Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1045/13.6PBAGH-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
DESPACHO
REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
DECLARAÇÕES
LESADO
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: ORDENADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE / FURTO QUALIFICADO / ROUBO.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª edição; Almedina, 2005, p. 369;
- Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, p. 691;
- João Conde Correia, O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 182 e 566;
- Nancy Carina Vernengo Pellejero, La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 449.º, N.º 1, ALÍNEA D).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 204.º, N.º 2, ALÍNEA F) E 210.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 614/09.3TDLSB-A-S1;
- DE 28-06-2017, PROCESSO N.º 133/12.0JDLSB.S1.
Sumário :
I - Ainda que proferido em momento posterior à sentença, é passível de revisão o despacho que, apreciando uma situação de eventual incumprimento das obrigações irrogadas em decisão judicial, revoga a decisão que decretou a suspensão da execução da pena, se sobrevierem novos meios probatórios idóneos e aptos a pôr em crise, de forma séria, a justiça da decisão (despacho revogatório) proferido.

II - É susceptível, no plano da avaliação que deva fazer-se para a justiça de uma decisão, a superveniência de um meio probatório (declaração emitida pelo lesado/sujeito activo da obrigação irrogada ao arguido, na sentença, como condição da suspensão da execução da pena) em que aquele (lesado) declara que este (arguido) satisfez, de forma cabal, por meios diversos dos indicados na sentença, a obrigação a que estava adstrito, dispensando-o de qualquer outra acção desculpatória.

Decisão Texto Integral:

I. - RELATÓRIO.


O recorrente, AA, pede, ao amparo do disposto no art. 449º, nº 1, al. d), e nº 2, do CP. Penal, a revisão do despacho judicial datado de 05-06-2013, que lhe revogou a suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos e 2 meses, que lhe havia sido suspensa na execução por igual período e subordinada ao cumprimento de deveres, e por estimar ser a decisão injusta, merecendo ser revogada, com a consequente restituição do arguido à situação jurídica anterior à revogação da suspensão da execução da pena, ou seja a liberdade.

Para o pedido que impetra, aduz fundamentação adrede, que dessume no quadro conclusivo que a seguir queda extractado (sic):

A) O despacho judicial transcrito no Cap. I, supra, que revogou a suspensão da execução da pena ao arguido, põe fim ao processo, devendo por isso ser equiparado a sentença nos termos do n° 2, do art°. 449° do CP. Penal.

B) A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando “ Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" nos termos do art°. 449°, n° 1, al. d), do C.P. Penal.

O direito à revisão encontra consagração constitucional no artigo 29°, n° 6, da C. R. Portuguesa;

C) A decisão objecto do recurso de revisão, acarretou a efectivação do cumprimento da pena de prisão, o que transtornou gravemente a vida familiar e profissional do arguido.

D) A decisão de revogar a suspensão da execução da pena de prisão assentou unicamente no "não cumprimento dos deveres impostos", e no carácter manifestamente grosseiro do incumprimento por o arguido não ter pago a indemnização ao ofendido e demandante BB, bem como não ter efectuado a publicação de anúncio em jornal com circulação na cidade de …, a fim de dar satisfação moral ao ofendido;

E) Os factos e elementos de prova novos que agora se indicam, não eram do conhecimento do Tribunal aquando da elaboração peio M° Juiz do despacho judicial que revogou a pena de prisão suspensa ao arguido;

F) Estes novos factos e meios de prova eram suficientes para uma decisão diversa, mais justa, adequada, proporcional, e favorável ao arguido, devendo optar-se quer peia prorrogação do período para cumprimento do dever a que estava subordinado o arguido no cumprimento da pena de prisão suspensa, ou quer por decisão judiciai em que seja declarada a extinção da pena suspensa, pelo cumprimento, nos termos dos art°s. 55º, al. d), e 57º, nº 1, do C. Penal, sendo a privação da liberdade a solução mais grave do nosso C. P. Penal, devendo por isso ser restituído de imediato o arguido à liberdade.

G) O arguido AA, com referência ao disposto no art°. 56º, nº 1, al. a), do C. Penal, por todos os motivos expostos na presente motivação, não infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos.

H) Porquanto, se o Tribunal tivesse conhecimento dos factos novos ora relatados, não teria decidido revogar-lhe a pena de prisão suspensa na sua execução conforme incorrectamente fez, sendo a sua fundamentação injusta para com arguido quando refere “O dever de dar uma satisfação ao ofendido era pessoal, fácil de executar e, por isso mesmo, perfeitamente ao alcance do arguido. O facto deste nada ter feito deve por isso ser considerado uma violação grosseira da condição porque manifesta e displicente, A atitude do arguido revela da sua parte um total e consciente alheamento da situação, que se prolongou no tempo e que traduz um desrespeito grosseiro dos deveres que lhe foram impostos. ",

I) A revogação da suspensão da pena de prisão foi decidida sem que o arguido tivesse sido ouvido, já que o arguido mudou de morada, por dificuldades económicas, e não comunicou ao Tribunal, desconhecendo que o deveria fazer, mas também não foi notificado do despacho proferido de que se pede a revisão, e não pode por isso recorrer do mesmo, exercendo o direito ao contraditório, arguindo contra o que se decidia como sendo fundamento para a revogação da sua pena de prisão suspensa, e invocando assim os factos novos em sede de recurso ordinário.

O arguido fora julgado na sua ausência, na sequência do seu consentimento através de requerimento em 10-11-2014, tendo fornecido ao Tribunal a sua morada em … sita em …, …, …, …, onde se encontrava a residir com sua família, e a trabalhar para a empresa "CC" efectuando trabalhos de isolamento de lã de vidro e outros, facto relativo às suas condições pessoais desconhecido do Tribunal, e por isso omisso na sentença condenatória.

Estava em …, no ano de 2014, porquanto fora em busca de melhores condições de vida nesse país, para si, companheira DD, e filha EE, de 6 anos de idade.

Teve de mudar de casa; passando a residir em … … … …, após a notificação da sentença condenatória, por razões, económicas, motivo pelo qual deixou de receber notificações do Tribunal, desconhecendo que tinha de indicar a nova morada porquanto tinha até defensora oficiosa que consigo contactava, contudo ficou aguardando ser notificado pelo Tribunal, com as indicações de como proceder para efectuar a publicação do pedido de desculpas no jornal, o que não sucedeu,

Não sabia que o tinha de fazer por sua iniciativa, sem indicações prévias do Tribunal, que sabia do paradeiro do arguido e que este não se encontrava perto do jornal de … para efectuar facilmente a publicação, bem como que sem ajuda, estando fora de Portugal, seria bem mais difícil efectuá-la.

J) Não pode tomar conhecimento da data agendada para sua audição, para responder quanto ao incumprimento dos deveres a que estava subordinada a suspensão da execução da pena, e também não sabia que o Tribunal desconhecia as suas acções, ou seja, o cumprimento dos deveres de:

- pagamento da indemnização - (que o arguido ficou ciente que o co-arguido FF comunicaria ao Tribunal), e;

- pedido de desculpas ao ofendido - (que o arguido ficou ciente que o demandante e lesado BB comunicaria ao Tribunal)

k) Mas, ainda assim, o Mº Juiz poderia ter optado por decisão menos gravosa e prorrogado o prazo de cumprimento deste dever que lhe fora imposto por sentença, nos termos do disposto pelo art°, 55º, do C. Penal, o que não fez.

L) Sucede que o arguido pedira desculpas pelos factos porque foi condenado, ao ofendido Sr. BB, pela rede social Facebook, em 7 de Abril de 2015, e mostrou-se arrependido, o que foi aceite pelo ofendido, informação a que o Tribunal não teve acesso, por não lhe ter sido dado conhecimento pelo ofendido, e nem sequer pelo arguido.

Desconhecia que o Tribunal não sabia do pagamento da parte que lhe cabia da indemnização, ao ofendido, bem como desconhecia que o ofendido não tivesse informado o Tribunal do pedido de desculpas que efectuou, julgando que o pedido que lhe formulou directamente era suficiente para se dar por cumprida esta condição da suspensão da execução da pena de prisão.

Peio que o arguido AA julgava a sua pena extinta peio cumprimento, não se devendo a culpa sua o desconhecimento peio Tribunal de … dos referidos factos/acções, aquando da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de 3 anos e 2 meses de prisão.

M) O arguido possui fracas habilitações literárias, e não lhe seria razoável exigir que soubesse quais são os procedimentos a tomar neste tipo de condenação com condição.

É primário, tendo sido este o primeiro contacto com a Justiça, e não possuindo mais condenações até à presente data no seu registo criminal, o que milita a seu favor.

Tendo o arguido a sua vida organizada em …, compreendendo o seu agregado familiar, para além da sua companheira e filha de ambos EE, de 11 anos de idade, os filhos GG e HH, ambos com 1 ano e 10 meses de idade.

N) No despacho de 05-Jun.-2018, foi essência! para a decisão de revogação da pena de prisão de 3 anos e 2 meses, suspensa na sua execução, a feita de junção da publicação, no jornal da …, do pedido de desculpas, pelo arguido AA, ao ofendido BB, um dos deveres a que estava obrigado cumprir no período de um ano após a condenação.

O arguido apresenta agora ao Tribunal novos factos, e que constituem 2 (dois) documentos, e que são elementos de prova novos, desconhecidos peio Tribunal aquando da revogação da pena de prisão suspensa, e uma testemunha, que requer ser ouvida como prova testemunhal, suficientes para a decisão ser revogada, e o arguido restituído à condição em que se encontrava anteriormente.

Sendo ambos os documentos supervenientes, a que o arguido só agora teve acesso, requer-se que sejam apreciados, sendo suficientes para modificar a decisão em sentido favorável ao recorrente, porquanto se o M° Juiz a quo tivesse conhecimento da aceitação do pedido de desculpas do arguido AA, pelo ofendido BB, bem como que este à data da sentença não pretendia desculpas públicas mediante a sua publicação em jornal, não teria o M° Juiz decidido pela revogação da pena de prisão suspensa, e outra teria sido a decisão, bem mais favorável ao arguido, como a de ser declarada a pena extinta peio cumprimento, ou a de prorrogação do período de um ano que havia sido fixado por sentença.

O) Apresenta o arguido AA, um novo documento, que se requer seja admitido, a que somente agora teve acesso:

- Declaração do co-arguido FF - sob doc. 1, datada de 31 de Julho de 2019, escrita peio próprio punho e cuja assinatura nela aposta foi reconhecida por advogada, em que o mesmo declara que recebeu de AA, "em data anterior a 4 de Dezembro de 2015", "a quantia de €100,00", respeitante a parte da indemnização a que o arguido AA estava obrigado a entregar ao ofendido.

O Tribunal não soube deste pagamento por parte do arguido AA, porque também o arguido FF não o mencionou nos autos, sendo por isso esta Declaração que se junta, um lacto novo, e prova nova, que comprova que não corresponde à verdade que o arguido AA "nada pagou da indemnização" se bem que tendo o ofendido recebido o valor de €700,00, montante total da indemnização a pagar pelos dois arguidos, tal circunstância não foi de relevo para a decisão de revogação da pena de prisão suspensa ao arguido AA, mas por necessidade de o arguido honrar o seu nome, e demonstrar que também não corresponde à verdade que "O arguido nada fez", se traz agora para conhecimento do Tribunal.

P) Indica ainda, o arguido AA, como prova testemunhal do pagamento da indemnização, a sua companheira DD, residente na última morada indicada pelo arguido a este Tribunal, sita em … … …, … .

Ora, o arguido AA pagou a Indemnização por duas vezes, antes da decisão que lhe revogou a pena de prisão suspensa, e do seguinte modo;.

- Em numerário, pelo próprio arguido, que o co-arguido FF admite ter recebido por declaração recente de 31 de Julho de 2019, que se junta;

- Por meio da sua companheira, em 2015, que não possui o comprovativo da transferência via …, para a namorada do co-arguido FF, do montante de €250,00, e por isso não o pode comprovar nos autos.

* Quanto ao primeiro pagamento, o arguido AA, entregou €100,00, pessoalmente ao co-arguido FF, como parte da indemnização porque foi condenado a pagar ao ofendido, para que aquele procedesse a tal entrega ao ofendido, contudo o arguido AA não informou no processo a realização desse pagamento, porque o co-arguido FF iria prestar essa informação ao Tribunal, acerca da entrega do dinheiro ao ofendido, ficando o arguido descansado, pois não tinha de transmitir tal informação por requerimento ao processo.

Sucede que tal informação não foi prestada ao Tribunal pelo co-arguido FF, no requerimento que dirigiu ao Tribunal a 4 de Dezembro de 2015, do dinheiro que lhe fora entregue em mão pelo arguido AA, para pagamento da indemnização que lhe cabia pagar ao ofendido,

** O arguido, quanto ao segundo pagamento, em 2015, não possui o comprovativo da transferência via …, e desconhecia, até à elaboração da Declaração pelo co-arguido FF, que se junta, que o arguido FF não recebera os €250,00, da sua parte da indemnização, para entrega ao ofendido.

Assim, para além do montante de €100,00, o arguido AA, também pagou o remanescente em falta, da parte que lhe cabia, ou seja €250,00, por intermédio da sua companheira DD, a qual não possui o documento comprovativo da transferência que fez, via … para a namorada do co-arguido FF, em virtude da mudança de habitação que o casai fez, sendo que nos estabelecimentos comerciais da … não foi possível obter uma 2ª (segunda) via, de tal documento, por ter decorrido muito tempo.

Sendo que o arguido AA, que se encontrava fora de Portugal, e por isso longe do Tribunal, desconhecia que o Tribunal não sabia acerca do pagamento que fizera, pelo que não se deve a culpa do arguido o alheamento do Tribunal quanto às suas diligências para cumprir a condição a que estava obrigado, e o desconhecimento deste facto/acção do arguido, no sentido do cumprimento de um dos deveres a que estava obrigado.

Q) Por sua vez, o co-arguido FF, não comprova o recebimento deste remanescente, na recente Declaração de 31 de Julho de 2019, que ora junta, mas tão somente dos €100,00, por a sua namorada não lhe ter falado nisso, ou por não lhe ter entregue o remanescente que fora transferido pela Sra. DD.

Contudo na declaração que efectuou, o arguido FF afirma ter recebido €100,00 do arguido AA, o que por si só é um facto novo que o Tribunal desconhecia à data da decisão, e que se fosse do seu conhecimento, levaria a uma decisão favorável ao arguido, como a de prorrogação do prazo para cumprimento do dever, ou de extinção da pena pelo cumprimento, mas nunca a de efectivação da pena de prisão!

O arguido AA ficou surpreendido com o lacto do co-arguido FF não declarar o recebimento dos €350,00, na recente declaração que redigiu, que se junta como facto novo, e desconhecia que o Tribunal nada sabia acerca deste pagamento, não se devendo a culpa do arguido o facto de os €250,00 transferidos por conta da parte remanescente da sua indemnização em dívida ao ofendido, não terem sido entregues pela namorada do co-arguido FF ao próprio FF, facto que lhe é alheio.

R) O arguido só agora teve acesso a este documento, pelo que deve ser admitido peio Tribunal a quo como elemento de prova novo, pois inclusive também este documento é desconhecido do Tribunal, e ser revogada a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

S) Apresenta o arguido AA, um novo documento, a que somente agora teve acesso, e que se requer seja admitido:

- Declaração do ofendido BB - que se junta sob doc. 2, datada de 20 de Agosto de 2019, cuja assinatura nela aposta foi reconhecida por Notária da localidade de …, em que o mesmo declara, sobre o pedido de desculpas do arguido AA, pelos factos ocorridos a 31-12-2013, através do facebook, e telefone, que as aceitou a 7 de Abril de 2015, bem como que não era relevante para o ofendido a afixação publica das desculpas, em jornal da região, peio arguido, à data da leitura da sentença.

T) O Tribunal não tinha conhecimento do pedido de desculpas dadas ao ofendido BB, pelo arguido AA, antes data do despacho judicial a rever, pelo que este é um facto novo que é suficiente para se alterar a decisão que lhe revogou a pena de prisão suspensa na sua execução, devendo considerar-se o cumprimento do dever de prestar pedido de desculpas ao ofendido, cumprido pelo arguido AA, e a sua pena extinta pelo cumprimento,

U) Não podia o arguido fazer uso de um documento como esta declaração que ora se junta, em que o ofendido e demandante declara ter aceite as desculpas prestadas pessoalmente pelo arguido, por não existir à data do despacho que lhe revogou a pena de prisão suspensa na sua execução, pois é recente, data de 20-Agosto-2019, e sendo um documento novo, requer-se que seja admitido, por outro lado também acreditava que o pedido de desculpas tinham sido dadas a conhecer pelo ofendido ao Tribunal antes do despacho de 05-06-2018.

V) O arguido, em 7 de Abril de 2015, pediu desculpas ao ofendido BB através do facebook, e por videochamada, e declarou-se arrependido, e este por sua vez aceitou-as.

O arguido ficou ciente que o ofendido informaria no processo tal facto.

Não sabia que ainda assim tinha de informar o Tribunal acerca do pedido de desculpas que fizera.

E desconhecia que tendo estas desculpas já sido prestadas directamente ao ofendido através do facebook, que ainda teria de efectuar a publicação do pedido de desculpas em jornal da região de …,

Aliás, segundo o homem médio, faz mais sentido que esta informação ou prova de cumprimento do dever imposto ao arguido, seja dada pelo próprio ofendido BB.

Não houve assim, por tudo o ora exposto, pela parte do arguido, um "desrespeito grosseiro dos deveres que lhe foram impostos.".

Pelo exposto;

a.a) De acordo com a situação que existia aquando da decisão revidenda, esta decisão considera-se injusta, devendo ser concedida a revisão do despacho judicial que revogou a pena de prisão suspensa ao arguido, conforme requerido, nos termos do art°. 449º, nº 1, al. d) e nº 2, do C. P. Penal,

b.b) O M° Juiz ao decidir peia revogação da suspensão da execução da pena violou o disposto pelos artigos 40º, 50º, 56º, 70º e 71º, todos do C. Penal, 495º, nº2 do C. R Penal, art°. 55º, e 56º, nº 1, al. a), ambos do C. Penal, pondo em causa as garantias de defesa do arguido e privando-o indevidamente do seu bem mais precioso, a Liberdade.

c.c) Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas, suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, declarar-se sem efeito o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão de 05-Junho-2018, por forma a que seja proferido outro que julgue extinta a pena de prisão em que o arguido AA foi condenado, com a sua imediata colocação em liberdade, nos termos dos art°s. 455º, e 457º, nºs 1 e 2, e 464º, todos do C.P.P..”

O Ministério Público na comarca defende que (sic): “Foi invocado, como fundamento da presente revisão, o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP: descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

Salvo o devido respeito, não nos parece que tenham sido “descobertos” quaisquer novos factos ou meios de prova e que, pelo tanto, falece desde logo fundamento legal para a interposição do recurso que antecede.

O recorrente incorre em manifesto lapso, quando apresenta como fundamento da “revisão” da decisão, o facto de ter já pago a indeminização ao ofendido.

Da simples leitura ao despacho revidendo decorre que a revogação da suspensão da execução da sua pena de prisão não foi devida à falta de cumprimento desta condição. É, pois, manifesta a inexistência de qualquer “divergência” entre o conteúdo do despacho e do “novo” elemento apresentado pelo recorrente.

Foi derivada à falta de cumprimento da segunda condição do recorrente de dar satisfação moral ao ofendido, por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de … .

O recorrente teve um ano para o fazer: de fevereiro de 2015 a fevereiro de 2016. Não só não o fez, como, volvidos 3 anos e 2 meses depois, continuou a não o fazer.

O que ele assume.

O que o recorrente pretende é dar como cumprida a condição da satisfação moral à sua maneira. Mesmo admitindo que usou as redes sociais do facebook para pedir desculpa, nunca nada disto foi trazido ao processo pelo arguido, que é a única pessoa com a obrigação de o fazer.

O que ele assume.

Também não colhe o argumento que “ficou à espera de instruções para saber como proceder para efetuar a publicação no jornal”, pois só a ele competia tomar essa iniciativa.

O arguido tem defensor no processo.

Na verdade, o recorrente, a coberto da figura do recurso extraordinário de revisão, o que pretende é simplesmente recorrer do despacho proferido.

É manifesta a falta de fundamento do presente recurso de revisão, devendo o mesmo ser liminarmente indeferido.”

Na observância do disposto no artigo 454º do Código de Processo Penal, o Senhor Juiz informa que (sic): “Dá-se aqui por reproduzida a resposta da Il. representante do Ministério Público.

Acrescentar-se-á que a declaração de fls. 24 apresentada pelo condenado é nova apenas e tão-somente porque só agora foi elaborada. Se o condenado pôde agora solicitar a elaboração do documento também a poderia ter solicitado no momento adequado.

Quanto ao documento em si, este mais não é do que uma redução a escrito de uma declaração de vontade e de um testemunho acerca de eventos passados em 2015; os factos que no documento foram relatados eram pessoais do condenado por neles ter estado directamente envolvido e muito anteriores à decisão de revogação da suspensão da pena de prisão.

Se assim é, a sua anterior passividade não pode ser agora suprida porque não existe qualquer facto novo nem meio de prova novo.

Em face do exposto, produz-se informação no sentido de não merecer acolhimento o pedido de revisão formulado.”

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a distinta Magistrada do Ministério Público é de parecer que (sic): “2. Do parecer.

2.1. Em primeiro lugar, cumpre dizer que se considera que o despacho que revoga a pena de substituição de suspensão de execução da pena (principal) de prisão é suscetível de recurso de revisão, atento o disposto no art. 449.º, n.º 2, do CPP.

Para além dos acórdãos mencionados no recurso, salientaremos o Acórdão do STJ de 31.01.2019, proferido no proc. 516/09, de 17.03.2016 (dgsi.pt), no processo n.º 587/09.2GBSSB-A.S1 e de 07.05.2015, proc. 50711.1PCPDL-A.S1.

2.2. Da marcha processual dos autos.

2.2.1.No âmbito do processo supra referenciado, foi realizado julgamento na ausência do arguido ora recorrente, pela circunstância de o mesmo tal ter requerido e consentido, com o fundamento de se encontrar a residir e trabalhar em …, não tendo possibilidades económicas para pagar as deslocações de … para a Ilha …, …, como decorre de fls. 39 da presente certidão.

O arguido esteve representado por defensora oficiosa.

Após realização do julgamento, por sentença de 05.12.2014, transitada em 12.02.2015, o arguido/ora recorrente foi condenado, em co-autoria material, pela prática de um crime de roubo agravado pp pelo art. 210º nº1 e 2-b) por referência ao art. 204º nº2-f), do CP, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres:

“- pagar no prazo de um ano a indemnização  devida ao ofendido e demandante BB.

- dar satisfação moral ao ofendido e demandante J.A., por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de …”.

Por despacho judicial de 05.06.2018 determinou-se a revogação da suspensão da pena de prisão, nos termos do art. 56º, nº1-a) do CP, pelos fundamentos constantes de fls. 19v/21, de que salientaremos:

“Relativamente à indemnização (…) entende o tribunal que o seu pagamento integral por parte do co-arguido M. liberou o arguido AA não só em termos civis mas também criminais.

Já o mesmo não pode ser dito da segunda condição, não havendo dúvidas de que o arguido infringiu a condição da suspensão. Essa violação é leve ou grosseira?

“O dever de dar uma satisfação ao ofendido era pessoal, fácil de executar e, por isso mesmo, perfeitamente ao alcance do arguido. O facto de este nada ter feito deve por isso ser considerado uma violação grosseira da condição porque manifesta e displicente. A atitude do arguido revela um total e consciente alheamento da situação, que se prolongou no tempo e que traduz um desrespeito grosseiro dos deveres que lhe foram impostos. “

E, nos termos do art. 56º nº1-a) do CP, foi determinada a revogação da suspensão da pena de prisão.

Tal decisão transitou em julgado, não tendo o ora recorrente interposto recurso da mesma, aludindo à circunstância de ter mudado de residência, em …, onde se encontrava a trabalhar, não tendo recebido a notificação do Tribunal da Ilha … .

2.2.2. Como fundamento do recurso de revisão, alega o recorrente:

-“Apresentar agora ao Tribunal novos factos, consubstanciados em 2 documentos, e que são elementos de prova novos, desconhecidos pelo Tribunal aquando da revogação da pena de prisão suspensa;

- E que “sendo ambos os documentos supervenientes, a que o arguido só agora teve acesso, requer-se que sejam apreciados, sendo suficientes para modificar a decisão em sentido favorável ao recorrente, porquanto se o M° Juiz a quo tivesse conhecimento da aceitação do pedido de desculpas do arguido AA, pelo ofendido BB, bem como que este à data da sentença não pretendia desculpas públicas mediante a sua publicação em jornal, não teria o M° Juiz decidido pela revogação da pena de prisão suspensa”.

O documento relevante para apreciação consta a fls. 24 da presente certidão, encontrando-se o mesmo datado de 20.08.2019 e assinado pelo então ofendido BB, que se transcreve:

“ BB, declaro que o Sr. AA se retratou perante mim, pedindo-me desculpas e declarando-se arrependido, as quais aceitei (….) através da rede social Facebook, e por telefone, a 07.04.2015, não tendo necessidade que me seja dada satisfação moral pelo próprio Sr. AA através de publicação de anúncio em jornal com circulação em …, conforme foi fixado na sentença de 05.12.2014, e mais declaro que na referida data da sentença também não tinha necessidade que me fosse dada satisfação moral com pedido de desculpas, pelo Sr. AA, por meio de publicação em jornal.”

Alega o recorrente “ter ficado convicto de que o ofendido informaria no processo tal facto.

“Não sabia que ainda assim tinha de informar o Tribunal acerca do pedido de desculpas que fizera. E desconhecia que tendo estas desculpas já sido prestadas directamente ao ofendido através do Facebook, que ainda teria de efectuar a publicação do pedido de desculpas em jornal da região de …,

“Aliás, segundo o homem médio, faz mais sentido que esta informação ou prova de cumprimento do dever imposto ao arguido, seja dada pelo próprio ofendido BB.

“Não houve assim, por tudo o ora exposto, pela parte do arguido, um " desrespeito grosseiro dos deveres que lhe foram impostos.".

2.2.3. Na esteira da jurisprudência mais recente do STJ tem-se considerado: “I. O fundamento de revisão previsto na al. d), do n.º 1, do art. 449º do CPP, desdobra-se nos seguintes elementos: (a) que, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, tenham sido descobertos factos ou elementos de prova novos; e (b) que tais factos suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

II. O STJ tem vindo a decidir que factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, sendo insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao recorrente. III - Sobre o conceito de «factos novos» ou «novos elementos de prova», alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal vem admitindo a revisão quando, sendo (ou devendo ser) o facto ou meio de prova conhecido do recorrente no momento do seu julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando por que não pôde ou entendeu não dever apresenta-los nessa altura. IV - O art. 449º, n.º 1, al. d), do CPP exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só́, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves duvidas sobre a justiça da condenação. V - Não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável.”

Ora, admitindo a possibilidade de revisão de sentença “quando, sendo (ou devendo ser) o facto ou meio de prova conhecido do recorrente no momento do seu julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando por que Não pôde ou entendeu não dever apresentá-los nessa altura, dir-se-á que os argumentos invocados pelo arguido/recorrente merecem, a nosso ver, adequada ponderação.

2.2.3.1. Desde logo, não poderemos deixar de questionar da adequação/razoabilidade, e mesmo da inteligibilidade, da condição fixada para a suspensão da pena “de ser dada satisfação moral ao ofendido e demandante por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de …”, desde logo pela circunstância de o arguido residir em país estrangeiro, sendo certo que a publicação de tal anúncio não estaria apenas na esfera de disponibilidade do arguido, mas também do dirigente do próprio jornal.

E não poderemos deixar de salientar não constar, nem do teor da sentença proferida, nem da audiência de leitura da mesma (fls.42 a 81), que o ofendido “BB” tenha dado o seu consentimento para que o seu nome e situação factual de que foi vítima constassem de “anúncio a publicar em jornal de …” no âmbito da determinação constante da sentença de lhe ser “dada satisfação moral por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de …”. “

Poder-se-á questionar se tal condição contende com “o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, regulado no art. 80º do Código Civil e com consagração constitucional (art. 26º da CRP)

 A própria formulação da condição de suspensão da pena é vaga e imprecisa quanto aos termos a utilizar em anúncio de jornal, por parte de arguido, para que se possa ajuizar ter sido “dada satisfação moral a um ofendido e demandante, a qual foi vítima da prática de um crime de roubo”.

A imprecisão do teor da condição fixada na sentença acarreta, a nosso ver, dificuldades de interpretação para um cidadão médio, leia-se, para cidadão com escolaridade de nível superior àquela que o arguido/recorrente tem.

 O arguido/recorrente é cidadão …, com fraca escolaridade, fracos recursos económicos, encontrando-se à data da realização julgamento, em 2014 e anos subsequentes, a residir em …, vindo o julgamento a decorrer na sua ausência, a requerimento do próprio, tendo sido este o primeiro ( e único) contacto que teve com o sistema judicial.

Perante tais circunstâncias, para além da dificuldade de como, e em que termos, fazer publicar anúncio em jornal de …, afigura-se ser admissível que, tendo efetuado pedido de desculpas ao ofendido, via telefónica e através da rede social Facebook (e tendo pago o montante indemnizatório), o ora recorrente acreditasse/ confiasse que se encontravam cumpridas as condições fixadas de suspensão da execução da pena.

O ora recorrente devia ter dado conhecimento de tais factos ao tribunal, bem assim da sua nova morada em … .

Mas também não poderá, a nosso ver, deixar de ser ponderada, para além da imprecisão do teor da condição fixada da suspensão da pena, na sentença condenatória, a concreta situação do recorrente supra referenciada

Os factos/meios de prova ora apresentados, consubstanciada na declaração datada de 20.08.2019, feita pelo ofendido BB, de o arguido se ter retratado perante si, pedindo-lhe desculpas, através do facebook e por telefone, em 07.04.2015, não tendo necessidade que lhe seja dada satisfação moral através de publicação de anúncio em jornal, como já não tinha aquando da prolação da sentença é, a nosso ver, susceptível de suscitar sérias dúvidas sobre a justiça da decisão revogatória da suspensão da execução da pena, porque então ignorados pelo tribunal da condenação, revestindo-se de relevante novidade para o tribunal.

A nosso ver, as explicações dadas pelo ora recorrente para não ter atempadamente apresentado no tribunal o documento que ora junta, a fls. 24 dos autos, afigura-se serem ainda convocáveis para efeitos de revisão, sustentada no fundamento da alínea d) do nº1 do art. 449º do CPP.

Nessa medida, pronunciamo-nos pela existência de fundamento para a requerida revisão da decisão de 05.06.2018 que revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos e 2 meses de prisão.

Neste sentido, em situação com contornos similares ao dos presentes autos, se decidiu no acórdão do STJ de 07.05.2015, no processo 50/11.1PCPDL-A.S1, 5ª S, de cujo sumário se transcreve o seguinte excerto: “Os factos ou meios de prova novos, embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão ainda invocáveis em sede de recurso de revisão, contanto que, antes da sua apresentação, se dê justificação bastante para a omissão verificada, explicando-se, designadamente, o motivo por que tal não sucedeu antes (por impossibilidade prática ou por, na altura, se considerar que não deviam ser apresentados os factos ou os meios de prova, agora novos para o tribunal).

V - Os novos factos/meios de prova, que, no entender do recorrente, justificam a revisão do despacho de 17-06-2014 (que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, por sentença de 27-11-2012), prendem-se com a circunstância de, muito antes de ter sido proferida aquela decisão, mais exactamente em 06-03-2014, ter procedido ao pagamento da quantia de € 316,25, condição a que ficara subordinada a suspensão da aludida pena na respectiva execução.

VI - Facto que o Tribunal ignorava, visto o recorrente – que, à data, contava apenas 19 anos de idade, estava pouco familiarizado com tais questões e tinha a consciência de haver cumprido o que lhe era exigido em face do decidido na sentença – não ter providenciado no sentido de juntar aos autos o comprovativo do mesmo pagamento (DUC e talão de multibanco), que, aliás, de acordo com a informação que lhe deram no tribunal, onde o exibiu no mesmo dia 6 de Março de 2014, não seria necessário, por se tratar de um depósito efectuado ao IGFJ.

VII - De onde que, se os aludidos factos/meios de prova, susceptíveis de suscitar sérias dúvidas sobre a justiça da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão (porque, então ignorados pelo tribunal da condenação, não puderam ser objecto da necessária ponderação), revestem-se de inquestionável novidade para este, as explicações dadas pelo requerente para não os ter apresentado antes da prolação e do trânsito daquela decisão são ainda invocáveis para efeitos de revisão, sustentada no fundamento da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

VIII - E sendo assim, conclui-se pela existência de fundamento para a pretendida revisão da decisão de 17-06-2014, que revogou a suspensão da execução da pena de 2 anos e 2 meses de prisão imposta ao requerente.”

Pelos fundamentos aduzidos, pronunciamo-nos pela procedência do presente recurso de revisão da decisão de 05.06.2018,de revogação da suspensão da pena de prisão de 3 anos e 2 meses, nos termos do art. 449º nº1-d) e nº2 do CPP.”

I. a). – QUESTÃO A MERECER APRECIAÇÃO.

A decisão do recurso (de revisão) solucionar-se-á com a resposta que vier a ser consignada à questão de saber se o documento junto pelo recorrente – declaração emitida pelo ofendido de que recebeu e aceitou a reparação moral que lhe foi prestada pelo ofendido pelos meios indicados na referida declaração (facebook e videochamada) – possui a virtualidade e potencialidade para satisfazer a obrigação do recorrente – de conferir uma satisfação moral ao ofendido através de um órgão de comunicação (jornal) com publicação na cidade de …, que lhe havia sido aposta como obrigação na sentença condenatória que suspendeu a execução da pena de prisão que lhe havia sido irrogada (de 3 anos e 2 meses).


II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.1. – ELEMENTOS PERTINENTES PARA A DECISÃO DO RECURSO

- O arguido foi condenado por decisão de 5 de Dezembro de 2014, publicada na comarca …, “pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo art. 210.º, nº 1 e nº 2 al. b), por referência ao art. 204º, nº 2. al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses;

d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses, subordinada cumprimento dos seguintes deveres:

- Pagar no prazo de 1 ano a indemnização devida ao ofendido e demandante BB;

- Dar satisfação moral ao ofendido e demandante BB, por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de … ." (Cfr. fls.  );

- A sentença referida no item antecedente transitou em julgado no dia 12 de Fevereiro de 2015;

- Em despacho proferido a 5 de Junho de 2018, foi decidido (sic): “Por sentença judicial de 05-12-2014, foi deste modo o arguido condenado:

"c) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de crime de roubo agravado, previsto e punido peio art. 210º, nº 1 e nº 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses;

d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses, subordinada cumprimento dos seguintes deveres:

- Pagar no prazo de 1 ano a indemnização devida ao ofendido e demandante BB;

- Dar satisfação moral ao ofendido e demandante BB, por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de … ."


***


 "f) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, pelo demandante BB e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos/demandados FF e AA a pagarem a quantia de 700,00€ (setecentos euros), acrescida de juros vencidos e vincendos contados da data da citação/notificação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-os do demais peticionado;

g) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Hospital de … de …, E.P.E. e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos/demandados FF e AA a pagarem a quantia de 109,50€ (cento e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos contados da data da citação/notificação até integral e efectivo pagamento; "Por despacho judicial de 05-Jun.-2018, o M°. Juiz a quo decidiu a desfavor do arguido AA, retirando-lhe a sua liberdade, e ordenando o cumprimento efectivo da pena de prisão, do seguinte modo:

“ Por sentença de 5 de Dezembro de 2014, transitada a 12 de Fevereiro de 2015, foi o arguido AA condenado pela prática em co-autoria de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art 210º, nº 1 e 2, al. b), do Código Penal na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres:

- Pagar no prazo de 1 ano a indemnização devida ao ofendido e demandante BB;

- Dar satisfação moral ao ofendido e demandante BB, por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de … .

O tribunal condenou ainda o arguido, a par do co-arguido e demandado FF, solidariamente a pagar a quantia de €700, acrescida de juros vencidos e vincendos contados da data da notificação até integral e efectivo pagamento.

O arguido nada pagou da indemnização, que foi integralmente paga pelo co-arguido FF, e não publicou o anúncio.

Procurou ouvir-se presencialmente o arguido, o que não se mostrou possível por se ter deslocado para local incerto,

O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena.

Foi notificado o defensor do arguido, nada tendo dito.

Cabe apreciar.

Refere o art°. 56º, nº 1, al. a), do Cód. Penai o seguinte: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social.

Na sentença condenatória foram estabelecidas duas condições para a suspensão da pena de prisão ali aplicada ao arguido; o pagamento da indemnização devida ao lesado e a publicação de anúncio em jornal a fim de dar satisfação moral ao ofendido,

O arguido nada fez.

Relativamente à indemnização, e tendo em conta o regime de solidariedade da dívida, entende o tribunal que o seu pagamento integral por parte do co-arguido FF liberou o arguido AA não só em termos civis mas também criminais. Entender de outro modo equivaleria a impor ao arguido a entrega de uma quantia já paga e a enriquecer injustificadamente o demandante civil.

Já o mesmo não pode ser dito da segunda condição, não havendo dúvidas de que o arguido infringiu a condição da suspensão. Cabe responder agora: essa violação é leve ou grosseira?

Mas, antes de mais, cabe citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2011: "A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da Uberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, peio que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos" (sublinhado não original).

O que estas palavras querem também dizer é que a suspensão da pena de prisão não é uma forma encapotada de absolvição ou uma condenação a que faltou a coragem para absolver: a existência de sanções para o incumprimento das condições da suspensão aí estão para o comprovar.

O dever de dar uma satisfação ao ofendido era pessoal, fácil de executar e, por isso mesmo, perfeitamente ao alcance do arguido,

O facto deste nada ter feito deve por isso ser considerado uma violação grosseira da condição porque manifesta e displicente. A atitude do arguido revela da sua parte um total e consciente alheamento da situação, que se prolongou no tempo e que traduz um desrespeito grosseiro dos deveres que lhe foram impostos.

Assim sendo, nos termos do art. 56°, nº 1, al. a), do Cód. Penal, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de que gozava o arguido AA e, em consequência, determino o cumprimento da pena de prisão aplicada: (…)”

- O despacho referido no item antecedente transitou em julgado no dia 11 de Julho de 2018 (cfr. fls.  );

- O arguido/recorrente, AA, foi detido, em cumprimento de Mandado de Detenção Europeu, desde   (

- Com data de 20 de Agosto de 2019, o ofendido, BB, emitiu a declaração constante de fls. , com o sequente texto (sic): “BB, solteiro, natural de …, nascido a …/01/1976, titular do cartão de cidadão nº 1….4, residente na Rua …, nº .., …, …, …, declaro que o Sr. AA, titular do Bilhete de Identidade nº 3…7, se retratou perante mim, pedindo-me desculpas e declarando-se arrependido, as quais aceitei, pelos factos de 31-Dez.-2013, e que deram origem à instauração do Proc. 1045/13.6P…, do Tribunal Judicial da Comarca …, Juízo Local Criminal de …, através da rede social do Facebook, e por telefone, a 07 de Abril do ano de 2015, não tendo necessidade que me seja dada satisfação moral pelo próprio Sr. AA através de publicação de anúncio em jornal com circulação na cidade de …, conforme foi fixado na sentença a 05-Dez.-2014, e mais declaro que na referida data da sentença também não tinha necessidade que me fosse dada satisfação moral com pedido de desculpas pelo Sr. AA por meio de publicação em jornal. - …,20/08/2019.”     

- O arguido, no cumprimento de um mandado de detenção europeu, foi detido no dia 4 de Junho de 2019, data a partir da qual se encontra em cumprimento de pena.


II. 2. – PRESSUPOSTOS JURÍDICO-LEGAIS DE QUE DEPENTE A REVISÃO.

A lei fundamental consagra, no Título II, Capítulo I, referente aos direitos liberdades e garantias pessoais, e na parte concernente à aplicação da lei penal, “o direito a não sofrer uma condenação sem culpa (nullum crimen sine culpa), o direito a não sofrer uma pena não prevista na lei (nullum crimen sine lege) “o direito a um processo justo (nullum crimen sine processu)” [[1]], o direito à revisão da sentença penal condenatória – cfr. artigo 29º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa. [[2]] (“O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como também pelo Código de Processo Civil, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Porém, não se pode levar longe de mais a homenagem tributada a tal princípio, de reconhecida utilidade pela estabilidade e certeza que proporciona do ponto de vista das necessidades práticas da vida, do ponto de vista do próprio direito, que, de contrário, perderia credibilidade com a possibilidade de julgados contraditórios, reflectindo-se na estruturação da própria organização social, e do ponto de vista da paz jurídica, que é um objectivo a que almejam os cidadãos.

Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.

E se tanto no processo civil como no processo penal a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art. 29.º n.º 6 estabeleça: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 2012, Proc. nº 614/09.3TDLSB-A-S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa.

A realização de fins processuais como a descoberta da verdade e realização da justiça, obtenção da segurança e da paz jurídica e protecção dos direitos individuais, são comumente aceites nas ordens jurídicas de pendor democrático e cotejando e ombreando com o valor, igualmente prevalente, da segurança jurídica em que se plasma e acrisola o instituto do caso julgado. [[3]]  

(“A sua origem reparte-se entre uma versão da “restituo in integrum” do direito romano e a nulidade dos juízos regulada dispersamente no Livro II do Liber iudiciorum, procedendo esta última por falso testemunho, falso documento ou ocorrência de delito. (…) Definitivamente, do que se trata é de anular completamente um procedimento quando tenha sucedido um facto de tal gravidade que seria absurdo tanto a manutenção da aparência de legalidade desse processo como a vigência dessa sentença.”) [[4]]  

A procura, e necessidade, de que a cada caso que seja submetido a julgamento corresponda uma efectiva e material-substantiva decisão justa encontra amparo na ideia de realização da justiça inerente ao adequado funcionamento das organizações jurisdicionais em que se manifesta o poder de Estado. Nesta perspectiva, admitindo a possibilidade de não materialização efectiva, em todos os casos, de uma efectiva correspondência de julgamento justo de um caso, abarcando todos os elementos, pessoais e materiais, que permitam a total percepção e compreensão do caso submetido a avaliação, a lei, na concretização do princípio de nullum crime sine culpa, admite que, depois de passado em julgado uma sentença, se possa reabrir o caso/processo e operar a revisão do caso. [[5]]

Na acepção de Claus Roxin e Bernd Schünemann, “A paz jurídica só pode ser conseguida quando os princípios contraditórios da segurança e da justiça se encontram numa relação equilibrada. O seu fundamento [da revisão] é que a firmeza deve retroceder quando factos posteriormente descobertos demonstrem que a sentença se apresenta como manifestamente falsa e colide de forma insuportável contra os sentimentos de justiça ou quando a condenação não se fundamenta numa medida mínima de justiça do procedimento” [[6]

A dogmática jurídica divide-se quanto à natureza jurídico-conceptual com que se deve crismar este tipo de impugnação das decisões judiciais, propendendo uns para o qualificar como uma acção, outros como recurso e outros ainda como um misto de acção e recurso. (“Para uns será uma acção; para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de acção.”) [[7]] (Estima alguma doutrina estrangeira que “a revisão de sentença firme é uma acção autónoma de impugnação que persegue a revogação da coisa julgada. Não pode considerar-se, em consequência, como um recurso, pois enquanto estes perseguem uma nova cognição das questões já resolvidas mediante resoluções que todavia não são firmes, a revisão vem dirigida, em atenção a motivos taxados, contra resoluções que já ganharam firmeza. O seu fundamento cabe situá-lo na necessidade de ponderar e manter o equilíbrio entre a segurança jurídica, que deriva da coisa julgada, e o anelo de justiça, que é uma aspiração primária e fundamental que não pode sacrificar-se no altar da segurança jurídica naquelas casos de vulnerações flagrantes e insofríveis que as legislações tipificam como causas de revisão de sentença firme.”) [[8]/[9]/[10]]   

“A revisão de sentença – que o ordenamento qualifica como recurso extraordinário – constitui-se como um acção de impugnação de uma decisão condenatória ou absolutória [[11]] que, depois de passada em julgado, se veio a verificar haver sido proferido com ocorrência de qualquer das entorses que constituem os pressupostos alinhados no artigo 449º do Código Processo Penal. O acto de revisão não se destina, ou tem por objectivo, postergar ou cisar uma decisão ditada pelos fundamentos jurídicos ou sequer pela errónea interpretação de uma norma adjectiva, [[12]] antes se prefigura como um meio de derrogar a sentença (firme) por superveniência de novos meios de prova que não estiveram ao alcance do julgador ou porque o julgador tenha cometido um acto ilícito ao tempo em que teve a seu cargo a resolução do caso sob revisão e cujo acto ilícito haja ficado demonstrado em outro procedimento ou os “factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Justificando a necessidade de o sistema de justiça encontrar uma congruência entre a segurança, a paz jurídica e a justiça real e material que se espera no desenvolvimento da actividade judiciária estimou-se em acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, (sic): “Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: - por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social.

Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como o “in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais.

Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais?

Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.

Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”  

Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é, os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endoprocessual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação.” [[13]/[14]]

Na materialização desse propósito, a lei processual penal inculca, no artigo 449º, a possibilidade de revisão de uma sentença penal, quando, entre outras situações que para o caso não relevam, “os factos que servirem à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – alínea c) do artigo referenciado – ou “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – cfr. alínea d) do citado preceito [[15]]

O requisito axial que a lei exige e/ou faculta ao peticionante de uma acção revisora da coisa julgada e, correlatamente, para que uma sentença firme possa ser quebrada na sua inteireza institucional-legal, ou, o mesmo é dizer, para que ocorra o chamado efeito preclusivo do caso julgado, é que, como se deixou dito supra, os meios de prova, que a hão-de abalar e/ou pôr em causa, se apresentem como uma novidade na realidade histórico-processual em que o caso foi apreciado, debatido, julgado e obtido o juízo condenatório. [[16]]

Reportando-nos à situação contida na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Penal, por ser a que aqui interessa, a lei concita para a procedência de um propósito processualmente manifestado de revisão de uma caso, (i) que a decisão a rever haja transitado em julgado (requisito geral); (ii) que depois do trânsito em julgado surjam factos novos [[17]/[18]]; (iii) que surjam novos meios de prova; [[19]] (iv) que esses factos novos valham ou possam influir por si (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo; (v) que da análise, ponderação e valoração desses novos factos ou meios de prova se crie e se estabeleça, num juízo apreciativo da situação julgada, uma duvida séria e fundada sobre a justiça da condenação. [[20]]   

Concernente ao conceito de facto, e numa perspectiva tradicional, como refere Conde Correia, abarca-se “qualquer circunstância, evento ou acontecimento, que possa ser objecto de prova e que, de forma directa ou indirecta, total ou parcial, sirva as finalidades da revisão.” [[21]]    

Por facto novo há-de entender-se “aquele sucesso ou acontecimento que não foi possível ser conhecido pelo juiz sentenciador na instância, e sobre o qual não se se podia ter tomado conhecimento durante duramente o inquérito, nem se tenha praticado prova para a sus devida demonstração na fase da audiência (v.g. a invalidação de um testemunho, ao constatar-se que faltou à verdade na sua declaração e cujo testemunho constituiu prova acusatória («prueba de cargo») na sentença que se pretenda rever.” [[22]]   

Quanto ao que deve entender-se por novos meios de prova importaria talvez por incoar delimitar o que se deve entender por meio de prova.

O termo prova pode assumir, pelo menos quatro significados: “fonte di prova”; “mezzo di prova”; “elemento di prova”; e “risultato probatorio”. [[23]

Con l´espressione «mezzo di prova» si vuole indicare quello strumento processual che permette di acquisire un elemento di prova”. [[24]] Exemplo de um meio de prova é a prova por meio de testemunhas. Por seu turno “elemento di prova è il dato grezzo («gréggio» che si ricava dalla fonte di prova, quando ancora non è stato valutato dal giudice. Questi valuta al credibilità della fonte e l´attendibilità dell´elemento ottenuto, ricavandone un risultato prbatorio.” [[25]]   

Do passo que por novos elementos de prova se hão-de entender “aquelas ferramentas através das quais se prova um facto e que se traduz num meio de prova dentro do qual processo …”. “Não só brindam a oportunidade de aportar provas cujo conhecimento se tivesse apreciado depois da finalização do processo e a imposição da correspondente sentença condenatória, mas também compreendem aquelas provas cuja existência já era conhecida durante o processo e tenham sido nele objecto de valoração ainda que errónea, incompleta ou impossível de praticar como se pretende demonstrar. Mas se a prova em questão já foi devidamente praticada no juízo oral e não concorre nenhum factor que justifique novamente a sua prática (v.g. o descobrimento de uma técnica científica que possa destruir («dar al traste») a interpretação que no momento próprio foi outorgado a essa prova ou que permita a sua prática, quando no momento do processo tivesse sido possível)não serão considerados novos elementos de prova.” [[26]]     

Punctum saliens do processo revidendo consigna-se com a necessidade que advém de escandir ou glosar uma adequada interpretação quanto ao entendimento e compreensão do conceito de novidade e qual o alcance lógico-racional do termo, quando referenciado a uma actividade jurisdicional já decorrida num procedimento judicial.

A novidade tanto pode ser consistir na prova directa (v. g. não foi o arguido quem cometeu os factos) como na prova indirecta da injustiça da condenação (v. g. foi um terceiro quem perpetrou os factos e, por isso, não pode ter sido o arguido a praticá-los).” (…) Os factos ou meios de prova alegados para efeitos de revisão não têm que ser completamente novos. A novidade tanto pode ser total como parcial. No primeiro caso, o juiz desconhece tudo aquilo que é invocado para sustentar a quebra d caso julgado. No segundo caso, que na prática parece ser a mais frequente, o juiz já conhece alguns argumentos utilizados. Como disse a Corte di Cassazione, numa decisão de 15 de Fevereiro de 1947, os elementos de prova, mesmo que em parte já fossem conhecidos pelo juiz que pronunciou a condenação, são idóneos a tornar admissível a revisão quando são capazes de excluir que o condenado tenha cometido o facto sobre o qual se funda a condenação.” [[27]]        

A propósito da novidade (absoluta e total) do facto novo e do momento em que o peticionante teve conhecimento do facto que invoca como novo para efeitos da revisão da sentença condenatória, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 17.02.2011, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que (sic): “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.

E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).

Se esta é a problemática que mais frequentemente aflora em matéria de revisão da sentença, o presente recurso apresenta-nos um circunstancialismo diferente, porque o facto novo invocado teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista.

Ora, assim sendo, parece claro que a revisão será de recusar.

Desde logo porque a al d) do nº 1 do art. 449º do C P P utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”. A literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos.

Depois, a justiça da condenação, posta em causa com o que se descobriu, é a justiça da condenação a rever. O recurso em questão propõe-se reparar uma falsa visão da realidade que a sentença a rever teve. Só interessa assim ter em conta a factualidade ocorrida até à data da decisão.

E então, será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pala criação de uma situação que veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões. 

A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente. 

A essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.” [[28]/[29]]

Na doutrina do país vizinho entende-se que relativamente à novidade de factos ou meios de prova “(…) que aparezcan o sobrevengan con posteridad a la primitiva condena, hay que resaltar: 1) Cualquier medio de prueba es admisible para promover la revisión, independentemente da le efectividad y transcendencia posterior para provocar la alteración de la condena primitiva, al acreditar la inocencia del reo, no bastando que puedan fundar simplemente la aplicación de una norma penal com pena menos grave de la impuesta; 2) que no es necesario que el condenado las ignorasse durante el proceso; 3) es suficiente que ante el tribunal que lo condenó o hubiesen sido alegadas ni hubiesen sido descubiertas por la investigación de oficio; 4) si hay novedad en el medio de prueba de valor, por la livre apreciación del tribunal; 5) si el hecho que se considera nuevo fuera del tal naturaleza que debiera dar lugar a su descubrimiento a la incoación de un proceso, no puede basarse en el este motivo de revisión hasta que se dicte sentencia firme en el proceso correspondiente.” [[30]]           

Uma derradeira menção ao requisito das sérias, fundadas e sofridas dúvidas sobre a justiça da condenação.

Concretamente quanto a este requisito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Junho de 2017, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, em que interviemos na qualidade de Adjunto, (sic): “No que tange a este segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, dizia-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2003, processo n.º 4407/02-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 231, que os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. (“Já anteriormente, o acórdão deste Supremo de 11 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 20/2000 - 5.ª Secção, se pronunciara no sentido de que “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos”.(Citando este, os acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 1307/08 - 5.ª Secção e de 07-09-2011, processo n.º 29/01.TACBC-A.S1-3.ª Secção).

(…) Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os acórdãos de 12-05-2005, processo n.º 1260/05 – 5.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3147/06 – 5.ª; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 – 3.ª; de 26-03-2008, processo n.º 683/08 - 3.ª, e citando o aludido acórdão de 1-07-2004, o acórdão de 20-10-2011, processo n.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª Secção. [[31]]


II. 3. – A SOLUÇÃO DO CASO.

A revogação da suspensão da execução da pena de 3 anos e 2 meses prisão, que lhe havia sido imposta pela prática de um crime de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, por referência aos artigos 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal teve como isolada razão a falta comissão da obrigação imposta na decisão condenatória de o arguido “Dar satisfação moral ao ofendido e demandante BB, por meio de anúncio publicado em jornal com circulação na cidade de ….”

Não cabe discutir, neste estádio processual, qual a valia intrínseca e valorativo-processual da injunção cominada na decisão, ou sequer, e ainda com menor propriedade, se a obrigação irrogada possui virtualidade de exequibilidade ou aptidão ético-social para satisfação de desagravativa da invectiva pessoal que a acção do arguido terá provocado na esfera do lesado. Também não surtirá efeito demandar se a obrigação cumpre a ordem constitucional de consentimento do ofendido na publicação do desagravo ético-moral para que a publicação tenderia.  

Objectivamente o que importa para a solução do caso será indagar (i) a razão por que o arguido não cumpriu a injunção imposta na decisão; (ii) e se a declaração ora apresentada possui virtualidade para dar satisfação à condição irrogada, se não nos precisos e exactos moldes prescritos, pelo menos para o amplexo ético-moral do ofendido.

Atendo-nos ao conteúdo da declaração e crendo na veracidade subjectiva e pessoal que dela emana, o ofendido assevera que (i) o arguido se retractou perante ele; (ii) pedir desculpa; (iii) declarou-se arrependido; (iv) o ofendido aceitou o pedido de desculpas; (v) que esse pedido de desculpas foi efectivado através da rede social de facebook e pelo telefone; (vi) o ofendido estima e considera que não tem necessidade que lhe seja dada satisfação moral pelo arguido “através de publicação de anúncio em jornal com circulação na cidade de …”; (vii) e que também não sentiu essa necessidade – de colher uma satisfação moral da parte do arguido, através da publicação no jornal da localidade/cidade – no momento em que a sentença foi publicada (em 05-Dez.-2014).

A declaração do ofendido lesado não poderia deixar de ser tida em consideração pelo tribunal se tivesse tido conhecimento dela no momento em que procedeu à apreciação da conduta omissiva do arguido. Na verdade, pensamos, o documento ora junto, constitui um elemento que expressa uma vontade de, permita-se-nos a utilização de um conceito civilista, «dar quitação» ao devedor pelo cumprimento da prestação cumprida. Se é um facto que a obrigação não se mostra cumprida nos precisos termos em que ela foi injungida na decisão, também não deixa de ter que se considerar que tal como se encontra cominada ela pode ser fungível. A prestação, recorrendo uma vez mais a uma terminologia civilista, imposta ao devedor/arguido assume-se na sua essencialidade numa recompensa moral – a satisfação do agravo (moral) sofrido pelo lesado ao ser humilhado pela agressão sofrida na via pública. (A suspensão da execução da pena foi justificada, na sentença (cfr. fls. 69) (sic): “(…) a aplicabilidade da sujeição da suspensão à imposição de deveres sobre os arguidos, destinados a promover a consciencialização crítica das consequências e reparar o mal do rime de roubo, aqui identificado com o sentimento de insegurança sentido pela comunidade local de … e os sentimentos de insegurança: humilhação e medo provocados na vítima.”)

Como se disse supra, não cabe, pela inoportunidade e pela inexigibilidade do juízo apreciativo, avaliar a bondade da prestação irrogada, antes incumbe averiguar, para a justeza e ponderação da decisão proferida, se a prestação cominada (na sua essencialidade cognitivo-material) é susceptível de poder ser apreciada à luz de uma nova realidade, traduzida numa declaração em que o credor/lesado declara que se encontra, pessoalmente, solvido com a prestação efectuada pelo devedor/arguido.

O sujeito activo, neste caso o credor/lesado do sinalagma obrigacional, estima que, pessoalmente, o núcleo da prestação a que o sujeito passivo, devedor/arguido, estava cominado a cumprir se encontra solvido, não pela satisfação externa a que este último mas pelo cumprimento da essencialidade do dever de prestar. (Dir-se-ia estarmos, em traços amplos e deserta de preocupações conceituais estritas e arrimadas, perante uma dação em cumprimento “a prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento” – artigo 837º do Código Civil)   

O cumprimento da prestação devida encontra-se satisfeita para o credor, não pela forma e pelo meio estipulado na carta da obrigação, mas por outro meio que o credor previne e adverte como sendo idóneo e apto para solver de forma adequada a obrigação em que tinha sido investido.

Assim, à vista do documento ora apresentado, pensamos que a justiça da decisão se encontra em crise, o que justifica o pedido de revisão do despacho revidendo.     


III. – DECISÃO.

Na desinência do que fica argumentado, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder provimento ao recurso e, consequentemente, autorizar a revisão do despacho que procedeu à revogação da suspensão da pena do recorrente, AA, com base nos novos elementos ora aportados ao processo;

- Ordenar, em face da fundada dúvida da justiça da decisão e rever, a imediata libertação do arguido;

- Sem custas.


Lisboa, 30 de Outubro de 2019


Gabriel Catarino (Relator)

Manuel Augusto Matos

__________

[1] Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 182.
[2] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa.

I. O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449.º, do CPP, tem assento constitucional, no art. 29.º, n.º 6, da CRP, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”. II - Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2.º, da CRP). Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado. III - A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica. Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias. IV - O recurso de revisão constitui pois um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar. V - O art. 449.º, do CPP permite a revisão de decisões transitadas nos casos indicados no seu nº 1, lista que se deve considerar taxativa pelas razões indicadas. VI - A al. d) admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. VII - Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.
[3]Conforme escreveu Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”. (Em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).”
“Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”. - Citação extractada do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Novembro de 2017, prolatada no Proc. nº 630/11, 5GASXL-C.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges. (Inédito e onde o aqui relator interveio como Adjunto) 
[4] Cfr. Jordi Nieva Fenoll, Derecho Procesal II. Proceso Civil, Marcial Pons, pág. 345.
[5] Cfr. a propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, “O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042.
O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 
Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44..
“Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043.
Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 
Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada” Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449º.”
[6] Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, pá. 691.
[7] Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª edição; Almedina, 2005, p. 369.
[8] Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413.
[9] A autora citada na nota antecedente, refere que a embora a lei circunscreva os motivos que devem confinar a possibilidade de revisão de uma sentença penal, adianta que “sem embargo, se tivermos presente que a revisão de sentença firme persegue salvaguardar, em casos flagrantes, a justiça por cima da segurança jurídica; nada deve impedir, em nosso juízo, que a sua aplicação seja extensiva também aquelas sentenças condenatórias firmes que tenham sido ditadas no âmbito de aplicação dos juízos de faltas.” – op. loc. cit. pág. 414.  
[10]A revisão não é um recurso ordinário nem  extraordinário, mas sim uma autónoma acção impugnativa, essencialmente porque se promove quando um processo já se encontra finalizado e não durante a pendência do mesmo, quer dizer, um “juízo de revisão”. Não nos encontramos ante um recurso em sentido estrito, mas sim ante um meio extraordinário de impugnação, que do mesmo modo que o recurso de cassação se substancia ante a Sala Segunda do Tribunal Supremo. As diferenças entre a cassação e a revisão são desde logo enormes, e não fazem senão corroborar ainda mais facto de que esta última não pode entender-se como recurso.”
No mesmo sítio referem-se as diferenças entre o recurso de revisão civil e penal, nos seguintes termos. “Existem também diferenças entre o recurso de revisão civil e o penal. Na revisão civil os motivos que a podem fundamentar são fornecidos essencialmente por situações externas ao processo, fraude, violência, mas nunca em referencia a factos ou actos que não foram aportados ao processo e que o Julgador não pudesse ter tido em conta, assim pois, a sentença é válida mas injusta, em razão de actuações das partes ou do juiz, as quais se não se tivessem produzido, teriam dado como resultado uma sentença válida e justa, de modo que a revisão só pode plantear-se “ex capite falsi”. Pelo contrário, a revisão penal pode-se referir a factos ou actos que não foram aportados para o processo e que viriam, se tal tivesse acontecido, a modificar o critério da sentença ditada pelo julgador, do que se admite tanto em razão da “falsidade”, como da “novidade”. Outra grande diferença entre as duas revisões e a que se refere às resoluções contra as que se pode interpor o recurso, pois enquanto a revisão civil se pode interpor contra sentenças absolutórias da demanda, pois se encontra legitimado para interpô-la tanto o demandante como o demandado, ao invés a revisão penal só se poderá interpor ante sentenças condenatórias.” – in Recurso de Revisión penal,  https//guiasjurídicos. Wolters.klumer//es.
[11] Henriques Gaspar; Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereia Madeira e Pires da Graça, in Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2016, 2ª edição, p. 1507.
[12]A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um novo julgado novo sobre novos elementos de facto.
Por tal motivo não parece admissível o recurso com objecto apenas de alteração da qualificação jurídica dos factos.” – ibidem, p.1507. Cfr. ainda o supra citado acórdão de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa.
[13] Disponível em www.dgsi.pt.
[14] Na doutrina e quantos aos fins da revisão, veja-se, por todos, Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 381 a 387. 
[15] A propósito dos fundamentos do recurso de revisão cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2003, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, em que se escreveu: “Dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão».

O recurso de revisão constitui um meio excepcional de reapreciação de decisões transitadas em julgado, que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar graves injustiças, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, ainda que com sacrifício da caso julgado. Um dos fundamentos da revisão é a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, por serem desconhecidos do tribunal na data do julgamento, sejam susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da decisão.”; ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2008, relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “I - O recurso de revisão, previsto no art. 449.º do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça material. O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação de sentença transitada. II - Trata-se, pois, de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta que essa própria paz jurídica ficaria posta em crise.”

[16] Cfr. Acórdão de 14-03-2013, processo n.º 640/08.0SILSB-A.S1 - 5.ª Secção. “O recurso extraordinário de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça.

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso de revisão se não transforme em uma apelação disfarçada, sendo, ademais, taxativas as causas de revisão elencadas no nº 1 do art. 449.º do CPP.”
[17]O núcleo de factos elegíveis deverá ser considerado em função, quer da matéria, quer dos fins pretendidos: só são incluídos os factos compreendidos no âmbito do objecto que determina a condenação judicial e os factos susceptíveis de determinar a absolvição do condenado, a aplicação de uma moldura penal abstracta mais favorável e, em consequência, uma pena mais leve, a imposição de outra medida de segurança ou, por último, o próprio arquivamento definitivo do processo. É o caso de todos os elementos relativos à questão da culpa, como, por exemplo, as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Isto é: todos os factos que forma directa ou indirecta (meros indícios) fundamentam ou excluem a punibilidade de determinada conduta” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 292.    
[18]O conceito de facto tanto abrange os elementos constitutivos, ou negativos do tipo legal de crime (factos principais), como qualquer outra circunstância susceptível de comprovar a veracidade ou a falsidade daqueles. O rigor científico de uma peritagem (descoberta de novos métodos, descrédito do perito, insuficiência das suas habilitações) a credibilidade de uma testemunha (o seu carácter, a sua propensão para a mentira por reiteradas condenações neste ou noutros processos, a sua boa ou má reputação ou a amplitude da sua memória) podem afectar o juízo efectuado e destruir a convicção judicial sobre a existência ou inexistência de um determinado principal.” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 294.    
Mais adiante – cfr. pág. 565 – este autor assela que “factos para efeitos de revisão são todos aqueles que ,demonstrando a injustiça da condenação, possam justificar a quebra do caso julgado”      
[19]Segundo uma longa tradição italiana, que logrou mesmo consagração expressa, as expressões «factos novos» e novos elementos de prova» são equivalentes. Uma vez que a lei apenas admite os factos novos, enquanto eles têm eficácia probatória, também eles devem, necessariamente, ser elementos de prova” – Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 290.      
[20] Quanto à relevância, probidade e idoneidade dos novos factos ou dos novos meios de prova escreveu-se no acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que “Consequentemente não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa.
Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda
Se a condenação assenta num juízo valorativo da prova produzida no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal o juízo de revisão, nesta hipótese concreta, fundamenta-se exactamente em prova de sentido contrário.
Significa o exposto que os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu á condenação. A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade.
Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2002 dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para subir a vertente da "gravidade" que baste.
E, se é assim, logo se vê, que não será uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada.
Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda
[21] Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 566. Na jurisprudência e quanto à compreensão e entendimento do que se há-de ter em consideração para efeitos de revisão de facto novo respiga-se o que adrede foi escrito num dos acórdãos supra citados, de que “ A noção de "factos novos" está, assim, tipicamente referida às circunstâncias do tempo processual da decisão; a justiça da decisão seria posta em causa se o facto relevante pudesse ter sido conhecido do tribunal do julgamento no momento da decisão. Todavia, a plasticidade da noção não afasta a consideração da novidade subsequente, quando os valores e exigências que estejam em causa assumam igual índice de validade, como muito impressivamente o presente caso revela.

(…) Todavia, se é certo que não pode ser invocada a «injustiça» contemporânea da condenação, « os factos agora invocados e considerados como novos são-no, de modo vivencial e essencial, na medida em que assumem o significado jurídico da sua consideração ou qualificação como tal, pois é legítimo afirmar-se que se tivessem sido objecto de análise e inclusão na decisão, não se colocaria agora a questão da pena acessória de expulsão, para efeitos de revisão de sentença, por ocorrência da previsão do artigo 33°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal, de 11 de Fevereiro de 1999, no BMJ, 484-280).

«E se é defensável e lógico afirmar-se que a sentença não se esgota no momento do seu trânsito em julgado» mas «tão-só quando cessam todos os seus efeitos, então pode e deve concluir-se ser de atribuir relevância a "factos novos", que tornem a decisão verdadeiramente eivada de injustiça, no tocante aos efeitos que possa produzir enquanto não se mostra inteiramente executada».” – Henriques Gaspar.  

Quanto ao momento em que o peticionário tomou conhecimento dos factos novos veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que se sumariou: ”I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente. II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação. III - Existe fundamento para a revisão, se o recorrente se encontrava afectado de patologia mental no momento da prática do crime, devendo ser valoradas num sentido que lhe é mais favorável a dúvida sobre a capacidade de agir em sua defesa no processo penal respectivo ou de estar afectada a capacidade de avaliar os seus actos e de se reger de acordo com tal avaliação, quer em termos de imputabilidade, quer de exercício do seu direito de defesa.” 
[22] Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 249.
[23] Cfr. Paolo Tonini, “Manuale di Procedura Penale”, Giuffrè Editore, Milano, 2008, pág. 204.  
[24] Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 91. “Com a expressão meio de prova quer-se indicar aquele instrumento processual que permite adquirir um elemento de prova.”
[25] Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 32. “elemento de prova é o dado em bruto que se extrai da fonte de prova, quando ainda não está valorado pelo juiz. Este valora a credibilidade da fonte a atendibilidade do elemento obtido, extraindo dele (ou daí) um resultado probatório.” (Tradução nossa) 
[26] Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 254.
[27] Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 360. Sobre a questão de saber, no plano metodológico, quem deve decidir sobre a questão da aptidão dos novos factos ou meios de prova: “o ponto de vista do juiz que decidiu (perspectiva passada); o ponto de vista do juiz que decide a admissibilidade do pedido de revisão (perspectiva contemporânea); ou o ponto de vista do juiz que, pressuposta a concessão daquela, irá, de novo, decidir o processo (perspectiva futura)”, veja-se Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 363 a 368.   
[28] Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão de 17-12-2009, relatado pelo mesmo Juiz Conselheiro.
[29] Veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2012, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, em cujo sumário se lavrou a sequente doutrina. “I - Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico. II - Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, notas ao art. 449.º, o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer, e não quer, a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos. III - Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, do CPP), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. 460.º). Tais situações são: a) Falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Inconciliabilidade de decisões; d) Descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; e) Descoberta de que à condenação serviram de fundamento provas proibidas; f) Declaração, pelo TC, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou suscitadora de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (…) V - O fundamento de revisão de sentença da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, ou seja, como expressamente consta do texto legal, a descoberta de factos ou meios de prova, o que significa que os meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão de ser processualmente novos, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento. Nestes termos, apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença. (…)”
[30] Aragoneses Alonso, P., “Instituciones de Derecho Procesal Penal.” Madrid, 1981, p. 534, citado por Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 215. No mesmo sentido a STS (Sala Penal) de 25 de febrero de 1985, em que se doutrinou “que o citado quarto motivo da revisão, é procedente quando, posteriormente à firmeza da sentença condenatória, sobrevenha o conhecimento de novos factos ou de novos meios de prova, devendo-se entender como novos, todos os factos ou meios probatórios que sobrevenham ou se revelem com posteridade à sentença condenatória, sem que seja preciso que o condenado os desconhecera durante o transcurso da causa, bastando com que não hajam sido alegados ou produzidos ante o tribunal sentenciador nem descobertos pela investigação judicial praticada de oficio, sem que por conseguinte, se repute novo ao facto o meio de prova que tendo-se posto de manifesto durante o processo, o tribunal no uso da sua faculdade de soberana apreciação, não lhe concedeu valor algum, figurando entre os ditos factos ou meios probatórios novos, citando-os à guisa de exemplo, a retractação das testemunhas, a invalidação dos seus testemunhos, a confissão de outra pessoa distinta da do condenado ou condenados, e outras provas periciais diferentes das praticadas na causa ou a invalidação dos resultados ou conclusões obtidas por aqueles como consequência de novas técnicas ou descobertas cientificas.”               
[31] Cfr. ainda os arestos citados no acórdão transcrito, a sabe os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-04-2008, proferido no processo n.º 675/08-3.ª “os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento “; de 17-04-2008, processo n.º 1307/08-5.ª – “O recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou”. “É preciso que passe a haver uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, que se atribua à nova prova apresentada; ou seja, importa ver nesta nova prova elementos decisivos para poder ser sustentada a tese da inocência.”; e de 08-10-2015, processo n.º 173/14.5PAAMD.S1 - 3.ª Secção (Nos termos do art. 449.º, do CPP, novas provas ou novos factos serão aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportarem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”