Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1839/15.8T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ACORDO DE CREDORES
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO / PROCESSO NEGOCIAL PARA APROVAÇÃO DO PLANO / PRAZOS.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 119.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-A, 17.º-D, N.ºS 2 E 5, 17.°-F, N.°S 2 E 5, 17.º-G, N.º1, 215.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19 DE ABRIL DE 2016, IN WWW.DGSI.PT,
-DE 21 DE JUNHO DE 2016, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2017, IN WWW.DGSI.PT , E DE 7 DE FEVEREIRO DE 2017, PROCESSO N.º 3036/15.3T8BRR.L1.S1, IN S.A./S.T.J..
Sumário :
I. O PER é um processo de natureza eminentemente urgente, de prazos procedimentais curtos, durante os quais os credores concedem ao devedor um período global de «tréguas», o chamado «standstill», auto-impedindo-se de instaurarem e/ou fazerem prosseguir quaisquer acções, declarativas e/ou executivas, para cobrança de dividas contra aquele, em que o tempo para a sua finalização é categórico, o que deflui da tramitação restritiva a que alude o normativo inserto no artigo 17.º-D do C.I.R.E., maxime, os segmentos normativos constantes dos seus n.ºs 2 e 5.

II. Nesta asserção, o período de suspensão apenas poderá ter a duração de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17.º-D, n.º5 do C.I.R.E., sendo este prazo peremptório e por isso inegociável e (re)improrrogável.

III. Tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim da mesma, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo, que na espécie se não equacionaram.

IV. Esta posição decorre, inequívoca, do preceituado no artigo 17.º-G, n.º1 do C.I.R.E., o qual é claro ao predispor que o processo negocial é encerrado se não for possível conclui-lo no prazo aludido naquele supra citado nº.5 do artigo 17.º-D, do mesmo diploma: «caso seja ultrapassado o prazo», na letra da Lei.

(APB)

Decisão Texto Integral:

PROC 1839/15.8T8STR.E1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M instaurou processo especial de revitalização nos termos dos artigos 17.º-A e seguintes do CIRE, tendo-se iniciado o prazo das negociações em 23 de Setembro de 2015.

Por requerimento conjunto apresentado em 20 de Novembro de 2015, a devedora e o Administrador Judicial Provisório, acordaram na prorrogação do prazo das negociações por mais um mês.

Em 15 de Dezembro de 2015, o Administrador Judicial Provisório remeteu aos credores um e-mail (cfr. fls. 251) contendo em anexo a proposta final de Plano de Revitalização, notificando-os para até 24 de Dezembro de 2015 procederem ao envio do sentido de voto, indicando ainda que, «finda a data de 24 de Dezembro de 2015, considerar-se-á como abstenção os credores que não procederem ao envio do referido voto».

Em 11 de Janeiro de 2016, foi proferido o seguinte despacho:

«Considerando que a lista provisória foi publicada em 15-9-2015 e converteu-se em definitiva em 22-9-2015, pelo que o prazo de negociações, já com prorrogação, findou no dia 23-12-2015, sendo que até à presente data nada foi dito, ou junto aos autos, declaro encerrado o processo negocial.(…)».

Inconformada com esta decisão, a Requerente veio dela recorrer de Apelação, a qual foi julgada improcedente.

Irresignada, a Requerente vem agora interpor recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Foi a Recorrente notificada do Acórdão que negou provimento ao recurso, concluindo que o prazo fixado no n.° 5 do art. 17°-D CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é um prazo peremptório, pelo que, decorrido tal prazo, sem que as negociações, incluindo a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, estejam concluídas e remetidas ao tribunal para apreciação, o processo negocial é encerrado, o que determina a recusa da homologação do plano de revitalização apresentado após o decurso daquele prazo, porque tal consubstancia uma violação não negligenciável de regras procedimentais de natureza preclusiva.

- Não pode a Recorrente concordar com tal decisão, pois o Acórdão ora notificado está em contradição com outros, já transitados em julgado, proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e não foi, ainda, proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

- Fazendo uma pequena síntese do que foi o processo: no dia 24.08.2015 foi proferido despacho judicial a decretar o início do processo especial de revitalização; no dia 20.11.2015, foi junto ao processo requerimento a pedir a prorrogação do prazo das negociações por um mês, mediante declaração subscrita pela devedora e pelo administrador judicial provisório; no dia 15.12.2015 foi enviado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório aos mandatários de todos os credores o plano final de revitalização, solicitando que fosse emitido e remetido o sentido de voto; o plano de revitalização logrou ter aprovação (superior a maioria qualificada) por parte dos credores e no dia 11.01.2016 foi remetido aos autos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório o parecer previsto no art. 17.0- F do CIRE; no dia 18.01.2016 (sendo a data da elaboração da notificação de 15.01.2016), a Mma. Juiz a quo notifica a devedora do despacho de encerramento do processo negocial; no dia 01.02.2016. foi notificada a sentença de recusa de homologação do plano de revitalização.

- Nos presentes autos, e após encerramento das negociações, o Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado pronunciou-se no sentido de entender que o prazo estabelecido no art. 17-C n.° 1 do CIRE não tem natureza peremptória.

-O Tribunal da 1a instância e o Acórdão de que se recorre decidiram no sentido de que o prazo fixado no n.° 5 do art. 17°-D CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é um prazo peremptório, pelo que, decorrido tal prazo, sem que as negociações, incluindo a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, estejam concluídas e remetidas ao tribunal para apreciação, o processo negocial é encerrado, o que determina a recusa da homologação do plano de revitalização apresentado após o decurso daquele prazo, porque tal consubstancia uma violação não negligenciável de regras procedimentais de natureza preclusiva.

- Ora, sucede quem, salvo o devido respeito, a jurisprudência tem-se pronunciado quanto ao facto de o prazo constante do n.° 5 do art. 17.° do CIRE não ter natureza peremptória.

- Mais, tem sido decidido que mesmo nos casos em que seja ultrapassado o prazo previsto nesta norma, se negociações culminarem com a aprovação do plano, não deve este ser recusado por questões de índole meramente formal, o que aliás se compreende da mesma forma que não se compreende a decisão recorrida.

Vejamos, para o efeito, o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 8972/13.9T2SNT.L1-7, de 10.04.2014, que refere expressamente que “o prazo para concluir as negociações encetadas não tem natureza peremptória, desde logo por ser a própria lei a prever a sua eventual prorrogação.”

- No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 62/14.3TYLSB-A.L1, no dia 09-12-2014, refere no ponto 3. do sumário que "O prazo previsto no art. 17°-C, n° 1 do CIRE não tem natureza peremptória".

- Nos casos de aprovação não unânime, o juiz decide se homologa ou não o acordo, podendo recusar a homologação oficiosamente (art. 215.°) ou a requerimento de qualquer interessado (art. 216.°), decisão que deverá ser tomada nos 10 dias seguintes à recepção de toda a documentação (art. 17.° - F, n.° 6).

- Ora, se atentarmos aos factos supra expostos, podemos constatar que a Mma. Juiz se esqueceu que também tem prazos para cumprir, pois decidiu recusar a homologação do plano, volvidos bem mais de 10 dias sobre a recepção de toda a documentação.

- Como é possível, o mesmo tribunal que decide encerrar um processo no qual os credores aprovaram a revitalização da devedora por terem sido alegadamente ultrapassados prazos (que nem natureza peremptória têm) pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, falhar um prazo que está expressamente previsto na lei???

- No caso em apreço, o juiz recusou a homologação do plano oficiosamente, aplicando-se para o efeito a norma constante do art. 215.° do CIRE, porém, no caso em apreço, não se verificou qualquer violação culposa das regras procedimentais, nem das normas aplicáveis ao conteúdo, tampouco, deixaram de ser praticados actos ou executadas medidas precedentes à homologação.

- Nesse sentido, explica o Professor Menezes Leitão que violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.

- Confira-se para o efeito o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 261/14.8TYVNC.P1,disponível em dgsi.pt: "Devem ter-se por não negligenciáveis as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado não permitido pela lei, influindo na decisão do PER".

- E ainda o teor do Acórdão da mesma Relação de 9.12.2014, proferido no âmbito do processo n." 62/14.3TYLSB-A.L.1.

- Pelo que, não poderia ter sido oficiosamente recusada a homologação do plano, por falta de verificação dos pressupostos processuais consagrados para o efeito.

