Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA RESENDE | ||
Descritores: | SEGURO DE VIDA CONTRATO DE SEGURO CONTRATO DE MÚTUO APÓLICE DE SEGURO CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL ANULABILIDADE ERRO VICIO DECLARAÇÃO INEXATA DOLO NEGLIGÊNCIA BOA -FÉ ÓNUS DA PROVA SEGURADORA NEXO DE CAUSALIDADE INVALIDEZ | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE COM BAIXA DOS AUTOS PARA CONHECIMENTO DA NULIDADE. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I- O contrato de seguro consubstancia-se num acordo vinculativo, que tem por base declarações de vontade, geralmente proposta e aceitação, que se vem a harmonizar em termos da seguradora, mediante uma determinada retribuição satisfeita pelo segurado, visa solver o que for devido, nos termos acordados, pelo prejuízo que advenha ao segurado ocorrido que seja determinado evento. II- Como contrato formal, deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice, regendo pelas estipulações desta, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência pelas disposições do CCom, e na falta destas, pelo CC, art.º 426.º, 427.º e 3.º, do CCom . III- De modo geral reveste a qualidade de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas sim apresentadas em termos formulário, que o destinatário do seguro se limita a subscrever, relevando no âmbito da espécie do seguro em causa, de saúde, a existência de inquéritos clínicos, que acompanham as propostas, sendo este o documento através do qual a seguradora fica a saber as circunstâncias concretas do risco que assume, inteirando-se assim, do estado de saúde do segurado, e daí que este ao prestar as declarações correspondentes, com vista à celebração do contrato, o deva fazer de forma verdadeira e exata. IV- Daí resultar do disposto no art.º 429, do CCom, a sanção de anulabilidade do contrato, configurada como um caso de erro vício de vontade que incide sobre a própria formação do contrato, contemplando-se duas situações distintas, a saber, a declaração inexata no sentido de afirmação errónea, de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado, ou tomador do seguro, e a reticência, traduzida na omissão, ou ocultação quer duns, quer doutras. V- Dependendo a respetiva relevância da possibilidade de influírem na existência ou nas condições do contrato, não decorre daquele normativo a exigência de dolo por parte do declarante, bastando-se a lei, com a negligência, isto é, o conhecimento de tais factos e circunstâncias suscetíveis de afetarem a celebração do contrato e respetivas condições, isto é, que o segurado soubesse, aquando da prestação das declarações, das ocorrências a si respeitantes, suscetíveis de influenciar a aceitação ou o grau do risco a assumir, pela seguradora, pelo que, necessariamente, não só pelo fim do contrato de seguro, mas também presente o princípio da boa fé, os factos que o segurado não declarou, por que os desconhecia, não podem afetar a validade do contrato. VI- No concerne ao ónus da prova quanto à verificação de uma declaração inexata, ou reticente, prévia à celebração do contrato, como facto impeditivo de um crédito a que segurado se arroga no âmbito do desenvolvimento da relação contratual, sobre a seguradora impende o ónus de demonstrar a declaração e a respetiva influência na celebração do contrato de seguro, art.º 342, n.º2, do CC. VII- Na aplicação do dispositivo legal em referência, salienta-se o não relevo do concurso do nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro, não se exigindo também a verificação deste, bem como quaisquer acontecimentos posteriores à subscrição da proposta, nas qual as declarações foram feitas, nomeadamente, quanto à possibilidade da existência de doença pré-existente, cuja alegação e prova na medida que impeditiva do efeito pretendido pelo segurado sempre caberá à parte que dela aproveita, isto é, à seguradora. VIII- O correspondente atendimento deve assentar em critérios objetivos, que se prendem com o respetivo diagnóstico médico, e como tal reconhecida, independentemente da maior ou menor morosidade do respetivo desenvolvimento. IX- Na aplicação ao contrato de seguro do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, configura se como abusiva, enquanto atentatória da boa fé, como invalidez absoluta e definitiva exigir que ao aderente se imponha que seja obrigado à assistência permanente de uma pessoa, por introduzir um manifesto desequilíbrio contratual entre as partes, esvaziando largamente a utilidade do seguro, porquanto o fim que resulta do seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco se o segurado ficar impossibilidade de o fazer por si, sendo que tal finalidade satisfaz-se com a impossibilidade, sem a necessidade de o segurado figurar dependente de assistência de outrem. X- A densificação do conceito relevante de invalidez absoluta e definitiva, no atendimento da formulação clausulada num contrato de seguro de vida (grupo) carece de linearidade, porquanto importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará de igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja a superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro, nos termos configurados, e que se entende dever-se perspetivar em moldes, não demasiado alargados, nem muito rígidos, mas de forma mais maleável e flexível, na necessária consideração casuística. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Revista 5560/17.4T8VIS.C1.S1 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1. AA veio instaurar contra COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, SA., a presente ação com processo comum, pedindo: a. Ser a R condenada a liquidar a dívida que o A. detém no BPI, SA, a qual contraiu para a reconstrução da sua habitação, e a entregar-lhe o valor remanescente até perfazer o montante do capital seguro de 80.000,00€, referente ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......93, acrescidos de juros legais, calculados desde a citação até efetivo e integral cumprimento; b. Ser a R. condenada a pagar ao A. o valor do capital seguro de 25.000,00€ referente ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....57, acrescido de juros legais, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento. 1.1. Alega para tanto que como condição do empréstimo para fazer obras na casa foi exigido pelo R. que contratasse um seguro de saúde de vida que garantisse, para si e para a esposa, as coberturas de morte e invalidez absoluta e definitiva, tendo assim contratado o seguro de ramo vida, em setembro/outubro de 2006, sendo o capital seguro de 80.000,00€. Depois desse seguro, contratou igualmente com a R. um outro seguro do ramo vida, denominado “seguro vitall” abrangendo também as coberturas de vida e invalidez absoluta e definitiva e o capital 25.000,00€. Em setembro de 2007, o A. sofreu uma intervenção cirúrgica para restruturação da anca esquerda, que não teve qualquer repercussão negativa no estilo de vida e atividade profissional, no setor da construção civil, emigrado na ... desde 1999. Em julho de 2013 o autor sofreu um acidente doméstico que provocou um traumatismo na anca esquerda, pelo que face à situação de dores permanentes, foi submetido a uma intervenção cirúrgica em dezembro de 2013 para colocação de uma prótese total da anca esquerda, que não resolveu o problema de saúde do A. e em abril de 2015 foi sujeito a uma nova intervenção, não só o cirurgião conseguiu efetuar a recolocação artoplástica como acabou por detetar a existência de uma disfunção nervosa ao nível do nervo ciático, com uma paralisia das órteses do pé esquerdo. Devido a essa situação só consegue deslocar-se com a ajuda de duas canadianas e de uma tala do tipo Heidelberg, não alcançando manter-se em pé mais de dois ou três minutos, e caminhar de forma contínua, poucos metros com o apoio das duas canadianas, estando funcionalmente impedido de realizar qualquer esforço físico, tais como ajoelhar-se, acocorar-se, subir e descer escadas, nem caminhar em planos inclinados, concluindo o seu médico que se encontrava numa situação de incapacidade para o trabalho de 100%, e assim impedido de exercer qualquer atividade remuneratória, enquadrando-se na definição de invalidez absoluta e definitiva. As limitações funcionais impedem-no de fazer certos atos da sua vida diária, sem ajuda de terceiro, como calçar-se, vestir-se ou tomar banho, não podendo sustentar qualquer peso, nem podendo fazer as compras e as tarefas domésticas. A R. declinou a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, fundamentando a sua decisão no facto da situação clinica do A. não se enquadrar na definição de invalidez absoluta. 2. A R. citada, veio contestar, alegando que o A. quando subscreveu os boletins de adesão respondeu negativamente a todas as questões sobre o seu estado de saúde. Recebida a participação do sinistro, em 18.12.2015, foi solicitado relatório médico que especificasse a data da lesão que provocou a necessidade da colocação de prótese, e de acordo com o parecer dos serviços clínicos da R, a causa da alegada invalidez é a fratura da bacia com colocação de prótese total, ocorrida em 2013, com total estimado de 61%, não tendo necessidade de apoio permanente para o desempenho de todas as suas necessidades do dia a dia e atos normais da vida, e assim a desvalorização não é igual ou superior a 75%. O A. terá sofrido uma intervenção cirúrgica para reestruturação da anca esquerda em 2007, que estava obrigado a declarar e não o fez, invocando eventuais falsas declarações, importando a nulidade ou anulabilidade dos seguros. Reportando que a intervenção feita em 2013 é consequência da lesão que existia anteriormente, ficando por apurar desde quando se iniciou, e como lesão pré-existente está excluída das apólices dos autos. Mais veio impugnar o factualismo aduzido pelo A, invocando que no caso de crédito hipotecário, é o que estiver em dívida à data do sinistro, não havendo qualquer pagamento de capital remanescente ao segurado, pelo que tendo a entidade bancária indicado o valor de 65.419,49€ em dívida à data da participação, devia ser este o valor peticionado. 3. O A. veio responder, ao abrigo do disposto no art.º 3, n.º3, do CPC, alegando, essencialmente que o funcionário bancário não tinha prestado qualquer informação sobre o dever de responder com precisão e a importância que as respostas teriam para a R., incumbindo a esta o ónus de alegar e provar que cumprira o dever de informação, nos termos do art.º 6.º DL 446/85, de 25.10, bem como o requisito da impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, é abusivo, por desproporcionalmente violador dos interesses visados com o contrato de seguro, sendo, assim nulo, clausulado de que não foi informado, e que se tivesse tido conhecimento não teria contratado. 4. Foram realizadas perícias médicas. 5. Realizado o julgamento foi proferida sentença considerando a prestação de falsas declarações pelo A. aquando a celebração do contrato relativamente ao seu quadro clínico e ao seu estado de saúde, padeciam os contratos do vício de anulabilidade, não devendo a R. ser condenada, improcedendo a pretensão formulada. 1. Inconformado, veio o A. interpor recurso de apelação, sendo proferido Acórdão da Relação de Coimbra que concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte em que absolveu a R. relativamente ao primeiro contrato de seguro, e condenar, ex vi deste seguro, a R. a pagar ao A. a quantia de oitenta mil euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. 6. Ora inconformada, veio a R. interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (Transcritas) 1. O Acórdão recorrido revoga parcialmente a douta sentença de 1ª Instancia ao condenar em quantia superior ao devido, não levando em conta as amortizações entretanto realizadas em violação das clªs 11 e 13 das Condições Gerais, pratica a nulidade do artº 615º nº1 d) primeira parte do C.P.C.; 2. Este acórdão condena a recorrente a pagar, ao Recorrido, o capital inicial de 80.000,00€, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, não tomou em conta que o contrato de seguro dos autos aqui em causa é de credito hipotecário (apólice nº .......93, certificado .......80, com entrada em vigor em 30.03.2006, relativo a empréstimo Hipotecário) no valor de Euros 80.000,00, cf. Boletim de Adesão, Doc. 1, que se junta, Informação à Pessoa Segura, Doc. 1, junto à P.I., Condições Gerais do crédito Hipotecário BPI, Doc. 2, que se junta ) 3. O capital seguro, no caso do seguro de vida por crédito hipotecário, é o que estiver em dívida à data do sinistro, não havendo pagamento de qualquer capital remanescente ao segurado, conforme as cláusulas 11 e 13 doc. 2, das Condições Gerais juntas com a contestação; 4. E não de capital fixo como é o caso do outro seguro invocado um contrato de seguro de vida VITALL, pelo prazo de 30 anos, através da Apólice ....57, com capital de Euros 25.000,00 cf. boletim de adesão, doc. 3, Condições Particulares, Doc. 4, que se junta, e Condições Gerais, Doc. 5, juntas com a contestação ) e cuja anulação foi confirmada no acórdão em causa. 5. A Recorrente não teria, pois, esse capital disponível, tal como consta da sua contestação nos artº .s 43 e 44: “ 43 :O capital seguro, no caso do crédito hipotecário, é o que estiver em dívida à data do sinistro, cláusula 11 e 13 doc. 2, não havendo pagamento de qualquer capital remanescente ao segurado. 44. O BPI SA comunicou à Ré que o capital em dívida à data da participação era de Euros 65.419,49 pelo que, o pedido relativamente ao pagamento do empréstimo hipotecário está mal formulado e por isso se impugna.” 6. Além do mais, nunca poderia pagar ao BPI (e não ao A. Recorrido), o capital inicial de 80.000,00 € mas o capital que estivesse em divida à data do sinistro e que é de Euros 65.419,49, como havia impugnado a petição inicial artºs 43 e 44 que o Acórdão recorrido não se pronunciou contra o que devia ter feito; 7. O capital seguro, no caso do seguro de vida por crédito hipotecário, é o que estiver em dívida à data do sinistro, não havendo pagamento de qualquer capital remanescente ao segurado, mas tão só ao credor hipotecário BPI, conforme a cláusulas 11 e 13 doc. 2, das Condições Gerais juntas com a contestação cuja interpretação aqui foi violada, bem como o art 236º do Cód Civil. 8. Assim não fazendo, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado e cometeu a nulidade do art 615º nº1d) primeira parte que se invoca do CPC e, por isso, se requer a sua reforma; 9. Neste sentido, veja-se caso semelhante resolvido no Ac S.T.J. de 14-12-2006 Revista n.º 4022/06 - 6.ª Secção João Camilo (Relator) in www.dgsi.p atras citado; Sem prescindir, 10. O Acórdão parte do princípio que o proponente tem de ser fiscalizado pela Seguradora, o que não é verdade, nem lhe é permitido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei nº 13.931/2018. 11. Quem tem obrigação de falar verdade e com os elementos pessoais de que dispõe é o futuro segurado, o que só fez quando foi examinado pelos peritos do IML, resultando a decisão sobre a matéria no acórdão recorrido de interpretação errada da Lei e, por isso, da competência deste Supremo Tribunal, arts, 671º e 674º CPC. 12. A obrigação de informação exata e completa por parte do segurado ou do tomador do seguro é imposta pelo art. 429º Cód. Comercial em vigor à data da adesão, dispositivo violado no acórdão recorrido, bem como pela referida cláusula 2.2 do contrato de seguro de vida, aqui violando os artºs 236º do Cód Civil; 13. Estas estipulações –legal e contratual –reconduzem-se ao princípio geral segundo o qual nos preliminares e na formação do contrato as partes devem agir com boa fé, nos sentidos legal e também profundamente ético, violando o artº 227º do Cód. Civil; 14. Esta atuação com boa fé no decurso do contrato de seguro implica que o segurado, vinculado ao preenchimento exato e completo de um questionário sobre a sua situação de saúde, continue obrigado, até à conclusão do negócio, a dar conhecimento à contraparte de qualquer alteração relevante da mesma – importância que pode alterar o juízo de apreciação do risco do contrato, a formular pela seguradora. 15. Tanto mais que, seguindo a Jurisprudência corrente, é preciso que prevaleçam os princípios da boa fé e da confiança dos contraentes, na medida em que se impõe que ajam e acreditem na atuação séria do outro e na mútua cooperação para a realização dos fins contratuais; 16. Desta forma, o “Juiz contemporâneo tem em conta valorações que não estão legalmente contempladas, ultrapassando uma visão estrita e formal do Direito, procurando que a virtude da Justiça, no sentido de distribuir a cada um o que lhe pertence, atinja o fim social e económico do Direito”, o que o Acórdão recorrido não faz; 17. Também não estão preenchidos os requisitos para que se verifique a invalidez absoluta e definitiva do Apelante., de acordo com a clausula 2, 2.2. b) das Condições Gerais do seguro de vida em causa, exigindo-se cumulativamente os seguintes factos: a) A pessoa segura possuir uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75%/TNI – Tabela nacional de Incapacidade em vigor à data do sinistro) com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa; b) Existir comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória.” 18.A incapacidade de que o Recorrido padece foi quantificada em 50,5 pontos como consta do Relatório do IML de 14/10/2021 e notificação com a referência 89119547; 19. Estando o Recorrente ciente do teor da referida cláusula, não lhe assiste razão, já que os requisitos exigidos são cumulativos e, para além do grau de incapacidade do Apelante, verificado à data do sinistro, o Recorrente não necessita do apoio permanente de terceira pessoa para a sua subsistência funcional e não possui uma comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória. 20. A clausula 2.2 b) das Condições Gerais doc 5 junto com contestação é válida, como tem sido julgado na esmagadora maioria das Decisões -“ Não se tem por nula uma cláusula constante das condições especiais de um Contrato de Seguro do ramo vida, com cobertura de invalidez total e permanente, contendo uma definição do estado de invalidez total e permanente segundo a qual esse estado corresponde a uma incapacidade total de exercício de uma atividade remunerada, objetivamente verificável e definitiva e que se traduza num grau de desvalorização superior a 66,6%.”( Ac Rel Porto de 23/11/2021) Relator Rui Moreira in www.tg.pt E ainda o Ac R. Lisboa 09 Setembro 2021 Processo 15426/17.2T8LSB.L1-2 Relator LAURINDA GEMAS: IV - Face ao objetivo visado pelo contrato, não se mostra contrária à boa fé a cláusula 3.ª das Condições Especiais que, visando a concretização da situação de Invalidez Total e Permanente definida na cláusula 2.ªdas Condições Especiais (como “situação em que, em consequência de doença ou de acidente, a Pessoa Segura fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e aptidões”), explicite que tal invalidez deverá “corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior a 60%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”; e ser “precedida de uma incapacidade absoluta (completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão ou ocupação profissional) e durar mais de 180 dias consecutivos, sendo esse período alargado para dois anos, nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas.”…////… 21. Como o caso presente, não é por ter dificuldade em apertar os sapatos, colocar as meias ou tomar banho, ou dores que já tinha muito antes do início do seguro em 2007, que o A Recorrido está 100% incapaz para qualquer atividade e, por isso, o IML lhe atribuiu 50%. 22. Ora a vontade das Partes, especialmente do que foi estabelecido no seguro validamente celebrado é pura e simples letra morta passando o Julgador a tecer considerações subjetivas e sem apoio nos factos e na Lei. 23. Ora, o Acórdão recorrido esquece que a Recorrente nunca foi ouvida , ignorou tal exame, nem ignorando que realizou tal Parecer e como já ensinava o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 04/10/1995 (in C.J./Acs. Do STJ, 1995, Vol. III, pág.48) os pareceres devem ser entendidos como «uma contribuição para “esclarecer o espírito do julgador” sendo a sua força probatória, enquanto tal, nula». 24. O que o A. e recorrido juntou não tem a natureza de perícia e o exame e respetivo relatório elaborado a solicitação do Recorrido sinistrado, ainda que por médico especialista em medicina legal ou com competências em avaliação do dano corporal, o autor de relatório dessa natureza, seja helvético ou não, processualmente não tem a qualidade de perito; 25. Ora o Acórdão recorrido não deu crédito ao exame medico legal nas autoridades competentes em Portugal mas deu especial relevo a escritório de seguros em cantão helvético cujos técnicos se desconhecem, sem fiscalização do Tribunal, nem qualquer intervenção ou conhecimento da Recorrente e pagos pelo segurado, assim violando o disposto nos artºs Art. 467.º n.º do CPC e o diploma que regulamenta os serviços médico-legais DL n.º 166/2012, de 31 de Julho, que não prevê a realização de perícias médico-legais por organismos estrangeiros. 26. E a Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, que aprova o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, estabelece no seu Artigo 2.º: “1 - As perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos.”. 27.Ora a vontade das Partes, especialmente do que foi estabelecido no seguro de vida validamente celebrado é pura e simples letra morta, passando o Julgador a tecer considerações subjetivas e sem apoio nos factos, na técnica dos seguros de vida ou na Lei. 28. A Recorrente nada pôde controlar ou requerer acerca deste parecer, fora do contexto das questões e coberturas do seguro aqui discutidas, a que foi dada importância decisiva, colocando de parte o relatório do IML e as cláusulas contratuais, em violação frontal, entre outros, do princípio geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das posições das partes perante o tribunal – artigo 4.º CPC violado no acórdão recorrido; 29.O Recorrido ente não está impedido de exercer uma qualquer atividade remuneratória e não está, portanto, numa situação de invalidez absoluta e definitiva de acordo com o estabelecido no contrato de seguro em causa, o que, em consequência, determina a improcedência da sua pretensão. 30. Concluindo, o Recorrido prestou falsas declarações aquando da subscrição de ambos os seguros, o que determina a anulabilidade dos contratos e a inexigibilidade da prestação por parte da Apelada, o que já foi confirmado no Acórdão recorrido quanto à apólice ....57 e não está numa situação de invalidez absoluta e definitiva, improcedendo, igualmente, a sua pretensão o que por esta foi alegado em sede própria. 31.Por todo o exposto, salvo melhor opinião, deve proceder o presente recurso de revista e revogar-se o acórdão recorrido quanto à apólice de seguro de vida nº .......93, certificado .......80, com entrada em vigor em 30.03.2006, relativo a empréstimo Hipotecário de valor inicial de 80.000,00€ que deve considerar-se anulada, mantendo-se, em consequência, a total absolvição da Recorrida de todos os pedidos, já que a anulação da apólice nº ....57 de seguro de vida VITALL, pelo prazo de 30 anos, com capital de Euros 25.000,00, por falsas declarações, foi corretamente confirmada, tal como já constava e bem da douta sentença de 1ª Instancia. 6.1. O A. veio apresentar contra-alegações formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (transcritas) 1. O contrato de seguro agora em apreço foi celebrado em setembro/outubro de 2006, teve início nessa data e foi realizado como condição de concessão de um empréstimo bancário que o autor e a esposa solicitaram ao Banco BPI, S.A. (Cfr. i – factos provados - petição, pontos 2, 3, 4, 5 e 6; contestação – 2, da fundamentação de facto da sentença proferida em Primeira Instância). 2. Alega a recorrente que o acórdão recorrido condena em quantia superior ao pedido, invocando a nulidade do mesmo com base no disposto 615, n.º 1, alínea d) do CPC (cfr. conclusão 1 das alegações de recurso). 3. Com fundamento na mesma disposição legal, alega, ainda a recorrente que o Tribunal da Relação «não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado» -cfr. conclusão das alegações de recurso vertida sob o ponto 8. 4. Quanto ao primeiro ponto (condenação em quantia superior ao pedido), não se verifica a alegada nulidade, bastando a tal conclusão a leitura do pedido formulado pelo autor e dos factos alegados nos artigos 53 e 54 da petição inicial. 5. Quanto á segunda parte da questão (inexistência de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado), relacionada com a interpretação das cláusulas contratuais insertas nas condições gerais da apólice, o recorrido considera que, também, quanto a esta, não pode proceder a nulidade invocada pela recorrente. 6. É facto assente e indiscutível nos autos que o capital seguro referente à apólice n.º .......93 é de €80.000,00. 7. É também facto assente e indiscutível nos presentes autos que o montante do capital mutuado nunca foi alterado e ainda que a divida hipotecária fosse diminuindo face aos pagamentos mensais de amortização realizados pelo autor, tal capital seguro nunca foi revisto ante o decréscimo do valor bancário em divida. 8. Nos termos da cláusula 11 das condições gerais da apólice (invocada pela ré para fundamentar a requerida nulidade), o capital seguro deveria ter sido revisto em função do valor mutuado em divida, de forma que aquele não fosse superior a este. 9. Aliás, são vários os contratos de seguro em que o capital segurado é revisto periodicamente em função do valor em divida, de forma a que o risco relativamente à entidade financeira permaneça garantido e o segurado vá beneficiando de um prémio de seguro menos dispendioso. 10. Tal não sucedeu, todavia, no caso dos autos; o autor/recorrido sempre pagou o mesmo prémio, não obstante a diminuição gradual da divida bancária, já que o capital segurado se manteve no mesmo valor inicial. 11. De forma que, alegar nesta sede, como faz a recorrente, que o valor a liquidar ao recorrido por força do aludido contrato de seguro terá de ser o montante do empréstimo em dívida á data do sinistro, constitui um manifesto abuso de direito, resultante do desequilíbrio contratual entre as prestações correspetivas. 12. A recorrente/seguradora, que recebeu sempre um prémio correspondente ao valor do capital seguro garantido de €80.000,000, não pode agora valer-se da aludida cláusula 11 das condições gerais da apólice que ela própria não cumpriu. 13. Concluindo, age em manifesto abuso de direito a recorrente quando, tendo recebido o prémio correspondente ao capital de seguro de €80.000,00, vem agora invocar que só terá de indemnizar o segurado no valor correspondente ao empréstimo bancário em divida á data do sinistro. 14. O autor/recorrido preencheu «não» a todas as perguntas do questionário clínico referente ao contrato de seguro em apreço e, em particular, ás questões se tinha estado internado em hospital, se sofria de deficiência física ou funcional ou se tinha realizado intervenção cirúrgica. 15. Em 2006, data em que preencheu o aludido questionário, o autor não tinha sofrido qualquer intervenção cirúrgica (a não ser uma ao fémur esquerdo, na sequência de um acidente de moto, ocorrida em 1991, num passado, pois, muito remoto, a qual escaparia á memória de qualquer cidadão, ainda que cuidadoso e atento), e não padecia de qualquer deficiência física ou funcional. 16. Nessa data, conforme foi apurado pelo Banco BPI, que intermediou a realização do contrato de seguro, o autor encontrava-se perfeita e plenamente apto, funcional e capaz, exercendo uma atividade profissional que lhe permitia, inclusive, ter acesso a um crédito bancário de €80.000,00. 17. Só em setembro de 2007, mais de um ano e meio depois do preenchimento do aludido boletim clinico e da celebração do respetivo contrato de seguro, é que o autor sofreu uma intervenção cirúrgica na anca esquerda (cfr. i - factos provados, petição, ponto 16, da sentença recorrida) e, ainda assim, tal situação não implicou qualquer alteração na sua vida profissional, tendo-se aquele mantido em plena e igual atividade laboral até julho de 2013, data em que veio a sofrer um acidente (cfr. i- factos provados, petição, pontos 17, 19, 20 da sentença de Primeira Instância). 18. Mesmo que se entenda, como o Tribunal de Primeira Instância entendeu, que o autor sentia dor e que, à data o preenchimento do aludido questionário clinico, teria, por força dessa situação, de prever a realização da cirurgia que veio a concretizar em 2007, certo é que, no momento em que assinou o aludido boletim, jamais aquele poderia antever que iria ficar incapacitado ou deixar de trabalhar, pois esta situação e conforme resulta claramente dos factos provados, dos exames médicos juntos aos autos e do relatório pericial, foi completamente imprevisível e inusitada, pois constituiu um efeito da queda/acidente doméstico que veio a ocorrer em julho de 2013. 19. Conforme é doutamente explanado no acórdão recorrido: «Efetivamente, e como alega o recorrente, este contrato foi celebrado em março de 2006 e só em setembro de 2007 é que se provou que ele foi submetido a uma intervenção cirúrgica na anca esquerda. Destarte, não colhe respaldo factual a asserção vertida na sentença de que «o autor, atentos os factos provados, quando se apresentou a contratar o primeiro dos seguros, havia já sofrido uma intervenção cirúrgica que lhe veio a provocar um quadro por vias do qual sentia dor, muita dor, de tal modo que se tornou inevitável, cerca de um ano depois, uma intervenção no sentido de lhe colocar uma prótese da anca esquerda… Se o julgador se referia a uma admitida, pelo autor, intervenção ao fémur esquerdo, decorrente de acidente ocorrido em 1991, deveria tê-la, adrede, mencionado. Mais. Deveria esta intervenção não apenas ficar plasmada nos factos apurados, como deveria ela ser considerada causa de fortes dores, as quais, segundo o julgador, foram a causa da intervenção cirúrgica de 2007. Ora tal facto basilar essencial de 1991 não foi identificado nem provado. Pelo que a relação causa efeito estabelecida entre uma intervenção cirúrgica anterior ao contrato (realizada, na verdade, 15 anos antes), e a necessidade de outra intervenção cirúrgica em 2007 não pode ser estabelecida/concluída.» (Negrito e parêntesis nosso) 20. Por outro lado, para que o contrato de seguro em causa fosse anulável, não basta a prova quanto á existência de falsas declarações ou omissões do segurado; era, ainda necessário que tivesse ficado demonstrado um outro elemento factual essencial à verificação deste regime: a recorrente/seguradora tinha de ter provado que a inexatidão/omissão das declarações do recorrido influíram sobre a existência ou condições do contrato. 21. A esse propósito, a letra do art. 429º do C. Com é clara: «...e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato...» Ora, da fundamentação fática da sentença proferida em Primeira Instância não decorre qualquer elemento, do qual se possa extrair tal conclusão. 22. A propósito do conceito de invalidez absoluta e definitiva para efeitos de apreciação das cláusulas contratuais dos seguros de vida, esclareceu, recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 27.01.2020, in Proc. n.º 125/13.2TVPRT.P1.S2, em que foi Relator o Venerando Juiz Conselheiro Ricardo Costa: «O conceito relevante de invalidez permanente (ou absoluta e definitiva) enquanto integrante da cláusula de contrato de seguro do ramo Vida, associador a contratos de mútuo bancário, assenta: i) na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que, não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos, clínicos e reabilitadores, realizados depois do sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial e (ii) concretiza-se, independentemente do seu nível ou grau de percentagem de incapacidade (desde que não seja residual ou insignificante), em consequência (enquanto impacto decisivos) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro. Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a atividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida ativa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para atividade compatível com essas habilitações e capacidade com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projeção na capacidade de ganho) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro.» 23. Nesse mesmo sentido, mas de uma forma mais específica no que respeita à interpretação das cláusulas contratuais que exigem uma determinada quantificação ou grau de desvalorização, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, também, recentemente, no acórdão de 02.03.2021 (in Proc. n.º 2615/18.1TVRL.G1.S1), em que foi Relatora a Veneranda Juíz Conselheira Graça Amaral, nos seguintes termos: «No mesmo sentido se tem de considerar o facto de, para além do recurso à assistência de terceira pessoa ainda se exigir um grau de incapacidade igual ou superior a 85%. De facto, exigir um tal grau de incapacidade quando com grau inferior a pessoa se encontra já em situação de invalidez absoluta e definitiva, isto é, total e definitivamente incapaz de exercer atividade remunerada seria da mesma forma frustrar o objetivo visado que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura esteja absolutamente incapaz.» 24. Face ao quadro factual vertido nos pontos 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 31, 31, 34, 35, 37, 38 (por referência à p.i.) e ponto 22 (por referência à réplica) da sentença proferida em Primeira Instância, encontra-se plenamente demonstrado que o autor padece de uma incapacidade, definitiva (irreversível) e absoluta (impeditiva do exercício de uma qualquer atividade remuneratória coerente com a sua área de preparação técnico profissional). 25. Mais se encontra provado (cfr. pontos 39, 41, 42, 43, 44 e 21 por referência à petição inicial, constantes da fundamentação fática da sentença proferida em Primeira Instância) que o autor, embora não tenha necessidade do apoio de terceira pessoa para todos os atos da sua vida corrente, não pode prescindir do mesmo diariamente, já que existem atos do seu dia-a-dia, como vestir-se, calçar-se e tomar banho, que não pode fazer sozinho. 26. Ou seja, face ao suporte fático da sentença proferida em Primeira Instância (a qual, também, nesta parte aderiu às conclusões constantes do relatório médico-legal), não restam dúvidas que o recorrente necessita da ajuda de terceira pessoa para alguns dos atos de gestão da sua vida pessoal, não conseguindo, por si só, a realização de certos comportamentos elementares da vida corrente. 27. Salvo melhor entendimento, o recorrente considera que os atos enunciados no supra referido quadro factual – vestir, calçar, tomar banho – na medida em que se traduzem em atos correntes, normais, básicos de cada dia-a-dia, integram e preenchem o requisito contratual em apreciação, ou seja, colocam o autor numa posição de necessitar do auxílio permanente de terceira pessoa. 28. De qualquer forma, os Tribunais superiores têm sido chamados, e até por diversas vezes, a apreciar e julgar este pressuposto contratual referente à «impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa» e a jurisprudência mais recente tem vindo a considerar que tal requisito é abusivo, por desproporcionalmente violador dos interesses visados com o contrato de seguro e, consequentemente, nulo. 29. De facto, se quando contratou, o recorrido tivesse sido informado que só poderia acionar o seguro na hipótese da sua situação de invalidez ser de tal ordem que necessitasse do apoio permanente de terceira pessoa, o certo é que ele jamais aceitaria tal cláusula, pois o seguro deixaria de cumprir uma das finalidades essenciais por si intencionadas: cobrir a sua incapacidade de ganho. 30. Concluindo: atentos os factos constantes da fundamentação da sentença proferida em Primeira Instância e a interpretação que a jurisprudência tem vindo a fazer das cláusulas contratuais gerais insertas nos contratos de seguro de vida, o recorrido considera que, in casu, se encontra preenchido e verificado o conceito de invalidez absoluta e definitiva tal qual definido nas condições gerais do contrato de seguro celebrado com a recorrente/seguradora. 31. Pelo exposto, o recorrido entende que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra não merece qualquer reparo ou censura. 4. Foi proferido Acórdão da Relação Coimbra que pronunciando-se sobre a nulidade arguida, considerou que não se configurava um vício formal, mas sim o (de)mérito do decidido. 4.1. A Recorrente foi convidada a pronunciar-se sobre o invocado abuso do direito pelo Recorrido, tendo a mesma respondido. 5. Cumpre apreciar e decidir. * II – ENQUADRAMENTO FACTO-JURIDICO A. Dos factos. No Acórdão sob recurso foram dados como provados os seguintes factos: Petição 1. O autor e cônjuge recorreram a um empréstimo junto do Banco BPI, S.A. 3. Como condição de concessão do aludido empréstimo, a referida instituição bancária exigiu ao autor que contratasse um seguro de vida que garantisse, para si e para a sua esposa, as coberturas de morte e invalidez absoluta e definitiva. 4. Razão pela qual, em setembro/outubro de 2006, o autor contratou com a ré, para si e para a sua esposa, um seguro do ramo vida, o qual se encontra titulado pela apólice n.º .......93. 5. O referido contrato teve início nessa data. 6. E garante o pagamento do capital seguro em caso de morte e em caso de invalidez absoluta e definitiva. 7. O capital seguro é de €80.000,00. 9. Depois da realização do aludido contrato de seguro, o autor contratou, igualmente com a ré, um outro seguro do ramo vida, denominado «seguro vitall» o qual se encontra titulado pela apólice n.º ....57. 10. O aludido seguro abrange, igualmente, as coberturas de vida e invalidez absoluta e definitiva e o capital seguro é de €25.000,00. 12. Nos termos das condições gerais dos mencionados contratos de seguro: «Existe invalidez absoluta e definitiva quando se verificam cumulativamente os seguintes factos: a) A pessoa segura possuir uma incapacidade superior a 75% (TNI – Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data do sinistro) com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. b) Existir comprovada incapacidade recuperável para exercer qualquer atividade remuneratória.» 14. O autor nasceu em ........1973. 15. Em data que não foi possível apurar, o autor emigrou para a ..., onde, desde então, trabalhava no sector da construção civil. 16. Em setembro de 2007, o autor sofreu uma intervenção cirúrgica na anca esquerda. 17. Em julho de 2013, o autor sofreu um acidente doméstico. 19. Em julho de 2013 o autor caiu na banheira da sua casa quando se encontrava a tomar banho. 20. A queda provocou um traumatismo da anca esquerda. 21. A aludida situação provocava (e provoca) fortes dores ao autor ao nível da anca e dos membros inferiores e dificultava-lhe (e dificulta) os movimentos com as pernas. 22. Ademais, o autor não conseguia permanecer muito tempo numa qualquer posição, já que as dores ao nível das costas e da anca tornaram-se insuportáveis. 23. Devido a essa situação, o médico ortopedista que acompanhava o autor sugeriu a realização de uma intervenção cirúrgica com vista a uma artosplatia total da anca esquerda. 24. Em dezembro de 2013 o autor foi sujeito à aludida intervenção cirúrgica para colocação de uma prótese total da anca esquerda. 25.A aludida intervenção cirúrgica não resolveu o problema de saúde do autor e em abril de 2015 este foi sujeito a uma nova intervenção com vista à revisão da prótese. 26.A cirurgia não só não conseguiu efetuar a recoloção artoplástica como acabou por detetar a existência de uma disfunção nervosa ao nível do nervo ciático. 27.O autor padece de perturbações neurológicas ao nível do nervo ciático do lado esquerdo, com uma paralisia das órteses do pé esquerdo. 28. Devido a essa situação, o autor só consegue deslocar-se com a ajuda de duas canadianas e de uma tala do tipo Heidelberg. 31. O autor só consegue caminhar, de forma contínua, poucos metros e, sempre, com o apoio de duas canadianas. 32. Não se consegue manter de pé durante mais que 2/3 minutos; 33. Não consegue manter-se na mesma posição durante muito tempo. 34. Sente dores na região lombar até ao pé; 35. E uma espécie de «formigueiro» em toda essa zona. 37. Face à situação clinica do autor, o seu médico concluiu que aquele se encontrava numa situação de incapacidade para trabalho de 100%. 38. O Gabinete de Seguros de Invalidez do cantão de Fribourg, após uma avaliação médica na pessoa do autor, veio a concluir que aquele se encontrava numa situação de invalidez de 100% desde 01.05.2015. 39. O autor apresenta limitações funcionais que condicionam a sua capacidade de locomoção e movimento, tem o pé esquerdo paralisado e padece de dores ao nível da anca esquerda até ao pé esquerdo, as quais o impossibilitam de manter uma qualquer posição por mais de poucos minutos. 41. As limitações funcionais do autor impedem-no, também, de exercer certos atos da sua vida diária sem a ajuda de um terceiro. 42. O autor precisa de apoio da sua esposa diariamente para lhe calçar as meias e os sapatos; 43. Para se vestir, dada a dificuldade em se curvar, o autor tem de socorrer-se da ajuda da mulher. 44. O mesmo acontece quando tem de tomar banho. 53. O autor continuou a liquidar as mensalidades ao Banco BPI, S.A até ao momento. Contestação 2. A Ré como seguradora, celebrou com o BPI como tomador e beneficiário e o A., como pessoa segura, um contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº .......93, certificado .......80, com entrada em vigor em 30.03.2006, relativo a empréstimo Hipotecário no valor de Euros 80.000,00, cujos Boletim de Adesão, Informação à Pessoa Segura e Condições Gerais do crédito Hipotecário BPI aqui se dão por integralmente reproduzidos, nos seus precisos termos. 3. Consta na informação à pessoa segura: “– O que é a Invalidez Absoluta e Definitiva? Existe Invalidez Absoluta e Definitiva quando se verificarem cumulativamente os seguintes factos: A) a pessoa segura possuir uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% /TNI – Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data do sinistro), com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa; b)Existir comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória. Como data de reconhecimento da invalidez que origina o pagamento da respetiva indemnização, entende-se a data em que a Allianz Portugal receciona todos os documentos que considera necessários para a conclusão do processo e nunca a data de reconhecimento atribuída pela segurança social ou outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua. 4. Nas condições gerais da Apólice consta e é reproduzida a cláusula mencionada na informação à pessoa segura – Cláusula 2.2. 5. O A., como aderente/pessoa segura, celebrou com a Ré, como seguradora, e BPI SA como Tomador, na data de 14-08-2008, um contrato de seguro de vida VITALL, pelo prazo de 30 anos, através da Apólice ....57 , com capital de Euros 25.000,00, cujos boletim de adesão, Condições Particulares e Condições Gerais, aqui se dão por integralmente reproduzidos, nos seus precisos termos. 6. O A. preencheu os boletins de adesão ou deu instruções ao funcionário bancário para os preencher segundo a sua vontade e, após assinar, foram conferidas as assinaturas pelos serviços do banco. 7. O Autor no boletim Doc. 1, respondeu negativamente a todas as perguntas, nomeadamente se tinha estado internado no hospital, se sofria de deficiência física ou funcional ou se tinha realizado intervenção cirúrgica. 8. Pelo mesmo documento comprometeu-se que tinha respondido com exatidão ao questionário de saúde. 9. O Autor para o seguro Vitall declarou que Declaro não estar sob observação médica ou em tratamento regular, ….não ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar, … não ter alguma deficiência física ou funcional….” 10. No campo 10 do boletim de adesão consta: “….Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta Apólice só terão efeito na condição da proposta de seguro ter sido aceite pela Allianz Portugal, desde que não me encontre em estado de incapacidade nessa data e que qualquer omissão ou falsa declaração pode anular a minha adesão ao contrato….” 12. 0 Contrato garantia a Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva da pessoa segura e o capital contratado foi de 25.000,00€. 13. Consta nas condições gerais da Apólice Vitall : Cláusula 2.2 …b) Invalidez Absoluta e Definitiva…Considera-se existir invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: Possuir a pessoa segura uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% (TNI)… com incapacidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. - Possuir a pessoa segura comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remunerada.” 14. O BPI recebeu as propostas/boletins, preenchidos e assinados pela A. e remeteu os aos Serviços da Ré, onde, após aceitação, foram emitidas as Apólices. 15. Na sequência da aceitação mencionada no que respeita ao Vitall, a Ré remeteu ao A. na data de 3-09-2008, para a morada da Apólice, a carta de felicitação de celebração do seguro, as condições particulares do seguro de vida Vitall e as condições gerais da Apólice. 16. A Ré recebeu participação de sinistro pelo BPI, por mail de 18-12-2015, no qual se encontrava anexado um relatório médico que referia ciatalgia crónica pós prótese da anca em 2013 e um documento de atribuição de pensão de invalidez. 21. O A. não tem necessidade do apoio permanente de terceira pessoa para o desempenho de todas as suas necessidades do dia a dia e atos normais da vida. 27. O Autor declarou que não tinha sido operado ou internado em estabelecimento hospitalar, o que não corresponde à verdade. 28. O Autor omitiu da Ré que tinha realizado operação à anca esquerda em 2007. réplica 22. Face a esse quadro clinico de que padece, o autor encontra-se impossibilitado, de forma irreversível, de exercer uma atividade remuneratória coerente com as suas habilitações. Nos termos do art.º 662.º nº1 do CPC e considerando os relatórios periciais de fls. 161 e sgs. e 182/83 aditaram-se os seguintes factos: Com base na Tabela Nacional de Incapacidades foi atribuído ao autor um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 50, 5 pontos. Com base na Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais foi fixado um coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual em 51,5%. B. Do Direito Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas , não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3, do CPC . Em conformidade, resulta das alegações apresentadas pela Recorrente Seguradora, que importa apreciar a questionada anulabilidade do contrato de seguro por falsas declarações constantes do boletim de adesão, relativamente ao primeiro contrato celebrado1, da verificação dos requisitos do estado de invalidez absoluta, que foi entendido estarem reunidos quanto ao mencionado primeiro contrato, bem como a arguida nulidade prevista no art.º 615, n.º1, alínea d) primeira parte do CPC, no que respeita às amortizações e o possível exercício abusivo do direito por parte do Recorrido. 1. Das falsas declarações. Invoca a Recorrente que sobre o Recorrido impendia a obrigação de falar verdade sobre os seus elementos pessoais, no atendimento do disposto no art.º 429, do Código Comercial (CCom) vigente à data da adesão, traduzido no preenchimento exato e completo de um inquérito sobre a sua situação de saúde, pela importância que pode advir sobre o juízo do risco do contrato, a formular pela Seguradora. 1. Em dúvida não está que estamos perante um contrato de seguro de vida celebrado, no estabelecimento de uma relação triangular, tendo por vértices, a seguradora, o tomador do seguro, entidade bancária, e os aderente segurado, como o Recorrentes, enquanto cliente do banco, que celebrou com este último um contrato mútuo, regendo-se tal contrato pelas condições particulares e gerais constantes da apólice, bem como pelo disposto no Código Comercial, considerando a data da celebração do contrato. Com efeito, é sabido que o contrato de seguro consubstancia-se num acordo vinculativo, que tem por base declarações de vontade, geralmente proposta e aceitação, que se vem a harmonizar em termos da seguradora, mediante uma determinada retribuição satisfeita pelo segurado, visa solver o que for devido, nos termos acordados, pelo prejuízo que advenha ao segurado ocorrido que seja determinado evento. Como contrato formal, deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice, regendo pelas estipulações desta, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência pelas disposições do CCom, e na falta destas, pelo CC, art.º 426.º, 427.º e 3.º, do CCom . Lembre-se, igualmente, que de modo geral reveste a qualidade de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas sim apresentadas em termos formulário, que o destinatário do seguro se limita a subscrever, relevando no âmbito da espécie do seguro em causa, de saúde, a existência de inquéritos clínicos, que acompanham as propostas, sendo este o documento através do qual a seguradora fica a saber as circunstâncias concretas do risco que assume, inteirando-se assim, do estado de saúde do segurado, e daí que este ao prestar as declarações correspondentes, com vista à celebração do contrato, o deva fazer de forma verdadeira e exata. Daí resultar do disposto no art.º 429, do CCom, a sanção de anulabilidade2 do contrato, configurada como um caso de erro vício de vontade que incide sobre a própria formação do contrato, contemplando-se duas situações distintas, a saber, a declaração inexata no sentido de afirmação errónea, de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado, ou tomador do seguro, e a reticência, traduzida na omissão, ou ocultação quer duns, quer doutras. Dependendo a respetiva relevância da possibilidade de influírem na existência ou nas condições do contrato, não decorre daquele normativo a exigência de dolo por parte do declarante, bastando-se a lei, com a negligência, isto é, o conhecimento de tais factos e circunstâncias suscetíveis de afetarem a celebração do contrato e respetivas condições, isto é, e para o caso que agora nos interessa, que o segurado soubesse, aquando da prestação das declarações, das ocorrências a si respeitantes, suscetíveis de influenciar a aceitação ou o grau do risco a assumir, pela seguradora, pelo que, necessariamente, não só pelo fim do contrato de seguro, mas também presente o princípio da boa fé, os factos que o segurado não declarou, por que os desconhecia, não podem afetar a validade do contrato. Importa reter, no concerne ao ónus da prova quanto à verificação de uma declaração inexata, ou reticente, prévia à celebração do contrato, como facto impeditivo de um crédito a que segurado se arroga no âmbito do desenvolvimento da relação contratual, que sobre a seguradora impenda o ónus de demonstrar a declaração e a respetiva influência na celebração do contrato de seguro, art.º 342, n.º2, do CC. Saliente-se, ainda, no concerne à aplicação do dispositivo legal em referência, o não relevo do concurso do nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro, não se exigindo também a verificação deste, bem como quaisquer acontecimentos posteriores à subscrição da proposta, nas qual as declarações foram feitas, nomeadamente, quanto à possibilidade da existência de doença pré-existente, cuja alegação e prova na medida que impeditiva do efeito pretendido pelo segurado sempre caberá à parte que dela aproveita, isto é, à seguradora, sendo de referir que o correspondente atendimento deve assentar em critérios objetivos, que se prendem com o respetivo diagnóstico médico, e como tal reconhecida, independentemente da maior ou menor morosidade do respetivo desenvolvimento. 1. Neste âmbito a Recorrente, chamando à colação a Lei Geral Proteção de Dados, a Lei 58/2019, de 8.083, alega que o Recorrido tinha a obrigação de falar a verdade, só o tendo feito quando observado pelos peritos do IML, exigindo-se obrigação exata e completa, na observância de agir com boa fé nos preliminares da formação dos contratos, art.º 227, do CC, concluindo que o Recorrido omitiu informações à data da subscrição do boletim de adesão. Apurou-se nos autos, sublinhando-se que estamos a reportar ao primeiro contrato de seguro celebrado, que a Recorrente seguradora, celebrou com o BPI como tomador e beneficiário e o Recorrido, como pessoa segura, um contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº .......93, certificado .......80, com entrada em vigor em 30.03.2006, relativo a empréstimo Hipotecário no valor de Euros 80.000,00. O Recorrente preencheu os boletins de adesão ou deu instruções ao funcionário bancário para os preencher segundo a sua vontade e, após assinar, foram conferidas as assinaturas pelos serviços do banco, no mesmo boletim, respondeu negativamente a todas as perguntas, nomeadamente se tinha estado internado no hospital, se sofria de deficiência física ou funcional ou se tinha realizado intervenção cirúrgica, e que tinha respondido com exatidão ao questionário de saúde. Em setembro de 2007, o Recorrido sofreu uma intervenção na anca esquerda. Considerou-se no Acórdão recorrido que nada ficou consignado como provado quanto a anteriores fortes dores e respetiva razão que levaria a tal e seria pré-existente à celebração do contrato em 2006, mencionando o ónus da prova de tal facto impeditivo do direito do segurado. Na verdade, as prováveis dores4 que eventualmente poderia o Recorrido ter sentido, ou até possíveis restrições de mobilidade de dimensão imprecisa, quedam-se pelo campo da conjetura, sem qualquer respaldo fático, e desde logo não atendíveis neste Tribunal, obtiter dictum a provar-se tal factualismo seria insuficiente para, na falta de prova efetiva (cujo ónus impendia sobre a Recorrente) sobre a existência do diagnóstico da doença e o respetivo conhecimento pelo Recorrido, pois era exigível um o conhecimento superior aos juízos de experiência comum, face às especificidades do saber exigido para a formulação de tal tipo de conclusões, bem como o Recorrido fosse detentor desse saber. Não se enjeitando a relevância da confiança nas declarações emitidas pelos contraentes no âmbito do contrato de seguro, com o decorrente regime de invalidade legalmente consagrado, certo é, que conforme ressalta do já exposto, se é imposta a essencialidade do facto inverídico ou omitido para influenciar a formação da vontade da seguradora, é necessário que o declarante tenha dele conhecimento, não resultando apurado que o Recorrida tivesse conhecimento que padecia da doença que determinou a cirurgia realizada, inexistindo nos autos elementos que lhe permitissem imputar uma falta diligência, censurável em tal âmbito. Aqui chegados ressalta que a Recorrente não logrou demonstrar uma realidade essencial para sujeitar à anulabilidade o contrato em referência, ou afastar da cobertura do mesmo, o evento que levou ao pedido de satisfação da quantia peticionada, não se patenteando que o entendimento perfilhado possa contrariar os ditames da boa fé, ou afetar o equilíbrio das relações contratuais, sem prejuízo de na realização da atividade prosseguida pela Apelante, com respeito pelos normativos legais, a mesma se determinar nos termos tidos por convenientes e mais conformes com os seus interesses. Adite-se que o ponto n.º 27 da contestação dado como provado, resulta desse articulado que se reporta ao segundo contrato de seguro celebrado, e aqui não em causa. Improcede nesta parte o recurso deduzido. 1. Invalidez absoluta. No Acórdão sob recurso, reportando-se ao entender jurisprudencial, a aferição ou não de presença da situação de invalidez absoluta, deviam os requisitos fixadas pela seguradora ser interpretados de forma equilibrada para que as finalidades do recurso fossem obtidas, e não na inutilidade na prática por os requisitos serem de impossível ou muito difícil verificação. Apoiando o seu entendimento recorreu ao regime das cláusulas contratuais gerais, nos termos do DL 446/85, de 25.10, numa interpretação mais favorável ao aderente por mais frágil e menos informado, art.º 15 e 16. Assim a elevada incapacidade exigida 75%, aliada aos mais requisitos (ficar impossibilitado de subsistência funcional sem o apoio de terceira pessoa, e existir comprovável incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória), levando desde logo à exigência de intervenção auxiliar de terceira pessoa, importariam na contextualização do caso concreto, à não aplicação dos critérios contratualizados, por contrária à boa fé e ao equilíbrio contratual. Face aos dados provados, e a apesar de não ter sido contratualmente estipulado, os handicaps físico-psíquicos concatenados com as mazelas e sequelas sofridas pelo Recorrido, numa análise razoável, humanista e equilibrada, considerou preenchida a cláusula de invalidez absoluta. A Recorrente apresenta a sua discordância, por não se verificarem os requisitos contratuais, invocando que no Acórdão sob recurso foram tecidas considerações sem apoio nos factos e na lei, nomeadamente desconsiderando os exames médicos legais feitos pelas entidades competentes em Portugal, dando relevância a técnicos desconhecidos na ... que não pode controlar ou contraditar, mais referindo que as dificuldades em calçar-se ou tomar banho, ou dores que afetem o Recorrido não se traduzem em 100% de incapacidade para qualquer atividade, e por isso o IML lhe atribuiu 50%. 1. Desde logo importa salientar que não assiste qualquer razão à Recorrente no que concerne à realização da prova pericial nos autos, realizada em sede própria, isto é, no Instituto de Medicinal Legal e suas delegações, como resulta dos artigos 21.º e 22.º, da Lei 45/2004, de 19.08 e posterior alteração, podendo a mesma exercer os seus direitos processuais. Por outro lado, no concerne aos termos como no Acórdão foi exposto o silogismo que o levou à conclusão que a Recorrente pretende infirmar, não avulta que tenha sido desconsiderados os resultados das perícias médicas-forenses, cuja conclusão dentro os poderes que assistem à Relação, foi mandada aditar aos factos provados. Realidade diversa prende-se com a força probatória das respostas dos peritos, fixada livremente pelo Tribunal, nos termos do art.º 389, do CC. Como se aludiu, considerou-se quanto ao núcleo da clausula, definindo o objeto e a finalidade da cláusula, a saber, relativamente à Invalidez Absoluta e Definitiva, quando a pessoa segura possuir uma incapacidade funcional irrecuperável superior a 75% - TNI, com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, existir comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória. No entanto, e como foi entendido no Acórdão recorrido, na indubitável aplicação a este contrato de seguro do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, configura como abusiva, enquanto atentatória da boa fé, para além do elevadíssimo grau de invalidez e a absoluta incapacidade para o exercício de qualquer atividade remuneratória, exigir ainda a que ao aderente se imponha que seja obrigado à assistência permanente de uma pessoa, por introduzir um manifesto desequilíbrio contratual entre as partes, esvaziando largamente a utilidade do seguro, porquanto o fim que resulta do seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco se o segurado ficar impossibilidade de o fazer por si, tal finalidade satisfaz-se com a impossibilidade, sem a necessidade de o segurado figurar dependente de assistência de outrem5. 2.1.2. Vejamos o que resultou apurado. O A e cônjuge recorreram a um empréstimo junto do Banco BPI, S.A., como condição de concessão desse empréstimo, a referida instituição bancária exigiu ao autor que contratasse um seguro de vida que garantisse, para si e para a sua esposa, as coberturas de morte e invalidez absoluta e definitiva, razão pela qual, em setembro/outubro de 2006, o autor contratou com a ré, para si e para a sua esposa, um seguro do ramo vida, o qual se encontra titulado pela apólice n.º .......93, tendo o referido contrato início nessa data, garantindo o pagamento do capital seguro em caso de morte e em caso de invalidez absoluta e definitiva, sendo o capital seguro €80.000,00. Nos termos das condições gerais dos mencionados contratos de seguro: «Existe invalidez absoluta e definitiva quando se verificam cumulativamente os seguintes factos: a) A pessoa segura possuir uma incapacidade superior a 75% (TNI – Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data do sinistro) com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. b) Existir comprovada incapacidade recuperável para exercer qualquer atividade remuneratória.» . O A nasceu em ........1973, tendo em data que não foi possível apurar, emigrado para a ..., onde, desde então, trabalhava no sector da construção civil. Em setembro de 2007, o A sofreu uma intervenção cirúrgica na anca esquerda. Em julho de 2013, o autor sofreu um acidente doméstico, caiu na banheira da sua casa quando se encontrava a tomar banho, tendo a queda provocado um traumatismo da anca esquerda. A aludida situação provocava (e provoca) fortes dores ao autor ao nível da anca e dos membros inferiores e dificultava-lhe (e dificulta) os movimentos com as pernas, não conseguia permanecer muito tempo numa qualquer posição, já que as dores ao nível das costas e da anca tornaram-se insuportáveis. Devido a essa situação, o médico ortopedista que acompanhava o A sugeriu a realização de uma intervenção cirúrgica com vista a uma artosplatia total da anca esquerda, sendo em dezembro de 2013 sujeito à aludida intervenção cirúrgica para colocação de uma prótese total da anca esquerda, que não resolveu o problema de saúde do A e em abril de 2015 foi sujeito a uma nova intervenção com vista à revisão da prótese, esta cirurgia não só não conseguiu efetuar a recoloção artoplástica como acabou por detetar a existência de uma disfunção nervosa ao nível do nervo ciático. O A padece de perturbações neurológicas ao nível do nervo ciático do lado esquerdo, com uma paralisia das órteses do pé esquerdo, devido a essa situação, só consegue deslocar-se com a ajuda de duas canadianas e de uma tala do tipo Heidelberg, só consegue caminhar, de forma contínua, poucos metros e, sempre, com o apoio de duas canadianas e manter de pé durante mais que 2/3 minutos, não conseguindo manter-se na mesma posição durante muito tempo, sente dores na região lombar até ao pé, e uma espécie de «formigueiro» em toda essa zona6. O A apresenta limitações funcionais que condicionam a sua capacidade de locomoção e movimento, tem o pé esquerdo paralisado e padece de dores ao nível da anca esquerda até ao pé esquerdo, as quais o impossibilitam de manter uma qualquer posição por mais de poucos minutos, as limitações funcionais do A impedem-no, também, de exercer certos atos da sua vida diária sem a ajuda de um terceiro, precisa de apoio da sua esposa diariamente para lhe calçar as meias e os sapatos, para se vestir, dada a dificuldade em se curvar, tem de socorrer-se da ajuda da mulher, o mesmo acontece quando tem de tomar banho. O A. não tem necessidade do apoio permanente de terceira pessoa para o desempenho de todas as suas necessidades do dia a dia e atos normais da vida. Face a esse quadro clinico de que padece, o A encontra-se impossibilitado, de forma irreversível, de exercer uma atividade remuneratória coerente com as suas habilitações. Com base na Tabela Nacional de Incapacidades foi atribuído ao A um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 50, 5 pontos. Com base na Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais foi fixado um coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual em 51,5%. 2.1.2.1. A densificação do conceito relevante de invalidez absoluta e definitiva, no atendimento da formulação clausulada, carece de linearidade, porquanto importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará de igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja a superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro, nos termos configurados, e que se entende dever-se perspetivar em moldes, não demasiado alargados, nem muito rígidos, mas de forma mais maleável e flexível, na necessária consideração casuística7. Desse modo perfilha-se o entendimento deste Tribunal8, no caminho para definir o conceito de invalidade permanente: “ (…) não pode deixar de assentar, na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos clínicos reabilitadores realizados após o sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial (…) esse estado deficitário, independentemente do nível, grau ou percentagem (…) teve consequência (enquanto impacto impeditivo) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro. Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla, e não individualmente exclusiva, nomeadamente a atividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida ativa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais (…)” Deste modo, e para além da relevância desse acervo, pode-se estar numa situação concreta que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, representando o parâmetro do dano que corresponda à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica, constitui um défice que pode ter eventual repercussão nas atividades diárias, sendo avaliada em relação integral do indivíduo e daí que um défice ainda que fixado em menor percentagem daquele que foi fixado ao segurado, possa ter como consequência uma incapacidade total, pelo menos para o trabalho atual9 Ora, mesmo tendo presente a percentagem fixada, inferior a 75%, o quadro descrito não pode deixar de nos questionar qual o tipo de atividade que o Recorrido possa exercer, desde logo na construção civil, e como ficou aprovado, qualquer atividade remuneratória coerente com as suas habilitações, sejam elas quais forem, pois não foi trazido aos autos tais factos caracterizadores da vivência do Recorrido, antes e depois da ocorrência do acidente e subsequentes tratamentos. No entanto, no atendimento das severas sequelas, cuja reversão não se aponta como passível, mostra-se obstativo do prosseguimento de qualquer uma atividade remuneratória, que surja como compatível, com tais limitações. Aliás, e em reforço deste entendimento, apurado ficou que o Recorrido precisa de auxílio para se vestir, calçar e tomar banho, que como facilmente se depreende, o deixa dependente de terceiro para a realização de tarefas pessoais e diárias, que constituem aspetos essenciais da vivência de qualquer indivíduo, na afirmação da sua individualidade. Em conformidade, conclui-se que se mostra verificada a cobertura prevista no contrato de seguro. Improcedem, também, nesta parte o recurso formulado. 2. Nulidade A Recorrente vem arguir a nulidade do art.º 615, n.º1, alínea d), primeira parte, porquanto o Acórdão sob recurso não se pronunciou sobre matéria que devia ter conhecido. Invoca que o capital seguro é o que estiver em dívida à data do sinistro, a saber 65.419,49€, e não o peticionado de 80.000,00€, pois inexiste pagamento de qualquer capital remanescente ao segurado, mas tão só ao credor hipotecário. Em sede de contestação, artigos 43, 44 suscitou a questão. Na sentença não foi apreciada tendo em conta, aliás, o decidido. No Acórdão recorrido omitiu-se qualquer referência. Em sede contra-alegações o Recorrido pronunciou-se contra a pretensão, invocando abuso do direito por parte da Recorrente. Foi dada oportunidade à Recorrente para responder. 1. Tendo em conta o disposto nos artigos 679 e 666, do CPC as nulidades do Acórdão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615, do CPC sendo que a relativa à omissão de pronúncia, resulta de o Tribunal deixar de se pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 608, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do julgador, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Reafirma-se que as questões que o julgador deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, pois como já se aludiu, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3, do CPC. Enquanto vício intrínseco, deve ser apreciado em função do texto e discurso lógico desenvolvido, não se confundindo com os erros na apreciação da matéria de facto, e possíveis ilações dela retirada, ou com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos dados como apurados, que constituem erros de julgamento, a apreciar noutra sede. 2. Ora como resulta do exposto, a Recorrente suscitou uma questão, que ganhou pertinência pela sua condenação no Acórdão sob recurso, sem que no mesmo tenha havido pronúncia, nem no Acórdão posterior, afastando a nulidade. Neste caso, não houve pronúncia efetiva pela questão suscitada pela Recorrente. Nos termos do art.º 684, n.º1 e 2, do CPC, não pode este Tribunal suprir tal nulidade, pelo deve o processo baixar para conhecer da nulidade arguida. III – DECISÃO Em conformidade, decide-se negar a revista, ordenando a baixa dos autos para conhecimento da nulidade arguida pela Recorrente. Custas deste recurso pela Recorrente. Lisboa, 2 de novembro de 2023
Ana Resende (Relatora) Maria Olinda Garcia. Graça Amaral * Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.
___________________________________________
1. O Recorrido não reagiu processualmente quanto à improcedência do pedido relativamente ao segundo contrato celebrado.↩︎ 2. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro – Estudos, 2009, fls. 61, José Vasques in Contrato de Seguro, fls 379, e seguintes. Cf. Ac. do STJ de 10.09.2010, processo n.º 1384/13.6TVVNG.P1.S1, de 2.11.2017, processo n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, de 25.05.2003, processo n.º 224/14.4TBSTS.P1.S1↩︎ 3. E não a Lei n.º 13.931/2018, reportada ao sistema jurídico brasileiro.↩︎ 4. É do conhecimento comum que a dor é uma realidade que acompanha a nossa existência, de forma mais ou menos frequente, e com intensidade variável, nem sempre determinando a procura de ajuda especializada.↩︎ 5. Cf. em sentido que se crê maioritário, a título de exemplo, e com maior desenvolvimento, Ac. STJ de 2.03.2021, processo n.º 2615/18.1T8VLR.G1.S1., in www.dgsi.pt.↩︎ 6. Face à situação clinica do autor, o seu médico concluiu que aquele se encontrava numa situação de incapacidade para trabalho de 100%. O Gabinete de Seguros de Invalidez do cantão de Fribourg, após uma avaliação médica na pessoa do autor, veio a concluir que aquele se encontrava numa situação de invalidez de 100% desde 01.05.2015.↩︎ 7. Cf. Ac. do STJ de 11.05.2023, processo n.º 437/18.9T8CTB.C1.S1., in www.dgsi.pt.↩︎ 8. Ac. do STJ de 27.02.2020, processo n.º 125/13.2TVPRT.P1.S2., in www.dgsi.pt.↩︎ 9. Ac. do STJ de 27.02.2020, acima mencionado, referenciando o Ac. STJ de 10.12.2019.↩︎ |