Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3800
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
COMPRA E VENDA
DAÇÃO EM PAGAMENTO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO
REGISTO DO CONTRATO-PROMESSA
REGISTO DA ACÇÃO
EFICÁCIA REAL
EFICÁCIA PROBATÓRIA
Nº do Documento: SJ200901200038006
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I) - Requerido registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza.

II) - Num contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, o promitente-comprador adquire um direito real de aquisição sobre o bem imóvel em causa, independentemente de quem seja o seu proprietário na mesma data.

III) - O direito do promitente-comprador pode ser tutelado ou protegido de outras formas, designadamente através do registo provisório de aquisição.

IV) - O registo provisório de aquisição, deve ser convertido em definitivo, sendo a conversão feita através da apresentação e submissão a registo do documento que titula a aquisição da propriedade (por exemplo, a escritura pública de compra e venda).

V) - Porque não é o contrato-promessa em si mesmo que é registado (diferente seria se tivesse eficácia real), o registo da acção de execução específica nenhum direito acrescido confere ao regime do cumprimento do contrato que continua a manter uma natureza creditícia.

VI ) - Estando em causa dois contratos-promessa que não dispõem de eficácia real, nem tendo havido ainda alienação do imóvel, duplamente prometido alienar pelo titular do direito de propriedade, que figura como comum promitente alienante – in casu no contrato-promessa de compra e venda, e num contrato-promessa de dação em cumprimento de que é beneficiário o recorrente – deve prevalecer o contrato-promessa celebrado em primeiro lugar, mais a mais considerando a má-fé do promitente-alienante, valendo na hipótese o normativo do art. 407º do Código Civil – “incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo”.

VII) - Se os contratos-promessa não têm eficácia real, não a terão por via do registo da acção de execução específica.

VIII) – Tratando-se de contratos-promessa com eficácia obrigacional, meramente inter-partes, geram apenas o direito subjectivo a prestação de facto, consubstanciada no direito de exigir a declaração de vontade para outorga do contrato definitivo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA intentou, no dia 6 de Dezembro de 1996, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Évora – com distribuição ao 1º Juízo – Proc. 539/96 – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

BB e CC pedindo a execução específica do contrato-promessa de dação em cumprimento celebrado com o primeiro e suprimento da autorização da segunda; a concessão de um prazo não inferior a 120 dias para registo provisório da hipoteca a favor do Banco financiador e a condenação de ambos a indemnizá-lo pelos prejuízos resultantes da dilação temporal no cumprimento da promessa a liquidar em execução de sentença, previamente retidos no valor a consignar em depósito.

Motivou a sua pretensão no não cumprimento, pelo réu, do referido contrato-promessa relativo à identificada fracção predial, celebrado com o réu, no dia 23 Julho de 1996, registado provisoriamente, contra o recebimento de 5.000.000$00, estar a fracção predial, penhorada a seu favor, para garantia de quantia exequenda de 1 294 657$50 bem próprio do réu, e necessária autorização da ré, seu cônjuge.

A ré, CC, contestou, invocando a excepção do erro na forma de processo quanto ao suprimento do consentimento, não ter o autor tido posse da fracção predial, existir anterior contrato-promessa celebrado entre o réu e CC e ter sido levantada a penhora da fracção predial na sequência do pagamento da quantia exequenda.

Deduziu reconvenção, pedindo a declaração de ter dado consentimento ao réu, no dia 19 de Setembro de 1994, para venda da fracção predial a CC e a resolução do contrato-promessa celebrado com o autor, por se ter verificado a condição resolutiva de pagamento nele prevista, a nulidade da aquisição provisória por falta do seu consentimento e a condenação daquele a requerer o levantamento da penhora e o cancelamento dos respectivos registos, bem como a pagar-lhe 1.000.000$00 de indemnização por litigância de má fé.

Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção deduzida pela ré CC.

Inconformado com o despacho que admitiu a reconvenção, o autor interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora.

CC deduziu, no dia 11 de Junho de 1997, incidente de oposição, formulando pedidos idênticos aos formulados pela ré e o de declaração de nulidade do referido contrato-promessa por simulação, e subsidiariamente, para a hipótese de se entender que as regras registrais a favor do autor inviabilizam a possibilidade de exercício do seu direito à execução específica deduzido na acção que ia intentar contra o réu, que o autor seja condenado a indemnizá-la no montante de 12.000.000$00, sendo11.000.000$00 a título de danos não patrimoniais e 1.000.000$00 por litigância de má fé.

Replicou o autor, invocando a não verificação da excepção dilatória do erro na forma de processo e da falta de fundamento do pedido reconvencional, e a ré treplicou.
CC, intentou, em 12 de Junho de 1997, naquela Comarca, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, distribuída também ao 1º Juízo – Proc. 318/97 [ulteriormente mandada apensar], contra:

BB.

Pedindo a execução específica do contrato-promessa de compra e venda com ele celebrado concernente à mencionada fracção predial, ou, subsidiariamente, a sua resolução por incumprimento e a condenação daquele a pagar-lhe a indemnização de 20.000.000$, correspondentes ao dobro do que lhe entregou e juros de mora, e, em qualquer caso, a declaração da nulidade e o cancelamento dos registos de aquisição em nome de AA.

Alegou, nuclearmente, que o réu, depois de ter celebrado com a demandante, o mencionado contrato-promessa de compra e venda, ter recebido integralmente o preço e de haver autorização de venda de CC, se ter negado celebrar o contrato, outorgando com AA outro contrato-promessa (de dação em pagamento).

O réu não contestou a acção.

A autora requereu a intervenção principal de CC, na posição passiva, a qual não apresentou contestação.

Na fase da condensação, foi julgada improcedente a excepção dilatória invocada pela ré CC.

O autor agravou da admissão da intervenção de CC requerida pela autora.


Foi proferida sentença, em 15.3.2006 – fls. 756 a 785, do seguinte teor:

Termos em que face ao supra exposto se decide:

“ a) Julgar o pedido de execução específica deduzido por DD contra BB e CC, enquanto interveniente principal, inteiramente procedente e, assim, substituindo-se a declaração negocial do Réu, declara-se transferido por este último para a Autora (DD) o respectivo direito de propriedade relativamente à fracção autónoma em causa nos autos, identificada no art. lº da p.i. (fracção autónoma designada pela letra B correspondente ao ...Andar, em regime de propriedade horizontal, sito à Rua ................. de S. Mamede. Concelho de Évora), pelo preço de dez milhões de escudos já pagos, negócio a que deu o respectivo consentimento CC;

b) Julgar improcedentes todos os demais pedidos formulados nos autos (acções ordinárias 539/96 e 318/97), absolvendo dos mesmos as partes contra os quais foram deduzidos
[…]”.


AA, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, que, por Acórdão de 31.5. 2007 – fls. 855 a 875 – julgou improcedente a apelação, tal como julgou improcedente o recurso de agravo.

De novo inconformado interpôs recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça – por Acórdão de 4.12.2008 – fls. 895 a 904 – anulado o Acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, foi proferido o Acórdão de fls. 911 a 948, de 5.6.2008, que negou provimento aos recursos de agravo e de apelação, confirmando a sentença recorrida.


Inconformado, AAinterpôs recurso para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª Não estando o venerando acórdão ora sob sindicância subscrito pelos mesmos juízes do anteriormente proferido, sem conter qualquer justificação sobre as atendíveis excepções ao imperativo do art. 718°, nº1, do Código de Processo Civil, impõe-se tal justificação para perfeita verificação da legalidade processual, sob pena de nulidade do acórdão.

2ª Os Réus da presente acção não suscitaram incidente de falsidade em relação a qualquer dos documentos autênticos, autenticados e particulares com que o Recorrente instruiu a prova de seu ónus, pelo que estes documentos fazem prova plena dos factos neles expressos, nos termos impostos nos dispositivos da secção IV do Capítulo II do Subtítulo IV do Título II do Livro I do Código Civil, em especial os seus arts. 371.°, 372.°, 376.°, 377.° e 383.°, que a prova testemunhal não pode ilidir segundo a regra do art. 393º, nº2, da mesma lei substantiva.

3ª Mostra-se assim suficiente, na modesta opinião do Recorrente, a prova constante nos documentos de fls. 9 a 31, 52 a 67, 94 a 124, 143 a 145, 170 a 190, 229, 256 a 261, 352, 375 a 381, 616 a 625 e 686 a 721, elencados pelo tribunal de 1ª instância a fls. 729 como atendidos para a formação da convicção que conduziu aos factos ali assentes como provados, sem que nenhuma prova testemunhal pudesse abalar aqueloutra tida por fidedigna.

4ª Pelo que contêm os autos prova documental bastante, especialmente a que emerge de certidões judiciais de outros processos criminais onde o Réu BB afirmava existir erro na declaração de quitação da totalidade do preço quanto à promessa celebrada com sua (então ainda) sogra, para a reponderação pelo tribunal superior da matéria de facto impugnada em sede de recurso com expresso fundamento nessa prova documental, cumprindo as regras do art. 690°-A, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil, mormente nas suas conclusões 3ª a 5ª e 8ª que aqui se deixam reproduzidas para mais fácil apreciação, ficando a fazer parte integrante desta.

3ª É assim que se mostra incorrectamente julgada a matéria constante no quesito 1º cuja resposta se impõe que seja complementada segundo o texto:

“AA, aquando da celebração do contrato referido em N) tinha conhecimento do anterior contrato de compra e venda referido em E), sabendo, no entanto, que este continha menção quanto à quitação total do preço que não correspondia à verdade”, solução, que emerge da prova documental constituída pela certidão judicial contendo o depoimento do Autor AA a fls. 620 verso e do documento particular constituído pelo Relatório elaborado por este e também firmado pelo Réu BB a fls. 689, na epígrafe “A) — Prédio em Évora” e ainda das declarações do referido Réu exaradas na sobredita certidão judicial, a fls. 621 a 625 e na queixa-crime por ele firmada, a fls. 617 a 619, conforme melhor se explicitou nas alegações que antecedem e que, para os efeitos impostos pelo art. 690.°-A do Código de Processo Civil, se têm aqui por integralmente reproduzidas;

4ª De igual modo se apresenta com notório erro na apreciação da prova a matéria constante do quesito 11º cuja resposta deverá ser no sentido de se considerar provado que “BB não recebeu a quantia referida no contrato reproduzido em E) (embora no mesmo tenha declarado o contrário)”, afirmação positiva que ressalta da prova imanente na certidão judicial com as declarações do Réu BB em sede criminal, plasmada nestes Autos a fls. 621 a 625 e confirmada com o seu depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento que ficou registado em sumário em sede de fundamentação às respostas à matéria factual, a fls. 730, conforme melhor explicitado nas alegações supra que se têm por integralmente reproduzidas para este efeito, sendo que esta versão factual exaustivamente exposta no aludido depoimento certificado coincide com o depoimento de parte prestado nestes Autos e, bem assim, com o do próprio Autor, sempre concomitante com a restante prova, designadamente a de fls. 620 e 621 a 625 e 689;

5ª E, ainda que relativamente irrelevante para a boa apreciação da causa, sempre se tem que ter por erradamente julgada a resposta dada pelo Tribunal a quo à matéria do quesito 12.° na justa medida em que em face do texto do contrato de promessa de dação em cumprimento com tornas de fls. 14 a 18, mormente da sua cláusula 6ª reconhecido presencialmente em Cartório Notarial, da declaração de fls. 183 firmada pelo mesmo BB e do cheque de fls. 170, todos contemporâneos, perfeitamente concomitantes e coincidentes com o depoimento de parte desse sujeito processual e ainda da testemunha EE e do Autor AA, conforme melhor se aduziu nas alegações supra que aqui se têm por reproduzidas na íntegra para este efeito recursivo, só pode ser positiva a resposta a dar “O pagamento subjacente à declaração referida em D) correspondeu à dação prometida”;
(...)

8ª Outrossim, embora irrelevante para o justo julgamento mas paradigma da errada e notória apreciação da prova constante nos autos são as respostas à matéria dos quesitos n°s 3, 4. 6 e 8 que, como se alegou acima em sede própria e aqui se dá por reproduzido na íntegra, perante a prova, toda a prova mas em especial a de fls. 16, 21 e 182, segundo as mais elementares regras de experiência comum e dos supra invocados arts. 514.° e 515.° do Código de Processo Civil, teriam que ter obtido a resposta positiva de que carecem e se impõe;

5ª. Ao não conhecer dessa parte do recurso, podendo dela conhecer por nos autos constarem elementos probatórios bastantes para a apreciação que a prova testemunhal não poderia abalar, o venerando tribunal a quo violou o preceito do art. 712.°, nº1, alínea a), primeira parte, e alínea b), da já citada lei adjectiva civil, omissão de pronúncia cominada com nulidade segundo a regra do art. 668.°, nº1, alínea d), aplicável ex. vi art. 716.°, nº1, do mesmo códice, tendo-se por inconstitucional a interpretação contrária em que o tribunal recorrido funda a sua decisão neste particular, em violação dos arts. 20.°, nº5, 202.°, nº2, e 203.° da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente aqui se deixa arguido para todos os efeitos legais, considerando-se correcta a que emana do supra alegado, qual seja a de que a Relação deve conhecer da matéria de facto desde que dos autos constem os elementos essenciais para esse juízo, sendo que a prova documental de que se serviu a 1ª instância estava ali expressa e não podia ser abalada por qualquer outra em face da ausência de incidente de falsidade desses documentos.

6ª A isto sempre acresce e sobresta que apesar de o registo provisório previsto na alínea g) do nº1 do art. 92.° do Código de Registo Predial, ser uma faculdade do titular do direito de aquisição prometido, a sua inscrição tabular é acto sujeito a registo previsto no seu art. 2.°, nº1, alínea a), para poder ser oponível a terceiros, como impõe o nº1 do art. 5.° do mesmo códice e gozar da prioridade garantida pela norma do seu art. 6.°, nº1.

7ª Esta prioridade estabelecida segundo o princípio do trato sucessivo estabelecido no art. 34º, nº2, do mesmo CRP, garante ao seu titular, in casu o ora Recorrente, o direito a ver decretada judicialmente a execução específica daquela promessa de transmissão, como antes o garantia a fonte do seu direito, a penhora registada anteriormente ao contrato de promessa de compra e venda conflituante, em submissão à regra do art. 407.° do Código Civil, erradamente interpretada e aplicada pelo venerando tribunal a quo.

8ª Como também a mera posse do prédio expressamente transmitida no contrato de promessa de dação em cumprimento com tornas e que é parte integrante da aquisição prometida, de conhecimento oficioso segundo o regime dos arts. 68.° e 73.°, nº1, do citado Código de Registo Predial, na redacção aplicável e exercida plenamente pelo Recorrente como emerge da factualidade assente.

9ª Errando o tribunal recorrido ao aplicar o direito sem observância dos preceitos legais que impõem a prioridade do registo predial, com violação na interpretação dada às normas jurídicas do art. 407.° do Código Civil e as correlativamente aplicáveis dos art. 2.°, nº1, alíneas a) e e), 5°, nº1, e 92.°, nº1, alínea g), estes do Código de Registo Predial, na redacção em vigor à data dos factos, e postergando em franca violação os imperativos constitucionais dos arts. 3.°, nº2, 9° alíneas b) e d), 13º, 20°, nº5, 62.°, nº1, 202.°, nº2, e 203.° da Constituição da República, o que aqui se argui expressamente para todos os efeitos da lei, considerando-se correcta a tese que se explicitou nas conclusões 6ª a 8ª que antecedem e aqui se têm em expressão integral.

10ª Como ainda erra, salvo o devido respeito, também ao confundir o tipo de danos cujo ressarcimento vem pedido e ao exigir a sua explicitação quando claro é, do conjunto do texto do artigo 25.° e da alínea c) do petitório, a natureza e imprevisibilidade, na época, de tais danos patrimoniais.

11ª Destarte, carece o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de revogação, para a aplicação do melhor direito segundo a adequação explanada nas conclusões 6ª a 10ª supra, dando provimento aos pedidos iniciais do Recorrente ou, em alternativa, caso se julgue não conterem os autos matéria de direito suficiente para o imediato julgamento nesta sede superior, que seja provida a invocada nulidade por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto impugnada e rejeitada por alegada falta de registo em acta dos depoimentos prestados, pelas razões traduzidas a conclusões 2ª a 5ª, devolvendo-se o processo à Relação para adequado julgamento e ulteriores termos, sempre após a devida aferição da legalidade do acórdão como se aduziu na conclusão 1ª do presente recurso.

Assim se julgando se fará, na óptica do Recorrente, a habitual de Justiça.

Contra-alegou CC, batendo-se pela confirmação do Acórdão.


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

A) - BB é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “B” e que corresponde ao 1º andar do prédio urbano, sito na Rua ..........., na Freguesia de S. Mamede, do concelho de Évora, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 1306 - B e descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha .........., inscrita a seu favor como bem próprio por ter sido adquirido por sucessão pela inscrição G1 de 1995.

B) - BB é casado com CC no regime de comunhão de adquiridos.

C) - A mesma fracção foi penhorada a favor de AA como garantia da quantia exequenda de 1.294.657$50, na execução n°50/95 do Tribunal de Moura, o que se mostra devidamente registada pela inscrição F 1 de 12 de Outubro de 1995.

D) - (...) e nesse o Autor declarou em dia 27 de Junho 1996 ter recebido a totalidade da quantia exequenda requerendo o levantamento da penhora.

E) - A Autora celebrou com o R. BB, em Moura, em 19 de Setembro de 1994, um contrato promessa de compra e venda, com o seguinte teor:

“Contrato Promessa de Compra e Venda

Promitentes vendedores: - BB (...) e esposa CC, casados sob o regime da comunhão de adquiridos (...)
Promitente compradora: - DD (...)
O primeiro outorgante marido declarou:
- que é único e universal herdeiro de FF e esposa GG, conforme escritura de habilitação de herdeiros lavrada em 29 de Junho de 1994 a folhas 57- verso do Livro 43- B do Cartório Notarial do Concelho de Portel;
Os referidos autores das heranças, pais do primeiro outorgante marido, foram proprietários do bem:
A fracção autónoma designada pela letra B) correspondente ao lº andar, em regime de propriedade horizontal, sito à Rua .........., freguesia de 5. Mamede, concelho de Évora, inscrito na matriz sob o artigo 1306, descrito na Conservatória Predial do Concelho de Évora sob o no. ...... com inscrição a favor do defunto varão pela inscrição .......
Que o aqui primeiro outorgante marido tem a decorrer, neste momento, o processo para a inscrição, em seu nome, do imóvel atrás indicado, na Repartição de Finanças competente e na Conservatória do Registo Predial do concelho de Évora;
Que as despesas relacionadas com a legalização do imóvel, em nome do promitente vendedor, são da sua inteira e exclusiva responsabilidade;
Que pelo preço de dez mil contos, prometem vender ao promitente-comprador, a fracção autónoma, designada pela Letra B atrás identificada;
Que já receberam da promitente compradora a totalidade do preço acordado, pelo que nada mais lhes é devido.
Que este imóvel é prometido vender livre de quaisquer encargos, hipotecas e não se encontra cativo de usufruto;
Que, porém, o referido encontra-se arrendado a HH, com residência habitual na Rua .........., número um, primeiro, em Évora;
Que a escritura Notarial de Compra e Venda será celebrada em data a acordar entre as partes aqui contratantes;
Que, para a falta de cumprimento desta promessa de Compra e Venda, por parte do promitente Vendedor, poderá a promitente compradora exigir-lhe a execução específica desta promessa;
Que para os diferendos daqui resultantes apenas é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Moura.
Declarou depois a segunda outorgante: - Que aceita esta promessa da compra e venda nos termos atrás exarados.
Declarou finalmente a outorgante CC: que o imóvel aqui prometido vender é próprio de seu marido e na qualidade de cônjuge, consente nesta promessa.
Moura, 19 de Setembro de 1994”.

F) - O imóvel encontrava-se e encontra-se arrendado a II.

G) - O imóvel foi construído em data anterior a 1951.

H) - DD em 24 de Fevereiro de 1995 notificou, através de carta registada com aviso de recepção, recebida em 2 de Março de 1995, o réu BB, a fim de este marcar a respectiva escritura notarial de compra e Venda, resultante do identificado contrato promessa, entre os dias 15 e 31 de Março de 1995.

I) - O réu BB não marcou a escritura notarial, nem contactou a autora.

J) - Por carta registada com aviso de recepção, que BB recebeu em 14.4.97, foi novamente este notificado por DD, a fim de marcar a escritura notarial de compra e venda relativamente à fracção autónoma em causa, até ao dia 16 de Maio de 1997.

L) - O Réu BB não marcou a referida escritura notarial, nem contactou a autora ou o seu Mandatário.

M) - A autora continua interessada na celebração da escritura do contrato prometido.

N) - BB celebrou com AA, em 23 de Julho de 1996, um contrato-promessa de dação em cumprimento com tornas, pelo qual recebe em dação em cumprimento a mesma fracção – que tinha sido objecto, em 1994 do contrato-promessa supra identificado – com o seguinte teor:

“Contrato-Promessa de dação em cumprimento com tornas”, entre:

BB, (...) enquanto devedor e AA, (...) na qualidade que tem de credor:

- É celebrado de boa fé e livre vontade o presente contrato-promessa de dação em cumprimento com tornas, sujeito às seguintes condições e termos:

O 1° outorgante é legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao primeiro andar do prédio urbano sito na Rua ...................., freguesia de S. Mamede, concelho de Évora, que se encontra inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n° ........e descrito na Conservatória de Registo Predial de Évora sob a ficha n° .............
A propriedade de tal prédio está devidamente inscrita a seu favor com a inscrição G-1 da sobredita descrição registral e adveio-lhe de sucessão hereditária sendo, por isso, bem próprio;
O 2° outorgante é exequente em acção judicial que corre no Tribunal Judicial da comarca de Moura com o n°50/95, em que é executado o 1° outorgante, sendo a quantia exequenda de 1 294 657$50, acrescida de juros vincendos à taxa legal, acção que se encontra registada como F 1, no que concerne à penhora da fracção referida.
O 1° outorgante tem em curso no Tribunal de Círculo de Beja, a correr termos sob o nº31/96 em que é réu reconvinte e deu entrada na secretaria judicial em 8 de Fevereiro de 1996, acção de divórcio litigioso.
A execução referida na cláusula 3 supra está em fase de citação de credores, para posterior venda.
A fim de evitar venda judicial de valor previsivelmente abaixo do seu valor real, BB entrega como dação em cumprimento a AA a fracção autónoma referida na cláusula lª, para quitação completa da sua dívida acima referida e o acrescido legalmente, incluindo custas e despesas do presente contrato-promessa definitivo e despesas acessórias previsivelmente orçadas em dois milhões de escudos, no total.
Sendo o valor do prédio, por acordo entre as partes, de sete milhões de escudos, AA dará, tornas a BB do remanescente, isto é, cinco milhões de escudos.
Para tanto fará entrega de quinhentos mil escudos até ao final do corrente mês de Julho de 1996 e de igual quantia até ao fim do mês seguinte, ou seja, Agosto de 1996.
O restante das tornas acordadas será entregue no acto da escritura pública de dação em cumprimento a realizar em cartório notarial a acordar com a instituição bancária financiadora, no prazo máximo de 90 dias contados da última entrega mencionada na cláusula anterior, salvo caso de força maior;
Ambos os outorgantes dão ao presente contrato-promessa de compra e venda a natureza de execução específica, podendo AA outorgante ceder a sua posição a terceiros sem que BB se possa opor.
AA entra nesta data na tradição de fracção prometida em dação com plena posse dela e seus frutos.
Almada, 23 Julho 1996”

O) - O contrato-promessa de dação em cumprimento está devidamente registado na Conservatória do Registo Predial de Évora, provisoriamente por natureza, e serviu de título à aquisição provisória registada em G-..... – AP-....... de 29-7-1996 e respectivos averbamentos a favor de AA.

P) - AA necessitava de recorrer a crédito bancário para proceder ao pagamento do remanescente do preço, no montante de quatro milhões de escudos.

Q) - AA exerce a actividade de compra para revenda de imóveis.

R) - Por BB, em 31 de Março de 1995, foi passada procuração a AA para “em seu nome e por sua conta tratar de todos e quaisquer assuntos referentes ao seu património mobiliário, imobiliário e financeiro, representando-o junto de sua esposa CC e de sua sogra, DD”.

S) - AA enviou uma carta registada com aviso de recepção a CC para proceder, por qualquer forma, à necessária autorização para a dação prometida com base na procuração referida em R).

T) - (...) com a advertência de que responderia civilmente pelos danos subjacentes à injustificada recusa de autorização.

U) - (...) e o aviso de recepção em causa foi assinado por DD.

1) - AA, aquando da celebração do contrato referido em N), tinha conhecimento do anterior contrato-promessa de compra e venda referido em E).

2) - (...) e de que, nesse contrato-promessa de compra e venda, CC deu o seu consentimento para a promessa e consequente venda.

3) - AA no dia 1 de Agosto de 1996 enviou uma carta registada com aviso de recepção a JJ.

4) - AA a 19 de Agosto de 1996 enviou uma carta registada a BB.

5) - AA a 8 de Novembro de 1996 enviou uma carta registada com aviso de recepção ao réu BB.

Fundamentação;

Sendo pelo teor das conclusões das alegações que se afere do objecto do recurso –afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se deve ser alterada a matéria de facto, com base na prova documental existente nos autos, com vista à alteração das respostas aos quesitos 1º, 11º, 12º, 3º, 4º, 6º e 8º ;

- se a Relação, ao não alterar as respostas àqueles quesitos, não teve em conta a prova documental violando a sua força probatória, incorrendo em omissão de pronúncia geradora da nulidade do Acórdão, violando, destarte, os preceitos constitucionais dos arts. 20º, nº5, 202º e 203º;

- que direitos emergem dos contratos celebrados e dos registos promovidos pelo recorrente;

- se o recorrente é credor de indemnização por danos.

Vejamos:

Antes de entramos na apreciação das questões suscitadas pelo recorrente, importa apreciar a questão prévia que invoca, qual seja a da nulidade do Acórdão sob recurso, pelo facto de nele não terem intervindo os mesmos Julgadores, já que tal deveria ter acontecido, uma vez que foi anulado o Acórdão de 31.5.2007, e, no Acórdão agora em recurso, não intervir, como Relatora, a Ex.ma Juíza Desembargadora que interveio com Relatora, no Acórdão revogado.

É facto que, tendo sido anulado o Acórdão primeiro da Relação, para conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente, deveriam ter intervindo os mesmos Julgadores “sempre que possível”, conforme preceitua o art. 718º, nº1, do Código de Processo Civil.

Todavia, evidencia-se que a Ex.ma Relatora de agora, não é quem interveio no Acórdão revogado.

A razão de tal não ter acontecido consta do despacho de fls.908 e verso, de 24.1.2008, onde a Ex.ma Relatora, invocando motivo de ordem pessoal relacionado com a pessoa do julgador que proferiu a sentença da 1ª instância, se declarou impedida, nos termos do art. 122º, nº1, als. f) e i), do Código de Processo Civil.

Em bom rigor a situação do impedimento apenas tem fundamento na al. i) do normativo citado.

Na sequência dessa declaração de impedimento, os autos foram redistribuídos mantendo-se os mesmos Adjuntos, mas mudando a pessoa do Relator.

Tal despacho não foi, como devia, notificado às partes mas foi-o após a apresentação das alegações.

Salvo o devido respeito, ocorrendo fundamento legal para impedimento, como manifestamente existe, pese embora o despacho da Ex.ma Juíza não ter sido atempadamente notificado às partes, tal omissão não é geradora de nulidade, nem o facto de a Relatora não ser a mesma, porquanto, a não coincidência de julgadores, num e noutro Acórdão, resultou de fundamento legalmente previsto, e visa salvaguardar a imparcialidade do juiz que, por razões pessoais, suscitou o seu impedimento.

Assim sendo, inexiste nulidade do Acórdão, com o fundamento aduzido pelo recorrente, pelo que se desatende a questão prévia.

Apreciando as questões de mérito do recurso.

Como se decidiu no Acórdão deste Supremo, a que antes aludimos, a fls. 905:

“Estamos no caso vertente perante duas acções, apensadas, uma intentada no dia 6 de Dezembro de 1996 por AA contra BB e CC, e a outra intentada por CC contra BB no dia 12 de Junho de 1997, na qual foi chamada e admitida a intervir do lado passivo CC.
À primeira das referidas acções são aplicáveis, salvo quanto a prazos, as normas do Código de Processo Civil anteriores à revisão que entrou em vigor no dia l de Janeiro de 1997 (artigos n°l e 16° do Decreto-Lei n°329-A/95, de 12 de Dezembro).
À segunda das mencionadas acções é, por seu turno, aplicável o regime processual que entrou em vigor no dia l de Janeiro de 1997 (artigo 16° do Decreto-Lei n°329-A/95, de 12 de Dezembro).
Todavia, na dinâmica processual que deva ser comum a ambas as acções apensadas é aplicável, como é natural, o regime processual anterior ao que entrou em vigor no dia l de Janeiro de 1997.
Como a sentença do tribunal da primeira instância foi proferida no dia 15 de Março de 2006, aos recursos de apelação e de revista são aplicáveis as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto, ou seja, o regime que entrou vigor no dia 1 de Janeiro de 2007 (artigo 25°, n°l, do Decreto-Lei n°329-A/95, de 12 de Dezembro).”

O recorrente no recurso de apelação pretendeu que fossem alteradas as respostas aos quesitos 1º, 11º, 12º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º (para respeitar a sequência indicada).

A Relação manteve essas respostas.

Agora, no recurso de revista, o Autor pretende que este Supremo Tribunal altere as respostas dadas pelas Instâncias com o argumento que existe prova documental plena que impõe que se responda no sentido que propugna (cfr. conclusões 3ª, 4ª 5ª e 8ª).

Foi produzida prova testemunhal e documental tendo o Tribunal de 1ª Instância nas respostas dadas àqueles quesitos fundamentado a sua convicção com base naquelas provas.

A audiência não foi gravada pelo que impossível se tornava ao Tribunal da Relação apreciar os depoimentos de parte e o produzido pelo Autor.

O assegurar de um duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto foi tema de larga controvérsia no direito processual havendo até quem, nessa omissão, visse uma violação do direito a um julgamento justo, sabidas que eram as limitações legais quanto à possibilidade da alteração, pela Relação, da matéria de facto – primitiva redacção do art. 712º do Código de Processo Civil.

O DL. 39/95, de 15.2 inovou, estabelecendo a possibilidade das audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados serem gravados, [documentação da prova], “pondo termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados.” – citámos do preâmbulo do citado DL.

Esse diploma aditou ao Código de Processo Civil, então vigente, os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso.

Após a Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil e o DL. 182/2000, de 10.9, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção:

[“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto]

“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de regis­to ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios pro­batórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2 do artigo 522°-C.
3- Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 522.°-C.
4. O disposto nos nºs l e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do artigo 684°-A.
Nos casos referidos nos nºs 2 a 4, o tribunal de recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal”.

Ora, nos termos do art. 712º, nº1, als. a) b) e c) do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.°-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Não tendo havido gravação e não tendo o recorrente apresentado documento novo superveniente nos termos da al. c) antes citada, apenas poderia no recurso de apelação fundar a sua pretensão na 1ª parte da al. a) – “Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa…”, ou na al. b) – “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.

O recorrente, nas suas alegações de recurso para a Relação, escreveu na conclusão 1ª à guisa de síntese da sua pretensão e razão de censura – “Padece a douta sentença aqui sindicada de notório erro na apreciação da prova, segundo as mais elementares regras da experiência comum e a prova documental constante aos autos, confirmada, na essência pela prova testemunhal e depoimentos de parte produzidas em audiência de discussão e julgamento”.

Decorre, desde logo, que, pondo a ênfase na má apreciação da prova documental, o recorrente considerou que a prova testemunhal a confirmava, aludindo, ainda, ao depoimento de parte.

Foi neste cenário probatório que pretendeu ver alteradas as respostas aos quesitos, não logrando êxito.

Agora, pretende que este Supremo Tribunal altere as respostas àqueles quesitos com base na existência de prova documental, que já indicara, e que considera ter sido indevidamente apreciada.

Antes de mais, importa esclarecer que este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, tem por competência o julgamento de direito e só excepcionalmente pode conhecer da matéria de facto – arts. 722º, nº2, e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:
“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2, e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

Assim, é manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista.

O art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – legitima a apreciação da matéria de facto no contexto do recurso de revista – apenas quando exista ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

O recorrente, se bem interpretamos, sem embargo de pedir, em alternativa, a ampliação da matéria de facto na Relação, ancora a sua pretensão, precisamente na norma que constitui excepção àquela regra, ou seja, sustenta que, no caso em apreço, existe ofensa de uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, in casu, documental, considerando provados, documentalmente, factos sobre que recaiu prova testemunhal, buscando, assim, amparo para a sua tese no nº2 do art. 722º do Código de Processo Civil.

Vejamos a formulação dos quesitos em causa:

AA, aquando da celebração do contrato referido em N) tinha conhecimento do anterior contrato de compra e venda referido E)?” – 1º.

Resposta – Provado.

“BB não recebeu a quantia referida no contrato reproduzido em E) (embora no mesmo tenha declarado o contrário)?” – 11º.

Resposta – Não provado.

“O pagamento subjacente à declaração referida em D) correspondeu à dação prometida?” – 12º

Resposta – Não provado.

AA em seu nome pessoal e a mando do Réu marido, notificou por escrito, registado c/ aviso de Recepção, a inquilina do imóvel para querendo, exercer o direito de preferência?” – 3º

Resposta – Provado apenas que AA a 1.8.96 enviou uma carta registada com aviso de recepção a JJ.

AA não obteve qualquer resposta à missiva referida em S), do que avisou BB por escrito?”. – 4º

Resposta – Provado apenas que AA a 19.8.96 enviou uma carta registada ao Réu BB.

… mas este não tomou qualquer iniciativa?” – 5º.

Resposta – Não provado.

(…) E por isso em 1996.11.07 notificou-o para comparecer à escritura, por escrito registado c/ aviso de Recepção e para fornecer os elementos pessoais, seus e da esposa, necessários a feitura ao Contrato Notarial?” – 6º.

Resposta – “Provado apenas que AA a 8.11.96 enviou uma carta registada com aviso de recepção a BB”.

Por falta da assinatura de CC não foi possível concluir o processo de financiamento necessário ao pagamento do remanescente das tornas devidas, o qual se encontra suspenso até efectivação do necessário registo provisório da hipoteca?” – 8º.

Resposta – Não provado.

Desde logo, cumpre referir que para prova daqueles quesitos não estava vedada a produção de prova testemunhal ou que apenas fosse consentida prova documental.

Como ensina Antunes Varela – “Manual de Processo Civil” – (págs. 434 e segs. sob a epígrafe – Prova. Conceito. Prova e Verosimilhança):


“… A função típica da prova — demonstração da realidade dos factos — tanto pode reportar-se, na terminologia legal, no conceito da doutrina e até na linguagem corrente, à actividade das partes, do tribunal ou de terceiros, como referir-se aos elementos objectivos capazes de proporcionarem tal demonstração…

A prova por testemunhas é genericamente admitida (392º do Código Civil).

A lei, no entanto, prevê limites à regra da livre admissibilidade dos meios de prova.

Quando a lei exigir para a existência ou prova de um facto jurídico qualquer formalidade especial ela não poderá ser dispensada – art. 655º, nº2, do Código de Processo Civil.

É inadmissível em casos específicos e, designadamente: perante declarações negociais que hajam de ser reduzidas a escrito ou provadas por escrito (393. °/l); perante factos plenamente provados (393°/2); relativamente a convenções contrárias ou adicionais a documentos autênticos ou particulares reconhecidos (394°/1) ou a acordos simulatórios ou a negócios dissimulados, quando invocados pelos simuladores (394.°/2).

Tais regras não impedem a prova testemunhal para a interpretação do contexto do documento (393°/3) ou perante terceiros (394. /3).

O art. 376º do Código Civil, que rege sobre a força probatória dos documentos particulares, estabelece:

1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. […]”

Pires de Lima e Antunes Varela in “ Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 332 – escrevem:

O n.º l deste artigo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no nº2.
Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis, como no caso de se declarar que se emprestou a alguém determinada quantia…”.

Como ensina Menezes Cordeiro – “Tratado de Direito Civil Português”, vol. I, Tomo IV, págs.496/497:

“O documento particular assinado, a sua letra e assinatura ou só a assinatura consideram-se verdadeiras (374. °/l), quando reconhecidas pela parte contra quem o documento é apresentado; quando não impugnadas por essa mesma parte; quando, sendo atribuídas à parte em causa, esta declare não saber se lhe pertencem; - quando sejam legal ou judicialmente havidas como verdadeiras…O documento particular cuja autoria seja reconhecida e salvo a arguição e a prova da sua falsidade, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (376. °/l). Quanto aos factos contidos na declaração: consideram-se provados na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo, indivisível, em termos aplicáveis à confissão (376. °/2)”. (destaque nosso)

Na RLJ 101, 269-270, acerca daquele art. 376º do Código Civil pode ler-se:

“O nº 1, no que respeita à prova da existência das declarações e o nº2, no concernente às declarações que se têm como provadas, querem dizer que os factos que são objecto da declaração se consideram provados quando contrários aos interesses do declarante, não excluindo a possibilidade de o interessado se valer dos meios gerais de impugnação da declaração documentada.
Está-se perante uma presunção derivada da regra da experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros.
O interessado pode provar que a declaração não correspondeu à vontade ou que esta foi afectada por algum vício de consentimento”. (destaque e sublinhado nossos).

Ora, desde logo e quanto ao quesito 1º – sem dúvida de fulcral importância para a pretensão do recorrente, pretende ele que a resposta deveria ter sido – “AA, aquando da celebração do contrato referido N) tinha conhecimento do anterior contrato de compra e venda referido em E), sabendo, no entanto, que este continha menção quanto à quitação total do preço que não correspondia à verdade.”.

Tal pretensão de acrescentar à parte final o inciso que sublinhámos, exorbita o âmbito da formulação do quesito e nenhum dos documentos a que o recorrente alude dispõe de força probatória plena desse facto.

Essencialmente, trata-se de certidão judicial que contém o seu depoimento em processo-crime – fls. 620 verso – onde refere que, ao contrário do que consta no contrato-promessa, não recebeu o preço total da compra e venda.

Ora, se existiu processo-crime com base na certidão judicial, aí deveria ter sido provado esse facto. Não se sabe, sequer, qual o resultado desse processo nº37/96 certificado a fls. 616 e segs. Quanto aos quesitos 11º e 12º, pretende que as respostas sejam alteradas, com base nas declarações prestadas nos autos de instrução do referido processo-crime.

Trata-se de declarações prestadas que não têm força probatória plena, pois que não se prova, em parte alguma, a existência da denunciada falsificação daquele documento.

Nas respostas aos quesitos 3º, 4º, 6º e 8º, o recorrente pretende que se considerem as declarações prestadas no processo-crime e as prestadas no procedimento cautelar de arresto.

Não tem razão.

Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis.

Ora, de harmonia com tais documentos, alguns deles certificados, apenas constam declarações favoráveis ao recorrente (ademais a maior parte são depoimentos seus, nos vários processos que o litígio originou, ao longo de vários anos).

Daí que não tenha havido por parte da Relação qualquer erro na apreciação da força probatória dos documentos, sendo que a prova dos quesitos em causa se baseou, validamente, em prova testemunhal, que, não tendo sido objecto de gravação, nem sequer poderia ter sido sindicada pela Relação.

Assim também quanto ao depoimento de parte, que não gerou qualquer confissão, pois nada consta da acta da audiência de discussão e julgamento, onde a confissão deveria ter sido extractada, caso tivesse ocorrido – art. 563º do Código de Processo Civil.

Não existe qualquer omissão de pronúncia, no que respeita à apreciação da prova testemunhal, sendo até de considerar que, no Acórdão deste Supremo, que revogou o Acórdão da Relação, não estava em causa, se bem interpretamos, qualquer omissão de pronúncia quanto à reapreciação da matéria de facto, não sendo essa a questão omitida no julgamento da apelação.

O Acórdão recorrido não enferma, pois, do vício de nulidade por omissão de pronúncia – art. 668º, nº1, d), aplicável ex-vi do art. 716º, nº1, do Código de Processo Civil.

Tão pouco se entrevê violação dos preceitos constitucionais invocados na conclusão 5ª – art. 20º da Lei Fundamental – que rege sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, mormente seu nº5 – “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”.

Assim, também quanto ao art. 202º, nº2 – “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

E o art. 203º da Lei Fundamental – “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”.

O recorrente considera violados tais normativos constitucionais, pelo facto de entender que a Relação deveria ter valorado a prova documental no sentido de lhe atribuir força probatória plena, no que, manifestante, carece de razão. O julgamento da Relação não violou aqueles princípios, nem norma de direito probatório material, e, como tal, este Supremo não pode censurar o Acórdão, sequer no âmbito dos poderes conferidos no recurso de revista pelo nº2 do art. 722º do Código de Processo Civil.

Vejamos a questão nodal do recurso – os contratos celebrados, sua execução e efeito jurídico dos registos.

O Autor peticionou a execução específica do contrato-promessa que invoca como causa de pedir, nos termos do art. 830º do Código Civil, ou seja, pretende o Tribunal profira sentença que supra a manifestação de vontade do réu, que deveria conduzir à celebração do contrato-prometido de dação do imóvel identificado, em pagamento de dívida de tornas.

Nos termos do citado normativo:

“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.
3. O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o nº3 do artigo 410º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora.
(…)”.

Entendem, maioritariamente, a doutrina e a jurisprudência, que o pressuposto da execução específica consentida pelo normativo citado é a mora, mas o Acórdão que citámos infra, sustenta que a execução específica também é viável, em caso de incumprimento definitivo, desde que o promitente-comprador fiel à promessa, revele interesse na prestação e ela seja legalmente possível.

“I – O artigo 830º, nºs 1 e 2, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 379/86, é interpretativo e aplica-se, sem interrupção, à generalidade dos contratos-promessa celebrados após 1.6.1967. II – E o seu nº3 é também interpretativo perante os contratos-promessa nele previstos – os aludidos no artigo 410º, nº3 do mesmo Código – e aplica-se aos que tenham sido violados após 18.7.1980. III – O direito à execução específica pode ser exercido logo que há mora e também quando a obrigação se considera definitivamente não cumprida devido ao contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para o efeito fixado pelo outro contraente, desde que ela seja física e legalmente possível e este continue a ter nela interesse. IV – Fixado ao contraente faltoso um prazo suplementar razoável para cumprimento da prestação sob cominação de ser pedida a execução especifica, é evidente que o outro contraente não pretende a resolução do contrato” – Ac. do STJ, de 3.10.1995, in CJSTJ, 1995, III, 45. (sublinhámos).

O Acórdão deste S.T.J. de 13.3.2003, considerou que basta a mora para justificar a execução específica do contrato-promessa – CJSTJ, 2003, II, 11.

Importa atentar na situação tabular do imóvel, objecto mediato dos contratos, e as vicissitudes registrais em torno do que releva para apreciação do litígio:

O titular definitivamente inscrito é BB c.c. CC na comunhão de adquiridos – ................– que adquiriu a fracção por sucessão.
De seguida está inscrita uma penhora em que é exequente AA c.c. KK na comunhão de adquiridos – F.............. – Ap. 27 de 12-10-1995.

Segue-se uma inscrição de aquisição, provisória por natureza em que o adquirente é o referido AA, cuja causa de aquisição é dação em cumprimento e que foi lavrada com base em contrato-promessa de dação em cumprimento com tornas – .............. – Ap.16 de 29-7-1996.

Depois, está inscrita uma acção, provisória por natureza, na qual em pedido reconvencional formulado no Proc. 539/96 do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, CC casada com o titular definitivamente inscrito (sendo sujeito passivo nesta inscrição o AA) pede que seja cancelada a inscrição da Ap. 16 de 29-7-1996 em consequência do reconhecimento da nulidade e resolução do contrato promessa de dação em cumprimento com tornas que baseou a referida inscrição – ................ – Ap. 5 de 11-6-1997.

Logo a seguir foi lavrado um registo de aquisição, provisório por natureza a favor de DD viúva, registo efectuado com base em contrato promessa de compra e venda e em que são sujeitos passivos o BB e a mulher CC –................– Ap.6 de 11-6-1997.

De imediato foi efectuado outro registo de acção, provisório por natureza em que é Autor DD e Réu BB, cujo pedido é: a) que seja proferida sentença que declare vendida livre de ónus e encargos, pelo réu à autora a fracção autónoma com a letra B do prédio ................ – S. Mamede; b) que seja declarado nulo o registo de aquisição Ap. 16 de 29-7-1996 a favor de AA – ..........................– Ap. 7 de 11-6-1997.

Pela apresentação seguinte – Ap.8 de 11-6-1997 – foi registada outra acção – ............... – em que DD, por oposição espontânea (na acção do citado Proc. 539/96) contra o autor AA (sujeito passivo desta inscrição), pede que seja declarada a nulidade da aquisição da fracção autónoma B do prédio ....................– S. Mamede e consequente cancelamento do respectivo registo G – Ap .......................

Seguem-se os averbamentos de renovação dos registos.

Como resulta da matéria de facto provada, sobre o mesmo prédio foram celebrados dois contratos-promessa.

Um de compra e venda, celebrado entre BB (…) e mulher CC, casados sob o regime da comunhão de adquiridos e CC, em 19.9.1994, através do qual aqueles prometeram vender, e esta comprar a fracção identificada, onde se afirma ter já sido integralmente pago o preço de 10.000 contos.

Aí foi estipulado que para a falta de cumprimento desta promessa de Compra e Venda, por parte do promitente Vendedor, poderá a promitente compradora exigir-lhe a execução específica desta promessa.

Mais foi acordado que a escritura Notarial de Compra e Venda será celebrada em data a acordar entre as partes aqui contratantes;

Depois, em 23.7.1996, aquele BB “enquanto devedor” e o ora recorrente AA, “na qualidade de credor”, celebraram um contrato – a que se refere al. N) da especificação – que intitularam de “Contrato-Promessa de dação em cumprimento com tornas”, pactuando, [além do mais, que o BB, na qualidade de dono da fracção, já objecto mediato do anterior contrato celebrado com CC,] o seguinte:

O 2° outorgante [o ora recorrente] é exequente em acção judicial que corre no Tribunal Judicial da comarca de Moura com o n°50/95, em que é executado o 1º outorgante, sendo a quantia exequenda de 1 294 657$50, acrescida de juros vincendos à taxa legal, acção que se encontra registada como F l, no que concerne a penhora da fracção referida.

O 1° outorgante tem em curso no Tribunal de Círculo de Beja, a correr termos sob o n°31/96 em que é réu reconvinte e deu entrada na secretaria judicial em 8 de Fevereiro de 1996, acção de divórcio litigioso. …

…A fim de evitar venda judicial de valor previsivelmente abaixo do seu valor real, BB entrega como dação em cumprimento a AA a fracção autónoma referida na cláusula 1ª, para quitação completa da sua dívida acima referida e o acrescido legalmente, incluindo custas e despesas do presente contrato-promessa definitivo e despesas acessórias previsivelmente orçadas em dois milhões de escudos, no total.
Sendo o valor do prédio, por acordo entre as partes, de sete milhões de escudos, AA dará, tornas a BB do remanescente, isto é, cinco milhões de escudos.
Ambos os outorgantes dão ao presente contrato-promessa de compra e venda a natureza de execução específica, podendo AA outorgante ceder a sua posição a terceiros sem que BB se possa opor. AA entra nesta data na tradição de fracção prometida em dação com plena posse dela e seus frutos.[…]”.

Está provado que AA, aquando da celebração do contrato referido em N) tinha conhecimento do anterior contrato-promessa de compra e venda referido E).

O contrato-promessa de dação em cumprimento está registado na Conservatória do Registo Predial de Évora, provisoriamente por natureza, e serviu de título à aquisição provisória registada em.................... – AP 16 de 29 -7-1996 e respectivos averbamentos a favor de AA.

Desde logo, há que concluir que o registo promovido pelo recorrente foi feito em data em que sabia da existência do anterior contrato-promessa em que era promitente-compradora CC.

Cumpre também realçar que BB prometeu alienar duas vezes o mesmo bem.

A dação em pagamento – art. 837º do Código Civil – não deixa de ser um negócio jurídico oneroso e constitui um meio de extinção das obrigações além do cumprimento.

Atentemos, agora, nas recíprocas vinculações do promitente-vendedor e promitente dação em pagamento.

Sem dúvida, que se trata de contratos-promessa com eficácia obrigacional, meramente inter-partes, gerando apenas o direito subjectivo a prestação de facto, consubstanciada no direito de exigir a declaração de vontade para outorga do contrato definitivo.

O contrato-promessa, tem como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação de “facere”, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido).

O Código Civil define no art. 410º, nº1, contrato-promessa nos seguintes termos:

1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.

3. (...)”.


“É um acordo prelimi­nar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido.
Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente.
Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo.
Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular con­sistir na emissão de uma declaração negocial.
Trata-se de um “pactum de contrahendo” (Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, 83).
É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula” – (ob. cit., 83-84).

“Contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, 1.°-301.

O contrato-promessa visa a celebração de um outro contrato, o contrato prometido, pelo que em regra não é passível de execução imediata pelos seus outorgantes.

Os contratos celebrados não têm eficácia real – art. 413º do Código Civil(1) –

Ao contrário do que afirma o recorrente, não existe a seu favor qualquer registo de mera posse, muito embora as partes aludam no contrato-promessa de dação à traditio do imóvel.

Requerido um registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza, nos termos dos artigos 47º, nº 1 e 3, e 92º, nº 1, alínea g), ambos do Código do Registo Predial.

“Os efeitos de um contrato-promessa de compra e venda, [ou no caso de dação em cumprimento, acrescentamos] a que as partes não atribuíram eficácia real, têm natureza obrigacional, vinculam somente os seus contraentes e são inoponíveis a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente. – A acção de execução específica daquele contrato-promessa, mesmo que respeitante à alienação de imóvel, não está sujeita a registo obrigatório nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a), do Código do Registo Predial. O registo desta acção não cria, em benefício do autor, qualquer eficácia real dos direitos meramente obrigacionais, que nela se vise exercer, tornando-os oponíveis a terceiros”.- BMJ 435, 883.

“O registo da acção tem como finalidade demonstrar que a partir da sua feitura nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registrante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente, ou que, adquiridos antes, tenha negligenciado no seu registo” – Ac. do S.T.J. de 28.6.1994, in BMJ 438, 402.

“A protecção tabular do contrato-promessa sem eficácia real, obrigatoriamente inscrito como provisório por natureza (é figurada como uma aquisição ainda não titulada), consiste na publicitação da relação obrigacional entre promitente-comprador e o titular do imóvel registado, quando susceptível de execução específica”. - Ac. da Rel. de Lisboa de 7.12.1999, CJ, 1999, V, 116.

Realcemos o ensinamento de Lopes Cardoso:

O primeiro efeito da inscrição provisória é o seguinte: o registo provisório por sua natureza ou por dúvidas, quando convertido em definitivo conserva a ordem de prioridade que tinha como provisório [cfr. nº3 do artigo 6º do C.R.P.] (...)].
Este efeito recomenda o registo provisório como garantia dos direitos dos registantes, que, por via dele, ficam acautelados contra as alienações da propriedade ou contra os encargos que, futuramente, os proprietários possam constituir sobre os prédios”.

Ensina Henrique Mesquita, em relação à promessa de alienação com eficácia real:

“Por efeito da promessa, o respectivo beneficiário é apenas titular de um direito de natureza creditória: o direito de exigir do promitente a celebração do contrato definitivo, podendo conseguir esse resultado através da execução específica, nos termos do artigo 830º [do Código Civil].
Encontrando-se, porém, tal direito inscrito no registo, torna-se, por essa via, oponível a terceiros.
O registo não modifica a natureza do direito inscrito: apenas lhe amplia os efeitos.
Em vez de um direito que esgota toda a sua eficácia no plano das relações entre credor e devedor (como é próprio dos direitos creditórios), estamos perante um direito que, mesmo sem revestir natureza real, se impõe ao respeito de terceiros.
(...) trata-se, não de um “ius in re”, mas de um direito de crédito fortemente tutelado”. (destaque e sublinhado nossos).

Num contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, o promitente-comprador adquire um direito real de aquisição sobre o bem imóvel em causa, independentemente de quem seja o seu proprietário na mesma data.

No entanto, o direito do promitente-comprador pode ser tutelado ou protegido de outras formas, designadamente através do registo provisório de aquisição.

O registo provisório de aquisição, previsto e permitido pelo artigo 47.º do Código do Registo Predial (CRP) pode ser feito de uma de duas formas: com base em declaração do proprietário inscrito ou do titular do direito (com assinatura reconhecida presencialmente); ou com base em contrato-promessa de alienação.

Os efeitos decorrentes do registo feito com base em declaração do proprietário são os mesmos do registo feito com base no contrato-promessa de alienação e ambos redundam num registo que, por força de lei, é provisório por natureza.

O registo provisório de aquisição, deve ser convertido em definitivo, a conversão é feita através da apresentação e submissão a registo do documento que titula a aquisição da propriedade (seja, por exemplo, a escritura pública de compra e venda).

Mas que efeitos decorrem dos registo dos contratos-promessa sem eficácia real, havendo registos das acções em que se discute o cumprimento desses contratos-promessa?

No caso dos autos, não houve conversão dos registos provisórios que, no caso da Autora CC, só poderia ser feito através da prova de celebração do contrato prometido de compra e venda, e, no caso do recorrente, através da escritura pública da dação em pagamento desse mesmo imóvel.

Há quem sustente que esse registo provisório confere uma aquisição pré-tabular que permite ao beneficiário desse registo (o promitente-comprador) opor a terceiros, desde a data de registo, o direito de adquirir o imóvel prometido.

Os efeitos do registo estão condicionados à sua conversão em definitivo, sendo certo que os efeitos do registo definitivo retroagem à data do registo provisório; é esta segundo cremos a posição do Instituto dos Registos e Notariado.

“O registo da acção a que se refere o art.3º do CRP/84 tem como finalidade a resolução de conflitos entre o autor que obtenha ganho de causa e terceiros que, na pendência da acção, adquiram através do réu, direitos incompatíveis com aquele que se pretende tutelar juridicamente”. Ac. deste Supremo Tribunal de 26.02.1998 – Proc. 98B060, in www.dgsi.pt.

No caso em apreço, não tendo ambos os contratos-promessa eficácia real e não estando em causa qualquer incompatibilidade de direitos reais, já que não houve alienação pelo promitente dono do imóvel, o registo da acção não se reveste de acuidade para a delucidação da controvérsia, já que o registo da acção de execução específica tem como finalidade assegurar a oponibilidade a terceiros da declaração que suprir a declaração negocial do faltoso (a sentença judicial), caso a demanda seja procedente.

Porque não é o contrato-promessa em si mesmo que é registado (diferente seria se tivesse eficácia real), o registo da acção de execução específica nenhum direito acrescido confere ao regime do cumprimento do contrato que continua a manter uma natureza creditícia.. (2)
Como ensina o Professor Almeida Costa, in “Direito das Obrigações” – 11ª edição – pág. 425 (em nota):

“O mero direito potestativo de execução específica não é registável. Daí que também o não seja, excepto no âmbito da atribuição de eficácia real (art. 413.° e art. 2.°, n.°l, a. f)., do CRP). Mas cabe registo da sentença transitada em julgado que, através da execução específica concretize um negócio registável (por ex., a venda de um prédio) …
[…] É que o registo da acção apenas amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-a eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa na pendência do pleito (cfr. o art. 271°, nº3, do Código de Processo Civil e os arts. 3.°, nºl, als. a) e c), 6º, nºs l, 3 e 4, 11.°, nº2, 53.° e 59.°, nº4, do Cód. Do Reg. Pred…).
[…] A proposição de uma acção e o seu registo nunca modificam a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com inobservância dos requisitos do referido art. 413.°, uma segunda via de atribuição de eficácia “erga omnes” ao direito de crédito à realização do contrato prometido, de que é titular o beneficiário da promessa. Nem pode comparar-se a situação à da venda sucessiva da mesma coisa a duas pessoas diferentes, pois tratar-se-á, então, em ambas as alienações de direitos reais (art. 408.°).
A esta hipótese se deve parifïcar aquela em que o tribunal decrete a execução específica a respeito de uma coisa que o promitente-alienante já transmitiu, antes da proposição da acção, a terceiro que não registou tal transmissão. A sentença que julgue a acção de execução específica procedente (em consequência, por exemplo, de não ter sido alegado na acção que o promitente-alienante já não era proprietário) atribui ao autor um direito de natureza real — e o registo da sentença, portanto, toma esse direito oponível a quem não esteja protegido por registo anterior (cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, págs. 332 e segs.)”.

Estando em causa dois contratos-promessa que não dispõem de eficácia real, nem tendo havido alienação do imóvel, duplamente prometido alienar pelo titular do direito de propriedade, que figura como promitente alienante – seja na promessa de compra e venda celebrada com CC, seja no contrato-promessa de dação em cumprimento de que é beneficiário o recorrente, deve prevalecer o contrato-promessa celebrado em primeiro lugar, ou seja, o celebrado com a CC, valendo nesta situação o normativo do art. 407º do Código Civil – “incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo” — que estatui:

Quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regre próprias do registo”.

Não despiciendo é o facto de se ter provado que, quando o Autor celebrou o “Contrato-promessa de dação em cumprimento com tornas”, ter já conhecimento do contrato-promessa de compra e venda outorgado [pelo comum promitente alienante, BB, a favor de CC], o que releva em termos de boa-fé negocial e, desde logo, implicaria fragilidade contratual da posição do ora recorrente, porquanto, tratando-se de meros contratos obrigacionais, sempre prevaleceria o direito primeiramente constituído – art. 407º do Código Civil – sendo de antever, como se verificou, a incompatibilidade dos direitos emergentes dos contrato-promessa.

Se os contratos-promessa não têm eficácia real, não a terão por via do registo da acção de execução específica.

Concluímos, assim, que o Acórdão não merece censura, não se vislumbrando qualquer violação dos normativos constitucionais invocados na conclusão 9ª (nem o recorrente explicita em que se exprime tal violação), uma vez que nem sequer aqui – como pensamos ter demonstrado – é convocável o princípio da prioridade registral como o recorrente sustenta – não interessando o regime normativo constante do art. 2º e) do Código do Registo Predial – já que a causa de pedir não se funda na mera posse, que nem sequer se acha registada, como impõe aquele normativo.

Finalmente, diremos – face ao teor pouco claro da conclusão 10º – que não há lugar à condenação dos RR., nos termos peticionados na al. c) (cfr. petição inicial), por danos patrimoniais e não patrimoniais, emergentes da mora, segundo fls. 962 das alegações, desde logo, pelo facto de ao autor, ora recorrente, não ser reconhecido o direito que com a acção pretendia fazer valer.

Naquela al. c) peticionou:

“Serem os Réus condenados a pagar ao Autor, sendo previamente retido no valor a consignar em depósito, os prejuízos resultantes da dilação temporal no cumprimento da promessa, a liquidar em execução de Sentença, incluindo as emergentes do presente pleito.

Mesmo que o Autor obtivesse ganho de causa, nenhuma prova fez da existência de prejuízos (danos patrimoniais), nem eles são notórios como insinua, nem alegou factualidade enquadrável no conceito de dano não patrimonial.

Pelo exposto o recurso soçobra.

Decisão:

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.


Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Janeiro de 2009


Fonseca Ramos (Relator)

Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova

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(1) -“1. À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo. 2. Deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral”.

(2) - “Registo Provisório de Aquisição”, Estudo de Mónica Jardim, acessível em www.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.pdf – “O que se regista nos termos do artigo 3.º do Código do Registo Predial são as acções e as decisões. Não é o direito de crédito do autor, ou seja, do promitente-comprador. O registo da acção não confere eficácia real ao direito de crédito, que não é, ele próprio, objecto do registo. A eficácia do direito de crédito do promitente-comprador em confronto com o direito real do terceiro é regulada pelo direito civil sem que o registo da acção nela interfira”.