Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2446/15.0T8BRG.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
INFILTRAÇÕES
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
FACTO CONTINUADO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / DIREITOS E ENCARGOS DOS CONDOMÍNIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p 586 e 587;
- Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 10ª ed., Almedina. Coimbra, 2000, p. 594;
- Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 378 e ss.;
- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., Quid iuris, Lisboa, 2009, p. 389 e ss.;
- Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Princípia, Cascais, 2017, p. 244 e 245;
- Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 580 e 584;
- Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, Almedina. Coimbra, 2015.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 493.º, N.º 1, 1421.º, N.º 1 E 1424.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 682.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-11-2010, PROCESSO N.º 392/2002.L1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CÍVEL, WWW.STJ.PT;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 368/04.0TCSNT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 7895/05.0TBSTB.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-06-2018, PROCESSO N.º 8543/10.1TBCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Tendo sido provado que “começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referida em 1.”, nos termos do art. 1421º, nº 1, do CC, tal fachada exterior, enquanto elemento da estrutura do prédio, constitui uma parte comum deste, sendo que, de acordo com o nº 1 do art. 1424º do mesmo Código, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

II. Assim, no caso dos autos, o que está em causa é o (in)cumprimento de uma obrigação do réu condomínio, composto pelo conjunto dos condóminos, de custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição das mesmas.

III. No que se refere à obrigação legal indicada em II, e tal como entendeu a 1ª instância, da factualidade provada resulta a existência de um facto ilícito continuado, pelo que, independentemente da determinação do prazo legal de prescrição aplicável ao caso, o direito do autor não prescreveu, pois, não tendo cessado a respectiva violação, não teve sequer início a contagem de qualquer prazo.

IV. A questão da eventual prescrição do direito do autor a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados coloca-se em termos inteiramente distintos daqueles que foram considerados em I, II e III quanto aos demais pedidos do autor: pedido de realização de obras de reparação dos danos que as infiltrações de água causaram dentro da sua fracção; pedido de indemnização por diversos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor.

V. Com efeito, quanto a estes diferentes pedidos, não está em causa o incumprimento da obrigação legal de o réu condomínio assegurar e custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, mas antes uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos arts. 483º e segs. do CC.

VI. Convocando o regime do nº 1 do art. 493º do CC – e independentemente do entendimento quanto ao âmbito da presunção nele consagrada – constata-se que a tarefa do julgador se encontra simplificada pelo facto de, tendo sido provado que o réu condomínio não levou a cabo obras de conservação ou reparação da fachada em causa, a ilicitude da conduta se encontrar efectivamente provada, sendo a culpa de presumir, salvo se o réu tivesse feito prova de que “nenhuma culpa houve da sua parte” ou de que “os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”, o que não sucedeu.

VII. Verificando-se que o acórdão recorrido, tendo alterado o teor do facto provado 3 (de “A partir do Inverno de 2011 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1” para: “3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006”), manteve, porém, inalterado o teor de outros factos provados relevantes.

VIII. De tal forma que, estando estes últimos factos redigidos por referência ao teor original do facto 3 (as infiltrações começaram a verificar-se “A partir do Inverno de 2011”), verifica-se que, nos termos do art. 682º, nº 3, segunda parte, do CPC, “ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”, o que impõe a baixa dos autos à Relação para expurgar a factualidade provada de tais contradições, esclarecendo, em relação a cada um dos factos indicados, qual o momento em que ocorreram; ou, porventura, se se mantinham à data da propositura da presente acção.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA intentou, em 7 de Maio de 2015, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, alegando, em síntese, que é dono e legítimo possuidor da fracção predial autónoma designada pela letra “…”, do prédio supra identificado, sendo que, a partir do Inverno de 2011, começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais na sua fracção provindas da fachada exterior do prédio, as quais provocam deteriorações e danos na sua fracção, assim como outros danos que discrimina.

        Considerando que os danos invocados têm a sua origem numa parte comum do prédio (art. 1421º, nº 1, al. d) e nº 2, al. e), do Código Civil), imputa ao R. Condomínio responsabilidade civil extracontratual por violação, dos seus direitos pessoais e patrimoniais, por acção ou por omissão.

Conclui pedindo a condenação do R:

a) Na realização das obras de reparação/supressão/rectificação e eliminação da causa das infiltrações nas partes comuns do prédio;

b) Na realização das obras de reparação das manifestações dos danos existentes na fracção e garagem do ….;

c) No pagamento da quantia de € 8.282,02 (oito mil, duzentos e oitenta e dois euros e dois cêntimos), a título de indemnização de danos patrimoniais;

d) No pagamento da quantia líquida de € 14.206,92 (catorze mil, duzentos e seis euros e noventa e dois cêntimos), correspondente ao valor da privação do uso;

e) Na quantia mensal de € 338,26, até que as obras de reparação/eliminação da causa das infiltrações e da fracção sejam realizadas, valor que deverá ser liquidado em execução de sentença;

f) No pagamento de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) ao A. a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos;

g) No pagamento de todas as despesas e encargos que o A. tenha com o transporte e armazenamento/depósito do mobiliário pelo tempo necessário à realização das obras, bem como ao valor para alojamento dos demandantes e respectivo agregado, cuja liquidação deverá ser remetida para execução de sentença; e

h) No pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 25,00 por cada dia que decorra sem que as obras sejam realizadas.

Tudo acrescido de juros, à taxa legal supletiva, contados desde a citação.

O R. contestou, invocando a sua ilegitimidade, a prescrição do direito do A. de exigir a reparação dos danos e o abuso de direito.

O A. respondeu às excepções a fls. 84 e seguintes.

A fls. 96 foi proferido despacho saneador, julgando o R. parte legítima e relegando o conhecimento das excepções de prescrição e de abuso de direito para a decisão final.

Por sentença de fls. 291, julgaram-se improcedentes as referidas excepções de prescrição e de abuso de direito. A final, a acção foi julgada parcialmente procedente.

Inconformado, o R. Condomínio interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. O A. interpôs recurso subordinado.

Por acórdão de fls. 372 foi anulada a sentença recorrida, determinando-se que se completasse a fundamentação da matéria de facto e ordenando a repetição parcial do julgamento relativamente ao facto 3.

A fls. 410 foi proferida sentença, dando cumprimento ao determinado pelo acórdão da Relação. A final, foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, decide-se:  

Julgar parcialmente procedente a presente acção e consequentemente:

a) Condenar o Réu BB, …, … a proceder nas partes comuns do prédio às obras de reparação e eliminação da causa das infiltrações verificadas na fracção do Autor;

b) Condenar o Réu BB, …, … a proceder à realização das obras necessárias à reparação dos danos existentes na fracção do Autor decorrentes das referidas infiltrações;

c) Condenar o Réu Condomínio do BB, …, … a pagar ao Autor a quantia respeitante às limpezas e pinturas e aos danos do móvel de casa de banho, toalheiros, porta-rolos e porta piaçaba e que se vier a liquidar;  

d) Condenar o Réu BB, …, … a pagar ao Autor a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os juros de mora à taxa de 4% a contar da presente data e até efectivo e integral pagamento;

e) Condenar o Réu BB, .., …a pagar ao Autor a quantia que o mesmo tenha de despender com o seu alojamento e do respectivo agregado familiar pelo tempo necessário à realização das obras e que se vier a liquidar;

f) Custas pelo Autor e pelo Réu, fixando-se a respectiva responsabilidade em 1/3 para o Autor e 2/3 para o Réu.”

Novamente inconformado, o R. Condomínio interpôs recurso de apelação, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. De novo, o A. interpôs recurso subordinado, pedindo o aumento do valor da indemnização pelos danos não patrimoniais e a atribuição de indemnização pela alegada privação de uso da fracção.

Por acórdão de fls. 499 foi alterada a matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso de apelação subordinado do Autor, e, procedente o recurso de apelação do Réu Condomínio, declarando-se prescrito o direito invocado pelo Autor, absolvendo-se o Réu do pedido, consequentemente, se revogando a sentença recorrida.

Custas pelo Autor, em 1ª e 2ª instâncias.”

2. Vem o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“1- O presente recurso tem como objecto a procedência da prescrição do direito do recorrente.

2- Afigura-se ao recorrente que estaremos perante responsabilidade contratual do condomínio, dado que este violou uma sua obrigação do condomínio, obrigação essa propter rem de proceder às reparações indispensáveis verificadas nas partes comuns do edifício.

3- Assim sendo, a responsabilização do condomínio perante o demandante, proprietário da fracção, encontra o seu fundamento na obrigação ex lege de reparar as partes comuns, e não na mera omissão ilícita do dever de reparação como se estivéssemos no plano da responsabilidade civil extracontratual.

4- No caso em análise, verifica-se a existência de problemas de impermeabilização das fachadas, das paredes exteriores, que compete à administração solucionar, o que não fez, pelo que, estando na presença de uma relação contratual, foi violado o dever de reparação.

5- Pelo exposto, manifesta-se infundada a alegação da prescrição uma vez que no âmbito da responsabilidade contratual a mesma só se verifica decorridos 20 anos (artigo 309° Código Civil).

6- Mas mesmo que assim se não entendesse, e se entendesse que estaremos perante o instituto da responsabilidade civil extracontratual, o que se não aceita, mas apenas se concebe por mera hipótese académica, sempre se diria que o prazo prescricional corre de forma contínua, a não ser que ocorram causas de suspensão ou de interrupção que suspendam ou ilaqueiem, no primeiro caso o decurso do tempo e no segundo apaguem o tempo já decorrido (Ac. STJ 1343/04.0TCSNT.L1.S1,12/07/2011).

7- Estando perante prescrição extintiva não pode ela deixar de estar submetidas às regras da suspensão e interrupção.

8 - A prescrição extintiva ou ordinária, cujo prazo é de 20 anos - art. 309° do Código Civil - pode ser objecto de suspensão e de interrupção - artigos 318° a 327° do mesmo diploma.

9 - Decorre do art.º 325.°, n.°1, do Código Civil, que a prescrição é interrompida "pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido".

10 - Para fins da interrupção é irrelevante o modo como o reconhecimento se manifesta, quer este consista numa declaração explícita, quer num acto que, à luz do entendimento comum, implique a admissão da existência do direito.

11 - Ora, o recorrido condomínio procedeu à junção das actas de condomínio desde 2005, por requerimentos de 30/03/2016, e referidos na Acta da Audiência da mesma data.

12 - Basta atentar na Acta n° 1, de 15 de Março de 2011, de fls., para se ver na folha 6/6, no sexto ponto, é referido: "Ainda neste ponto, a Assembleia deliberou por unanimidade: (...)

. Resolução das infiltrações existentes no interior das fracções".

13 - Na acta n° 2, da Assembleia de Março de 2012 consta que a assembleia pediu à Administração para verificar o material cerâmico a descolar na fachada sul e as fissuras na fachada norte.

14 - E na Acta n° 3, de 13 de Março de 2013, de fls., nas folhas 5 e 6/19, é referido no oitavo ponto: "Mais informou o Presidente da Assembleia que foram efectuadas visitas ao edifício por empresas especializadas a fim de se apurar as necessidades deste no que concerne a reparações ou manutenções das partes comuns, nomeadamente telhado e fachadas, posteriormente deverá ser comunicado a cada condómino para ser possível uma análise cuidada e poder decidir em consciência com a necessidade."

15 - Tal é referido na fundamentação da sentença: "Acta n° 2" da Assembleia de Março de 2012 conste que a assembleia pediu à Administração para verificar o material cerâmico a descolar na fachada sul e as fissuras na fachada norte e que na "Acta n° 3" de Março de 2013 conste que foram efectuadas vistas ao edifício por empresas especializadas a fim de se apurar as necessidades deste no que concerne a reparações ou manutenções das partes comuns, nomeadamente telhado e fachadas."

16 - Mais, por e-mail datado de 23 de Maio de 2013, de fls., o demandado reconheceu a origem destas patologias, ao referir e transcreve-se ipsis verbis, nas condensações existentes tem a ver com a falta de isolamento térmico; para solucionar este assunto será necessário a reparação geral do prédio com novas fachadas, paredes interiores e exteriores, acompanhadas de isolamento que não tem; problema que a entidade competente, a CMB, deveria ter em conta na altura da emissão das licenças de habitabilidade; pelo exposto fácil será de concluir que é um assunto agora exposto não é de resolução fácil, embora compreenda a preocupação dos residentes.".

17 - Esta resposta foi originada pelas diversas tentativas do demandante solucionar esta questão, que reconheceu o direito à reparação/indemnização dos danos na fracção do demandante, e reconheceu esse mesmo direito de forma expressa ao situar a sua causa numa parte comum (fachada/paredes exteriores), quando refere "as condensações existentes tem a ver com a falta de isolamento térmico; para solucionar este assunto será necessário a reparação geral do prédio com novas fachadas, paredes interiores e exteriores".

18 - Tal demonstra que não existiu qualquer negligência do demandante que, aliás se demonstrou bastante proactivo na resolução da mesma, pelo que a lei não o sanciona.

19 - O recorrente acreditou no recorrido, o qual lhe foi criando expectativas sérias na resolução extrajudicial do problema, tudo como resulta quer das Actas das Assembleias de Condomínio referidas supra, quer ainda do e-mail supra identificado.

20 - Ou seja, o condomínio através de uma conduta aparentemente correcta, foi demonstrando a vontade de corrigir o defeito ou apresentar uma solução alternativa, obstaculizando à entrada da acção judicial.

21 - Até àquele momento em que toma conhecimento de que, não obstante o comportamento que haviam adoptado, a ré declina qualquer responsabilidade, o recorrente não preenche o pressuposto do interesse em agir, essencial para qualquer demanda judicial.

22 - E ainda que assim não se entenda, a recorrente não pode conformar-se com o entendimento de que o comportamento supra descrito não gera confiança suficiente para impedir a invocação da prescrição, em sede judicial, sem chocar frontalmente com a ética negocial vigente e com as expectativas criadas, colidindo com o sentido de justiça que a comunidade adopta como sendo o seu padrão cultural.

23 - O caso dos autos é um caso de manifesta desconformidade entre o comportamento adoptado durante um considerável lapso de tempo e aquele que se assume em sede judicial, chocando grosseiramente com o sentimento de justiça vigente.

24 - O recorrido criou uma situação propícia a que o autor/recorrente acreditasse na solução extrajudicial do litígio, foi ela que prolongou no tempo aquela situação, utilizando diversas manobras dilatórias de que querem, agora, prevalecer-se, agindo com manifesto abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

25 - Como é bom de ver, o condomínio tentou apurar a causa das infiltrações e situou-as nas partes comuns do edifício, mais concretamente no telhado e fachadas, que careciam de intervenção.

26 - Mais, as fracções atingidas por estas infiltrações haviam sido inspeccionadas.

27 - Há venire contra factum proprium quando uma pessoa, em termos que, especificamente, a não vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue. O venire contra factum proprium é o assumir de comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e é dotado de carga ética, psicológica e sociológica negativa. - Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II Vol., Colecção Teses, Almedina, Coimbra 1984, pp. 745 ss.

28 - O recorrido convenceu, através de uma sucessão de condutas, de factos, de actos e declarações, todos eles peremptórios e concludentes, o recorrente de que solucionaria o problema, mostrando-se sempre disponíveis para a mesma; mas não o fizeram, e agora pretendem aproveitar-se do tempo entretanto decorrido, e por elas solicitado, (aproveitar-se da excepção peremptória da prescrição) para se esquivar às suas responsabilidades.

29 - Atento o critério do bonus pater familiae, à autora/recorrente, enquanto declaratória normal, não seria exigível, face ao comportamento do recorrido outra conduta que não fosse aguardar pela resolução da situação, antes de intentar a competente acção?

30 - O recurso às vias judiciais deverá apenas ser feito em último recurso, quando o assunto se transforma em litígio, i. e, quando uma das partes se recusa, por via extrajudicial, à sua resolução.

31 - Ao vir o recorrido, em sede judicial, alegar a prescrição do direito, demonstra uma manifesta desconformidade entre o comportamento adoptado durante um considerável lapso de tempo e aquele que assume em sede judicial, chocando grosseiramente com o sentimento de justiça vigente.

32 - Atento o alegado supra, a invocação da prescrição é totalmente contrária à boa fé.

32 - Assim, fácil é de ver que o recorrido agiu em claro abuso de direito.

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente:

(i) declarando-se improcedente a excepção peremptória da prescrição,

(ii) ordenando a baixa do processo para apreciação do recurso subordinado interposto pelo aqui recorrente.”

         O Recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

“I- O douto Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal de Guimarães, além de devida e legalmente fundamentado, evidência um sentido de razoabilidade e de justiça irrepreensíveis, não sendo o mesmo merecedor de qualquer reparo ou censura.

II- O Tribunal da Relação entende e bem que os pedidos formulados pelo Recorrente encontram-se prescritos desde pelo menos o ano de 2008;

III- O Tribunal da Relação argumenta ainda que, face aos factos dados como provados, não se encontra demonstrado a responsabilidade do Recorrido Condomínio pela verificação de infiltrações no prédio e pelos danos que tais infiltrações causaram no interior da fracção de que é o Recorrente proprietário.

IV- Relativamente a este segundo argumento o Recorrente conformou- se com o mesmo, não o rebatendo nas suas alegações e conclusões nelas ínsitas, pelo que o presente recurso só poderá ser julgado totalmente improcedente.

V- Desta forma, o Recorrente aceitou que o Recorrido condomínio não teve qualquer responsabilidade pela verificação de infiltrações no prédio e danos que supostamente tais infiltrações causaram no interior da fracção de que é proprietário.

VI- Acresce que o Recorrente não logrou provar nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, nomeadamente não logrou provar o seguinte: a verificação de um facto voluntário do agente e que esse facto seja ilícito; que tal facto possa ser subjectivamente imputado ao Recorrente como lesante; que desse facto resulte um dano; que tivesse ocorrido um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder afirmar-se que o dano é resultante da violação desse direito ou interesse.

VII- Por forma a subsumir o presente pleito no âmbito da responsabilidade contratual, o Recorrente, em desespero de causa e sem fundamento legal, invoca que que o Recorrido violou a sua obrigação propter rem de proceder às reparações indispensáveis verificadas nas partes comuns do edifício, a qual, segundo o Recorrente, só prescreve de acordo com o regime da responsabilidade contratual decorridos 20 anos, o que é falso.

VIII -  Quando intentou a presente acção o Recorrente referiu que o objecto da acção era a responsabilidade civil extracontratual e alegou ao longo da sua Petição Inicial que deveria ser ressarcido dos danos alegadamente sofridos á luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente nos artigos 88°, 121°, 124° e 130° da Petição Inicial.

IX - Ao contrário do agora alegado pelo Recorrente, estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, bastando ler a Petição Inicial para o verificar.

X - Tal como consta do ponto 3º da matéria de facto dada como provada foi "A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de aguas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referida em 1 ° e que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006."

XI - Tais infiltrações de águas pluviais ocorridas no ano 2004/2005 na fracção do Recorrente, provindas do exterior do prédio, estão relacionadas com um problema estrutural do prédio (excessiva deformação da laje em consola que suporta a parede exterior) e por não terem sido acauteladas as normas gerais e boas práticas de construção, sendo por isso o empreiteiro (CC, Lda.) que construiu o prédio em apreço nos autos o único responsável por tais infiltrações.

XII - O Recorrente apesar de ter tido conhecimento que os problemas no prédio (os quais eram de ordem estrutural) começaram em 2004/2005, não intentou uma acção judicial contra a referida empresa que construiu o prédio e lhe vendeu a fracção, por forma a denunciar os defeitos e problemas existentes quer nas partes comuns do prédio quer na sua fracção.

XIII - Sucede que o Recorrente nada fez, nem sequer se dignou a comparecer nas assembleias de condomínio a denunciar a existência de defeitos e anomalias no prédio e na sua fracção.

XIV - Face ao exposto é descabido querer imputar qualquer responsabilidade ao Recorrido pelo sucedido, sendo os únicos responsáveis o empreiteiro que construiu o prédio e o Recorrente que nada fez para resolver o problema.

XV - O Recorrido também é vítima nesta situação, pelo que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade por acção ou omissão pelos eventuais danos sofridos pelo Recorrente.

XVI - O Recorrente entende igualmente que houve uma interrupção da prescrição, pelo que a obrigação do Recorrido o indemnizar mantinha-se, o que não corresponde de todo à verdade.

XVII -   Tal como consta do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães o direito do recorrido em ser indemnizado encontra-se prescrito á luz do artigo 498° do CC desde pelo menos do ano de 2008, uma vez os danos invocados pelo Recorrente aconteceram no ano de 2004/2005.

XVIII - Tal como já se referiu ficou no ponto 3 da matéria de facto dada como provada foi no ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, pelo que no máximo em 2008 que os pedidos formulados pelo Recorrente encontram-se prescritos.

XIX -  Não consta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos que o Recorrido tivesse reconhecido o direito do Recorrente.

XX -   Em nenhuma das actas o Recorrido reconheceu o direito do Recorrente. O que eventualmente reconhece, já em 2013, (8/9 anos após terem ocorridos as infiltrações e 5 anos após o direito do Recorrente ter prescrito) é a necessidade de obras nas partes comuns, por forma o resolver alguns problemas que essas partes comuns do prédio padeciam.

XXI -  O facto do Recorrido reconhecer em 2013 (8/9 anos após terem ocorridos as infiltrações e 5 anos após o direito do Recorrente ter prescrito) a necessidade de algumas obras nas partes comuns do prédio não significa de todo que esteja a reconhecer o direito dos Recorrente a ser ressarcido dos prejuízos sofridos por infiltrações de águas ocorridas no ano de 2004/2005.

XXII - Nunca por nunca o Recorrido reconheceu de forma tácita ou expressa o direito invocado pelo Recorrente resultante de infiltrações de água ocorridas no ano de 2004/2005.

XXIII - Pelo facto do Recorrido ter reconhecido em 2013 da necessidade de obras nas partes comuns do prédio não se pode concluir, como o Recorrente malevolamente pretende fazer, que o Recorrido tivesse a reconhecer o direito do Recorrente resultante de infiltrações ocorridas no ano de 2004/2005.

XXIV - Tal conclusão é falsa e abusiva, dado que tais infiltrações comprovadamente resultam de problemas estruturais do prédio e devido á sua construção não obedecer às boas técnicas, sendo que o único responsável por tal, tal como o Sr. Perito o referiu, é o construtor do mesmo.

XXV - O Recorrido não tem qualquer responsabilidade no sucedido, pelo que fez-se justiça ao absolvê-lo de todos os pedidos formulados pelo Recorrente.

XXVI - O Recorrente com a presente acção pretende, injustificadamente, que se realizem obras no prédio e na sua fracção às custas dos restantes condóminos.

XXVII - O Recorrente se acha que o prédio tem problemas deveria promover uma reunião de condomínio para os resolver, pagando todos os condóminos, incluindo o Recorrente, o preço das obras a realizar de acordo com a permilagem de cada condómino.

XXVIII - O Recorrente ao invés do supra referido não aparece nas reuniões de condomínio, tendo inclusive a certa altura deixado de pagar as quotas de condomínio.

XXIX - Atento o exposto não pode ser assacada ao Recorrido qualquer responsabilidade pelos danos alegados pelo Recorrente e os pedidos formulados pelo Recorrente a título de danos estão manifestamente prescritos, pelo que o Recorrido deverá ser absolvido de todos os pedidos.”

         Cumpre decidir.

3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):
1. O Autor é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma, designada pela letra "…", correspondente a um apartamento, habitação no 4º andar, lado esquerdo frente, tipo T3, com garagem individual na sub-cave designada pelo Nº …, sito no nº …, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, e garagem individual com o nº …, sita na subcave.
2. O Autor habita na fracção referida em 1) desde 2002 e o seu agregado familiar é composto por uma companheira e filha, uma irmã e um sobrinho.
3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006. [alterado pela Relação]
4. Tais infiltrações têm causado na fracção, designadamente no quarto de casal, WC da suite do quarto de casal, quarto do meio, quarto junto da cozinha e sala, fissuração nas paredes e tectos, manchas de humidade, pintura descascada, bolores, fungos e sais, maus cheiros, vestígios de humidade nos rodapés em madeira, nos aros das portas da sala e da casa de banho e nas ombreiras em madeira.
5. Em consequência de tais infiltrações existe risco de curto-circuitos e as lâmpadas fundem com frequência.
6. O Autor em face do referido em 3) e 4) tem procedido a lavagens com lixívias, amoníaco, e produtos afins e a pinturas.
7. A fracção apresenta maus cheiros decorrentes do referido em 4).
8. Apesar do aquecimento ligado, é uma casa sempre fria e húmida o que afecta a qualidade de vida do Autor e demais residentes diminuindo as condições de conforto e salubridade dos respectivos compartimentos, apresentando-se as crianças muitas vezes com sintomas gripais.
9. [eliminado pela Relação]
10. As roupas que estão guardadas nos armários ficam com um cheiro a caruncho, sendo que, constantemente, ainda que não a usando, a roupa tem que ser lavada e posta ao sol.
11. As infiltrações referidas em 3) continuam a causar deteriorações e a provocar o agravamento das patologias existentes na fracção do Autor.
12. As infiltrações referidas em 3) decorrem da existência de fissuras nas fachadas do prédio em particular da fachada voltada ao quadrante sul, que sai balançada para lá do plano da fachada a partir do rés-do-chão, tendo como causa provável a excessiva deformação da laje em consola que suporta a referida parede exterior e ainda a quebra de estanquidade do próprio reboco hidráulico que suporta o revestimento exterior que não garante a sua função de estanquicidade quando sujeito a acções de agentes como os de variação de temperatura, temperaturas extremas, vento, água (da chuva e neve) e efeitos diferidos (retracção, fluência, relaxação) a que está exposto ao longo da vida útil e que deriva de não terem sido acauteladas as boas práticas de construção.
13. O Autor enviou à administração do condomínio Réu carta datada de 16/05/2014, recepcionada por esta em 20/05/2014, junta a fls. 40 a 41 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta: “(…) 2- A fracção foi adquirida pelo n/cliente em 2002, sendo que até 2011 não existiu qualquer infiltração ou humidade. 3- Ora, a partir do Inverno de 2011, na fracção sita no 4º andar esquerdo frente, de que n/ cliente é proprietário, começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, mais concretamente, da fachada principal. 4- Tais infiltrações têm causado na fracção do n/ cliente danos que consistem, sobretudo, em: i) fissuração de paredes e tectos; ii) empolamento da pintura; iii) esboroamento do estuque com eflorescências salinas; iv) fungos e caruncho negro generalizados, maus cheiros e, v) risco de curto-circuitos. 5- Tais danos são generalizados em toda a casa, em todas as suas dependências. 6- As infiltrações causaram deterioração, destruindo e inutilizando algum mobiliário, roupas, calçado, tapetes, carpetes. 7- A(s) fachada(s) é(são) revestida(s) a material cerâmico (tipo azulejo), com dimensões de cerca de 15/20 x 7 cm, que carece(m) de manutenção e conservação, dado que as juntas entre cada peça permitem as infiltrações da chuva. 8- Aliás constata-se que os prédios vizinhos estão a ser objecto de obras de conservação das fachadas. 9- Destes factos, o n/ cliente tem dado conhecimento a Vªs. Exªs., repetidamente, por escrito e verbalmente, o que Vªs. Exªs. têm ignorado. 10- As fachadas são uma parte comum (cfr. artº 1421º, nº, 1, al. a) do C. Civil), com o que pelos danos que resultem das mesmas, é o condomínio, conjunto de condóminos (aqui representada por Vªs. Exªs.), responsável – cfr. artºs. 483º, 486º, 492º e 493º, entre outros, do C. Civil. 11- Assim, são Vªs. Exªs. responsáveis por todos os danos ocorridos em resultado da v/conduta, por acção e/ou omissão, pela não realização de obras de conservação e manutenção. 12- O n/ cliente pretende que a causa das infiltrações seja reparada, isto é, que as paredes/fachadas exteriores, integrantes da estrutura do prédio, sejam impermeabilizadas e as manifestações interiores, na sua fracção, sejam reparadas, repondo-a no estado em que estava antes da ocorrência. 13- Deste modo, e antes de se proceder à reparação dos danos, concede-se a Vªs. Exªs. o prazo de 05 (cinco) dias úteis para, se assim pretenderem: i) proceder à vistoria da fracção, do seu estado, dos seus danos, dos trabalhos de reparação a realizar; ii) no mesmo prazo, se assim o entenderem, solicitar orçamentos para reparação, substituição de todos os bens danificados, prazo que se reputa como razoável, dado que o n/ cliente já por diversas vezes e formas, deu conhecimento a Vªs. Exªs. destes factos, sem qualquer reacção da v/ parte. 14- O não respeito por este prazo precludirá o direito de reparar que lhes incumbe e, em conformidade, o n/cliente procederá conforme lhe aprouver no sentido de repor a situação àquela em que estaria não fosse a lesão, cujos custos imputará e reclamará de Vªs. Exªs. 15- Tal reparação é, atento o fim que se pretende para a fracção, de natureza urgente, com o que não se compadece com demoras desmedidas, sob pena de se poder verificar uma excessiva onerosidade, dado que, assistindo ao lesante o direito/dever da realização da reparação dos bens que forem susceptíveis de reparação, ou substituição daqueles cuja reparação seja inviável, também o prejuízo que resultará da morosidade na sua realização, correspondente à impossibilidade de viver, fruir, usufruir, gozar da sua casa e outros, lhe seria imputável.”
14. A administração do condomínio Réu respondeu ao Autor através de carta datada de 23/05/2014, cuja cópia consta de fls. 90 a 92 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta designadamente que aquela aceita os factos vertidos em 1, 4, 5, 6 e 8 da carta que o Autor lhe remeteu, impugnando os factos contidos nos artigos 2, 3, 7, 9, 11 e 13.
15. O Autor enviou à administração do condomínio Réu email datado de 22 de Maio de 2013, cuja cópia consta de fls. 36 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta o envio de fotos da fracção e a comunicação de tectos danificados, de que as humidades já abrangem as paredes designadamente em situações próximo de tomadas e a necessidade do Autor substituir lâmpadas continuadamente por fundirem.
16. A administração do condomínio Réu remeteu ao Autor email de 31/05/2013 cuja cópia consta de fls. 35 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. A administração do condomínio Réu remeteu ao Autor email de 04/06/2013 cuja cópia consta de fls. 34 vº dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual consta designadamente que: “Na Assembleia Geral Ordinária debateu-se as necessidades do edifício o que se deliberou não executar, pelo menos este período, qualquer obras tendo em conta a dificuldade financeira do edifício; antes da Assembleia Ordinária foi realizado um levantamento de necessidades ao prédio, o que se conclui que o prédio não esta a necessitar de grandes intervenções; As condensações existentes têm a ver com a falta de isolamento térmico; Para solucionar este assunto será necessário a reparação geral do prédio com novas fachadas, paredes interiores e exteriores, acompanhadas de isolamento que não tem; Problema que a entidade competente, a CMB, deveria ter em conta na altura da emissão das licenças de habitabilidade; Pelo exposto fácil será de concluir que é um assunto agora exposto não é de resolução fácil, embora compreenda a preocupação dos residentes.”
18. A garagem do Autor situa-se na subcave e é usada para guarda de veículo automóvel e ainda como arrecadação, para depósito e guarda de produtor e materiais diversos, designadamente roupa, brinquedos e mobiliário.
19. A garagem do Autor sofreu em data anterior a 2011 duas inundações com água proveniente do exterior, apresentando o reboco inferior das paredes perimetrais vestígios numa altura de 5 a 10 cm de ter estado em contacto com a água.
20. A parede lateral da garagem, do lado da junta de dilatação apresenta uma fissura diagonal provocada pelo trabalhar da própria junta.
21. Em 29/12/2011 os Bombeiros foram chamados ao prédio para retirar água da caixa do elevador que inundou por rebentamento de conduta de água a abastecer o prédio.
22. A reparação da fracção do Autor ascende a €3.000,00, a que acresce IVA à taxa legal em vigor, e a reparação da garagem ascende a €250,00, a que acresce IVA à taxa legal em vigor.
23. [eliminado pela Relação]
24. O valor da prestação mensal que o Autor suporta com a amortização do mútuo hipotecário contraído junto da ... é de €338,26.
25. A situação em que se encontra a fracção do Autor criou, e continua a criar, no mesmo angústia, tristeza, nervosismo, ansiedade e desgosto.
26. O Autor não pagou atempadamente algumas quotas de condomínio tendo o Réu intentado em 2011 uma execução contra o mesmo, tendo o Autor actualmente o pagamento das quotas em dia.
27. Dou por integralmente reproduzido o teor das actas da Assembleia de Condóminos de fls. 170 a 257 e 275 a 288.
28. A presente acção foi instaurada em 07 de Maio de 2015.

4. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas respectivas conclusões.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:
- Não prescrição do direito do A. a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados;
- Exercício abusivo do direito do R. Condomínio ao invocar a prescrição.

Ao delimitar o objecto do recurso, convém tomar posição, desde já, acerca da questão prévia, suscitada pelo Recorrido, nas seguintes conclusões das contra-alegações: “II-O Tribunal da Relação entende e bem que os pedidos formulados pelo Recorrente encontram-se prescritos desde pelo menos o ano de 2008; III- O Tribunal da Relação argumenta ainda que, face aos factos dados como provados, não se encontra demonstrad[a] a responsabilidade do Recorrido Condomínio pela verificação de infiltrações no prédio e pelos danos que tais infiltrações causaram no interior da fracção de que é o Recorrente proprietário. IV- Relativamente a este segundo argumento o Recorrente conformou- se com o mesmo, não o rebatendo nas suas alegações e conclusões nelas ínsitas, pelo que o presente recurso só poderá ser julgado totalmente improcedente.”

         Quer isto dizer que, no entender do Recorrido, mesmo que venha a ser atendida a pretensão do Recorrente quanto à não prescrição do direito a exigir do R. Condomínio a reparação/indemnização pelos danos sofridos, sempre o recurso teria de ser julgado improcedente por aquele não se ter pronunciado expressamente quanto ao fundamento subsidiário do acórdão da Relação, segundo o qual não pode o Condomínio ser responsabilizado pelas infiltrações na fachada do prédio nem, consequentemente, pelos danos verificados na fracção do ….

         Vejamos.

        Como qualquer peça processual apresentada pelas partes, o recurso do A. tem de ser interpretado, tendo em conta, designadamente, o contexto global do mesmo recurso e a coerência interna das pretensões formuladas. Ora, não oferece dúvidas que, invocando o Recorrente a não prescrição do peticionado direito a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados, não apenas está a impugnar a decisão da Relação que declarou a prescrição desse direito, como está a afirmar que o mesmo direito existe. Assim sendo, deve considerar-se que o Recorrente impugnou ambos os fundamentos do acórdão recorrido.

5. Antes de passar a conhecer das questões objecto do recurso, importa considerar os termos em que as instâncias fundamentaram as respectivas decisões.

         A sentença entendeu o seguinte:

- Nos termos do art. 1424º, nº 1, do CC, os encargos com as despesas de manutenção e conservação das partes comuns do edifício recaem sobre todos os condóminos;

- Sendo a fachada exterior do prédio, por onde ocorrem as infiltrações, parte comum do prédio, é o R. Condomínio obrigado a proceder à sua reparação de forma a eliminar as infiltrações;

- Quanto aos danos verificados dentro da fracção autónoma do A., quer pelos deveres próprios do condomínio, do conjunto de condóminos e do administrador do condomínio, quer pelo regime específico do art. 493º, nº 1, do CC, que responsabiliza quem tem o dever de vigilância de coisa imóvel pelos danos por esta causados, está o R. Condomínio adstrito à obrigação de reparação/indemnização dos danos do A.;

- Antes de mais, está obrigado “a proceder nas partes comuns do prédio às obras de reparação e eliminação da causa das infiltrações verificadas na fracção do Autor”;

- No que se refere aos danos na própria fracção autónoma do A., está também obrigado “a proceder à realização das obras necessárias à reparação dos danos existentes na fracção do Autor decorrentes das referidas infiltrações”;

- Tendo o Condomínio invocado a prescrição do direito do A., por terem decorrido mais de três anos entre o momento da ocorrência das infiltrações, alegadamente no Inverno de 2011, e a data da propositura da acção, tal excepção não procede, uma vez que tanto as infiltrações como os danos causados à fracção do A. constituem “factos continuados que se mantêm até ao momento”;

- Da factualidade provada também não resultam elementos que permitam concluir pelo abuso do direito do A. de exigir a reparação/indemnização;

- Quanto aos demais danos invocados pelo A., concluiu a 1ª instância:
o Pela exclusão da responsabilidade do R. quanto aos danos verificados na garagem do A.;
o Pela exclusão da responsabilidade do R. quanto aos danos (alegadamente no montante de € 6.282,00) em vestuário deteriorado;
o Pela responsabilidade do R. pelas despesas do A. com limpezas e pinturas e com a danificação de artefactos da casa de banho, a liquidar;
o Pela exclusão da responsabilidade do R. pela alegada privação de uso da fracção (contabilizada em função das prestações do mútuo bancário pagas e a pagar pelo A.);
o Pela responsabilidade do R. pelo pagamento de compensação pelos danos não patrimoniais do A. no valor de € 2.500,00, actualizado à data da sentença;
o Pela exclusão da responsabilidade do R. pelo transporte e armazenamento do mobiliário do A. pelo período de realização das reparações na fracção, uma vez que se entendeu ser desnecessário retirar tal mobiliário da dita fracção;
o Pela responsabilidade do R. pela quantia que o A. vier a despender com o seu alojamento e do seu agregado familiar pelo tempo necessário à realização das obras, a liquidar posteriormente.

O acórdão da Relação, apreciando a impugnação da matéria de facto realizada pelo R. Condomínio, decidiu:

Alterar a redacção do facto 3 de A partir do Inverno de 2011 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1).”

Para: “3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006.

Eliminar os seguintes factos que a sentença dera como provados:

- Facto 9: “Em consequência das infiltrações referidas em 3) apodreceu um móvel de casa de banho e os toalheiros, porta-rolos e porta piaçaba enferrujaram.

- Facto 23: “Para a realização dos trabalhos de reparação da fracção com raspagem, lixagem, emassamento de paredes e tectos, aplicação de pinturas e verniz, por questões de saúde e de forma a facilitar a realização dos trabalhos o Autor não deverá habitar na fracção tendo de despender quantia, não determinada neste momento, com o alojamento.

        Reapreciando a decisão de direito, considerou o acórdão recorrido:

- Que, tendo sido alterado o facto 3, dando-se como provado que as infiltrações na fachada do prédio tiveram lugar, não a partir do Inverno de 2011, mas a partir do ano 2004/2005, já decorreu o prazo de prescrição de três anos dos direitos do A., não procedendo as alegações deste quanto à suspensão ou interrupção de tal prazo;

- Concluiu pois pela absolvição do R. do pedido;

- De qualquer forma, entendeu que sempre a acção teria de improceder por falta de prova de que o R. tenha violado o dever de conservação do prédio, “não se provando actuação ilícita e culposa deste e causadora de danos e geradora do dever de indemnizar, ao invés, tendo resultado provado que os problemas do prédio relacionados com infiltrações de águas pluviais são provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1. e que a partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se, e, que voltaram a verificar-se, mesmo após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006 (cfr. facto provado nº 3), tratando-se de ‘deficiências estruturais’ de construção.”

- Em consequência, julgou improcedente o recurso subordinado do A. e procedente o recurso do R., absolvendo-o dos pedidos.

6. Passemos a apreciar a questão da alegada não prescrição do direito do A. a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados.

        Afigura-se que o facto de o A. ter formulado todos os pedidos contra o R. Condomínio – pedido de condenação na realização de obras de reparação e eliminação da causa das infiltrações nas partes comuns do prédio; pedido de condenação na realização de obras de reparação dos danos que tais infiltrações causaram na fracção do …. (e, na verdade, também de outra inundação/infiltração ocorrida na garagem do A., questão que está fora do objecto do presente recurso); pedido de indemnização por diferentes danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao A. – com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do R. contribuiu decisivamente para dificultar a identificação dos diferentes problemas em causa.  

        Fazendo, e bem, uso dos poderes de requalificação do direito atribuídos ao tribunal (cfr. art. 5º, nº 3, do CPC), a 1ª instância tratou autonomamente, por um lado, do problema do direito do A., enquanto condómino, a exigir do R. Condomínio o cumprimento da obrigação de realizar, nas partes comuns do prédio (“fachada voltada ao quadrante sul”), as obras de reparação e eliminação das causas das infiltrações de águas pluviais; e, por outro lado, do problema da reparação/indemnização do A. pelos danos que tais infiltrações causaram à sua fracção e aos bens nela existentes (para além de consequências danosas de outra natureza).

        Na verdade, foi provado que “começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referida em 1.” (facto 3, nesta parte com redacção coincidente na sentença e no acórdão recorrido). Nos termos do art. 1421º, nº 1, do Código Civil, tal fachada exterior, enquanto elemento da estrutura do prédio, constitui parte comum deste, sendo que, de acordo com o nº 1 do art. 1424º do Código Civil, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

        Deste modo, o que está em causa é o (in)cumprimento de uma obrigação do condomínio, composto pelo conjunto dos condóminos, de custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício (cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., Quid iuris, Lisboa, 2009, págs. 389 e seg., e Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2017, págs. 378 e seg.), obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição dessas partes comuns.

Tal obrigação deve ser concretizada mediante a intervenção dos órgãos próprios do condomínio, isto é, a assembleia de condóminos e o administrador, dentro do âmbito das respectivas competências (cfr., designadamente, o art. 1430º, nº 1, e o art. 1436º, alínea f), ambos do CC). Trata-se de uma obrigação legal, inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos arts. 1414º e segs. do Código Civil, cujo cumprimento pode ser exigido a qualquer momento, se e enquanto as obras de conservação/reparação não tiverem tido lugar; ou até mesmo se tais obras já tiverem sido realizadas, mas não tiverem sido eficazes para assegurar os objectivos de conservação e fruição das partes comuns do edifício.

Ao contrário do que alega o Recorrido, a obrigação legal que estamos a considerar não é excluída pelo facto de as deficiências nas partes comuns do prédio resultarem, total ou parcialmente, de defeitos de construção (ver, neste sentido a decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de 18/11/2010, proc. nº 392/2002.L1.S1, consultável em sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt[1]). Por outras palavras, ainda que a causa das deficiências da fachada exterior sul do prédio dos autos possa ser imputável à empresa construtora, a obrigação de conservação/reparação a cargo do R. Condomínio subsiste, sem prejuízo de uma eventual responsabilização da dita empresa.  

Ora, no que se refere à obrigação legal em causa, e tal como entendeu a 1ª instância, da factualidade provada resulta a existência de um facto ilícito continuado, que permanece à data da propositura da acção, pelo que – e independentemente da determinação de qual o prazo legal de prescrição aplicável ao caso – o direito do A. não prescreveu, pois, não tendo cessado a respectiva violação, não teve sequer início a contagem do prazo.

Para o exercício do direito que estamos a considerar, a alteração feita pela Relação da redacção do facto 3 (de A partir do Inverno de 2011 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1.” para: “3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006) afigura-se irrelevante. Na verdade, assim como (segundo a sentença) não importava o facto de terem passado mais de três anos entre o início das infiltrações (que se entendia ter ocorrido no Inverno de 2011) e a data da propositura da acção (07/05/2015), tampouco importa que, conforme a Relação deu como provado, tais infiltrações se tenham afinal verificado a partir do ano 2004/2005 “e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006”. O que releva é, em qualquer hipótese, que, aquando da interposição da presente lide, subsistissem as deficiências da “fachada voltada ao quadrante sul”, causadoras das infiltrações.

Pela mesma razão, isto é, por se tratar de um facto continuado do qual o R. Condomínio teve conhecimento, encontra-se também feita a prova da sua culpa, independentemente de se apurar o momento exacto em que tal conhecimento ocorreu (e independentemente de se tomar posição quanto à aplicabilidade ou não do regime do nº 1 do art. 799º do CC, por estar em causa a violação de uma obrigação em sentido técnico-jurídico e não de um dever geral de respeito.)

Conclui-se, assim, não ter prescrito o direito do A. a exigir do R. Condomínio a realização das obras de reparação da fachada do prédio voltada ao quadrante sul, sem prejuízo da aplicação do regime próprio de repartição proporcional das inerentes despesas pelo conjunto dos condóminos, conjunto no qual o próprio A. se encontra incluído.

7. A questão da eventual prescrição do direito do A. a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados coloca-se em termos inteiramente distintos daqueles que foram considerados no número anterior do presente acórdão quanto aos demais pedidos do A.: pedido de realização de obras de reparação dos danos que as infiltrações de água causaram dentro da fracção do A.; pedido de indemnização por diversos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A.

        

Com efeito, quanto a estes diferentes pedidos, não está directamente em causa o incumprimento da obrigação legal de o R. Condomínio assegurar e custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, mas antes – e diversamente do que considerou a Relação, enquanto fundamento subsidiário da decisão de improcedência da acção – perante uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos arts. 483º e segs. do Código Civil.

         Vejamos.

Convoca-se aqui, como fez a sentença, o regime do art. 493º, nº 1, do CC, pelo qual se responsabiliza “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” relativamente aos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. No que se refere às partes comuns do edifício dos autos, o dever de vigilância incide naturalmente sobre o R. Condomínio.

Aquele regime legal corresponde a uma hipótese em que, tal como naquelas outras previstas nos arts. 491º, 492º, e 493º, nº 2, do CC, se consagraram os denominados deveres de segurança no tráfego (da terminologia germânica Verkehrssicherungspflicten) ou deveres de prevenção do perigo, que permitem concretizar a responsabilidade civil por omissões, na medida em que neles se consubstancia a exigência do art. 486º do CC, no sentido de que, para além dos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo (previstos no art. 483º, nº 1, do CC), exista o dever de praticar o acto omitido (cfr., neste sentido, os acórdãos de 07/04/2016, proc. nº 7895/05.0TBSTB.E1.S1, e de 14/06/2018, proc. nº 8543/10.1TBCSC.L1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt).

Em geral, a responsabilidade civil por violação de deveres de segurança no tráfego tem conhecido um enorme desenvolvimento dogmático no direito português recente (cfr., em especial, a obra de referência de Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, Almedina. Coimbra, 2015).

Tradicionalmente, tanto a doutrina (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 10ª ed., Almedina. Coimbra, 2000, págs. 594, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 586-587) como a jurisprudência nacionais entendiam que o regime do nº 1 do art. 493º do CC, consagra uma presunção de culpa, sendo que, entretanto, se vem também afirmando que essa presunção será indissociável da presunção da própria ilicitude (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 580 e 584; Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Princípia, Cascais, 2017, págs. 244-245). Neste sentido, cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 30/09/2014 (proc. nº 368/04.0TCSNT.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt.  

Retomando o caso dos autos, constata-se que a tarefa do julgador se encontra simplificada pelo facto de, tendo sido provado que – uma vez reaparecidas as infiltrações na fachada exterior voltada a sul do prédio, após a reparação das fachadas efectuada pelo construtor em 2006 – o R. Condomínio não levou a cabo obras de conservação ou reparação da fachada em causa, a ilicitude da conduta se encontra efectivamente provada, sendo a culpa de presumir nos termos do referido nº 1 do art. 493º do CC, salvo se o R. tivesse feito prova de que “nenhuma culpa houve da sua parte” ou de que “os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”; prova que não foi feita.

Conclui-se assim, como a 1ª instância, que o A. tem direito a ver reconhecido o direito de indemnização pelos danos invocados, desde que tenha sido feita prova dos mesmos e do correspondente nexo causal; e também desde que improceda, total ou parcialmente, a excepção de prescrição.

Aqui chegados, há, pois, que tomar posição sobre esta última questão.

Para se apurar se decorreu ou não o prazo de prescrição de três anos, a contar da data em que o A. teve conhecimento do direito (ou direitos) que lhe competiam (art. 498º, nº 1, do CC), torna-se indispensável determinar se tal direito (ou direitos) corresponde(m) ou não a factos continuados, como genericamente entendeu a 1ª instância, ou se, como ajuizou a Relação, corresponde(m) antes a factos não continuados, tendo já decorrido, à data da propositura da acção, o prazo de três anos sobre a ocorrência de tais factos.

      Retomemos a factualidade provada relevante:
1. O Autor é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma, designada pela letra "…", correspondente a um apartamento, habitação no 4º andar, lado esquerdo frente, tipo T3, com garagem individual na sub-cave designada pelo Nº …, sito no nº …, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, e garagem individual com o nº …, sita na subcave.
2. O Autor habita na fracção referida em 1) desde 2002 e o seu agregado familiar é composto por uma companheira e filha, uma irmã e um sobrinho.
3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006. [alterado pela Relação nas partes sublinhadas]
4. Tais infiltrações têm causado na fracção, designadamente no quarto de casal, WC da suite do quarto de casal, quarto do meio, quarto junto da cozinha e sala, fissuração nas paredes e tectos, manchas de humidade, pintura descascada, bolores, fungos e sais, maus cheiros, vestígios de humidade nos rodapés em madeira, nos aros das portas da sala e da casa de banho e nas ombreiras em madeira.
5. Em consequência de tais infiltrações existe risco de curto-circuitos e as lâmpadas fundem com frequência.
6. O Autor em face do referido em 3) e 4) tem procedido a lavagens com lixívias, amoníaco, e produtos afins e a pinturas.
7. A fracção apresenta maus cheiros decorrentes do referido em 4).
8. Apesar do aquecimento ligado, é uma casa sempre fria e húmida o que afecta a qualidade de vida do Autor e demais residentes diminuindo as condições de conforto e salubridade dos respectivos compartimentos, apresentando-se as crianças muitas vezes com sintomas gripais.
9. [eliminado pela Relação]
10. As roupas que estão guardadas nos armários ficam com um cheiro a caruncho, sendo que, constantemente, ainda que não a usando, a roupa tem que ser lavada e posta ao sol.
11. As infiltrações referidas em 3) continuam a causar deteriorações e a provocar o agravamento das patologias existentes na fracção do Autor.
12. As infiltrações referidas em 3) decorrem da existência de fissuras nas fachadas do prédio em particular da fachada voltada ao quadrante sul, que sai balançada para lá do plano da fachada a partir do rés-do-chão, tendo como causa provável a excessiva deformação da laje em consola que suporta a referida parede exterior e ainda a quebra de estanquidade do próprio reboco hidráulico que suporta o revestimento exterior que não garante a sua função de estanquicidade quando sujeito a acções de agentes como os de variação de temperatura, temperaturas extremas, vento, água (da chuva e neve) e efeitos diferidos (retracção, fluência, relaxação) a que está exposto ao longo da vida útil e que deriva de não terem sido acauteladas as boas práticas de construção.
E ainda:
25. A situação em que se encontra a fracção do Autor criou, e continua a criar, no mesmo angústia, tristeza, nervosismo, ansiedade e desgosto.

       Constata-se que o acórdão recorrido, tendo alterado o teor do facto provado 3 (de A partir do Inverno de 2011 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1)” para: “3. A partir do ano 2004/2005 começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referido em 1., e, que voltaram a verificar-se após o construtor ter reparado as fachadas do prédio em 2006”), manteve, porém, inalterado o teor dos factos provados 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 25.

De tal forma que, estando estes últimos factos redigidos por referência ao teor original do facto 3 (as infiltrações começaram a verificar-se A partir do Inverno de 2011”), verifica-se que, nos termos do art. 682º, nº 3, segunda parte, do Código de Processo Civil, “ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”, o que impõe a baixa dos autos à Relação para expurgar a factualidade provada de tais contradições, esclarecendo, em relação a cada um dos factos indicados (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 25), qual o momento em que ocorreram; ou, porventura, se se mantinham à data da propositura da presente acção.

Devidamente corrigida a decisão relativa à matéria de facto, nos termos do art. 683º, nº 1, do CPC, devem ser julgados em conformidade: (i) os pedidos do A. reconhecidos nas alíneas b), c), d) e e) da decisão da sentença; (ii) e ainda, se não ficarem prejudicadas, as questões suscitadas no recurso de apelação subordinado interposto pelo A.

8. Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista:
a) Revogando-se parcialmente a decisão do acórdão recorrido e condenando-se o R. BB, …, …, a proceder nas partes comuns do prédio (concretamente, na fachada exterior voltada ao quadrante sul) às obras de reparação e eliminação da causa das infiltrações verificadas na fracção do A.;
b) Mandando baixar os autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, expurgar a decisão relativa à matéria de facto das contradições indicadas no ponto 7 do presente acórdão; e julgando em conformidade: (i) os pedidos do A. reconhecidos nas alíneas b), c), d) e e) da decisão da sentença; (ii) e ainda, se não ficarem prejudicadas, as questões suscitadas no recurso de apelação subordinado interposto pelo A.

As custas do recurso são devidas pelo Recorrido na proporção de 2/3, correspondente à parte em que decai; na parte restante, serão decididas a final.


Lisboa, 14 de Março de 2019

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho

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[1] Ainda que aí surja, por lapso, identificado como proc. nº 393/2002.L1.S1