Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1304
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: PROFISSÃO LIBERAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CULPA
REDUÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ20070612013041
Data do Acordão: 06/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
- A culpa deve ser analisada não somente em abstracto segundo os padrões de um qualquer bonus pater famílias, mas também em face das circunstâncias de cada caso concreto, o que significa que se deve ter em cada caso em atenção a profissão e outros elementos, como o sexo e a idade do agente;
- Tratando-se de responsabilidade contratual, nunca poderá cogitar-se a possibilidade de redução da indemnização nos termos do artº 494º do Código Civil, dispositivo que não é aplicável no domínio de tal modalidade de responsabilidade civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, despachante oficial, intentou acção ordinária contra BB, técnica oficial de contas, pedindo, no essencial, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 16.137,31, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, bem como a quantia de € 8.000, a título de indemnização por todos os prejuízos sofridos e emergentes da conduta negligente, reiteradamente adoptada pela Ré.
Alegou que: é empresário em nome individual no exercício da sua actividade de despachante oficial, tendo contratado a Ré para elaboração da sua contabilidade; a Ré, apesar de o Autor lho ter solicitado, não efectuou a opção pelo regime da contabilidade organizada para o ano de 2002, razão pela qual o Autor teve de pagar € 18.645,63 de IRS; caso a Ré tivesse optado, atempadamente, pelo regime da contabilidade organizada, o Autor só teria de pagar € 2.208,32 de IRS, razão pela qual peticiona a condenação da Ré a pagar a diferença de 16.137,31; toda a situação, decorrente da incúria da Ré, causou-lhe grande transtorno e incómodo, o que justifica uma indemnização de 8.000 €.
A Ré contestou, pedindo a improcedência da acção, sustentando: em 13.3.2001, entregou a declaração pela qual se optou pelo regime da contabilidade organizada, opção essa que se mantinha por três anos consecutivos; a quantia apurada pela Administração Fiscal foi calculada segundo os rendimentos do Autor no regime simplificado porque o Autor alterou o anexo por sua opção; exerceu as suas funções de forma diligente e responsável.
No regular processamento dos autos foi a final proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 16.137,31, acrescida de juros à taxa de 4% até integral pagamento.
Inconformada com a sentença, a Ré apelou para a Relação de Lisboa, que confirmou a sentença.
Novamente irresignada, recorre agora de revista, tirando as seguintes conclusões:
1ª- O acórdão da Relação de Lisboa conclui na sequela da sentença que a Apelante não logrou afastar a presunção de culpa;
2ª- Mas da matéria de facto provada resulta bem patente que tudo fez para agir em conformidade com as suas obrigações profissionais;
3ª- De facto, fez a opção pelo regime da contabilidade organizada em 2001, confiando na letra do artº 33º, nº1, alíneas i) e j) da Lei nº 30-C/2001, em termos de actuação para os exercícios vindouros;
4ª- Preceitos que, ao fim e ao cabo, o legislador logo a seguir se encarregou de confundir e desvirtuar, com a publicação da Lei 30-G/2000, mormente, no que ao caso interessa da nova redacção dada ao artº 31º do CIRS;
5ª- Do caos que se gerou, muitos foram os Técnicos Oficiais de Contas que se encontraram em situação semelhante à Apelante. Tantos, que a sua entidade agregadora e disciplinadora - Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas - teve de actuar em termos institucionais;
6ª- Assim, se é verdade, como defende o acórdão, que o que está em causa fundamentalmente é apurar se foi cumprida a opção pelo regime da contabilidade organizada para o ano de 2002, não é menos correcto referir que todo o trabalho desenvolvido pela Apelante em 2001, traduzido na factualidade dada como assente em ambas as instâncias, tem o mérito de demonstrar à saciedade que a Apelante agiu de boa fé, com diligência e na convicção de que com a realização da opção, em 2001, pelo regime da contabilidade organizada, colocava o Apelado, durante os exercícios subsequentes, ao abrigo do mesmo, (convicção essa, de resto, sufragada por muitos dos seus colegas e pela própria Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas);
7ª- Nessa medida, a Apelante considera que agiu sem culpa;
8ª- Contudo, mesmo perfilhando de tese diversa, ou seja, considerando que houve negligência por banda da Apelante, reúne o caso, tendo por base a própria matéria dada como provada, condições adequadas à limitação de indemnização enunciada como principio geral no artº 494º do CC;
9ª- O qual é aplicável também à responsabilidade contratual;
10ª- Por todo o exposto, a decisão recorrida violou o disposto nos artºs 494º e 799º do CC, devendo o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.
Contra-alegou o recorrido, em apoio do decidido.
Corridos os vistos, cabe decidir.
A Relação deu como provados os seguintes factos:
1- O Autor é despachante oficial desde 1996, ano em que abriu a actividade como empresário em nome individual (A));
2- Desde aquela data, o Autor presta serviços de exportação, importação e intrastat, actuando como consultor de comércio internacional e representação fiscal, a nível nacional (B));
3- No decurso de 1999, o Autor contratou os serviços da Ré como técnica oficial de contas para efeitos de elaboração da contabilidade daquele (C));
4- A Ré não fez a opção pelo regime de contabilidade organizada no ano de 2001 nem no decorrer de 2002 (5º);
5- Apesar de o Autor lhe ter dado instruções para esse efeito (6º);
6- No dia 13.3.2001, a Ré requereu e entregou somente a declaração de alterações unicamente com a inscrição da morada e dados do TOC (11º);
7- O Autor cessou a sua actividade em Agosto de 2002 (2º);
8- A Ré foi informada pelo Autor que, durante o ano de 2002, este não recebeu nota de liquidação (14º);
9- No decurso do ano 2003, o Autor nunca recepcionou qualquer nota de liquidação para proceder ao pagamento de IRS (D));
10- A Ré assinou e entregou a declaração de IRS do Autor referente ao ano de 2002, a qual foi recepcionada pelas Finanças em 30.4.2003 (documento de fls. 88 a 94) (AA));
11- Em 13.10.2003, o Autor entregou nas Finanças uma declaração de reinício de actividade, com a menção "Enquadramento: regime simplificado" a vigorar de 1.1.2003 a 31.12.2005 (documento de fls. 69 a 72) (CC));
12- O Autor recebeu em 3.11.2003, via postal sob registo, notificação datada de 27.10.2003 para, em dez dias, comparecer no 9º Serviço de Finanças de Lisboa "A fim de proceder ao esclarecimento e/ou correcção à declaração modelo 3 apresentada em 13.11.2002, devendo para isso fazer-se acompanhar do duplicado da referida declaração" (documento de fls. 32) (E));
13- Mais especificou a referida notificação que a correcção a fazer se consubstanciava em "substituir o anexo C pelo Anexo B, em virtude de, para o exercício de 2002, não ter optado pelo regime de contabilidade organizada como forma de determinação do seu rendimento em sede de IRS, mediante a apresentação, até 31.3.2002, de uma declaração de alterações, conforme preceitua a alínea b) do nº 4 do Artigo 28º do Código do IRS, ficando assim sujeito ao regime simplificado" (F));
14- Sendo que, uma vez findo aquele prazo de dez dias, sem que se mostrasse efectuada a referida correcção, ficaria sem efeito a declaração apresentada e, consequentemente, ficaria o contribuinte (Autor) sujeito às consequências legais (G));
15- O referido em 11 é que causou a notificação referida em 12 (21º);
16- O Autor exigiu à Ré a substituição do anexo com urgência (22º);
17- Pois precisava de receber o reembolso do IRS (23º);
18- O Autor enviou à Ré cópia da carta referida em 12 por fax em 7.11.2003 (BB));
19- Face ao teor da notificação por si recepcionada, contactou o Autor a Ré com o propósito de obter informações e/ou esclarecimentos, por parte desta última, relativamente à sua situação contabilística e fiscal (H));
20- Após o referido em 18, a Ré deslocou-se às Finanças para se informar da situação (18º);
21- E foi informada que tal notificação se deve à alteração feita pelo Autor (19º);
22- A Ré comunicou a informação obtida ao Autor através de Alda Figueiredo, assistente de contabilidade de uma sociedade de que o Autor é sócio-gerente (20º);
23- Na sequência do referido em 19 e do aconselhado pela Ré, o Autor dirigiu-se àquele Serviço de Finanças, dentro do prazo determinado para o efeito, a fim de proceder à substituição do anexo C pelo anexo B, tendo em consideração os fundamentos melhor descritos na notificação referida em 12 e 13 (3º e 4º);
24- Aquando do referido em 23, foi a Ré que preencheu o Anexo B (12º);
25- O Autor recebeu, em 8.10.2004, carta registada com a nota de liquidação referente ao exercício de 2002 (I));
26- Nota da liquidação, datada de 22.9.2004, em que a administração fiscal intimava o contribuinte (Autor) para proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento da quantia de 18.645,63 Euros, a título de IRS devido, por referência ao ano de 2002 (J));
27- Caso o Autor tivesse sido tributado no exercício de 2002, pelo regime da contabilidade organizada, apenas teria de proceder ao pagamento de € 1.838,49 de IRS (10º);
28- Em 13.10.2004, o Autor remeteu à Ré a comunicação escrita de fls. 33, nos termos do qual o Autor afirmou designadamente: "Porque esta empresa está a enfrentar sérias dificuldades nessa revisão, agradecemos que nos indique um dia desta semana ou na próxima que lhe seja conveniente estar presente na nossa empresa de forma a que seja possível esclarecer algumas questões levantadas pelos auditores, uma vez que, segundo eles, o erro vem já do ano de 2002. Quanto à questão da declaração de IRS pessoal referente a 2002 e como também já tive a oportunidade de lhe transmitir telefonicamente, está a ser solicita pelas Finanças inexplicavelmente um pagamento na ordem dos 19 mil Euros. De acordo com a explicação data pela Repartição de Finanças a que me dirigi, este pagamento é exigido pelo facto de não ter sido apresentada a opção do ano de 2002 de contabilidade organizada. Fui ainda informado de que, para ser possível a rectificação desta situação terei que fazer prova da entrega da declaração de opção que a senhora me garantiu ter entregue. A mesma declaração que as Finanças não encontram. De forma a esclarecer esta situação rapidamente, estou disponível para juntamente, consigo, nos dirigirmos à Repartição de Finanças onde a senhora diz ter apresentado o referido documento. Assim sendo fico a aguardar que me dia o dia e a hora em que nos podemos encontrar." (L));
29- No dia 14.10.2004, a Ré remeteu ao Autor comunicação escrita, em resposta, com o seguinte teor: "Depois de tanto procurar encontrei numa bolsa com alguns balancetes, a opção de contabilidade organizada em 2001 uma fotocópia devem ter os originais, e foi feito no 9° Bairro Fiscal, também encontrei um memorando penso que entregue pessoalmente numa reunião que tivemos, em que alertava para algumas situações que junto anexo. Como profissional que me considero, e depois de tanta confusão, não tenho interesse em prejudicar ninguém, quando esta situação tem-me lesado imenso a minha pessoa, mas mais uma vez repito quero a situação resolvida com toda a transparência." (M));
30- Em 14.10.2004, o Autor enviou nova comunicação escrita, ao cuidado da Ré, referindo que se tinha dirigido à Repartição de Finanças com a cópia da declaração de alterações, alegadamente entregue pela mesma, com a garantia de que nela tinha sido feita a opção pelo regime de contabilidade organizada para o exercício de 2002 (documento de fls. 36/27) (N));
31- Mais acrescentou o Autor, na comunicação que, naquela Repartição, foi o mesmo informado de que, na declaração entregue em 2001, apenas os campos 4 e 16 tinham sido efectivamente preenchidos, campos esses que se destinavam, única e exclusivamente, à alteração de morada e de contabilística, respectivamente (O));
32- Atento o valor referido em 26, o Autor requereu à Ré que, com a maior urgência, elaborasse uma exposição, a remeter aos Serviços de IRS das Amoreiras, na tentativa de resolver o assunto (P));
33- "Devido à urgência, e gravidade da situação", solicitou ainda o Autor à Ré que, até à Segunda-feira seguinte, ou seja, até ao dia 18.10.2004, lhe remetesse a exposição solicitada a fim de que o mesmo procedesse pessoalmente à sua entrega naqueles serviços (Q));
34- Em 15.10.2004, o Autor remeteu comunicação escrita requerendo à Ré que se dirigisse à Repartição de Finanças do 9° Bairro Fiscal, para falar com o Sr. Sampaio, funcionário daquela repartição, a fim de lhe ser exibido o documento original, preenchido e assinado pela Ré, e ainda para que lhe fossem fornecidos outros dados que lhe serão muito úteis para fazer a exposição à Direcção Geral (R));
35- Posteriormente, em 19.10.2004, após indicação do valor devido a título de IRS bem como das razões colhidas junto do 9° Bairro Fiscal, transmitidas à Ré, esta - em 14.10.2004 - subscreveu e entregou, como se fosse o próprio Autor, reclamação que dirigiu à Direcção de Serviços do IRS (documento de fls. 39) (S));
36- Após o referido em 35, pela Repartição de Finanças foi comunicado à Ré que o Autor deveria pagar e, caso a reclamação procedesse, haveria um encontro de contas (9º);
37- A Ré não deu qualquer conhecimento ao Autor do teor da citada reclamação nem mesmo do facto de que iria efectivamente elaborar, em nome dele, a referida reclamação ou sequer da data em que a iria concretamente apresentar (T));
38- Reclamação que assumiu o seguinte conteúdo: "AA (...) vem por este meio requerer a correcção ao cálculo de IRS de 2002, visto ter sido calculado com base no regime simplificado e termos feito a opção de contabilidade organizada em 13.3.2001 no 9a Bairro Fiscal. Por interpretação errada, foi posta a opção de alteração de morada, quando no dia 31.8.2001 na Repartição de Oeiras - 2, foi feita essa alteração, não se justificando fazer uma segunda alteração de morada, dado ter ocorrido uma única mudança de residência. Como podem verificar no ano de 2001 foi entregue a declaração de IRS com o Anexo C conforme opção de contabilidade organizada tendo a mesma sido aceite e tributada como tal. A opção é válida por um período de três exercícios, o qual caduca só quanto o contribuinte tem intenção de o fazer. Por desconhecimento o contribuinte foi substituir o Anexo C pelo B, em 31.8.2004, quando o devíamos ter feita era a reclamação e não a substituição do Anexo. Por este motivo venho solicitar a sua anulação. No ano de 2002 só foi exercida a actividade durante 6 meses como empresário em nome individual, tendo no início de Setembro iniciado a actividade como sociedade unipessoal." (U));
39- Em 21.10.2004, o Autor enviou uma comunicação por escrito à Ré, com o propósito de requerer informação sobre a eventual expedição para a Direcção Geral dos Impostos de exposição, em conformidade com o anteriormente referido pela Ré (V));
40- Em 21.10.2004, a Ré respondeu por escrito à comunicação remetida pelo Autor, confirmando o envio para os Serviços do IRS, com carta registada e aviso de recepção, da exposição referida em 35, com pedido de alteração ao cálculo efectuado no que concerne ao imposto devido (X));
41- Em 8.11.1994, o Autor procedeu à liquidação do IRS no montante de € 18.645,63 Euros, sendo essa a data limite de pagamento (Z)).
Postos os factos, vista a problemática traçada nas conclusões recursórias e compulsados os autos, afigura-se falecer por inteiro razão à recorrente, em qualquer das duas questões essenciais colocadas à apreciação do Supremo.
Ao invés do que sustenta, a recorrente não demonstrou a falta de culpa, que conduziria à sua absolvição, e, tratando-se de responsabilidade contratual, nunca poderá cogitar a possibilidade de redução da indemnização nos termos do artº 494º do CC, dispositivo que não é aplicável no domínio de tal modalidade de responsabilidade civil.
A decisão do acórdão recorrido é a correcta, e encontra-se bem fundamentada, pelo que apenas se deixarão algumas breves considerações complementares.
A culpa poder-se-á ter por excluída quando se verificarem circunstâncias que eliminem o juízo de reprovação ético-jurídica que lhe está subjacente.
Assim sucede, v.g., quanto à inimputabilidade presumida dos menores de sete anos e dos interditos por anomalia psíquica – artº 488º, nº 2 do CC).
Também, v.g., o erro sobre os pressupostos de uma causa de exclusão da ilicitude, se for desculpável, não é excludente do facto ilícito danoso mas poderá constituir uma causa de irresponsabilidade. Como resulta do artº 338º do CC, o titular do direito de agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção directa ou a legítima defesa, só é obrigado a indemnizar o prejuízo causado se o erro não for desculpável.
Contudo, nada de semelhante se passa no caso que nos prende, em que a culpa deve ser analisada, não somente segundo os padrões de um qualquer bonus pater famílias, mas antes tendo ainda em conta a profissão de técnica oficial de contas da recorrente.
Na verdade, devendo a culpa ser apreciada em abstracto pela diligência de um bom pai de família, isto é, pelo comportamento normal do homem comum, logo o segmento final do nº 2 do artº 487º do CC acrescenta que isso deve ser feito em face das circunstâncias de cada caso concreto, o que significa que se deve ter em cada caso em atenção a profissão e outros elementos, como o sexo e a idade do agente.
O que importa é portanto verificar se um técnico oficial de contas (qualidade em que a recorrente foi contratada pelo recorrido) normalmente diligente adoptaria o comportamento da recorrente nas mesmas circunstâncias concretas retratadas no quadro factual provado, e a resposta a esse quesito deverá ser negativa, não se podendo olvidar, ainda por cima, que não é ao recorrido que incumbe provar a culpa da recorrente, visto resultar do artº 799º, nº 1 do CC ser incumbência do devedor (neste caso a recorrente) provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua, ónus que a recorrente não conseguiu cumprir.
Sendo a recorrente uma técnica oficial de contas, e tendo sido contratada pelo recorrido para elaboração da sua contabilidade, devia estar particularmente atenta às alterações introduzidas e ter feito a opção pelo regime de contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento do recorrido em sede de IRS para o exercício de 2002, no seguimento, de resto, das instruções que lhe foram dadas nesse sentido pelo próprio recorrido.
E percorrendo a panóplia factual provada, nada se lobriga que aponte para a veracidade do que a recorrente refere na 5ª conclusão recursória, isto é, que foram muitos os técnicos oficiais de contas que se encontraram em situação semelhante à recorrente, tantos que a sua entidade agregadora e disciplinadora - Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas - teve de actuar em termos institucionais.
Pouco importa para o desfecho da lide que a recorrente tenha agido, como diz, de boa fé, na convicção de que a opção pelo regime da contabilidade organizada, em 2001, colocava o recorrido, durante os três exercícios seguintes, dentro da mesma opção, convicção que a recorrente refere – sem no entanto o provar !– ter sido sufragada por muitos colegas seus e pela própria Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
A verdade é que a recorrente estava obrigada a acompanhar a evolução legislativa, e a proceder em conformidade, o que não fez, tendo daí resultado para o recorrido o dano patrimonial traduzido na diferença entre a verba indicada no ponto 26 da matéria de facto – que o recorrido pagou (ponto 41 da matéria de facto) – e a quantia mencionada no ponto 27 do elenco dos fatos provados (cfr. alíneas Z) e J) da especificação e resposta ao quesito 10º).
A recorrente, em suma, não comprovou, como lhe competia, que actuou, sem culpa, mediante uma falsa representação da realidade, por forma a se poder desenhar uma causa de exculpação.
Embora um pouco a latere, não se pode deixar de lembrar que justamente para prevenir situações deste jaez (responsabilidade civil por danos causados por negligência no exercício de profissões liberais) é que muitas pessoas (v.g. advogados) celebram adequados contratos de seguro.
Por outro lado os artºs 483º a 510º do CC regulam a responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco, não se aplicando portanto o artº494º do CC à responsabilidade contratual.
Como diz Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª Edição, pág. 99, «A distinção entre dolo e a negligência não assume, na falta de cumprimento das obrigações, a mesma importância que tem no capítulo da responsabilidade delitual, visto não ser aplicável à responsabilidade contratual o disposto no artº 494º».
E Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 352) diz também que «Em matéria de responsabilidade extraobrigacional, o grau de culpabilidade pode influir no montante da indemnização, levando a fixá-lo equitativamente em valor inferior ao dos danos causados se, tendo em conta a moderação da culpa e a situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias do caso, isso se justificar» (o sublinhado é da nossa lavra).
Destarte, o montante da indemnização por danos patrimoniais deve corresponder no caso presente ao prejuízo realmente causado (artºs 564º e 566º do CC).
Não se mostrando infringidas as normas indicadas pela recorrente, cujas conclusões naufragam em toda a linha, acordam em negar a revista, remetendo, com as anteriores notas, ao abrigo do artº 713º, nº 5, ex vi artº 726º do CPC, para a fundamentação do acórdão recorrido, condenando a recorrente nas custas.


Lisboa, 12-06- 2007

Faria Antunes (relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves