Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1713/18.6T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
INCUMPRIMENTO
ILICITUDE
CULPA
DANO
PRESUNÇÕES LEGAIS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INTERMEDIÁRIO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e seus riscos.

II - Se o intermediário financeiro faz crer ao cliente, pessoa sem experiência em investimento em matéria financeira, que o produto que propunha para subscrição tinha garantia do próprio Banco, a mesma de um depósito a prazo, e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal se tratava de obrigações emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, não cumpre o dever de informação.

III - Tendo resultado provado que o Autor não teria subscrito o produto financeiro em causa se tivesse sido informado que o produto financeiro que foi convencido a subscrever não tinha a garantia de reembolso do banco, mostra-se violado o dever de informação e é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor nos termos do art. 314º do CVM.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

           

AA, instaurou acção declarativa contra "Banco BIC Português, SA” alegando que procedeu à aplicação de uma verba de €50.000,00 num produto comercializado pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA", que julgava equivalente a um depósito a prazo, mas que redundou na subscrição de obrigações subordinadas "SLN - 2006", sem que de tal se apercebesse. O réu deixou de lhe pagar os juros e também não lhe restituiu o capital investido. Pede a condenação do Réu a pagar-lhe a referida importância com os respectivos juros.

O Réu contestou, pugnando pela improcedência da acção defendendo não ter praticado qualquer ilícito, e que o prejuízo invocado pela Autora resultou da insolvência da Sociedade Lusa de Negócios (SLN).

Feito o julgamento, foi proferida sentença que condenou o Réu "Banco BIC Português, SA" a pagar à Autora a quantia de €50.000,00 acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 04/09/2018, até integral pagamento.

           

O Réu apelou para a Relação de Évora, mas sem sucesso pois que aquele Tribunal, por acórdão de 12.09.2019, por unanimidade e sem fundamentação diferente, confirmou a sentença.

Ainda inconformado, o Réu interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitida pela formação a que alude o nº3 do art. 672º do CPCivil.

O Recorrente remata a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2. Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3. O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.  

4. Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade egraudeinformaçãodorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5. Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6. Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

7. O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8. Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

9. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11. Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12. Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13. Insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14. A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15. E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17. Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

18. O dever de informação quanto aos riscos do tipo de instrumento financeiro surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19. De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20. E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

21. A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22. A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23. O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25. Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26. Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27. Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:
a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;  
b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;
c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;
d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

           

28. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30. O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32. Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33. Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!
35. Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36. A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido.

Contra alegou a Recorrida pugnando pela improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, por via do recurso admitido no STJ, no âmbito do P. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1.A.

A uniformização aí consagrada já transitou em julgado.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.


///

Fundamentação.

Vêm dados como provados os seguintes factos:

1. A Autora era cliente do Réu (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n°l ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças, conta que entretanto transitou para a agência de ..., onde se encontra sediada.

2. Em Abril de 2006, o gerente do Banco BPN, agência de ..., disse à Autora, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3. O dito funcionário do Banco Réu sabia que a Autora não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

4. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

5. O seu dinheiro, 50.000,00 €, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que a Autora soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.
6. O que motivou a autorização por parte da Autora foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco BPN, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.
7 - A Autora actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente do Banco.
8 - Se a Autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco, e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.
9 - Nunca foi intenção da Autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do funcionário do Réu, e a Autora sempre esteve convencida que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
10 - O Réu assegurou que a aplicação em causa era em tudo
semelhante a um depósito a prazo.

11 - Daí a convicção plena com que a Autora ficou da segurança da
aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança à Autora e nunca a alertou para qualquer irregularidade, e que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

12 - 0 Réu não lhe restituiu o montante que a Autora lhe confiou, ficando impedida de usar o seu dinheiro como bem entendesse.

            O direito.

Está em causa saber se se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do intermediário financeiro, por violação do dever de informação.

O acórdão recorrido entendeu que sim e daí que tenha condenado o Réu, como sucessor do BPN SA, a indemnizar a Autora do prejuízo causado pela falta/errada informação, entendimento que o Recorrente refuta nos termos que constam das conclusões supra transcritas.

Não sofre contestação que a relação bancária descrita nos autos – em que à Autora que era cliente da agência do BPN de ... foi sugerido pelo gerente da agência a subscrever obrigações SLN 2006 – consubstancia intermediação financeira.

O Código de Valores Mobiliários (CVM) estabelece no art. 289º/1 a), que são actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros.

Trata-se, por conseguinte, do conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular funcionamento, no quadro de uma economia capitalista.

Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º/1 a), as instituições de crédito (e as empresas de investimento), que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal.

Por último, são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art, 290º/1, a) e b), a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

Tendo presente estes princípios, é correcto concluir que o Recorrente ao promover junto de clientes seus a subscrição de obrigações emitidas por outra sociedade exerceu actividade de intermediação financeira, estando, como tal, sujeito a um conjunto de deveres, designadamente de informação, não só decorrentes do princípio geral da boa fé plasmado no art. 227º do C.Civil,  como também da especial natureza da actividade, para que o cliente/investidor possa tomar uma “decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312 do CVM).

Relativamente aos deveres a que estão sujeitos os intermediários financeiros, o art. 304º do CVM, na redacção em vigor à data da subscrição das obrigações, estabelecia o seguinte:

1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3. Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar (…).

Por sua vez o art. 312º do mesmo diploma estabelecia os chamados “deveres de informação” nos seguintes termos:

1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e a experiência do cliente.

(…).

Em suma, pode dizer-se que na intermediação financeira, para além dos deveres de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312º), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312º, als. a) e b)), devendo-a fazer de forma completa verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio.

Sob pena de responsabilidade civil, nos termos fixados no art. 314º:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação dos deveres de informação.

O dever de informação que impende sobre o intermediário financeiro, como se tem reiteradamente decidido, é de geometria variável, ou seja, a sua intensidade varia em função do tipo contratual e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação. (Ac. STJ de 04.10.2018, P. 1236/15, entre muitos outros).

Dito isto, é altura de olhar para a matéria de facto provada na qual avultam os seguintes factos:

- Em Abril de 2006, o gerente do Banco BPN, agência de ..., disse à Autora, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

- O dito funcionário do Banco Réu sabia que a Autora não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

- E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

- O seu dinheiro, 50.000,00 €, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que a Autora soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.
- O que motivou a autorização por parte da Autora foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco BPN, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

- A Autora actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente do Banco.

- Se a Autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco, e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

- Nunca foi intenção da Autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do funcionário do Réu, e a Autora sempre esteve convencida que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
- O Réu assegurou que a aplicação em causa era em tudo semelhante a um depósito a prazo.
- Daí a convicção plena com que a Autora ficou da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança à Autora e nunca a alertou para qualquer irregularidade, e que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

É patente que a informação prestada à Autora não foi completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita.

A Autora desconhecia o que são obrigações, desconhecimento este que era do conhecimento do seu gestor de conta, tendo ficado convencida pelas informações que lhe deram que estava a aplicar o seu dinheiro num produto com garantia do BPN.

Note-se que foi o Réu quem tomou a iniciativa de dar a conhecer à Autora a possibilidade de aquisição de obrigações, mas sem lhe explicar do que se tratava, nem o que eram obrigações subordinadas, nem a informou quem era a entidade que as emitia e sobre a relação dela com o banco.

Sendo as obrigações um valor mobiliário que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite, o Réu tinha o dever de informar a Autora que a obrigação de restituir o capital investido recaía sobre a Sociedade Lusa de Negócios e não sobre o BPN.

Este facto não é inócuo. O produto subscrito pela Autora tinha associado um risco não comum, anormal, na medida em que o investimento subjacente, obrigações subordinadas, em caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas seria reembolsado após a satisfação dos créditos e dos demais credores por dívida não subordinada, (art. 48º do CIRE).

Mais. A informação prestada – que se tratava de uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada – interpretada à luz dos critérios fixados no art. 236º do CCivil, e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, foi razoavelmente interpretada pela Autora como um compromisso contratual por parte do Banco réu de garantia do reembolso do capital aplicado.

Daí que a Autor tenha confiado que estava “a aplicar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente do banco”, e convencida que “o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.”

É patente pois, que o Banco, agindo enquanto intermediário financeiro, incumpriu o dever de informação, pois que a informação que prestou à Autora não foi completa, verdadeira, clara e objectiva, como imposto pelo art. 7º, nº1 do CVM.

A violação do dever de informação implica responsabilidade civil, nos termos do art. 314º do CVM, consistindo a ilicitude na violação do dever legal de informação, ou seja, na desconformidade entre a conduta devida (imposta nos arts. 7º e 312º do CVM), e a actuação do Banco, sendo a culpa presumida, que não foi ilidida.

Neste sentido, decidiu o Ac. STJ de 19.03.2019, P. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, em cujo sumário se lê:

“É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e sue riscos, assim é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

 Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, o Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal se tratava de obrigações emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do banco.

No mesmo sentido decidiram os acórdãos deste STJ de 10.04.2018, P. 753/16, de 18.09.2018, P. 20329/16, de 07.02.2019, P. 31/17.

Entendimento que veio a ser consagrado no recente AUJ, proferido no âmbito do P. 1479/164T8LRA.C2.S1, sobre a responsabilidade civil dos intermediários financeiros, no qual o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Provada a ilicitude consistente na violação dos deveres de informação, e a culpa, que se presume (art. 314º/2), importa verificar da existência de um nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido, que são, como se sabe, além da ilicitude e da culpa, pressupostos da obrigação de indemnizar. (art. 483º do CCivil).

O dano corresponde à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro em causa, e está também provado face à insolvência da SLN e ao carácter subordinado do crédito do Autor (art. 48º do CIRE), não se antevendo que algo venha a receber na Massa Insolvente da SLN.

No que tange ao nexo de causalidade, a lei civil (art. 563º do CC), adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Na aplicação deste princípio aos casos de responsabilidade civil do intermediário financeiro, o Supremo Tribunal de Justiça vinha decidindo que provando-se que o autor não teria subscrito as obrigações se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, estava demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano (cf., entre outros, Acórdãos de 17.03.2016, P. nº 70/13, de 05.06.2018, P. 18331/16, de 19.03.2019, P. 3922/16).

Jurisprudência que veio a ser consagrada no já referido AUJ, pontos 3 e 4:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

No caso vertente, provou-se que “se o Autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não eram emitidos pelo BPN não teria subscrito as obrigações”. É quanto basta para se ter por demonstrado o  nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Conclui-se do exposto que no caso se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que conduz à inevitável improcedência da revista e à confirmação da decisão recorrida. 

Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, negando-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 29.11.2022

Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva