Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13262/14.7T8LSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO ESCRITO
PROVA PLENA
EXAME LABORATORIAL
RECUSA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
FUNDAMENTOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / RECURSO DE REVISÃO / FUNDAMENTOS DO RECURSO DE REVISÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. VI, 356.
- Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 686.
- Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recurso em Processo Civil, 2.ª edição, 295.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 696.º, 700.º, N.º 1.
LEI N.º 41/2003, DE 26-06: - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 7.º.
Sumário :
I - Na apreciação das questões submetidas à decisão não é indispensável esgotar os argumentos que se podem arregimentar em sustentação do que for decidido nem apreciar toda a argumentação das partes (decidem-se questões e não razões). Não se censura, por outro lado, o laconismo da decisão ou fundamentação diminuta ou insuficiente mas antes a completa ausência desta.

II - O julgamento contra o direito constitui fundamento de recurso ou para a reforma da sentença mas não integra as causas de nulidade da decisão.

III - O recurso extraordinário de revisão faculta a quem tenha definitivamente ficado vencido na causa a possibilidade de a reabrir mediante a invocação de fundamentos taxativamente previstos no art. 696.º do NCPC (2013), as quais se referem à atividade material do juiz, à situação das partes, à formação do material probatório e à preterição do caso julgado.

IV - Na primeira fase da tramitação do recurso de revisão – a fase rescindente –, verifica-se se existe ou não fundamento para a revisão, mantendo-se ou revogando-se, em consonância, a decisão recorrida. Na eventualidade do recurso ser julgado provido, segue-se a fase rescisória em que se procede à ressuscitação da instância (expurgada da falsidade que a inquinou) em que se produziu o caso julgado e se julga a mesma ação, mantendo-se intocáveis a causa de pedir, o pedido, os sujeitos e o valor da causa.

V - O fundamento previsto na al. c) do art. 696.º do NCPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão.

VI - Uma carta dirigida ao recorrido na qual o recorrente afirma que, na hipótese de aquele não se submeter a exame de ADN, reabrirá o processo de investigação da paternidade e nele pedirá que o tribunal reconheça que a falta de colaboração implica a inversão do ónus da prova é destituída da força probatória mencionada em V, já que, necessariamente, o seu teor teria de ser conjugado (o que é vedado em sede de recurso de revisão) com outros meios de prova, mormente, o resultado daquele exame, o qual, em todo o caso, não se imporia aos fundamentos da sentença revidenda.

VII - A apreciação dos efeitos de uma eventual recusa à submissão ao exame em causa apenas teria cabimento na fase rescisória do recurso de revisão, já que, na fase precedente, não poderia ocorrer a provocação da recusa por aí não poder ter lugar qualquer julgamento de facto.

VIII - As diligências a que se refere o n.º 1 do art. 700.º do NCPC reportam-se à previsão das als. b), d) e g) do art. 696.º do mesmo diploma e apenas têm lugar na fase rescindente, não se impondo, pois, a sua realização oficiosa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 2014.09.25, na 1ª Secção de Família e Menores da Instância Central da Comarca de Lisboa, AA interpôs o presente recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no processo de investigação de paternidade nº10326/84, onde foi representado pelo Ministério Público, atenta a sua menoridade, formulando as seguintes conclusões:

A) À ordem dos presentes autos foi proferida sentença, datada de 10-10-1986 e transitada em 2 de Dezembro do mesmo ano, através da qual se julgou não verificada a paternidade do R. relativamente ao A. por ter sido dado como provado que a mãe do A. manteve relações sexuais com outros homens além do R. no período de conceção do A., não podendo, por tal, o A. beneficiar da presunção consagrada no artigo 1871.°, n.º 1 do CC, ao invés dando-se por verificada a circunstância mencionada no n° 2 do mesmo preceito normativo.

B) Após a aludida sentença, já na sua maioridade, o A. intentou nova ação de investigação da paternidade, procurando, com ela, beneficiar dos avanços científicos entretanto ocorridos.

C) A referida ação, que correu termos e transitou pelo Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Juízo de Grande Instância Cível, 2ª Secção. Juiz 4, com o n.º 1554/04.8TCSNT. veio a findar no despacho saneador por verificação de caso julgado, relativamente á sentença proferida nos presentes autos (Cfr. Doc. 1).

D) O A.. em face dessa improcedência da ação, procurou, oral e formalmente, junto do R. obter a sua colaboração voluntária com vista a que este reconhecesse a paternidade, sempre sem sucesso.

E) À data em que a presente ação foi julgada, não existia qualquer meio de provar cientificamente a paternidade com o grau de certeza com que hoje é possível. O exame de ADN apenas surgiu em meados da década de 90, pelo que o A. não pôde socorrer-se do mesmo na pendência da presente ação.

F) Perante as sucessivas recusas do R., o A. endereçou uma carta, registada com aviso de receção, ao R.. datada de 11 de Setembro de 2014, na qual solicitou a colaboração voluntária do mesmo na sujeição a um teste de ADN junto do INMLCF, carta que se anexou supra enquanto Doc. 3.

G) Seguindo o procedimento imposto pelo referido Instituto (conforme print do website que se anexou enquanto Doc. 2; normas constantes do Decreto-Lei n.° 166/2012. de 31 de Julho e, ainda, das normas constantes da Deliberação n.° 849/2010, de 07 de Maio na redação que lhe foi conferida pela Deliberação n.° 1178/2011, de 24/05. especialmente do seu artigo 26°) o A. fez chegar ao R.. na aludida carta o formulário apto a desencadear o processo de requisição de exame de ADN - devidamente assinado por A. e sua mãe e preenchido nos campos a si destinados - e envelope pré-selado para devolução do formulário após aposição de assinatura e inclusão de elementos identificativos do R., acompanhados de cópia do seu documento de identificação.

H) Na aludida carta foi conferido ao R. um prazo de 10 dias para devolução dos elementos solicitados, e foi o mesmo advertido de que, caso não colaborasse com o A., iria ser requerida a reabertura dos presentes autos (através deste recurso) onde se procuraria inverter o ónus da prova da paternidade. O R, foi ainda, informado pelo A. de que qualquer taxas que houvesse que suportar no INMLCF, o A. suportá-las-ia em exclusivo.

I) Apesar de rececionada a carta acima aludida, não chegou ao escritório do aqui subscritor qualquer comunicação do R. em resposta ao solicitado dentro do prazo concedido, nomeadamente o envelope pré-selado que se havia incluído na carta enviada, e que bastava ter sido colocado num marco de correio para se conseguir a sua devolução ao remetente. Houve, ao invés, uma resposta de Ilustre Advogado acusando a receção da carta pelo seu constituinte e afirmando que nada mais tinha a esclarecer a este propósito.

J) A paternidade apenas é passível de provar, cientificamente, face aos meios técnico-científicos conhecidos dos dias correntes, mediante a realização de um teste de ADN, sendo que o A. não dispõe de outro meio para obter tal prova que não seja a voluntária colaboração do R. ou a imposição da sua realização por um Tribunal, designadamente no âmbito de um processo de investigação da paternidade.

K) A não colaboração do R. inquina, em absoluto, a possibilidade de realização do exame de ADN e, consequentemente, a possibilidade de apuramento da respectiva paternidade, ou não, quanto ao A.

L) Por outro lado, a existência de caso julgado na presente ação — sentença em que não foi provado se o R. era ou não pai do A., apenas afastada a paternidade por força da impossibilidade de recurso às presunções legais previstas no art.° 1871.°, nº 1 do CC - impede (por inevitável verificação de exceção dilatória de caso julgado) o A. de intentar nova ação na qual, recorrendo aos meios de prova hoje disponíveis e ao alcance das partes, possa ver provado tal facto e estabelecida, ou não a paternidade.

M) A não colaboração do R., que é culposa porque intencional, determina, nos termos do que se dispõe no n.° 2 do art.° 344.° do CC, que haja inversão do ónus da prova da paternidade, que inicialmente caberia ao A. - nesse sentido vide douto sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 23-2-2012, processo n.° 994/06.2TBVFR.F1.S1. disponível em www.dgsi.pt que acima se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

N) Sendo o direito do A. em ver estabelecida a sua paternidade um Direito Fundamental de personalidade, art,° 26°. n.º 1 da CRP - em concreto, e neste caso, o direito à identidade pessoal - estando o mesmo em conflito com o direito do R. de não se sujeitar a exames por si não pretendidos, naturalmente que deverá prevalecer o primeiro atendendo à evidente maior necessidade em conferir tutela jurídica à situação do A. do que à do R., isto se atendermos à ratio de todo o nosso modelo de ordenamento jurídico civil e constitucional.

O) Até porque o pretendido exame de ADN é realizado mediante o recurso ao método de zaragatoa bucal, assim não sendo sequer intrusivo ou ofensivo da integridade física do R- ou do A., ou da mãe deste, podendo, no limite, entender-se que a sujeição ao exame poderá causar algum incómodo, não merecedor de tutela jurídica, pelo menos quando confrontado com o Direito fundamental do A. previsto no art. 26°. n.° 1 da CRP atrás citado.

P) O presente meio processual é o único ao dispor do A. para ver alterada a sua situação jurídica, conforme definida pela sentença já transitada, e a notificação do R. - por carta registada com aviso de receção, nomeadamente com o teor da que foi enviada (Doc. 3) - para preencher um documento e posteriormente devolvê-lo é um meio válido, porque idóneo e razoável, para lograr a colaboração voluntária do R. na sujeição a esse exame, sendo legitimo extrair a consequência prevista no n.° 2 do artigo 344 ° do CC em caso de recusa de colaboração.

Q) A eventual não admissão do presente recurso colocaria o R. numa posição de franca desigualdade perante outros cidadãos que, não tendo procurado estabelecer a respectiva paternidade anteriormente ao aparecimento do teste de ADN, não sofrem os efeitos nefastos do caso julgado material da decisão ora sindicada, ainda para mais formado por via de uma presunção legal, ação essa na qual não se mostrava possível apurar de forma científica, e com o grau de certeza que hoje existe, a paternidade. Tal interpretação violaria o princípio consagrado no artigo 13.° da CRP, ficando a mesma ferida de inconstitucionalidade, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos, nomeadamente para os que se dispõem no art.0 72°. n.° 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, adiante designada pela sigla LTC.

Termos em que, por todo o exposto, deve o presente recurso extraordinário de revisão ser admitido e, em consequência, nos termos do n.° l do art.° 700.° e alínea b) do n.° l do art.° 701.°, ambos do CPC, ser considerada verificada a inversão do ónus da prova da paternidade do A., ou, caso assim não se entenda, ser o R. convidado pelo Tribunal para se submeter ao teste de ADN sob pena de, não o fazendo, se extrair tal consequência.”



Admitido o recurso e notificado pessoalmente o recorrido BB, este respondeu.


Em 2015.03.23, foi proferida decisão, em que não se admitiu o recurso por se considerar ser a sua interposição extemporânea.


O recorrente apelou, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 2015.11.17, proferido a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se a decisão recorrida, mas nega-se provimento ao recurso, dada a improcedência do fundamento invocado.

Custas pelo recorrente.


Novamente inconformado, o recorrente deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) - Nulidades

B) – Fundamentação do recurso.



Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1. AA nasceu a 1982.02.22 e encontra-se registado como filho de CC, com paternidade omissa (doc. de fls. 5 dos autos de investigação).

2. Em 1984.07.23, o Ministério Público moveu contra BB uma ação de investigação da paternidade, pedindo que AA fosse declarado filho do Réu.

3. Feitos os exames hematológicos, concluiu-se em Junho de 1984 que não se encontrava excluída a paternidade de BB (fls. 8 dos autos de investigação).

4. Instruída e julgada a causa, terminou esta em 1986.11.10 como não provada e improcedente, com absolvição do Réu do pedido.

5. Assentou a improcedência nas circunstâncias de o A. não beneficiar de presunção de paternidade e de não haver ficado provado que a progenitora manteve exclusividade de relações sexuais com BB durante o período legal de conceção.

6. Dessa decisão não houve recurso.

7. AA, atingida a maioridade, moveu nova ação de investigação da paternidade contra o Réu/Recorrido, a fim de conseguir uma declaração de maior certeza da paternidade através dos testes atuais de ADN – e, com isso, o estabelecimento da paternidade.

8. A referida ação foi intentada na Grande Instância Cível do Tribunal de Comarca da Grande Lisboa Noroeste e correu na 2ª Secção/Juiz 4 sob o nº 1554/04.8TCSNT.

9. Nos referidos autos, em sede de despacho saneador e em 2009.10.28, foi julgada verificada a exceção dilatória do caso julgado e absolvido o Réu da instância.

10. De então para cá o Recorrente vem tentando que o Recorrido se submeta voluntariamente aos testes de ADN, o que este recusa.

11. Não o tendo conseguido, interpôs o presente recurso extraordinário em 2014.09.25.


Os factos, o direito e o recurso


Na decisão proferida na 1ª instância entendeu-se que a interposição do recurso de revisão tinha sido extemporânea porque, dispondo o recorrente desde a data em que propôs a segunda ação – pelo menos Outubro de 2009 – de “elementos que lhe permitiam ter deduzido o recurso extraordinário de revisão”, não procedeu às diligências necessárias para os obter, pelo que, quando instaurou a presente ação, em 2014.09.25, já tinha decorrido o prazo de 60 dias para esse efeito, prazo este previsto no nº2 do artigo 772º do Código de Processo Civil, com a redação do Decreto-lei 303/07,de 14.08.


No acórdão recorrido, revogou-se a decisão recorrida, entendendo-se que o documento apresentado pelo recorrente – uma carta enviada pelo seu mandatário ao recorrido – o foi dentro do prazo de 60 dias após a sua obtenção, pelo que aquela apresentação não foi extemporânea, tendo em conta o disposto no corpo do nº2 e na alínea b) do artigo 722º do Código de Processo Civil, com a redação anterior à introduzida pelo Decreto-lei 303/07.


E conhecendo do fundo causa, a certa altura escreveu-se o seguinte:

Ora, no caso dos autos, será que o documento apresentado é suficiente, por si só, para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida?

A resposta, a nosso ver, não pode deixar de ser negativa.

Aliás, basta atentar no pedido formulado no requerimento de interposição de recurso para tal se concluir.

O que aí se pede é, tão só, que seja considerada verificada a inversão do ónus da prova da paternidade, ou, caso assim se não entenda, seja o réu convidado pelo Tribunal para se submeter ao teste de ADN, sob pena de, não o fazendo, se extrair tal consequência.

Por conseguinte, o que se pretende é que se considere invertido o ónus da prova. O que sempre implicaria a reabertura de novo período de instrução e o apelo a outros elementos probatórios.

O que vale por dizer que o documento em causa, por si só, não justificaria outra e diferente decisão sobre o mérito da causa, no sentido, agora, da procedência da ação.

Note-se, aliás, que o documento em questão mais não é do que uma carta subscrita pelo ilustre mandatário do recorrente, solicitando a colaboração do recorrido no sentido de vir a efetuar teste de ADN, com a cominação de que, não o fazendo, fica onerado com o encargo de provar que não é pai, nos termos do art.344º, nº2, do C.Civil.

Parece-nos, pois, manifesto que não estamos perante um documento com as características exigidas pela al.c), do art.771º, porquanto é evidente que, por si só, não é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.


A) Nulidades


Entende o recorrente que o acórdão recorrido padece dos vícios de falta de fundamentação e omissão de pronúncia, na medida em que nele não teriam sido analisadas as circunstâncias particulares do caso concreto em apreço.

É evidente que não tem razão.


A omissão de pronúncia, causa de nulidade da sentença, consiste no facto de o Juiz ter deixado de proferir decisão sobre questão de que devia conhecer.

A falta de fundamentação só existe quando seja completa a falta de fundamentação e já não quando esta seja diminuta ou deficiente.

Na apreciação das questões que são postas para decisão não tem de se esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes.

E naquela decidem-se questões e não razões.

Não é o laconismo da decisão que se censura mas a completa a ausência de fundamentação.


Ora, no caso concreto em apreço, o Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões que cumpria conhecer e enunciadas a folhas 15 do acórdão, ou seja, saber se a sentença recorrida é nula, nos termos pretendidos pelo recorrente; saber se, no caso, foi ultrapassado o prazo de 60 dias para a interposição do recurso de revisão e finalmente, saber se se verifica o fundamento do recurso de revisão invocado pelo recorrente.


Se bem ou mal, é questão que não nos podemos ocupar aqui e agora, uma vez que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” – Antunes Varela e Outros “in” Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 686.

O julgamento contra o direito apenas pode ser fundamento para o recurso ou para o pedido de reforma da sentença.

É questão que adiante trataremos.


Quanto à falta de fundamentação, ela só ocorreria se não existisse qualquer fundamentação e não quando esta fosse diminuta ou deficiente.

 Na apreciação das questões que são postas para decisão, não tem de se esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes, porque, como já ficou referido, naquela decidem-se questões e não razões.


Ora, como se constata pelo extrato do acórdão acima reproduzido, é patente que neste existe essa fundamentação que, no entender do recorrente, não é “cabal e precisa”.

Mas, como ficou referido, isso nunca seria motivo para se verificar a nulidade invocada pelo recorrente.


Em conclusão, não se verificam as nulidades invocadas.


B – Fundamentação do recurso


O recorrente entende que perante a recusa do recorrido em “sujeitar-se a um exame para recolha de amostras biológicas para exames de ADN” e não podendo no âmbito de um processo judicial invocar essa recusa para efeitos de inversão do ónus de prova – por funcionar a regra do caso julgado em relação à decisão absolutória proferida na primeira ação de investigação de paternidade – se tem que ter a carta enviada pelo seu mandatário ao recorrido como documento suficiente para se iniciar o recurso de revisão, sendo que o tribunal pode proceder a diligências que considere indispensáveis, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 775º do Código de Processo Civil, na versão anterior à atual.

Cremos que não tem razão.


Antes de mais e embora tal não tenha influência na decisão da causa, uma vez que os correspondentes normativos se mantêm, há que dizer que o Código de Processo Civil a aplicar ao presente recurso de revisão é o aprovado pela Lei 41/2003, de 26.06, uma vez que o recurso foi interposto e o acórdão recorrido proferido após a sua entrada em vigor – cfr. arts 7º e 5º, nº1, ambos daquela Lei.


O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente invocadas na lei, no artigo 696º do Código de Processo Civil.


Podem agrupar-se em quatro categorias, consoante se referem

1) - à atividade material do juiz;

2) - à situação das partes;

3) - à formação do material instrutório;

4) - à preterição do caso julgado.


Normalmente, a marcha do processo reparte-se por duas fases.


A fase rescindente, que se destina a apreciar o fundamento do recurso, isto é, a reconhecer ou não como verificado o fundamento da revisão, de acordo com uma das situações elencadas no referido artigo 696º, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada.

Se o recurso não for provido, termina então aqui a revisão.


A fase rescisória existe se o recurso for provido, reabrindo-se a anterior instância onde foi produzido o caso julgado, expurgada da falsidade que inquinou aquele e com a finalidade de, agora, uma outra vez, se julgar a mesma ação.

Não se trata de uma nova instância, mas do ressuscitar da mesma instância, mantendo-se, pois, quanto ao valor, sujeitos, pedido e causa de pedir


No caso concreto em apreço, está em causa a terceira categoria de causas da revisão, ou seja, a formação do material instrutório, prevista na alínea c) do citado artigo 696º.


Nos termos do corpo deste artigo e da alínea em questão, “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando (…) se apresente um documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.


Deste normativo, ressalta à evidência que o que está em causa é a existência de um documento e de um documento em sentido estrito, ou seja, de um documento escrito.


Por outro lado e conforme é unânime na doutrina e na jurisprudência, o “documento há-de ser tal, que por si só tenha força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença; quer dizer, o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou” – Alberto dos Reis “in” Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, página 356.


Dito doutro modo “estamos, em suma, no patamar da prova legal e vinculada – da prova plena – à qual é, em absoluto alheio qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação (…). O julgamento – quanto ao pertinente documento  – se bem que com reflexo no facto, é de direito, produzido pela própria lei” – Brites Lameiras “in” Notas Práticas ao Regime dos Recurso em Processo Civil, 2ª edição, página 295.


Ora sendo assim, parece evidente que a pretensão do recorrente não pode proceder, pois, na verdade, não existe qualquer documento nos termos acima assinalados.


O documento invocado pelo recorrente - e como se refere no acórdão recorrido para efeitos de tempestividade do presente recurso – “é constituído pela cópia de uma carta enviada pelo lustre mandatário do recorrente ao recorrido, datada de 2014.09.11, onde se inclui o formulário destinado a requerer que se proceda ao teste de compatibilidade entre o recorrido e o recorrente no INMLCF, tendo em vista o seu preenchimento, assinatura e devolução por parte do recorrido.

Nessa carta refere-se expressamente que se informa o recorrido que, caso se recuse a sujeitar-se ao exame para análise de ADN, é intenção do respectivo subscritor reabrir o processo de investigação de paternidade que terminou em 1986, pedindo ao Tribunal que reconheça que a sua não colaboração implica a inversão do ónus da prova da paternidade, passando o recorrido a ter de provar que não é pai e não o recorrente a ter de provar que é seu filho.”


Ora, é bom de ver que tal documento, só por si, não tem força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença que se pretende rever.

Teria, se conjugado com outros elementos de prova, nomeadamente, os resultantes de testes de ADN ao recorrido ou os efeitos da sua recusa.


Mas, para além essa conjugação não ser permitida em recurso de revisão – conforme acima ficou referido – o certo é que mesmo que fosse permitida, não existe qualquer documento relativo aqueles resultados que se impusesse de tal forma à ausência de presunções de paternidade e de prova de exclusividade de relações da mãe do autor com o recorrido no período legal de conceção, fundamentos da sentença que se pretende rever.


Por outro lado, os efeitos de eventual recusa do recorrido a submeter-se aos testes em causa só poderiam ocorrer, evidentemente, ultrapassada a fase rescindente do presente recurso, sendo que mesmo assim, afastada a possibilidade de qualquer julgamento de facto nestes recursos, a provocação da recusa não podia aí ocorrer.


E não se diga que, em face do disposto na última parte do nº1 do artigo 700º do Código de Processo Civil, o Tribunal, devendo proceder a “diligências consideradas indispensáveis”, deveria proceder às diligências em causa.


Em primeiro lugar, porque tal imposição se refere apenas aos casos previstos nas alíneas b), d) e g) do artigo 696º do Código de Processo Civil e não ao caso em causa no presente recurso que, como se disse, está previsto na alínea c) deste artigo.


Depois, porque não se trataria de diligências a proferir na fase rescisória – como pretende o recorrente – mas antes na fase rescindente.

Ora, nesta fase, nem o recorrente nem o recorrido requereram qualquer diligência.

Assim, não tinha o Tribunal que proceder a quaisquer diligências requeridas pelas partes nem, pelo que acima ficou dito, se impunha a sua realização oficiosa.


Concluímos, assim, que não existe fundamento para rescindir a sentença, subsistindo o caso julgado com ela formado.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao presente recurso extraordinário de revisão, mantendo-se, assim, a decisão revidenda.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 2 de Junho de 2016


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade