Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8619/18.7T8CBR-E.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
INCIDENTE
CASO JULGADO FORMAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 09/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- O artigo 14º, 1, do CIRE estabelece um regime atípico e restrito de revista para o STJ, que, na apreciação da respectiva admissibilidade, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, desde logo os que respeitam ao valor da causa em face da alçada da Relação (arts. 629º, 1, CPC, 17º, 1, CIRE).
II- Sendo inferior ao da alçada da Relação o valor fixado no despacho saneador (art. 306º, 1 e
2, CPC), constitutivo de caso julgado formal (arts. 595º, 1,
a), 3, 620º, 1, CPC) por falta de impugnação tempestiva em recurso próprio (art. 644º, 1, a), CPC), sem despacho superveniente de correcção (arts. 299º, 4, CPC, 15º, 2ª parte, CIRE), não pode ser manifestamente admitida e conhecida a revista de decisão proferida em incidente tramitado nos próprios autos de insolvência e no âmbito da sua prossecução adjectiva (cujo valor, em regra, coincide por equiparação com o valor da respectiva causa, uma vez não se registando tempestivamente as circunstâncias processuais de promoção da excepção legal de não coincidência do valor processual do incidente: arts. 304º, 1, 307º, 1 e 2, 308º, CPC).
III- Não é em sede de recurso de revista que, por ser extemporânea e sem adequação processual, a parte recorrente tem legitimidade para sindicar a bondade do critério legal supletivo que serve de base à precisão do valor do incidente ou promover, quando antes não o fez, podendo, a modificação do valor do incidente, aferido em função da sua associação e equiparação ao valor da causa atribuído legitimamente aquando da prolação do despacho saneador.
IV- A inadmissibilidade da revista não permite que sejam apreciadas as nulidades decisórias arguidas quanto ao acórdão recorrido, uma vez que constituem fundamento acessório e dependente do recurso ordinário admitido, nos termos previstos e contemplados pelo art. 615º, 4, ex vi arts. 666º, 1, e 679º do CPC. Não sendo admitido o recurso, as nulidades só são susceptíveis de serem apreciadas pelo tribunal recorrido que proferiu a decisão alegadamente viciada, o que implica ordenar a devolução do processo à Relação para conhecer de nulidade ainda não apreciada (em acórdão antes proferido: arts. 615º, 4, 617º, 1, 666º, 1 e 2, CPC), nos termos do art. 617º, 5, 2ª parte, ex vi arts. 666º, 1, 679º, do CPC, e 666º, 2, do CPC.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 8619/18.7T8CBR-E.C1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Coimbra, 1.ª Secção



Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

A) No âmbito do processo em que se decretou a insolvência da «Associação Naval 1.º de Maio», requerida por AA, por sentença proferida em 28/2/2019 e transitada em julgado, e se procedeu à apensação do auto de apreensão de bens para a massa insolvente (28/3/2019; ref.ª ...04), como efeito do decretado nessa sentença (E. Decreto a apreensão para imediata entrega à administradora judicial de todos os bens da devedora, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.”), veio a Senhora Administradora da Insolvência (AI) aos autos do processo de insolvência (29/3/2019) requerer que “se digne notificar a Federação Portuguesa de Futebol (…), para que considere apreendido a favor da Massa Insolvente o crédito correspondente aos valores que recebeu ou venha a receber do L... Football Club respeitante ao Mecanismo de Solidariedade relativo ao jogador BB e para que proceda à respectiva transferência para a conta da Massa Insolvente”.
Na sequência, o Juiz ... do Juízo de Comércio ..., visto o requerido, proferiu despacho (10/4/2019) a ordenar a notificação da «Federação Portuguesa de Futebol» (FPF) “para que considere apreendido a favor da Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio, o crédito correspondente aos valores que recebeu ou venha a receber do L... Football Club respeitante ao Mecanismo de Solidariedade, relativo ao jogador BB e para que proceda à respectiva transferência para a conta da referida Massa Insolvente.

B) A FPF respondeu à notificação.
Alegou a nulidade do despacho por não ter sido chamada ao processo para se pronunciar sobre esta questão; tal valor deverá ser entregue à Federação devido ao facto de o clube formador do jogador («Associação Naval 1.º de Maio») já não participar em futebol organizado; ainda não recebeu qualquer valor do L... Football Club e que não tem registo do contrato celebrado entre o Futebol C... e o L... Football Club; a Massa Insolvente não sabe o valor transferido pelo L... Football Club e que desistiu de interpelar aquele clube.
Notificados a AI e os credores da insolvência, veio a primeira aos autos pugnar pela improcedência das razões da «FPF», confirmando a apreensão do valor em causa à ordem dos presentes autos nos termos do art. 149º do CIRE, assim como o credor AA.
Na sequência, foi proferido o seguinte despacho (11/2/2020):

“(…)
Quanto à arguida nulidade por ter sido ordenado a apreensão sem que a Federação fosse ouvida, diga-se, desde já, que não assiste razão à Federação Portuguesa de Futebol.
Com efeito, o poder/dever de apreensão dos bens (no caso em apreço créditos) da insolvente que incumbe à Administradora Judicial nomeada resulta da própria lei regulamentadora do processo de insolvência nos artigos 149º e 150º do CIRE e é logo determinada na sentença de declaração de insolvência, pelo que não tem que ser ouvida previamente a entidade que tenha que proceder à sua entrega, que sim poderá fazer a declaração é que o crédito não existe, do que resulta que não se verifica a arguida nulidade.
Por outro lado, as razões invocadas agora apresentadas pela Federação são as mesmas que invocou na correspondência trocada com a Administradora Judicial, e com o L... Football Club, que foi junta aos autos como documentos nºs 7, 8 e 9 do requerimento enviado em 29.03.2019 (como todos os demais documentos a que infra se referirá, caso não se aluda a outra origem), pelo que a questão já foi apreciada pelo Tribunal.
No que concerne à questão se tal valor deve ser entregue à Federação devido ao facto de o clube formador do jogador (Associação Naval l° de Maio) já não participar em futebol organizado, tomando em consideração os respetivos documentos enviados aos autos em 29.03.2019, dir-se-á que o "L... Football Club" teria para pagar à Associação Naval 1º de Maio, que é relativo ao seguinte:
- Na época desportiva de 2010/2011 (de 11.08.2010 a 30.06.2011) o atleta BB esteve inscrito e representou a Associação Naval I de Maio na época do seu 17° aniversário, conforme consta no passaporte desportivo do jogador que se junta – documento nº 1.
- Este jogador foi recentemente transferido do Futebol C... para o L... Football Club.
- Dessa transferência do mencionado CC para o L... Football Club resultam verbas a pagar pelo L... Football Club, não só ao Futebol C... como também a outros clubes.
- Trata-se do Mecanismo de Solidariedade, previsto no Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores da FIFA, nos termos do qual sempre que um jogador é transferido antes do final do seu contrato, todos os clubes que tenham contribuído para a sua educação e treino devem receber uma parte da compensação paga ao clube anterior.
- A Administradora Judicial contactou, em 7 de março de 2019, o L... Football Club, informando a situação de Insolvência, pedindo para ser informada do montante a receber, e pedindo uma cópia do contrato para tomar conhecimento de futuros pagamentos que possam resultar de causas variáveis constantes no contrato - cfr cópia do e-mail enviado, em língua ... – Cfr. documento nº 2.
- Foi recebida resposta de L... Football Club pedindo contacto telefónico, e tendo a signatária contactado telefonicamente com o L... Football Club, foi confirmada a existência de uma verba relativa ao Mecanismo de Solidariedade pela transferência do jogador BB para o L... Football Club.
- O L... Football Club, que tem a obrigação de pagar tal verba, tinha já contactado o actual club de futebol existente na ..., Associação ....
- Foi reenviado à Administradora Judicial o e-mail que o L... Football Club recebeu da Associação ... – Cfr. Documento nº 3.
- Conforme aí consta, a Associação ... informou que a Associação Naval 10 de Maio atravessou uma crise económica e extinguiu a prática desportiva, tendo surgido a Associação ..., tendo ainda informado que 'juridicamente nada temos a ver com o club antigo", mais informando que "o valor dos direitos da formação do atleta em causa deve ser entregue à Federação Portuguesa de Futebol" – Cfr. documento nº 3 .
- A Administradora Judicial enviou e-mail ao L... Football Club a informar que a Associação ... nada tem a ver com a Associação Naval 10 de Maio, que é uma entidade jurídica diferente constituída apenas em 2014, e que o valor em causa deve ser entregue à Associação Naval 1º Maio, agora Massa Insolvente, pois a mesma ainda não está extinta – Cfr. documento nº 4.
- Foi ainda informado que nos termos da Sentença proferida nos presentes autos deve proceder à cobrança de créditos sobre terceiros e que o valor deve ser entregue à Massa insolvente – Cfr. documento nº 4.
- Foi recebida resposta informando que iria ser consultada a Federação e a pedir o IBAN, tendo sido enviado o IBAN em 18.03.2018 documentos nºs 5 e 6.
- Em 18.03.2019 foi recebida resposta do L... Football Club informando que receberam e-mail da Federação Portuguesa de Futebol e que vão fazer o pagamento à Federação e não à Associação Naval 1º de Maio – Cfr. documento nº 7.
- De acordo com o e-mail da Federação Portuguesa de Futebol, esta informou que a Associação Naval 1º de Maio já não se encontra a participar das competições oficiais, pelo que o direito de receber o Mecanismo de Solidariedade pertence à Associação Nacional- Cfr. documento nº 7.
- A Administradora Judicial em 19.03.2018 enviou e-mail para o L... Football Club e para a Federação Portuguesa de Futebol- documento nº 8.
- Foi informado, entre outras coisas, que:
O Regulamento do Estatuto e Transferência de jogadores da FIFA, determina a existência de um crédito a favor da Associação Naval 1º de Maio;
Existindo esse crédito a ora A.I. tem que o apreender;
A Administradora Judicial tem que cumprir e fazer cumprir a Lei Portuguesa, que se sobreporá a qualquer regulamento da FIFA.
Foi assim reafirmado que o valor resultante do crédito deve ser apreendido à ordem do Processo de Insolvência e deverá ser transferido para a conta da Massa Insolvente – tudo conforme cópia do e- mail junto e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – Cfr. documento nº 8.
- A Federação Portuguesa de Futebol veio responder, informando que na sua perspectiva os clubes perdem o direito de reclamar a compensação pela formação quando deixam de participar em provas de futebol organizadas, informando que a Associação Naval 1º de Maio não é detentora do crédito e que o mecanismo de solidariedade tem como função primordial que seja investido no desenvolvimento do futebol e na formação de jogadores, o que a Associação Naval 1º de Maio não está a fazer por não estar a participar em provas – Cfr. documento nº 9.
- Veio o L... Football Club informar que vai fazer o pagamento à Federação Portuguesa do Futebol – Cfr. documento nº 10.
- A Administradora Judicial respondeu, informando que não deve ser entregue qualquer valor à Federação Portuguesa de Futebol e que o crédito deve ser considerado apreendido à ordem do Processo de Insolvência, tudo conforme cópia do e-mail enviado em 21.03.2019 junto e cujo teor se dá por integralmente produzido – Cfr. documento nº 11.
- O L... Football Club veio já informar que vai enviar o pagamento à Federação Portuguesa de Futebol – Cfr. documento nº 12.
Em face do que vem de se dizer, verifica-se, assim, que existe um valor a pagar pelo L... Football Club, conforme este clube reconheceu.
Nos termos do Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA, o mecanismo de solidariedade resulta da participação de um Clube no processo de formação de um jogador, conforme reconhecido também quer pelo L... Football Club quer pela Federação Portuguesa de Futebol.
O L... Football Club vai efectuar o pagamento das respectivas quantias à Federação Portuguesa de Futebol.
É entendimento da Federação Portuguesa de Futebol que a Associação Naval 1º de Maio não terá direito a receber tais quantias por não participar actualmente em provas oficiais.
É claro no regulamento que esse direito é atribuído a todos os clubes que o jogador tenha representado entre o 12º e 23º aniversário, de acordo com o passaporte do jogador – cfr. artigo 21º do Regulamento e Anexo 5 aí mencionado (pag. 26 e 71) – Cfr. documento nº 13.
Se o jogador não tivesse representado a Associação Naval 1ºde Maio, como aconteceu na época desportiva 2010/2011, conforme consta do passaporte desportivo do atleta, nem a Massa Insolvente, nem a Federação Portuguesa de Futebol, poderíamos reclamar o valor do Mecanismo de Solidariedade.
Como tal, resulta claro, que esse crédito é da Associação Naval 1º de Maio, pela participação deste clube no processo de formação do jogador, e como tal será a Associação Naval 1º de Maio a detentora desse crédito, sendo que, conforme supra já referido, a partir do momento que exista esse crédito, deve ser apreendido a favor da Massa Insolvente.
No Regulamento do Estatuto e Transferência do Jogador da FIFA, não consta que o mecanismo de solidariedade tem como função primordial que seja investido no desenvolvimento do futebol e, particularmente, na formação de jovens jogadores, a não ser quando esse dinheiro é para entregue a uma Associação Nacional (neste caso a Federação) e não a um clube – cfr Anexo 5 ao referido Regulamento.
A Associação Naval 1º de Maio ainda existe, e não está extinta, pelo que não pode ser a Associação Nacional/Federação, a receber tal valor.
De qualquer modo, o regulamento da FIFA, tutela a relação entre clubes e/ou Associações. A partir do momento em que o crédito existe, não estamos já perante um processo entre clubes, que seja regulamentado ou tutelado pela FIFA, nem se trata de um processo de direito desportivo, trata-se, sim, de um processo judicial, e por ordem expressa do Tribunal e por aplicação da Lei (CIRE), deve ser efectivamente apreendido o crédito.
Quanto ao não recebimento do respectivo valor, diga-se que, conforme consta nos autos, a ultima informação prestada pelo L... Football Club foi a de que iria proceder ao pagamento à Federação Portuguesa de Futebol – Cfr. documentos nºs 7 e 10 do requerimento enviado em 29.03.2019, sendo que, conforme informação da Ilustre Administradora Judicial já foi solicitado a este clube que informe se, entretanto, já procedeu ao pagamento.
Quanto ao valor a receber, efectivamente ainda não é possível saber, uma vez que ainda não foi facultada a cópia do contrato celebrado.
Conforme consta no requerimento enviado aos autos em 29.03.2019 (cfr. documento nº 3) foi pedido o contrato para se tomar conhecimento do valor a receber, e de futuros pagamentos que possam resultar de causas variáveis constantes no contrato.
Como ainda não foi recebido o contrato, não é possível saber os valores concretos a receber.
Por outro lado, a Massa Insolvente não desistiu de interpelar o L... Football Club. De facto, conforme resulta das comunicações e documentos juntos pela Administradora Judicial, tal Clube reconheceu que tem que pagar o Mecanismo de Solidariedade gerado pelo facto do Clube Associação Naval 1º de Maio ter contribuído para a formação do jogador.
Atendendo à comunicação que a Federação Portuguesa de Futebol fez ao L... Football Club, este informou que vai pagar à Federação, e que tudo deverá ser tratado com a Federação – Cfr. Documento nºs 10 e 12 juntos com o referido requerimento.
Por tal razão a Administradora Judicial em 28.03.2019, enviou e-mail à Federação Portuguesa de Futebol a informar que devem considerar apreendido à ordem do Processo de Insolvência os valores que receberam ou venham a receber respeitante ao referido Mecanismo de Solidariedade – Cfr. documento nº 1.
Foi ainda solicitado informação quanto ao valor recebido e a receber e a cópia do contrato – Cfr. documento nº 1 –, sendo que a esta comunicação não foi dada resposta pela federação.
Nestes termos, e por todos os referidos motivos, e tendo sido proferido o referido despacho de 10.04.2019, indefere-se o requerido pela Federação Portuguesa de Futebol, devendo a mesma, em consequência, proceder à entrega do respectivo valor logo que o mesmo seja recebido.

A «FPF» nada informou junto dos autos ou junto da Sra. AI.

C) Ulteriormente, notificada por despacho (5/5/2020) proferido de acordo com o pedido de informação e junções requeridas nos autos pela Sr. AI (4/5/2020), e depois de anteriores respostas da «FPF» em 22/5 e 15/6/2020 e 23/2/2021, assim como por despacho de notificação de L... Football Club, «FPF» e «Futebol C..., SAD» (23/4/2021), veio a «FPF» aos autos (10/5/2021) dizer e expor, em síntese, que “[a] Federação Portuguesa de Futebol recebeu, em momento anterior à notificação com a referência, n.º ...94, do L... Football Club, o valor de € 98.775,00 (…), respeitante ao Mecanismo de Solidariedade relativo ao jogador BB; (…) andou bem o L... Football Club ao entregar o referido valor à Federação Portuguesa de Futebol, em virtude da insolvência da Associação Naval 1.º de Maio”; (…) tendo a Associação Naval 1.º de Maio deixado de participar em competições de futebol organizado e tendo sido declarada insolvente, a entrega da contribuição de solidariedade por parte do “novo” clube do jogador, para investimento em programas de desenvolvimento do futebol de formação é devida à Federação Portuguesa de Futebol; (…) o valor pago a esta Federação, é o valor relativo ao mecanismo de solidariedade, (…) e que (…) corresponde a valor devido à Federação Portuguesa de Futebol”.
              Pronunciou-se a AI (20/5/2021), pugnando pela ordenação à «FPF» para efectuar a transferência de todos os valores recebidos pelo L... Football Club a título de pagamento do mecanismo de solidariedade, sob cominação expressa de que, não respondendo ou não procedendo ao pagamento ordenado, seria determinada a execução nos próprios autos para pagamento das quantias apreendidas à ordem dos presentes autos de insolvência e que a «FPF» não entregasse no prazo concedido.

Na sequência, foi proferido o seguinte despacho (28/5/2021):

“(…)
Resulta dos autos que:
- Conforme já consta dos autos (cfr. documentos 10 e 12 juntos com o Requerimento
apresentado pela Administradora Judicial em 29.03.2019), o Departamento de Contabilidade
do L... Football Club disse, em Março de 2019, que iria efetuar o pagamento para a
conta bancária da FPF.

- A Federação Portuguesa de Futebol informou, ainda no ano de 2019, informar que não
tinha recebido nenhum valor.

- A Federação Portuguesa de Futebol foi por diversas vezes interpelada e notificada
tanto pela Administradora da Insolvência quanto por este Tribunal para transferir os “valores
que recebeu ou venha a receber do L... Football Club respeitante ao Mecanismo de
Solidariedade relativo ao jogador BB” (cfr. despacho proferido
em 10.04.2019 com a Ref.ª ...94 e despacho de 23.04.2021).

- Apenas em Maio de 2021, vem a Federação Portuguesa de Futebol responder às
notificações que ordenaram a transferência dos créditos apreendidos a favor da Massa
Insolvente.

- A transferência dos direitos de inscrição do jogador ocorreu em Maio de 2018.
- A insolvência do clube – Associação Naval 1º de Maio – ocorre em Fevereiro de 2019.
**

Conforme referido pela Ilustre Administradora Judicial, a FPF, desde logo, não indicou a data de recebimento do montante de 98.775,00 € (noventa e oito mil setecentos e setenta e
cinco euros), contudo, conforme já consta dos autos o Departamento de Contabilidade do
L... Football Club disse, em Março de 2019, que iria efetuar o pagamento para a
conta bancária da FPF.

A FPF, entretanto, veio aos autos, ainda no ano de 2019, informar que não tinha recebido nenhum valor. Por outro lado, não se conseguiu ainda obter nenhuma documentação
comprovativa por parte da FPF sobre o exato montante ou a concreta data de recebimento de
valores efetuados pelo L... Football Club em virtude do Mecanismo de Solidariedade.

A FPF foi por diversas vezes interpelada e notificada tanto pela Administradora da
Insolvência quanto por este Tribunal para transferir os “valores que recebeu ou venha a
receber do L... Football Club respeitante ao Mecanismo de Solidariedade relativo ao
jogador BB” e apenas agora, em Maio de 2021, vem a FPF responder às notificações que ordenaram a transferência dos créditos apreendidos a favor da
Massa Insolvente, desconsiderando todas as notificações e decisões que lhe foram notificadas.

Na sequência do que vem de se dizer, já foi determinado, por decisão transitada em
julgado (na sequência da falta de oposição e recurso por parte da FPF ao despacho proferido
em 10.04.2019 e do despacho de 23.04.2021) que deveria aquela Federação proceder à
entrega dos valores em causa. Ou seja a posição e oposição da FPF é extemporânea, bem
como ineficaz.

Por outro lado, o que está em causa é o momento da constituição do direito de crédito à Contribuição de Solidariedade.
A contribuição nasce e é devida em função da transferência dos direitos de inscrição do
jogador, sendo que tal ocorreu em data anterior à declaração de insolvência. Com efeito, a
transferência do jogador ocorreu em Maio de 2018 e a insolvência do clube foi declarada em
Fevereiro de 2019, o que decorre que o crédito estava vencido antes da declaração de
insolvência, sendo devido à Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio nos termos do
artigo 36.º, n.º 1 al. g) e 149.º, n.º 1, al. a), ambos do CIRE.

Quanto às transferências de jogadores ocorridas após a declaração de insolvência é que é de convocar a normatividade invocada pela Federação, não sendo devidos os valores à
Massa Insolvente, mas à FPF.

Por outro lado, conforme referido pela Ilustre Administradora Judicial “à luz do que foi
informado pelo Futebol C..., SAD (...) – requerimento de 07/05/2021 –, e em concordância com o seu Comunicado efetuado à Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM) em 19 de Maio de 2018, existe ainda um pagamento relativo ao
Mecanismo de Solidariedade no valor de 13.408,69 € (treze mil quatrocentos e oito euros e
sessenta e nove cêntimos) respeitante ao recebimento de mais 2.681.737,50 € (dois milhões
seiscentos e oitenta e um mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) pelo
Futebol C..., SAD por motivo de remunerações variáveis do contrato
celebrado em Maio de 2018 com o L... Football Club.

Embora o ... não tenha indicado a data de recebimento do montante referido, a
percentagem de 0,5% (totalizando os 13.408,69 €) é devida à Massa Insolvente da Associação
Naval 1.º de Maio, o valor correspondente ao montante de solidariedade devido ao abrigo dos Regulamentos da FIFA foi efetivamente deduzido, o que implica que alguma entidade recebeu
este montante.

Em face do que vem de se dizer, determina-se, com a advertência de que, não
respondendo ou não procedendo ao pagamento ordenado, será determinada a execução
nos próprios autos para pagamento das quantias apreendidas à ordem dos presentes autos de insolvência e que a FPF não entregar no prazo concedido
, que:
- a Federação Portuguesa de Futebol efetue a transferência de todos os valores
recebidos do L... Football Club a título de pagamento do Mecanismo de
Solidariedade do jogador BB (com o correspondente
comprovativo de todas as quantias recebidas do L... Football Club), fazendo prova de todos os movimentos referentes ao(s) pagamento(s)) para a conta da Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio com o IBAN  ...05 aberta junto ao Banco Comercial Português, S.A.

- informe aos autos se efetivamente já recebeu o Mecanismo de Solidariedade devido pela remuneração variável, e em caso afirmativo, em que data.”

D) Inconformada com este último despacho, a «FPF», na qualidade de Interveniente Acidental no processo, veio interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC).
Foi proferido despacho de admissão do recurso (no âmbito do art. 644º, 2, g), do CPC) pelo Juiz em 1.ª instância, sendo considerado tempestivo e a parte com legitimidade (13/9/2021), complementado por despacho que lhe fixou efeito meramente devolutivo (23/9/2021).
              Foi proferido despacho liminar de apreciação dos pressupostos de admissibilidade e conhecimento da apelação pelo Senhor Juiz Desembargador da Relação (8/10/2021), indeferindo-se o vício imputado ao despacho de 1.ª instância que admitira o recurso.
              Foi proferido acórdão em 26/10/2021 pelo TRC, no qual, identificando-se a questão decidenda – “O valor de € 98.775,00 (noventa e oito mil setecentos e setenta e cinco euros), relativo ao mecanismo de solidariedade referente à transferência do jogador BB, na sequência de transferência deste do Futebol C... para o L... Football Club, pertence (ou não) à Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio?” –, se decidiu revogar “a decisão proferida pelo Juízo de Comércio ..., que determinava à Apelante a entrega à Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio, do valor de € 98.775,001 (noventa e oito mil setecentos e setenta e cinco euros), relativo ao mecanismo de solidariedade referente à transferência do jogador BB, na sequência de transferência deste, do Futebol C... para o L... Football Club”, julgando procedente o recurso.

E) Inconformada, a «Massa Insolvente da Associação Naval 1.º de Maio» veio:
(i) requerer reforma do acórdão proferido, com arguição de vício no despacho liminar de admissibilidade do recurso de apelação (em rigor: nulidade processual reclamada junto do TRC, em face desse despacho de 8/10/2021) e nulidades decisórias, nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC; e, subsidiariamente,
(ii) interpor recurso de revista para o STJ, estribado nos arts. 671º, 1, e 674º, 1, a) e c), do CPC, arguindo-se as nulidades aludidas, acrescidas da nulidade prevista no art. 615º, 1, b), do CPC.
Em acórdão proferido, em conferência, com data de 11/1/2022, o TRC julgou improcedentes os vícios do acórdão proferido em 26/10/2021, mantendo-se, ainda, o despacho liminar do Juiz Relator quanto à admissibilidade do recurso para a Relação.  
Foi admitido o recurso de revista para o STJ por despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador Relator em 11/2/2022, no âmbito do regime do art. 14º, 1, do CIRE.

F) Nos autos do processo de insolvência, em que corre o presente incidente instrumental à apreensão de bens para a massa insolvente, foi fixado o valor da causa em € 5.000,01, aquando da prolação do despacho saneador (28/2/2019) na audiência de julgamento (arts. 15º e 301º CIRE, 306º, 1 e 2, CPC), com trânsito em julgado, “por ser o valor indicado na petição inicial e não existirem outros elementos”.

G) Foi proferido despacho no âmbito e para os efeitos previstos no art. 655º, 1, ex vi art. 679º, do CPC, quanto à revista interposta junto do STJ, atenta a possibilidade de não conhecimento do objecto do recurso, configurado no regime do art. 14º, 1, do CIRE.
Notificadas as partes:

(i) tal mereceu pronúncia da Recorrente, que alegou não estar o recurso sujeito ao regime do art. 14º, 1º, do CIRE, por um lado, e, por outro lado, pugnou pela inadequação do valor processual da causa, uma vez que o valor peticionado e discutido é superior e, para o efeito processual da recorribilidade, superior ao da alçada da Relação;

(ii) também respondendo, a Recorrida «FPF» sustentou a inadmissibilidade da revista por via da aplicação do regime do art. 14º, 1, do CIRE às decisões interlocutórias de cariz  processual (na relação com o art. 671º, 2, do CPC), e, em geral, por aplicação do requisito geral previsto no art. 629º, 1, do CPC, tendo em conta o regime dos arts. 304º, 1, e 307º, 1, do CPC.

H) Foi proferido despacho com decisão singular do Relator de não conhecimento do objecto do recurso, incluindo a apreciação das nulidades decisórias que são fundamento acessório e dependente do recurso nos termos do art. 615º, 4 (e arts. 666º, 1, e 679º, do CPC), considerada a sua manifesta inadmissibilidade, ordenando-se ainda a devolução dos autos à Relação para conhecimento e apreciação da nulidade alegada pela Recorrente, imputada ao acórdão recorrido e ainda não conhecida no acórdão proferido em 11/1/2022.

Notificada, a Recorrente «Massa Insolvente» veio deduzir Reclamação para a Conferência, suscitando que sobre tal decisão recaísse acórdão nos termos do art. 652º, 3, ex vi art. 679º, do CPC, remetendo para os argumentos antes expendidos (cfr. supra, G), (i)); não se registaram pronúncias das restantes partes.

Dispensados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

I) A questão a decidir é a de saber se se verifica o requisito geral de admissibilidade que filtra o conhecimento do recurso em sede de revista pelo STJ para o recurso em concreto interposto pela Reclamante.

Assim sendo.
J) A decisão reclamada, na sua parte decisória, apresenta o seguinte teor, uma vez convolada a pretensão recursiva ao abrigo do art. 14º, 1, do CIRE:

8. A decisão proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada endogenamente como incidente nos próprios autos de insolvência e no âmbito da sua prossecução adjectiva, ainda que com instrumentalidade pelo decretado quanto à apreensão de bens para a massa insolvente na sentença declarativa da insolvência, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ do acórdão recorrido[1].
Logo, a revista interposta deve ser convolada oficiosamente e apreciada à luz desse regime do CIRE (arts. 6º, 2, 193º, 3, 547º, CPC).

9. A admissibilidade da revista depende, em especial, de ser invocada, como ónus processual do recorrente, e, depois, assente uma oposição de julgados com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ, quanto a uma questão de direito que se identifique nesse conflito (no caso de decisão final: art. 671º, 1, CPC), ou com um acórdão do STJ (no caso de decisão interlocutória com incidência processual: art. 671º, 2, b), CPC, por restrição teleológica).
Estabelece esta norma que:
«No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme».

10. De todo o modo, a montante da análise formal e substancial da subsistência da oposição do acórdão recorrido com o acórdão fundamento indicado e da censura que ao Recorrente possa ser imputada pela falta de indicação dessa oposição e ónus de alegação recursiva conexos (art. 637º, 2, 2ª parte, CPC), a revista atípica e restrita, tal como prevista no art. 14º, 1, do CIRE, não prescinde, na avaliação da sua admissibilidade, seja quanto a decisões finais, seja quanto a decisões interlocutórias, do preenchimento dos requisitos gerais estatuídos no art. 629º, 1, do CPC, demandado pela remissão feita pelo art. 17º, 1, do CIRE: «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)».
Este preceito impõe que, enquanto condição geral de recorribilidade das decisões judiciais, a admissibilidade do recurso ordinário esteja dependente da verificação cumulativa desses dois pressupostos jurídico-processuais: (i) o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou a decisão que se impugna.
Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00 (art. 44º, 1, da L 62/2013, de 26 de Agosto), anotando-se que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (n.º 3 desse art. 44º).

11. O art. 306º, 1 e 2, do CPC estatui que «[c]ompete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes», sendo esse valor fixado, como regra, no despacho saneador ou na sentença.

12. De acordo com o art. 304º, 1, do CPC, «o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores».
Por outro lado, o art. 307º, 1, do mesmo CPC, prescreve que, «se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respetivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa; a parte contrária pode, porém, impugnar o valor com fundamento em que o incidente tem valor diverso do da causa (…).»; por sua vez, o n.º 2 determina: «A impugnação é igualmente admitida quando se haja indicado para o incidente valor diverso do da causa e a parte contrária se não conforme com esse valor.».

13. O valor da causa principal, que se reflecte, de acordo com a regra do regime legal, no valor processual do incidente, foi fixado em € 5.000,01, aquando da prolação do despacho saneador em 28/2/2019, ao abrigo do poder-dever atribuído oficiosamente ao juiz (sem prejuízo da indicação que impende sobre as partes) pelo art. 306º, 1 e 2, 2ª parte, do CPC. Com este exercício a lei visa evitar a manipulação do valor da causa pelas partes – apresentando várias implicações processuais – em função de interesses particulares, entregando ao juiz a tarefa de zelar pelo cumprimento dos critérios legais. Em suma: “independentemente das posições assumidas pelas partes, o juiz sempre terá de se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas”[2].
Em concreto, como vimos, esse valor foi fixado no montante de € 5.000,01, constituindo-se como caso julgado formal nos termos dos arts. 595º, 1, a) – em relação, mesmo que extensivamente interpretado, com o art. 306º, 2 – e 3, e 620º, 1, do CPC.
Tal fixação do valor da causa nos termos atribuídos pelo art. 306º, 1 e 2, do CPC, sendo ela também “decisão de pendor incidental”[3], uma vez transitada em julgado, não admite depois qualquer alteração do consolidado endoprocessualmente (a não ser nos casos excepcionais de correcção, admitidos pelo art. 299º, 4, do CPC, como é o, aqui aplicável e, previsto no art. 15º, 2ª parte, do CIRE, e seja proferido novo despacho, com consequências possíveis, entre outras, na admissibilidade de recurso ordinário[4]).
Tal significa que a decisão, sempre que proferida, legítima e tempestivamente no arco de aplicação do at. 306º do CPC, sendo susceptível de recurso (art. 644º, 1, a), CPC, para “incidente autónomo”[5]), na falta de impugnação tempestiva e consequente aceitação pelas partes no processo, se torna definitiva por força da constituição de caso julgado formal[6], a que, portanto, os tribunais superiores se encontram vinculados[7] – como foi o caso dos autos, para o valor processual da causa.
Assim, terá sempre o recurso para tribunal superior que ser avaliado na sua admissibilidade à luz do valor da causa que transitou e vale nesse momento, de acordo com os termos do art. 296º, 1 e 2, do CPC.

14. Neste contexto, a excepção de o valor processual dos incidentes não coincidir com o valor da causa principal a que respeitam (2ª parte do n.º 1 do art. 304º do CPC) depende de serem accionadas as faculdades que são atribuídas às partes pelo art. 307º, 1 e 2, do CPC (e subsequente convocação do art. 308º do CPC), obrigando, se for o caso, o juiz a fixar o valor processual do incidente ainda nos termos do art. 306º do CPC, sob pena de se aplicar a regra da 1ª parte do n.º 1 do art. 304º do CPC – equiparação (por coincidência) ao valor da causa principal (sem prejuízo, de todo o modo, da intervenção oficiosa do juiz para afastar o “acordo presumido” das partes, considerando a aplicação dessa regra, sobre o valor processual do incidente)[8].
Não se tendo registado tais circunstâncias processuais de promoção da excepção legal, tal implica, por fim, que não é esta a sede, como pretende a Recorrente, por ser extemporânea e sem adequação processual, para sindicar a bondade do critério legal supletivo que serve de base à precisão do valor do incidente ou promover, quando antes não o fez, podendo, a modificação do valor do incidente, aferido em função da sua associação e equiparação ao valor da causa atribuído legitimamente aquando da prolação do despacho saneador.

15. Reitera-se.
O valor do incidente, em que foi proferida a decisão que foi objecto de reapreciação pelo acórdão recorrido, corresponde ao do valor da causa fixado no despacho saneador, no valor de € 5.000,01, decisão essa com trânsito em julgado; sendo, por isso, tal valor o que está consolidado e vigente no processo para se aferir do preenchimento do art. 629º, 1, do CPC, que, assim sendo, não se verifica – o valor da causa não é superior à alçada da Relação e, portanto e desde logo, a revista não pode ser admitida e conhecida.
Portanto, independentemente dos requisitos e fundamentos próprios e especiais da revista interposta, em referência à aplicação do art. 14º, 1, do CIRE, não se preenche o pressuposto de recorribilidade exigido pelo art. 629º, 1, do CPC no seu requisito do “valor processual da causa”, o que faz com que não seja manifestamente de admitir o recurso do acórdão recorrido.”

K) Mais se decidiu na decisão reclamada:

“16. Esta inadmissibilidade não permite que sejam apreciadas em revista as nulidades decisórias arguidas, uma vez que constituem fundamento acessório e dependente do recurso ordinário admitido, nos termos previstos e contemplados pelo art. 615º, 4, ex vi arts. 666º, 1, e 679º do CPC. Não sendo admitido o recurso, as nulidades só são susceptíveis de serem apreciadas pelo tribunal recorrido que proferiu a decisão viciada.

17. O acórdão, proferido em conferência, pela Relação (…), apreciou da nulidade processual referida ao despacho liminar de admissibilidade da apelação e de nulidades fundadas no art. 615º, 1, d), do CPC, com os efeitos legais respectivos (em especial, atenta a inadmissibilidade da revista, cfr. art. 617º, 6, 1ª parte, ex vi art. 666º, 1 e 2, do CPC).
Porém, verifica-se que, nesse acórdão (arts. 615º, 4, 617º, 1, 666º, 1 e 2, CPC), ficou por apreciar a nulidade fundada no art. 615º, 1, b), do CPC (“falta de fundamentação”) – razão pela qual deve ser devolvido o processo à Relação para conhecer dessa nulidade, exposta nas Conclusões 15) a 18) da revista, nos termos do art. 617º, 5, 2ª parte, ex vi arts. 666º, 1, 679º, do CPC, e 666º, 2, do CPC.”

L) Não trouxe a Reclamante quaisquer razões adicionais que mereçam agora reflexão e que pudessem ferir a bondade de decidido, mostrando-se inúteis, por desnecessárias, outras argumentações para sustentar a conclusão tirada na decisão contestada, que sem mais se confirma. 

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista, assim como o dispositivo no segmento de devolução dos autos à Relação para o efeito ordenado.

Custas pela Reclamante em taxa de justiça correspondente a 3 (três) UCs.

STJ/Lisboa, 6 de Setembro de 2022

Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

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[1] Sobre o âmbito de aplicação do art. 14º, 1, do CIRE, v., por toda a jurisprudência firmada nesta 6.ª Secção, com competência específica para as “causas de comércio” (art. 128º LOSJ), tendo sempre como Rel. RICARDO COSTA, os Acs. do STJ de 11/7/2019, processo n.º 647/17.6T8OLH.E2.S2, e 22/6/2021, processo n.º 950/20.8T8OAZ-B.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 305º, pág. 356.
[3] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 629º, pág. 43. 
[4] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I cit., sub art. 299º, págs. 348 (e 347).
[5] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 644º, pág. 204.
[6] Por todos, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 306º, pág. 616.
[7] Ex professo, SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da instância, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 61.
[8] V. SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da instância cit., págs. 51, 63, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I cit., sub art. 304º, pág. 354, e art. 307º, pág. 358.