbal da lei, o intérprete tem de socorrer-se de outros meios, outros utensilia disponíveis na panóplia hermenêutica: o elemento lógico e racional ou teleológico, que parte do pressuposto de que uma norma tem uma função a cumprir, um fim ou thelos, que é disciplinar um dada relação ou um conjunto de relações da vida social e, por conseguinte, há que surpreender o seu sentido em correlação com o escopo visado pela lei; a conjugação da norma com outras normas que regulam a mesma matéria, formando um todo tendente a um sentido, ou que regulam matérias afins, ou mesmo a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextual e intertextual, se designa de sistemática); o elemento histórico, socorrendo-se da história do preceito, da disciplina de certa matéria, de certas instituições dogmáticas, procura surpreender o sentido das normas, através da sua génese histórica e da sua evolução legislativa, dos trabalhos preparatórios,  sucedendo que estes nem sempre deixam transparecer o sentido que acabou por ser fixado na lei.
De acordo com estes princípios hermenêuticos, tão rudimentarmente esboçados (e seguindo a orientação fundamental que se colhe no clássico, mas ainda actual Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, de MANUEL DE ANDRADE e no ensaio Interpretação E Aplicação Das Leis, de FRANCESCO FERRARA, ambos reunidos no mesmo volume, 3.ª Edição, Coimbra 1978, pode chegar-se a uma interpretação que, logo a partir do seu teor verbal, não deixe dúvidas quanto ao seu sentido; pode alcançar-se um resultado que nos ofereça uma pluralidade de sentidos não concordes uns com os outros e, nesse caso, há que tentar conciliar o sentido que melhor corresponda ao fim para que a lei foi criada, tendo em conta a sua evolução histórica, e que se coadune com o  sistema, isto é, que aí entre sem causar assimetria ou desarmonia.
Em qualquer dos casos, o teor verbal da lei, se é o elemento básico por onde deve começar toda a interpretação, é também o limite, dentro do fim ou ratio que subjaz àquela e do sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem imaginosa de ANDRADE (ob. cit. p. 64), «Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida».
Aliás, em qualquer domínio hermenêutico que tenha como matéria ou objecto de interpretação a língua, o limite formado pelo quadro verbal é inultrapassável, como assinala, por exemplo, UMBERTO ECO a propósito da interpretação de textos literários e outros: «Até o descontrucionista mais radical aceita a ideia de que há interpretações que são clamorosamente inaceitáveis. Isto significa que o texto interpretado impõe restrições aos seus intérpretes. Os limites da interpretação coincidem com os direitos do texto (o que não quer dizer que coincidam com os direitos do seu autor).» (Os Limites da Interpretação, Editora Difel, 2.ª Edição, p. 17/18)  
São exactamente estes princípios que se encontram vazados no art. 9.º do Código Civil (CC), que dispõe deste modo:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
«2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (…)»           
 
13.2.1. Vejamos o elemento literal:
Está em causa o segmento onde se determina que (…) a requerimento do Ministério Público, o acesso aos autos ⌠…⌡ seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.»
Ora, se bem atentarmos, o preceito prevê um adiamento para a criminalidade em geral, por um período máximo de três meses, facto que constitui excepção à regra de que o segredo de justiça, na sua faceta interna, termina com o esgotamento dos prazos previstos na lei para o encerramento do inquérito, e uma prorrogação desse prazo para processos de natureza especial, relacionados com o terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente organizada.
Esta prorrogação diz a lei que é pelo prazo objectivamente indispensável para a conclusão da investigação. Ora, se é pelo prazo objectivamente indispensável, é pelo tempo que for necessário, em termos razoáveis e objectivos, para concluir as diligências investigatórias. Portanto, sem dependência do prazo inicial. Trata-se de uma prorrogação com determinação autónoma. As palavras da lei não inculcam outro sentido. Se o legislador tivesse querido limitar este segundo prazo, tê-lo-ia dito, por exemplo, por formas idênticas a estas: “pode ser prorrogado por igual prazo”, ou, mais singelamente, “pode ser renovado por uma só vez”. Tão simples como isto. Por que razão, em vez de uma fórmula simples, usou o legislador a expressão por um prazo objectivamente indispensável para a conclusão da investigação, senão para assinalar um prazo distinto do primeiro, não predeterminado, mas estabelecido de acordo com as necessidades reais e objectivas daquela? Ou seja, estabelecendo uma excepção à excepção?
Por outro lado, se a expressão assinalada devesse ser limitada no tempo, nomeadamente ao prazo inicial, por que é que o legislador não acrescentou qualquer segmento do género “mas não podendo exceder aquele prazo”?
Se não acrescentou e se usou aquela fórmula, é porque realmente o legislador não quis subordinar o segundo prazo ao anteriormente referido de três meses. O que bem se compreende.
É que, se o prazo objectivamente indispensável para concluir a investigação de um dado caso pode não ultrapassar os três meses ou até ser-lhe inferior, já noutro caso pode requerer um período de tempo superior. Ora, se a prorrogação nunca pudesse exceder os três meses, aqueles casos em que a conclusão da investigação requeresse um período de tempo superior não estavam a coberto da cláusula “por um prazo objectivamente indispensável”. Consequentemente, a própria lei enfermaria de uma contradição nos seus próprios termos. Esboroar-se-ia a lógica da formulação legal, que é a de assegurar que as diligências que se impõe realizar para conclusão da investigação dos crimes mais graves e que causam maior intranquilidade social fossem levadas a cabo com o necessário sigilo processual, a fim de se garantir o êxito da investigação.
Por conseguinte, o elemento literal ou gramatical, ou seja, o próprio texto da norma na sua formulação verbal vai no sentido de a prorrogação do prazo ser pelo tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, mesmo que superior aos três meses referidos inicialmente.
Tal interpretação cabe sem esforço no enunciado legal, ao passo que a interpretação que pretende limitar a prorrogação referente aos crimes mais graves a três meses acomoda-se com dificuldade a esse enunciado ou tem mesmo de recorrer, artificialmente, a uma lacuna, a preencher de acordo com os princípios que regem os casos omissos, quando não se trata de lacuna alguma, mas de completude do texto legal.
Por outro lado, se a interpretação que adiantámos é a que melhor se ajusta ao teor verbal da lei, em termos lógicos, racionais ou teleológicos, afigura-se esta solução como a mais razoável.

13.2.2. Com efeito, já começámos por adiantar que, se o que se pretendeu foi prorrogar o adiamento do acesso aos autos pelo tempo objectivamente indispensável para a conclusão da investigação, de modo a que as respectivas diligências fossem levadas a cabo em segredo de justiça, não faria sentido que esse prazo fosse limitado inflexivelmente por um determinado período de tempo, que, objectivamente, podia não ser o indispensável para concluir a referida investigação. Haveria uma contradição nos termos. Ou seja, o legislador estaria a dar com uma mão e a tirar com a outra.
Já se tem argumentado que o acesso aos autos pelos sujeitos e participantes processuais, uma vez esgotados os prazos do inquérito e a dilação daquele acesso por um período de tempo estritamente limitado seriam uma espécie de sanção por o Ministério Público não ter andado com a devida celeridade. ANDRÉ LAMAS LEITE, chama-lhe pressão. Afirma: «Trata-se de um modo de não prejudicar os sujeitos processuais em virtude de atrasos que lhes não são, em geral imputáveis e, ao mesmo tempo, de um mecanismo de pressão sobre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal no sentido de uma utilização mais racional do tempo que o legislador entendeu ser razoável conceder-lhe para encerrar o inquérito.» (Ob.cit., p. 50).
Ora, esta afirmação também encerra algo de contraditório e desajustado dos fins do processo penal, a cuja realização o segredo de justiça está preordenado. Com efeito, se o legislador quer exercer sobre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal uma pressão através dos prazos, de tal modo que, a certa altura, como consequência desse incumprimento, torna o processo acessível aos sujeitos e participantes processuais, dando prevalência absoluta aos prazos rigidamente estabelecidos, isso significa que se desinteressa, a partir daí, do êxito da investigação, pondo em causa o trabalho realizado e frustrando um dos principais fins do processo penal, que é o de conduzir à descoberta do crime e dos seus autores e submeter os culpados a julgamento. Um objectivo inaceitável, de subversão da estrutura do processo penal e dos valores que encontram guarida na Constituição da República. A ser verídico, não corresponderia ao modelo de legislador que a lei pressupõe: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3 do art. 9.º do Código Civil).
Tanto mais repudiável seria a solução, quanto estão em causa, como se sabe, crimes de grande danosidade social (talvez os de maior danosidade), como o terrorismo, a criminalidade violenta, a criminalidade especialmente violenta e a criminalidade altamente organizada. E, por outro lado, a teoria da sanção ou da pressão nem sequer encontraria, numa grande parte dos casos, fundamento razoável. É que a investigação deste tipo de crimes, para além de ser complexa e frequentemente morosa (mesmo que não estejam em causa megaprocessos formados a partir da concentração de vários processos na mesma investigação), “encalha”, muitas vezes, por força de falta ou de tardia resposta de terceiras entidades, que não têm a ver com o Ministério Público ou com os órgãos de polícia criminal.
Esse facto tem sido lamentado pelos grupos profissionais afectos à investigação e tem sido reconhecido por entidades independentes e imparciais, o que obvia a acusações de “corporativismo”. Já citámos FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO (supra, 3.1.), Mas também COSTA ANDRADE expõe as dificuldades e morosidade desse tipo de investigação (e não só dos crimes referidos, mas também dos chamados “crimes de colarinho branco” (white collar crime, de que o legislador parece ter-se esquecido, não obstante a sua relevância, mesmo do ponto de vista de uma igualdade de tratamento, estando aquela criminalidade associada a classes sociais privilegiadas), salientando que, «na diversificada e polimórfica criminalidade dos nossos dias abundam constelações que pela sua complexidade e opacidade reclamam informação, trabalho e, naturalmente, tempo, que pode estar muito para além dos prazos à partida consignados para o inquérito, mesmo que confiados aos operadores mais dotados, apetrechados e diligentes. (…) E isto independentemente das dificuldades exógenas, derivadas da intervenção necessária de instâncias, muitas vezes estrangeiras, sobre as quais nem as magistraturas, nem as polícias criminais que protagonizam a investigação detêm controlo. E sem tomar em conta que o preceito pode constituir, só por si, um decisivo estímulo para o recurso a práticas dilatórias por parte dos sujeitos processuais interessados em jogar à luz da publicidade.» (“Bruscamente no verão passado…”, n.º 3949 da cit. RLJ, p. 237).     
E mais adiante, p. 238 :
«Susceptível de várias leituras e categorizações, a cominação em exame comporta seguramente uma irredutível dimensão de reacção contrafáctica. Em boa medida, ela assume o significado de uma sanção pela ultrapassagem dos prazos consignados para o inquérito. (…) Visto a esta luz, o preceito não pode deixar de provocar espanto e perplexidade. Um inquérito corria em segredo de justiça, seguramente em nome de valores ou interesses de irrecusável dignidade e relevo. Em princípio, valores ou interesses associados à eficácia da investigação e, como tais, encabeçados pela comunidade. Mas porque o Ministério Público frustrou a expectativa de terminar o inquérito dentro do prazo legalmente consignado, a lei prescreve, como resposta contrafáctica, o fim do segredo interno. Nessa mesma medida aceitando o sacrifício dos valores ou interesses em nome dos quais o segredo tinha sido decretado.»   

Dissemos acima que uma tal solução que considera a prorrogação do acesso aos autos como dependente do prazo máximo de três meses, estando em causa uma criminalidade tão danosa e continuando a justificar-se, objectivamente, a manutenção do segredo de justiça, subverteria os próprios valores constitucionais. Com efeito, a partir da revisão constitucional de 1997, consagrou-se na Constituição, no art. 20.º, n.º 3, a adequada protecção do segredo de justiça: «A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça».
Ora, não visando só as necessidades de investigação em processo penal, pois a referida norma enquadra-se no âmbito do direito ao acesso aos tribunais, o que significa que também outros direitos e interesses são protegidos com o segredo de justiça, porventura relacionados com outro tipo de processos (direito ao bom nome e reputação, direito à intimidade e reserva da vida privada e familiar, etc. - Cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora 2005, p. 204), a verdade é que a investigação criminal e a necessidade de dar dimensão constitucional ao segredo de justiça nesse âmbito constituiu, sem dúvida, um dos escopos fundamentais do legislador constituinte, pois a investigação criminal, visando a descoberta de crimes e dos respectivos autores e exigindo, por isso, quando justificado, o sigilo dos actos processuais e do seu conteúdo, é um dos pilares em que assenta o Estado de Direito.
Não sendo absoluto, como decorre da análise já efectuada, e devendo ser balanceado com outros direitos fundamentais, nomeadamente o direito de defesa, de modo a obter-se a concordância prática entre eles, a verdade é que a constitucionalização do segredo de justiça impõe que, quando exista, na fase de inquérito, o mesmo se mantenha, ao menos nos casos de maior gravidade, durante o tempo que objectivamente for considerado indispensável para a conclusão da investigação, sem dependência de prazo rígido.
Objectivamente não pode significar outra coisa que não seja pelo tempo reputado necessário, mesmo por um observador não implicado na investigação, o que obvia à invocada eternização do segredo de justiça, como pretendem alguns defensores da rigidez do prazo, obrigando a uma ponderação rigorosa quer das diligências que se impõe efectuar e da sua natureza, quer das circunstâncias concretas que levaram o Ministério Público a requerer a prorrogação do prazo, o que há-de ser bastante para afastar qualquer dilação injustificada. O facto de o Ministério Público ser uma magistratura com estatuto de autonomia, orientando-se pelo princípio da legalidade (art. 219.º, n.ºs 1 e 2 da CRP), competindo-lhe «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade» (art. 53.º do CPP), é, desde logo, uma garantia de objectividade e imparcialidade (Cf. MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 1264, para o caso das medidas de coacção, do qual se podem extrair conclusões semelhantes para o presente caso, ao menos no que respeita aos princípios).
Por outro lado, a intervenção do juiz de instrução, tão minuciosa no que se refere à determinação do segredo de justiça e sua cessação, numa partilha de competências entre as duas magistraturas, em que cabe àquele, como verdadeiro juiz das liberdades, a prática, no inquérito, de todos os actos que se prendam directamente com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (arts. 268.º e 269.º do CPP), representa uma garantia acrescida de respeito pelos direitos não só da comunidade (directamente ligados à investigação), como dos sujeitos processuais e, nomeadamente, do arguido.
Acresce que o legislador não podia deixar de ter em conta o país real a que a lei se dirige, com as carências estruturais e conjunturais que o caracterizam, sendo consabido que muitos exames solicitados no âmbito de processos-crime obtêm resposta tardia, por deficiências materiais dos serviços. Esse é um problema que tem sido insistentemente focado por organizações profissionais de ambas as magistraturas, órgãos de polícia criminal e diversas entidades responsáveis. De entre estas, destaca-se o Procurador-Geral da República, que, como a imprensa tem noticiado, se tem referido às dificuldades que afectam certas investigações (as mais complexas), como, por exemplo, perícias que demoram anos e carências notórias nos serviços, onde há falta acentuada de pessoal especializado.  
Dando conta desta situação, o Segundo Relatório Semestral, da responsabilidade da Monitorização da Reforma Penal (12 de Dezembro de 2008) colocava este problema, que, de certo modo, reflecte o modo de produção legislativa em Portugal: «A questão que se coloca é, pois, a de saber se, no actual contexto, considerando os recursos humanos e materiais afectos ou ao dispor da investigação criminal, a organização e funcionamento dos diferentes órgãos é ou não possível concluir, em média, as investigações criminais nos casos previstos na lei ⌠negrito original⌡. Caso não seja possível, importa saber quais os tipos de criminalidade cuja investigação não é compatível com aqueles prazos e quais as razões. Até que ponto é possível actuar sobre as causas ou até que ponto a eficiência da investigação necessita de alteração da lei, não apenas ou não necessariamente das normas que foram objecto da reforma de 2007, é uma questão que deve ser ponderadamente reflectida, envolvendo nela académicos, mas, também, a opinião dos agentes judiciais que, no quotidiano, se confrontam com o curso das investigações.»  
  Tendo em conta todas estas condicionantes, não se concebe que se tenha pretendido sancionar seja quem for (sanção que, de resto, seria sempre absurda no contexto das finalidades impostergáveis da investigação criminal) com a abertura do processo aos sujeitos e participantes processuais no termo de um prazo rigidamente estabelecido, quando ainda se imporia, objectivamente, realizar determinadas diligências sob segredo, sobretudo quando elas não puderam obter-se dentro dos prazos por força da complexidade da investigação e das apontadas deficiências e estando em causa a criminalidade referida nas alínea i) a m) do art. 1.º do CPP. Para além da ligeireza de uma tal solução, ela ofenderia a referida garantia institucional que a consagração constitucional do segredo de justiça implicou, impondo ao legislador ordinário a adequada protecção ao segredo de justiça.
«A publicidade do processo implica (…) os direitos de: a) Assistência, pelo público em geral, à realização dos actos processuais; b) Narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social; c) Consulta de auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele (art. 86.º, n.º 6). Isto no que se refere à publicidade na sua máxima expansão, na sua vertente externa e interna. Na sua vertente interna, que é a que agora interessa (já que parece inconstestável a manutenção do segredo na vertente externa), a publicidade do processo implica a possibilidade de consulta de auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele, bem como «o acompanhamento e escrutínio dos demais sujeitos processuais e particularmente do arguido» (COSTA ANDRADE, “Bruscamente, no verão passado…”, RLJ n.º 3949, p. 234).
Quer isto dizer que o arguido ficaria a poder conhecer todas as provas carreadas contra ele e ainda aquelas que se imporia levar a cabo, com as inevitáveis consequências de se frustrarem as diligências já realizadas e de se tornarem supérfluas ou inoperantes as que ainda estivessem em curso de realização.
Ora, uma tal solução poderia defraudar a investigação criminal, não satisfazendo, por isso, as exigências constitucionais relativamente ao segredo de justiça, que é instrumental em relação àquela. 
Já em relação ao direito de defesa do arguido, não se pode dizer que fique irremediavelmente prejudicado ou descaracterizado no seu núcleo fundamental com a solução proposta. Isto porque o segredo de justiça, quando exista, não tem carácter absoluto, como vimos. Para além dos direitos que assistem ao arguido (art. 61.º do CPP, alguns dos quais se traduzem no direitos de presença, intervenção, audiência e assistência, implicando conhecimento e informação sobre certos actos processuais em fase de inquérito, “a autoridade judiciária pode ainda, fundamentadamente, dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento de conteúdo de acto ou documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a investigação e se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade, ou se revele indispensável ao exercício de direitos pelos interessados”, aqui se podendo incluir, naturalmente, o direito de defesa (art. 86.º, n.º 9, alíneas a) e b) do mesmo diploma legal).
Por outro lado, no que diz respeito ao primeiro interrogatório de arguido detido e no referente à aplicação de medidas de coacção, foram efectuadas importantes alterações, tendentes a dar mais ampla satisfação ao direito de defesa, como já assinalado (supra, 12.1.2.6.)
Deve ainda sublinhar-se que o arguido, no âmbito dos direitos que lhe são conferidos, deve ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução, sempre que for de tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte e pode intervir no inquérito, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias, para além do direito ao recurso das decisões desfavoráveis (art. 61.º, n.º 1, alíneas b), g) e i) do CPP).    
Por sobre tudo isto, o arguido tem ainda ao seu dispor, embora não sendo seu exclusivo, o mecanismo da aceleração processual, podendo requerer ao Procurador-Geral da República, na fase de inquérito e uma vez excedidos os prazos, a aceleração do processo, nos termos dos artigos 108.º a 110.º do CPP.
Ora, toda esta panóplia de direitos e instrumentos processuais garantem ao arguido, durante o inquérito a decorrer sob segredo de justiça, uma realização do direito de defesa num grau amplamente satisfatório, estando sujeito apenas às restrições mínimas implicadas pelo sigilo da investigação. Deste modo, o mínimo que se pode dizer é que se levou ao ponto mais avançado possível, o objectivo da concordância prática, com respeito pelos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, entre os interesses e direitos tutelados pelo segredo de justiça, ligados à realização da justiça, descoberta da verdade material, aquisição e conservação da prova, e o direito de defesa do arguido. Este passou a dispor de um tal grau de protecção com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que alguns Autores, como temos vindo a mostrar ao longo do texto, não hesitam em afirmar o rompimento do equilíbrio que existia na lei anterior, com o prato da balança a pender para o garantismo acentuado dos direitos do arguido, em detrimento dos direitos da comunidade ligados à investigação de crimes graves.
Ora, só faltava que, em nome desses direitos de defesa do arguido, se abrisse totalmente o processo aos sujeitos e participantes processuais, no termo de um prazo rígida e abstractamente estabelecido por lei, quando se imporia ainda realizar diligências de prova relevantes para a descoberta da verdade (de contrário, não sendo relevantes, não se justificava a prorrogação do prazo de acesso aos autos) para se vibrar uma última e fatal machadada na investigação de crimes da mais acentuada gravidade.
O legislador não podia pretender, por absurda, uma tal solução.
Em último termo, como anota FIGUEIREDO DIAS, com os olhos postos na injunção constitucional (art. 20.º, n.º 3), o princípio da publicidade tem de ser interpretado «por formas restritivas tais que permitam o restabelecimento de um mínimo de concordância prática entre a manutenção do segredo indispensável à generalidade dos inquéritos, sobretudo da criminalidade grande e grave, e o mais liberal acesso aos autos possível da parte dos interessados» ( Ob. cit., p. 374/375).

13.2.3. Também no elemento sistemático encontramos subsídios a favor da interpretação que propomos.
Desenhámos o contexto em que a norma se insere, situando-a em todo o complexo de regulação do segredo de justiça e mostrámos que, dentro desse contexto, sendo o segredo de justiça restrito à fase de inquérito, ele é, mesmo assim, excepcional, visto que determinado apenas, quando o juiz de instrução entenda, a requerimento dos participantes processuais e ouvido o Ministério Público ou validando decisão deste, ser justificado para proteger os interesses e direitos ligados à investigação e outros direitos fundamentais, nomeadamente o direito de defesa do arguido, e cessando, em princípio, quando deixe de se justificar (oficiosamente por despacho do Ministério Público, ou mediante requerimento a este do arguido, do ofendido ou do assistente, que, se desatendido, ocasiona a intervenção do juiz de instrução para decidir em última análise – cf. art. 86.º, n.ºs 2 a 5).
Dentro desse contexto, mostrámos como, a ter sido decidido sujeitar o inquérito  a segredo de justiça, foram os interesses ligados à investigação e aos interesses e direitos dos sujeitos e participantes processuais tutelados por meio do sigilo que levaram o legislador, nos casos de maior gravidade, a mantê-lo, sob requerimento do Ministério Público e decisão do juiz de instrução, mesmo depois de findos os prazos referidos no art. 89.º, n.º 6 do CPP, por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem submissão a qualquer período de tempo rigidamente estabelecido por lei, nomeadamente o de três meses referido na 1.ª excepção. De outro modo, descurar-se-iam, porventura de forma irremediável, os interesses da investigação, de natureza pública, tutelados por meio do segredo de justiça – interesses esses que o legislador, em obediência à injunção constitucional, fez sobrelevar, excepcionalmente, a quaisquer outros, sem no entanto lhes retirar eficácia adequada e proporcionada às circunstâncias, como é o caso do direito de defesa, não sendo de considerar como intolerável o adiamento do acesso aos autos por mais um período suplementar, criteriosamente determinado por decisão do juiz das liberdades. De resto, a expressão usada na lei não deixa margem para outra interpretação.
Há, porém, outras normas que, regulando matérias afins, nos dão um contributo para a compreensão sistemática do sentido normativo que pretendemos captar.
Assim, por exemplo, as normas já referidas relativamente ao interrogatório de arguido detido e à aplicação de medidas de garantia patrimonial ou de coacção diferentes do TIR.
Nessas normas, tal como foram analisadas, houve uma preocupação do legislador similar à que é reflectida na regulação da questão da publicidade/segredo de justiça. Pode mesmo dizer-se que há uma estreita conexão entre elas e um mesmo objectivo: alargar o mais possível o âmbito do direito de defesa do arguido, nas relações conflituantes com o interesse público, típico da investigação criminal, de descoberta da verdade material, conservação e preservação da prova, submissão dos responsáveis a julgamento e reafirmação da paz social perturbada com a prática do crime. Isto para além de outros interesses e direitos dos participantes processuais.
Ora, na regulação dessas matérias, o legislador procurou dar a maior eficácia possível ao direito de defesa, impondo um conjunto de regras e formalismos, já analisados, tendentes a dar a conhecer ao arguido o máximo de elementos relacionados com os factos imputados, os elementos que os indiciam, as provas que fundamentam a aplicação de medidas de coacção, indo mesmo ao ponto de permitir a consulta dos elementos existentes nos autos que serviram para o juiz tomar determinada decisão. Destarte, deu uma prevalência notável ao direito de defesa, com o inevitável recuo do secretismo processual em pontos fundamentais que com aquele se relacionam.
Todavia, fixou um limite significativo que, ao mesmo tempo que constitui um ponto nodal de resistência ou de estruturação do sistema, serve de índice de aferição da prevalência a dar a certos valores conflituantes no processo penal. É o caso de, tanto no interrogatório de arguido detido, como no da aplicação de medidas de coacção – actos estes que, aliás, podem estar fundidos no mesmo – a comunicação ao arguido ceder o passo ao sigilo do processo. Tal acontecerá sempre que a comunicação puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime (arts, 141.º, n.º 4, alínea d) e 194.º, n.ºs 4, alínea b), 5 e 6, ambos do CPP).
Ora, na questão do acesso aos autos, findos os prazos do inquérito, também é o direito de defesa, comprimido pelo secretismo processual, que se procura fazer prevalecer em definitivo. Todavia, esse acesso imediato e automático pode brigar ainda com as necessidades da investigação e outros direitos protegidos com o segredo de justiça, frustrando-os e pondo aquela em risco de se gorar. Daí que o legislador tenha previsto um prazo máximo de dilação de 3 meses para a generalidade da investigação de crimes e, para os crimes das alíneas i) a m) do art. 1.º do CPP, uma prorrogação desse adiamento por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.

13.2.4.O elemento histórico conflui no mesmo sentido. Vejamos:
A questão do adiamento do acesso aos autos estava prevista, como dissemos, no Anteprojecto apresentado pela Unidade de Missão e na Proposta de Lei n.º 109/X. Em qualquer desses documentos, só se previa um único adiamento pelo prazo máximo de três meses.
Acontece que as organizações profissionais pronunciaram-se a seu tempo sobre as alterações propostas e as críticas tecidas incidiram de modo particular sobre a questão do segredo de justiça e o acesso aos autos pelos participantes processuais.
Essas críticas focaram essencialmente aspectos relacionados com a complexidade, morosidade e dificuldade da investigação dos crimes mais graves, a dependência das entidades investigadoras de diligências da responsabilidade de outras entidades, muitas vezes sedeadas no estrangeiro e mesmo inseridas no âmbito da cooperação judiciária internacional. Por outro lado, chamava-se a atenção para os efeitos ruinosos a que poderia conduzir o acesso aos autos pelos sujeitos processuais, no termo de prazos rigidamente estabelecidos e alertava-se para o facto de não se conhecer «qualquer reflexão tendente a responder às possíveis consequências de uma tal inovação». Numa dessas posições propugnava-se como solução mais acertada a do Código de Processo Penal italiano, o qual, «fazendo coincidir o prazo do inquérito com o segredo de justiça, permite que justificando o Ministério Público perante o juiz de instrução as dificuldades de obtenção da prova e a necessidade de continuação do inquérito, este prorrogue os referidos prazos pelo tempo justificado e considerado necessário. Isto sem que com isso se invalide o sentido e utilidade das diligências probatórias de inquérito.» 
Para além de organizações profissionais, são conhecidas as reacções, porque publicamente assumidas, de muitos magistrados ligados à investigação criminal, principalmente do Ministério Público – magistrados com altas responsabilidades e, mesmo, do Procurador-Geral da República, que se fez eco das consequências para a investigação de crimes graves que poderiam advir da referida solução.
Ora, foi no seguimento dessas críticas que, em fase de discussão e aprovação na Assembleia da República, foi inserido no n.º 6 do art. 89.º o último segmento, que aqui nos ocupa. Tudo leva a crer, assim, que o legislador, sensibilizado por aquelas chamadas de atenção, pretendeu à última hora estabelecer um regime especial para o acesso aos autos na investigação dos crimes mais graves, prevendo uma prorrogação do prazo não dependente de um período temporal fixo, mas, como veio a ficar redigido na versão final da lei, pelo prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.  



III. DECISÃO
14. Nestes termos, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide:
a) - Fixar a seguinte jurisprudência:
O prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere a 2.ª parte do art. 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz de instrução pelo período de tempo que se mostrar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo de três meses, referido na mesma norma.   

b) – Julgar procedente o recurso interposto, revogando a decisão recorrida para que o Tribunal da Relação de Lisboa profira outra em consonância com a jurisprudência agora fixada, se ainda se revelar útil.

15. Dê-se cumprimento ao disposto no art. 444.º, n.º 1 do CPP.
Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Abril de 2010

Rodrigues da Costa (Relator)
Armindo Monteiro
Arménio Sottomayor
Oliveira Mendes
Souto de Moura
Maia Costa (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Pires da Graça
Raul Borges
Soares Ramos (vencido, de acordo com a declaração anexa)
Fernando Fróis
Isabel Pais Martins
Manuel Braz
Carmona da Mota
Pereira Madeira
Santos Carvalho
Henriques Gaspar
Noronha Nascimento


Declaração de voto
Votei vencido, pelas razões que passo a expor.
Em meu entender, o n.º 6 do artigo 89.º do Código de Processo Penal (CPP) não pode ser interpretado como admitindo um prazo indefinido de prorrogação do adiamento do acesso aos autos, findo que seja o prazo do inquérito, por parte do arguido, do assistente e do ofendido.
Com efeito, uma opção inovadora da revisão de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), de alguma forma coerente com a regra geral da publicidade do processo penal, que ela introduziu, foi a do estabelecimento de uma conexão entre o termo do prazo do inquérito e o fim do segredo interno. Uma opção porventura discutível, mas inequívoca. Que o intérprete não pode ignorar, nem sequer
tentar «corrigir» em nome dos «superiores interesses» da investigação.
Admitiu, é certo, o legislador um «adiamento» por três meses da abertura do inquérito, mas condicionado à «autorização» do juiz de instrução, o que revela o carácter excepcional e casuístico desse adiamento.
O adiamento é susceptível de uma «prorrogação», por uma só vez, quanto aos crimes previstos nas alíneas i) a m) do artigo 1.º do CPP, «por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação».
Uma primeira leitura poderia sugerir que este prazo não teria «prazo», seria por tempo indefinido, o que fosse necessário para a conclusão da investigação… Mas essa interpretação iria completamente ao arrepio do propósito do legislador: estabelecer um prazo certo para o fim do segredo interno, determinado em função do prazo do inquérito. Aliás, a «prorrogação» de um prazo nunca pode ser
por tempo superior a esse prazo, a não ser que tal fique inequivocamente expresso (sem prejuízo de, nesse caso, a palavra «prorrogação» ser indevidamente utilizada).
É evidente que, estabelecendo -se um prazo determinado para a abertura do inquérito, os interesses da investigação ficam de alguma forma subalternizados, face aos das partes processuais, mas não cabe ao intérprete e julgador, insisto, corrigir as opções do legislador…
Entendo, pois, que a parte final do n.º 6 do artigo 89.º do CPP deve ser interpretada como admitindo uma prorrogação (do adiamento) do termo do segredo interno por um período
máximo de três meses, podendo, porém, ser inferior se for suficiente para a conclusão da investigação. — Eduardo Maia Costa.

Declaração de voto
Rec. fix. jur. n.º 60/09
Votei vencido por entender que o legislador, sempre perseguindo os objectivos da celeridade processual e do reforço das garantias de defesa dos arguidos, pretendeu, com a redacção conferida ao n.º 6 do artigo 89.º do CPP, estreitar o secretismo da fase investigatória e da comprovação
judicial decisória, isso mesmo decorrendo da rigidez que adoptou ao nível da textura literal do próprio dispositivo, onde se surpreende a utilização do adverbio «só» — a condicionar, de forma quase radical, excepcionalmente, um curto adiamento da impossibilidade de acesso aos autos, de
extensão logicamente não superior ao inicialmente previsto.
Não deveria poder, por isso, salvo se através de renovada manifestação de vontade explícita do legislador, autorizar -se, findos os prazos do artigo 276.º do CPP, o prolongamento do segredo por mais de seis meses. — Jorge Soares Ramos.