- O Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou uma justificação que é passível de ser atendida.

- Todos os demais prazos foram respeitados, apenas a junção aos autos do plano foi posterior à data para termo das negociações, sem prejuízo para qualquer credor, não havendo notícia nos autos de qualquer credor que se sinta prejudicado com tal espera.

- O tribunal não poderá ficar alheio à aprovação do plano pela maioria dos credores.

- De facto, ao permitir que por razões de índole meramente formal - envio do plano aprovado pelo Sr. AJP alguns dias após o prazo de encerramento das negociações (da responsabilidade do Sr. Administrador Judicial Provisório), se ponha em causa a revitalização da devedora e a satisfação dos créditos dos credores, o tribunal foi contra a génese deste instituto.

- O Acórdão ora notificado que julgou que o prazo fixado no n.° 5 do art. 17°-D CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é um prazo peremptório, está em contradição com os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa citados supra, que referem expressamente o contrário, considerando que pode e deve ser homologado o plano de recuperação aprovado apesar de ser apresentado nos autos após aquele prazo, dando primazia à revitalização da Devedora e fazendo prevalecer a vontade dos credores.

- Face ao exposto, deverá ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça Acórdão que decida definitivamente esta questão, revogando o Acórdão de que se recorre e ordenando a homologação do plano aprovado pela maioria dos credores.

Não foram apresentadas contra alegações.

II A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se o prazo a que alude o artigo 17º-G, nº1 do CIRE é ou não peremptório, tendo em atenção a contradição de Acórdãos convocada.

O Acórdão recorrido concluiu que:

«Desta sorte, e conforme também se expendeu no mais recente Acórdão do STJ que vimos citando, existindo total e convincente unanimidade, na 6.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual são distribuídos todos os processos desta natureza, quanto às sobreditas questões em todos os mencionados arestos que se encontram disponíveis em www.dgsi.pt, relativamente às questões colocadas pela recorrente nos presentes autos, e pelos fundamentos naqueles arestos invocados que nos dispensamos de repetir e para os quais remetemos, nos termos previstos no artigo 663.º, n.º 5, 2.ª parte do CPC, subscrevemos o entendimento de que o prazo mencionado no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, abrange ou inclui no respectivo âmbito a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, e que se trata de um prazo de caducidade, dotado consequentemente de natureza peremptória ou preclusiva e naturalmente improrrogável para além da possibilidade de prorrogação que se mostra legalmente consagrada no referido n.º 5; e ainda o entendimento de que, caso tal prazo seja ultrapassado, não pode, nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE, ser homologado o correspondente plano de recuperação, porquanto uma tal homologação consagraria e ratificaria uma violação não negligenciável das normas procedimentais previstas nos artigos 17º-D, n.º 5 e 17º-G, n.º 1, ambos do CIRE, considerando-se ser imperativa a estatuição deste último artigo, quando dispõe que, “caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado”.»

Por seu turno, o Acórdão fundamento, fundou a sua decisão no seguinte racíocino:

«4.Cumpre apreciar e decidir se, atendendo à data em que foi apresentado, o plano podia ter sido homologado.

5. E decidindo.

Concluindo-se as negociações com a aprovação do plano apenas por maioria, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal a fim de ser proferida decisão que o homologue ou recuse a sua homologação (art. 17°-F, n°s 2 e 5, do CIRE).

A recorrente pretende que o Juiz devia ter recusado a aprovação do plano aprovado, por ter sido apresentado depois de esgotado o prazo previsto no art. 17°-D, n°5, do CIRE, nos termos do qual, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações, prorrogável por uma só vez, e por um mês.

Cremos que não lhe assiste razão.

Com efeito, o art. 17°-G, do CIRE apenas contempla a hipótese de o processo negocial ser obrigatoriamente encerrado no caso de as negociações terminarem (antecipadamente ou por ser ultrapassado o prazo previsto no n°5, do art. 17°-D) sem que tivesse sido possível aprovar o plano de recuperação.

Porém, se as negociações se prolongarem para além do prazo fixado para o efeito e, apesar disso ou provavelmente até por causa disso, culminarem com a aprovação do plano, não parece que esta circunstância - só por si - deva conduzir à recusa da homologação do plano de recuperação aprovado.

Na verdade, o PER destina-se a permitir ao devedor o estabelecimento de negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente ã sua revitalização (cf. art. 17°-A, do CIRE. Nesta perspectiva, seria incompreensível que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o acordo com os credores, fosse - pura e simplesmente - recusada a homologação do plano aprovado, apenas por razões de ordem formal.

É certo que, remetido o plano de recuperação aprovado ao tribunal, o Juiz pode efectivamente recusar (oficiosamente) a homologação do plano no caso de «.violação não negligenciável de regras procedimentais» -cf. art. 215°, do CIRE, aplicável ao processo de revitalização, por força do art. 17°-F, n°5, do mesmo código.

A melhor doutrina tem entendido que integra aquele conceito a violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência, 119).

Ora, no caso que apreciamos, atendendo à formulação legal (cf. art. 17°-D, n° 5, do CIRE), afigura-se-nos que o prazo para concluir as negociações encetadas não tem natureza peremptória, desde logo por ser a própria lei a prever a sua eventual prorrogação.

Acresce que a devedora explicitou as razões que terão levado a que o prazo em curso tivesse sido ultrapassado (cf. fls. 174), as quais, com os elementos que constam dos autos, parecem ser de acolher.»

Este colectivo já teve a oportunidade de se pronunciar sobre esta mesma questão no Acórdão de 19 de Abril de 2016, in www.dgsi.pt, onde se concluiu pela peremptoriedade do prazo negocial em sede de PER, do seguinte modo:

«O aporema daqui consiste em saber, afinal das contas, de que sorte de prazo se trata.

O PER constitui uma profunda alteração introduzida pela Lei 16/2012, resultante das negociações com a Troika, cujos princípios orientadores constam, de uma maneira geral da Resolução do Conselho de Ministros 43/2011 e cuja consagração legal, decorre agora dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE.

Nesses normativos veio-se a consagrar dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17º-A a 17º-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17º-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente, quer dizer, enquanto no primeiro dos procedimentos se recorre desde logo ao Tribunal, através da declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos seus credores, na qual manifestam a intenção de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele e através de um plano de recuperação, artigo 17º-C, nº1, no segundo dos procedimentos, o acordo é efectuado extrajudicialmente entre o devedor e os credores que representem, pelo menos a maioria dos votos a que se alude no artigo 212º, nº1, acompanhado dos documentos referidos no artigo 24º (relação de credores, relatórios de actividades e de exercícios, etc), levando à prolação de um despacho de homologação ou de não homologação no prazo de dez dias, artigo 17º-I, tratando-se de um procedimento mais expedito e simplificado que leva a uma tramitação processual mais abreviada ainda.

A estrutura destes dois processos é híbrida (hibrid procedures do direito inglês), porque fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respectivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência e com a intervenção das autoridades judiciárias na respectiva aprovação, obtêm a garantia do seu cumprimento, desde que o devedor se encontre numa situação económica difícil, ou em situação de insolvência eminente, mas que seja ainda possível a sua recuperação, o que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao activo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, porque se assim for, este processo especialíssimo não se lhe pode aplicar, aplicando-se antes o processo de insolvência

Como se vê, estes dois procedimentos apresentam-se na sua estrutura em relação ao processo de insolvência, como se de uma verdadeira providência cautelar antecipatória se tratasse, destinada à manutenção da estrutura económica do devedor, permitindo a continuação da sua actividade, evitando-se o desmantelamento da empresa, desfecho inultrapassável em processo de insolvência, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, com a consequente extinção de postos de trabalho.

Assim sendo, estando o devedor (sendo este um agente económico) numa situação de dificuldade económica que lhe permita solver com regularidade os seus compromissos, mas não estando ainda numa situação de incumprimento total dos mesmos e pretendendo apresentar-se a qualquer um destes dois procedimentos híbridos, o primeiro efeito imediato de tal apresentação, quer a mesma seja judicial, quer a mesma seja pré-judicial, é a de se iniciar um período de suspensão, em que os credores estão obrigados a concederem ao devedor um período de tempo suficiente, mas limitado, de onde o mesmo dever ser negociado, para todos partilharem as informações necessárias para a elaboração de propostas a fim de se levar a bom termo as negociações: é uma concessão dos credores ao devedor e não um direito deste. Por outro lado, durante este período de suspensão, os credores não devem agir contra o devedor, intentando novas acções, devendo sustar as que se encontrem pendentes contra aquele. É o chamado «standstill».

Este dever de cooperação dos credores para com o devedor e a consequente suspensão das acções pendentes e eventuais futuras, correspondem aos quarto e quinto princípios orientadores da recuperação extrajudicial de devedores, constante da resolução do Conselho de Ministros que antecedeu a alteração legislativa introduzida com a criação do PER, sendo os mesmos obrigatórios e por isso deverão ser observados aquando das negociações, como impõe o nº10 do artigo 17º-D do CIRE, no qual se estipula expressis verbis que «Durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº43/2011, de 25 de Outubro.».

O devedor, ao comunicar ao Tribunal o inicio das negociações com vista à sua recuperação económica, através da entrega da declaração a que alude o artigo 17º-C, nº1 e proferido que seja o despacho de nomeação do Administrador provisório, impede a instauração de novas acções para cobrança de dividas enquanto perdurarem as negociações, faz suspender as que se encontrem instauradas as quais se extinguirão, logo que seja proferida a homologação do plano no caso em que os créditos delas objecto ali forem abrangidos, excepto se este previr a respectiva continuação, nº1 do artigo 17º-D.

Óbvio se torna, naturalis ratio, que estando nós em presença de um processo de natureza eminentemente urgente, de prazos procedimentais curtos, durante os quais os credores concedem ao devedor um período global de «tréguas», auto-impedindo-se de instaurarem e/ou fazerem prosseguir quaisquer acções, declarativas e/ou executivas, para cobrança de dividas contra aquele, que o tempo para a sua finalização seja categórico, o que deflui da tramitação restritiva a que alude o normativo inserto no artigo 17º-D do CIRE, maxime, os segmentos normativos constantes dos seus nºs 2 e 5.

Nesta asserção, o período de suspensão apenas poderá ter a duração de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17º-D, nº5 do CIRE, sendo este prazo peremptório e por isso inegociável e (re)improrrogável, cfr neste sentido o recente Ac STJ de 17 de Novembro de 2015 (Relator José Rainho), onde se pode ler no respectivo sumário «I - O prazo fixado no nº 5 do art. 17º-D do CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é perentório ou preclusivo. II - Decorrido tal prazo sem que as negociações estejam concluídas, o processo negocial fica encerrado, não podendo ser homologado, por ocorrer uma violação não negligenciável de regras procedimentais, o plano que venha ainda assim a ser aprovado.», in www.dgi.pt.

Efectivamente, tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim daquela, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo.

Esta posição decorre, inequívoca, do preceituado no artigo 17º-G, nº1 do CIRE, o qual é claro ao presdispor que o processo negocial é encerrado se não for possível conclui-lo no prazo aludido naquele supra citado nº5 do artigo 17º-D, do mesmo diploma: «caso seja ultrapassado o prazo», na letra da Lei, cfr neste sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, Código da insolvência e da recuperação de Empresas Anotado, 2013, 69/70.(…)».

E esta posição é unânime nesta 6ª secção, cfr a propósito da mesma temática, os Acórdão de 21 de Junho de 2016 (Relator Fernandes do Vale), 22 de Fevereiro de 2017 (Relator José Rainho) in www.dgsi.pt e de 7 de Fevereiro de 2017 (Relator Júlio Gomes), processo nº 3036/15.3T8BRR.L1.S1, in SASTJ.

Tendo em atenção o iter processual decorrente do Aresto em crise, dúvidas não subsistem que o prazo de negociações, já com prorrogação, findou no dia 23 de Dezembro de 2015, pelo que não restava outra alternativa ao Tribunal se não o encerramento do processo negocial nos termos do artigo 17º-G, nº1 do CIRE.

Acresce ainda a circunstância de o não cumprimento dos prazos legais para a conclusão das negociações (prazo inicial acrescido do prazo concedido em prorrogação), não ter sido devido a qualquer acontecimento impeditivo susceptível de configurar uma situação de justo impedimento, o que, a ter acontecido, poderia consubstanciar a justificação para o atraso ocorrido.

As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Abril de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes