Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1557/14.4TBMTJ.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
PRAZO PERENTÓRIO
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 3ª edição, pp. 156 e 157.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-A, N.º3, 17.º-D, N.ºS 3 E 5, 17.º-G, N.ºS1, 2 E 3, 17.º-E, Nº 1, 17.º-F, 215.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8.9.2015, PROCESSO N.º 570/13.3TBSRT.C1.S1 (DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT).

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 10.4.2014, PROCESSO N.º 8972/13.9T2SNT.L1-7;
-DE 9.12.2014, PROCESSO N.º 62/14.3TYLSB-A.L1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT (EM SENTIDO DIVERSO: ACÓRDÃOS DE 13.3.2014, PROCESSO Nº 1904/12.3TYLSB.L1-2; DE 5.2.2015, PROCESSO N.º 85/14. 2TJLSB.L1-8; DE 20.11.2014, PROCESSO N.º 14286/14.14.0T2SNT-A.L1-8, IGUALMENTE DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT ).
Sumário :
I - O prazo fixado no nº 5 do art. 17º-D do CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é perentório ou preclusivo.

II - Decorrido tal prazo sem que as negociações estejam concluídas, o processo negocial fica encerrado, não podendo ser homologado, por ocorrer uma violação não negligenciável de regras procedimentais, o plano que venha ainda assim a ser aprovado.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 1557/14.4TBMTJ.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA e mulher BB apresentaram oportunamente, pelo Tribunal Judicial do Montijo, procedimento de revitalização (art. 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, CIRE), alegando encontrarem-se em situação económica difícil mas reunirem as condições necessárias para a sua recuperação.

Foi proferida decisão judicial de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do disposto na al. a) do n.º 3 do art. 17 °-C.

Foi junta aos autos a lista provisória de créditos, relativamente à qual foi formulado pedido de publicação registado no Tribunal com data de 20 de novembro de 2014.

Por requerimento entrado na secretaria judicial do Tribunal em 18 de fevereiro de 2015, o Administrador Judicial Provisório informou estar a correr a fase de negociações.

Foi recebida, na aludida secretaria judicial, no dia 04 de março de 2015, requerimento subscrito pelo mesmo Administrador solicitando a junção aos autos «dos votos rececionados pelo signatário (...) respeitantes à votação efetuada à Proposta do Plano de Revitalização da devedora». Tais votos foram expressos pelos credores em fevereiro de 2015.

Os credores titulares de 93,03% dos créditos votaram no sentido da aprovação do plano de recuperação junto aos autos.

O Tribunal proferiu sentença homologatória do plano de revitalização aprovado.

Inconformada com o assim decidido, apelou a credora CC S.A. (Sucursal em Portugal), que votara contra o plano, para a Relação de Lisboa. Sustentou que o plano não podia ter sido homologado visto que resultou de negociações que se concluíram para além do prazo legal.

A Relação de Lisboa julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, recusou a homologação do plano.

Inconformados com o assim decidido, pedem os Devedores revista.

Invocam para tanto oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Lisboa a que fazem referência.

Por decisão preliminar do relator, foi considerada verificada a anunciada oposição de julgados e, deste modo, foi considerado admissível o presente recurso (art. 14º, nº 1 do CIRE).

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões:

1. Consoante dispõe o n° 3 do art. 17-F do CIRE, concluídas as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do art. 212 do mesmo Código para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência (quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados).

2. A decisão do juiz vincula, pois, os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.

3. Deste modo, o Tribunal deve apenas recusar a homologação designadamente por se ter verificado violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao conteúdo do acordo.

4. Efetivamente, estabelece o art. 215° do CIRE que o «juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza... »

5. Explica Menezes Leitão que violações «consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afetados não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano».

6. Devem, pois, desconsiderar-se as «violações menores», sendo que, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, as normas relativas ao conteúdo correspondem a «todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixem os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar».

7. Dispõe o n° 3 do art. 17-F do CIRE «Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212.°, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17º, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida».

8. Deste modo, a votação é feita tendo em conta o montante dos créditos definidos na lista a que aludem os nºs 3 e 4 do art. 17-D.

9. Referem a propósito Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, que o plano de recuperação se considera aprovado se se verificarem os seguintes requisitos, previstos no nº 1 do art. 212, aplicável pela remissão operada pelo nº 3 deste artigo: «(i) participação na reunião de credores que representem pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto; (ii) votação favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções; (iii) votação favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções»,

10. Tal quórum assim definido, existiu "in casu" devendo, por isso ser, como foi, o plano homologado.

11. E com toda a razão de ciência, bem andou o Tribunal "a quo" ao considerar o plano homologado.

Porquanto,

12. O entendimento jurisprudencial referido é o de que, o prazo previsto no art. 17°-D, nº 5, do CIRE não tem natureza perentória!

13. Mais entendendo a jurisprudência que, o PER destina-se a permitir ao devedor o estabelecimento de negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização (cf. art. 17°-A, do CIRE. Nesta perspetiva, seria incompreensível que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o acordo com os credores, fosse - pura e simplesmente - recusada a homologação do plano aprovado, apenas por razões de ordem formal.

14. Bem andou o Tribunal "a quo" ao pautar a sua sentença homologatória do Plano pela concreta aplicação das disposições legais que o legislador quis, seguramente, considerar.

15. Note-se que, apesar de ter manifestado a sua intenção de participar nas negociações em curso, nos termos do artigo 170-D, nº 7 do CIRE, a recorrente nunca manifestou interesse numa verdadeira negociação.

16. Caso os recorrentes fossem declarados insolventes, com a consequente liquidação do seu património, dificilmente os credores comuns seriam ressarcidos dos seus créditos, atenta a manifesta ausência de património não onerado por garantias patrimoniais.

17. É por demais óbvio e evidente que o plano homologado em que salvaguarda o pagamento de alguma parte do capital em dívida será sempre preferível a um qualquer processo de insolvência.

18. A solução consubstanciada na sentença da 1ª instância, que aqui inteiramente se sufraga, é aquela que dá cabal satisfação ao princípio da proporcionalidade consagrado no art. 335º do Código Civil, e que é totalmente conforme às finalidades éticas, sociais e económicas de todos os direitos sob escrutínio.

19. Face a tudo quanto se expende, duvidas não poderão existir sobre a legalidade de todo o procedimento bem como quanto ao teor do plano de recuperação apresentado, cuja homologação por parte da 1ª instância não pode merecer qualquer reparo ou censura, por não violar o artigo 17°-D, nº 5.

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Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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É questão a conhecer:

- A de saber se o plano de revitalização em causa podia ter sido homologado apesar de se encontrar ultrapassado o prazo de dois meses estabelecido na lei para a conclusão das negociações.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o nº 5 do art. 17º-D do CIRE (pertencem a este código as normas legais doravante citadas) que devedor e credores participantes nas negociações tendentes à revitalização do devedor dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado por um mês, posto que haja acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório e o devedor, devendo o acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Tal prazo para a conclusão das negociações conta-se a partir do termo final do prazo de cinco dias úteis estabelecido para a impugnação da lista provisória de créditos, e este prazo de cinco dias conta-se, por sua vez, desde a data da publicação da lista provisória. É o que resulta do nº 3 do referido art. 17º-D.

Caso o devedor ou a maioria relevante dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, “ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D” (prazo para conclusão das negociações - dois ou três meses após o fim do prazo para impugnação da relação provisória de créditos), o “processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo”. É o que se contém no nº 1 do art. 17º-G.

No caso vertente, iniciou-se em 26 de novembro de 2014 o prazo de dois meses para a conclusão das negociações encetadas, sendo que não há notícia nos autos do estabelecimento de qualquer acordo escrito mediante o qual tenha sido prorrogado por um mês o prazo. Assim, e como se diz no acórdão recorrido, é forçoso que as negociações deviam estar concluídas até 26 de janeiro de 2015. De resto, os Recorrentes não põem em causa a bondade desta asserção do acórdão recorrido (inclusivamente, os próprios Recorrentes, na contra alegação que apresentaram no âmbito da apelação, aceitaram que a lista foi publicada em 20 de novembro de 2014; e assim, adicionando a esta data o referido prazo de cinco dias úteis e depois o prazo de dois meses para a conclusão das negociações, chegamos precisamente ao dia 26 de janeiro de 2015).

Ora, sabe-se que em 18 de fevereiro de 2015 ainda decorriam as negociações, tendo sido neste mês que, aliás, os credores emitiram os seus votos. Daqui que apenas em março de 2015 o Administrador Judicial Provisório solicitava a junção aos autos dos votos rececionados. Portanto, não há dúvida que foi ultrapassado o prazo de dois meses legalmente fixado para a conclusão das negociações, e contra tal também não protestam os Recorrentes.

A questão que se coloca no presente recurso é apenas a de saber se, ainda assim, o plano aprovado podia ter sido homologado. Diferentemente do que se decidiu no acórdão recorrido, os Recorrentes sustentam que o prazo previsto no art. 17°-D, nº 5 do CIRE não tem natureza perentória, sendo incompreensível que, prolongando-se as negociações para além do prazo inicialmente previsto, mas alcançado o acordo com os credores, possa ser recusada a homologação do plano aprovado. Tratar-se-ia, mais dizem, de uma recusa motivada apenas por razões de ordem meramente formal.

Mas será assim?

O ponto de vista dos Recorrentes não deixa de ter respaldo em alguma jurisprudência das Relações (v.g. Ac. da RL de 10.4.2014, processo nº 8972/13.9T2SNT.L1-7; Ac. da RL de 9.12.2014, processo nº 62/14.3TYLSB-A.L1, disponíveis em www.dgsi.pt), mas é rejeitado por outra jurisprudência (v.g. Ac. da RL de 13.3.2014, processo nº 1904/12.3TYLSB.L1-2; Ac. da RL de 5.2.2015, processo nº 85/14. 2TJLSB.L1-8; Ac. da RL de 20.11.2014, processo nº 14286/14.14.0T2SNT-A.L1-8, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt).

Este Supremo Tribunal de Justiça teve muito recentemente oportunidade de tomar posição sobre o tema em discussão. Efetivamente, em acórdão de 8 de setembro de 2015 (Fonseca Ramos), proferido no processo nº 570/13.3TBSRT.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), decidiu-se que o plano de vitalização deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, que é um prazo de caducidade, e que, ultrapassado que seja tal prazo, não pode ser homologado. Considerou-se que a recusa se impõe nos termos do art. 215.º, por se registar uma violação não negligenciável de norma imperativa.

Esta é, julgamos nós, a forma juridicamente adequada de ver a questão.

Justificando:

Na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 39/XII, que deu origem à iniciativa legislativa que criou o processo especial de revitalização (Lei n.º 16/2012) afirma-se que “o processo terá o seu início com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, no sentido de se encetarem negociações, que não poderão exceder os três meses (sublinhado nosso). Durante este período, suspendem-se as ações que contra si sejam intentadas com a finalidade de lhe serem cobradas dívidas, assegurando-se, assim, a existência da necessária calma para reflexão e para criação de um plano de viabilidade para o devedor que se encontre em negociações”. Logo daqui se retira a ideia de que foi propósito confesso do legislador sujeitar as negociações a um prazo estanque. Concordantemente, do confronto entre o nº 5 do art. 17º-D do CIRE e os nºs 1, 2 e 3 do art. 17º-G - introduzidos no CIRE precisamente pela dita Lei nº 16/201 - resulta que o prazo fixado para a conclusão das negociações é preclusivo ou perentório. Decorrido que seja, fica precludida ou excluída a possibilidade de o estender ou prorrogar. A letra da lei manifestamente aponta para o caráter essencial do prazo - dois meses, ou, havendo acordo escrito e documentado no processo, três meses - que ela própria fixa.

Mas se a letra da lei já leva a esta conclusão inelutável, também o seu espírito mais a reforça. Pois que estamos perante um prazo integrado num procedimento com carácter urgente (n.º 3 do art. 17°-A), e daqui que comece logo por não fazer muito sentido admitir que o prazo possa ficar sujeito à idiossincrasia ou vicissitudes de cada caso. Acrescente-se que o procedimento produz efeitos deveras significativos na esfera jurídica de terceiros (os credores, pessoas alheias às dificuldades económicas do devedor e à sua génese), na medida em que obsta á instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo por que perdurarem as negociações, suspende, quanto a ele, as ações em curso com idêntica finalidade (art. 17º-E, nº 1). Daqui que, como bem se aponta no acórdão recorrido, esta compressão de direitos alheios tem que ser reduzida à menor expressão temporal possível, o que também induz à bondade da ideia que confere essencialidade preclusiva ao prazo legalmente previsto para as negociações. Como igualmente se significa no acórdão recorrido, sob um tal contexto teleológico das normas de direito adjetivo envolvidas, a prorrogação do prazo por mais um mês admitida na lei deve ser vista como uma concessão de uma oportunidade final e não como manifestação da inexistência de uma baliza temporal fixa. Enfim, como se aduz no supra citado acórdão da RL de 5 de fevereiro de 2015, o processo de revitalização pressupõe uma atuação célere e delimitada no tempo, de forma a que a situação do devedor fique definida rapidamente (inclusivamente com vista a impedir que o processo se possa tornar num mecanismo dilatório utilizado pelo devedor, em subversão do propósito da lei).

E aqui chegados, é apodítico concluir que a prejudicialidade que o prazo das negociações tem sobre os direitos de terceiros determina que a sua ultrapassagem não possa ser considerada violação meramente negligenciável de regras procedimentais para os efeitos do disposto no art. 215º (ex vi do n° 5 do artigo 17°-F), isto é, uma violação menor. Pelo contrário, trata-se de uma violação não negligenciável, precisamente porque tal ultrapassagem entra em colisão com o princípio geral da possibilidade de fazer submeter imediatamente o património do devedor aos fins da satisfação das suas dívidas.

Coincidente com esta visão jurídica do tema, é a doutrina de Carvalho Fernandes e João Labareda (v. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª e., pp. 156 e 157), aí onde expendem a propósito que:

“Trata-se de um prazo corrido, comungando a fase negocial do caráter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art.17º-A, n.°3.

“Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei - art.° 215°, aplicável por imperativo do art° 17.°-F, nº 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.º 17.°-G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.

“Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exatamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.”

Ora, volvendo ao caso vertente, vemos que quando o processo negocial ficou concluído estava já ultrapassado o prazo de dois meses fixado na lei para a conclusão das negociações, sendo que nenhum acordo escrito atinente a uma eventual prorrogação do prazo por mais um mês foi alegado ou está documentado nos autos. Impunha-se assim o cumprimento do estabelecido no nº 1 do art. 17.°-G, ou seja, encerrar (pois que não alcançou sucesso atempado) o processo negocial, não havendo, consequentemente, plano de recuperação válido para aprovar e homologar.

Foi isto que decidiu o acórdão recorrido, e cremos que bem.

Pelo que fica dito, improcedem as conclusões 10ª (2ª parte), 11ª, 12ª (com o sentido que lhe vem atribuído), 14ª e 19ª.

Quanto ao mais:

O que se expende nas conclusões 1ª a 10ª (1º parte) é exato, mas não corresponde a temática que esteja em causa ou que tenha sido contrariada pelo acórdão recorrido.

O que se diz na 2ª parte da conclusão 15ª não corresponde a matéria factual que venha assumida como provada pelo acórdão recorrido, estando fora da competência deste Supremo Tribunal escrutiná-la (precisamente por se tratar de matéria de facto). Sem embargo, trata-se de matéria juridicamente irrelevante para o que se discute.

O que se expõe nas conclusões 16ª, 17ª e 18ª funda-se em pressuposto (ausência de património não onerado) que não está adquirido no processo. E, em todo o caso, nem por isso ficaria afastada a obrigação de recusar, ao abrigo do art. 215º, a homologação do plano que foi apresentado, na certeza até de que a recusa é de atuação oficiosa e descomprometida das atitudes ou comportamentos dos credores.

Improcede pois o recurso, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

                                                           +

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

Os Recorrentes são condenados nas custas da revista.

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Sumário (art.s 663º, nº 7 e 679º do CPCivil):

                                                           ++

Lisboa, 17 de novembro de 2015

José Rainho (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira