Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23040/16.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
PREÇO
FORMA ESCRITA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA / ALTERAÇÕES E OBRAS NOVAS.
Doutrina:
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., p. 69 e 70;
- Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas Públicas, 8.ª Ed, 2003, p. 52;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, 7.ª ed., p. 541;
- Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2.ª ed., p. 428 e 429;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. II, 3.ª ed., p. 792 e 807.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1214.º, N.º 3 E 1215.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 14-06-2011, PROCESSO N.º 8499/07.8TBMAI.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-03-2013, PROCESSO N.º 499/06.1TBFVN.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-05-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-12-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

II. Num contrato de empreitada, relativamente às modificações à obra convencionada, importa distinguir o regime previsto no artigo 1214º do Código Civil, que diz respeito às alterações realizadas por iniciativa do empreiteiro, do regime contemplado no artigo 1215º do Código Civil, que tem aplicação quando as alterações se revelem necessárias em virtude de razões objetivas, designadamente em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas.

III. Se tiver sido fixado para a obra um preço global (a forfait), mesmo havendo autorização do dono da obra para a realização de alterações à obra, o empreiteiro só pode exigir o correspondente aumento de preço se a autorização tiver sido dada por escrito com fixação de tal aumento, sendo que o desrespeito da exigência desta formalidade apenas faculta ao empreiteiro, de acordo com o citado art. 1214º, nº 3, o direito de exigir indemnização pelo enriquecimento sem causa.

IV. Diferente será se o empreiteiro se deparar com a necessidade técnica de fazer alterações à obra, caso em que, mesmo se tratando de um contrato de empreitada com fixação de preço global, ficam estas alterações sujeitas ao regime prescrito no art. 1215º do Código Civil.

V. É de reputar os trabalhos de remoção do amianto friável e a execução das fundações com micro estacas, em substituição das sapatas previstas no orçamento como alterações necessárias, destinadas à cabal e correta concretização da empreitada e ditadas por especiais regras de segurança, designadamente por razões de saúde pública, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 1215º do Código Civil, tem o empreiteiro a ser reembolsado pelo dono da obra do respetivo preço.

VI. Tendo o dono da obra aceitado essas alterações, reconhecendo-as como trabalhos adicionais, não se encontra fundamento para ser o tribunal a determinar o respetivo preço, devendo a questão ser decidida em função do custo desses trabalhos dado como provado.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. AA - Construções, S.A. intentou a presente ação declarativa contra BB - Imobiliário, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 400.147,56, acrescida dos juros vincendos desde 20.09.2016, à taxa comercial em vigor, até integral e efetiva liquidação, correspondente ao preço dos trabalhos adicionais que executou no decurso da obra e que consistiram na colocação e realização de diversos serviços solicitados pela ré e que não constavam do orçamento, na remoção de amianto friável e execução de fundações especiais e no aumento da área de construção e relação à inicialmente contratada.

Subsidiariamente, pediu a condenação da ré a pagar-lhe a dita quantia de €400.147,56, ao abrigo do enriquecimento sem causa.

Alegou, para tanto e em síntese, que em 13.03.2014 a autora e a ré celebraram um contrato de empreitada, que teve por objeto a "execução de uma empreitada geral de reabilitação, até à receção definitiva, do Edifício CC, sito na R. …, nº …/…, em ... .

Apesar de ter sido inicialmente acordado o preço global da obra, o mesmo foi sendo ajustado às vicissitudes que, entretanto, foram surgindo no decurso da obra e que determinaram alterações ao projeto e à construção das obras a realizar.

A ré ficou com uma obra cujo custo é muito superior ao preço por ela pago, beneficiando assim do acréscimo no seu património de, pelo menos, €400.147,56.


2. A ré contestou, sustentando que não houve alteração do acordado.

E, alegando não ter a autora procedido à entrega da obra na data prevista e fixada contratualmente, deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 219.901,50, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência desse atraso.

Pediu ainda a condenação da autora, como litigante de má fé, a pagar-lhe indemnização não inferior a € 50.000,00.


3. A autora respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.


4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa, admitida a reconvenção e proferido despacho saneador com elaboração dos temas de prova.


5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, consequentemente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 12.080,19, acrescida de juros devidos sobre € 11.500,78 desde o dia 21 de setembro de 2016, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, absolvendo a autora do pedido reconvencional e do pedido de  condenação por litigância de má fé.


6. Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 08.11.2018, julgou parcialmente procedente a apelação e, mantendo a sentença recorrida apenas na parte em que condenou a ré no pagamento à autora da referida quantia de € 12.080,19 e respetivos juros de mora, condenou ainda a ré a pagar à autora a quantia de €169.043,99 (cento e sessenta e nove mil euros, quarenta e três cêntimos e noventa e nove cêntimos), a título de enriquecimento sem causa.


7. Inconformada, de novo, com esta decisão, dela interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1º - O Acórdão recorrido, ao contrário do que havia sido sustentado pela aqui Recorrente, entende que a Apelante, aqui Recorrida, cumpriu o ónus imposto pela alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC, pelo que contém em si violação e errada interpretação e aplicação da lei de processo – a norma do nº 2 do artº 640º do CPC (cfr. artº 674º, nº 1, alínea b), do CPC)!

2º - Em boa verdade, a quase integralidade do corpo das Alegações e das Conclusões, em percentagem que se estima em mais de 95%, corresponde a meras transcrições de depoimentos gravados, pontuados, aqui e acolá, ora com juízos conclusivos, ora com meras conclusões, ora com notas de subjectividade pura; das 75 folhas do corpo das alegações, mais de 70 folhas são de mera reprodução e/ou transcrição dos depoimentos das testemunhas.

3º - É inequívoco, que a Relação se afastou do iter processual traçado e querido pelo legislador, quanto à previsão da alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC, o que deverá agora, em sede da presente revista, ser decidido por Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, o que se requer!

4º - Tal como a Recorrente já deixara aflorado nas contra-alegações de apelação, o facto de a Relação ter exercido os seus poderes de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, dando como provados os factos 1. e 3. (o facto 6. não releva para aqui) dos factos dados como não provados, não conduz à procedência, ainda que parcial da apelação e, concomitantemente, do pedido.

5º - Mesmo considerando que “A R. aceitou que a remoção do amianto friável constitua um trabalho adicional” (facto 1.) e que “A R. aceitou que as fundações com mico estacas constituam um trabalho adicional” (facto 3.), não são correctos o enquadramento e a qualificação jurídicos dados pela Relação a essa factualidade.

6º - Discorda-se da decisão de mérito proferida pela Relação, que padece de erro de julgamento, quer por erro de subsunção por estar “em causa um juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão de uma norma” que consideramos indevidamente “aplicável ao caso concreto”, com a interpretação errónea e infundada “dos conceitos utilizados nessa previsão e a concretização” indevida “dos conceitos indeterminados que se encontram nela”, quer por erro na qualificação – denominado de erro de direito - por o Juiz escolher a norma errada para enquadrar o caso concreto (Cfr. Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, págs., 429 e 432 e segs).

7º - Erros que, em qualquer das circunstâncias, originam a violação de lei substantiva, onde se incluem a escolha inadequada e a interpretação errónea da norma, bem como a inexacta qualificação jurídica e a falsa determinação das consequências jurídicas referentes ao caso concreto.

8º - A Relação, no confronto entre a vontade das partes estipulada e declarada no Contrato de Empreitada que entre si celebraram e a lei (nº 3 do artº 1214º do C.C.), entendeu dar primazia a esta –  à lei – em detrimento ou descurando aquela – a vontade manifestada pelas partes.

9º - A Relação não teve em consideração ou, pelo menos, não tomou na devida nota, que a norma do nº 3 do artº 1214º (e as demais do regime jurídico do contrato de empreitada) tem natureza supletiva e, como tal, apenas deveria ser convocada para enquadrar o caso sub judice se se verificasse falta de declaração de vontade das partes quanto aos pontos contratuais ou negociais em discussão na presente demanda.

10º - Conceptualmente, “as normas supletivas são aquelas que se destinam a suprir a falta de manifestação da vontade das partes sobre determinados pontos do negócio que carecem de regulamentação”.

11º - A norma supletiva tem como seu fundamento nuclear “fundar-se na vontade comum e conjectural das partes, isto é, entender a lei que o regime nela consagrado é aquele que o comum dos contraentes normalmente quereria, e portanto que as partes provavelmente adoptariam se tivessem decidido regular expressamente o ponto” e “podem ser afastadas pela vontade das partes (em contrário)”.

12º - Subjacente às normas supletivas está o princípio de que a valoração da lei não se superioriza à valoração contrária das partes; levando apenas a que, nada tendo as partes declarado, a valoração legal retome a primazia! (Prof. João Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1984, págs. 58 e segs, Prof. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimados, 1989, págs. 93 e segs., e Prof. José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1990, págs. 527 e segs).

13º - Ficou provado, e provado à saciedade, que as partes, ao abrigo dos princípios da autonomia negocial e da liberdade contratual (artº 405º do C. C.), regulamentaram, de forma completa e exaustiva, todos os pontos negociais do Contrato de Empreitada que celebraram, muito particular e concretamente os pontos contratuais aqui em discussão na presente demanda.

14º - Nenhuma lacuna de regulamentação existe no Contrato de Empreitada em causa quanto aos concretos pontos negociais aqui em discussão, pelo que carece de fundamento e justificação legais a aplicação da norma do nº 3 do artº 1214º do C. C. operada pelo Tribunal da Relação, o que constitui erro de julgamento.

15º - Para o que aqui especificamente releva, ficou provado que a Recorrida se obrigou a executar a obra de acordo com o contrato e o caderno de encargos, sendo da sua responsabilidade a elaboração do projeto de arquitetura, com base no projecto base (cfr. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

16º - Provado ficou também que a obra foi contratada em regime de “chave-na-mão”, e por preço global, fixo e não revisível, que incluía todos os trabalhos preparatórios, complementares e acessórios aos descritos no contrato e seus anexos e todos os encargos com trabalhos, serviços e fornecimento, inclusive, os subsidiários directa e indirectamente relacionados com a empreitada, não havendo lugar à apresentação pela Recorrente de erros e omissões das peças escritas ou desenhadas do projecto.

17º - Todos os trabalhos a mais que viessem a tornar-se necessários em resultado de erros e omissões do projecto eram da exclusiva responsabilidade da Recorrente, ficando a seu cargo os custos daí decorrentes (cfr. cit. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

18º - As partes não se limitaram a uma mera e simples estipulação de um “preço global” tal como referido no nº 3 do artº 1214º do C.C., tendo acordado, fixado e regulamentado, de forma completa, minuciosa e exaustiva, o impacto e os efeitos contratuais desse preço global, que logo estipularam fixo e não revisível.

19º - As partes densificaram e concretizaram a estipulação do “preço global” como fixo e não revisível, tendo acordado desde o início, de entre o mais, que a Recorrida não podia apresentar erros e omissões das peças escritas ou desenhadas do projecto e que todos os trabalhos a mais que viessem a tornar-se necessários em resultado de erros e omissões do projecto eram da sua exclusiva responsabilidade, ficando a seu cargo os custos daí decorrentes.

20º - Foi da iniciativa da Recorrida a alteração do método construtivo das fundações de sapatas para microestacas (cfr. cit. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

21º - Não foram alegadas, e muito menos provadas, as razões ou motivos que levaram a Recorrida a alterar o método de construção das fundações, sendo sobre esta que impendia o respetivo ónus de prova!

22º - Independentemente de autorização ou não da Recorrente, dada por escrito ou não, todos os trabalhos a mais ou adicionais que a Recorrida viesse a ter de executar para realizar a obra contratada eram da sua responsabilidade e conta, como emerge do Contrato de Empreitada e suas Condições Gerais juntos aos autos.

23º - As partes foram tão exaustivas e completas a regulamentarem os aspectos contratuais que previram a possibilidade de execução de trabalhos por solicitação do Dono de Obra, a Recorrente.

24º - As partes declararam que os trabalhos que viessem a ser solicitados pela Recorrente seriam considerados trabalhos a mais, que foi justamente o que ocorreu com o mobiliário, os equipamentos (televisores, frigobares, computadores e telefones) e os reclamos que a Recorrente solicitou à Recorrida e que esta aceitou deles ser devedora, como confessadamente alegou na sua Contestação/Reconvenção (cfr. cit. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

25º - O preço fixado ab initio não teria sujeição a quaisquer ajustamentos a não ser no caso excepcional e previsto por ambas as partes de trabalhos que fossem expressamente solicitados pela Recorrente!

26º - Não tendo os trabalhos aqui em discussão – remoção do amianto e micro estacas – sido solicitados pela Dona da Obra, ora Recorrente, o Empreiteiro, aqui Recorrida, não tem direito a qualquer remuneração pela sua execução!!!

27º - Não se verificam os requisitos ou, se se quiser, os pressupostos de facto da previsão da norma do nº 3 do artº 1214º do C.C..

28º - O que resultou provado (mercê a alteração da decisão sobre a matéria de facto provada) foi que “A R. aceitou que a remoção do amianto friável constitua um trabalho adicional” (facto 1.) e que “A R. aceitou que as fundações com micro estacas constituam um trabalho adicional” (facto 3.).

29º - Estes factos não consubstanciam nem contêm em si uma declaração de autorização que tivesse sido dada pela Recorrente, escrita ou verbal!

30º - O facto de a Recorrente ter vindo a aceitar esses trabalhos como adicionais não permite a conclusão de que deu autorização, sequer verbal, e muito menos no conceito relevante ínsito na citada norma legal.

31º - A Recorrente até podia ter aceite esses trabalhos como “obra alterada”, e mesmo aceitar a obra com defeitos, sem que isso conduzisse à conclusão de que deu autorização - é o que, clara e inequivocamente, flui da norma do nº 2 do artº 1214º do C.C..

32º - A admitir-se a aplicação ao caso sub judice da norma supletiva do artº 1214º do C.C., o que se não concebe nem concede e apenas em mera hipótese de raciocínio se formula, a concreta disposição aplicável sempre seria o seu nº 2 e não o nº 3, como entendeu a Relação!

33º - Daí que a Recorrente não ficasse obrigada a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa – cfr. nº 2 do artº 1214º C.C.

34º - Releva ainda reiterar na linha do alegado em sede da Apelação que em nenhuma das mais de 50 Actas de reunião de Obra é feita qualquer referência às questões do surgimento e remoção do amianto friável e das fundações por micro estacas.

35º - Tendo em conta os valores desses trabalhos reclamados pela Recorrente – amianto e micro estacas –, que ascendem a mais de € 200.000,00, fará algum sentido, será verosímil que não ficasse registado nas actas de reunião de obra, ou em qualquer outro suporte documental, o entendimento das Partes, caso tivesse sido ajustado, quanto a esses trabalhos, concretamente, quanto à autorização para a sua execução?!!!

36º - Isto atenta contra as mais elementares regras da lógica, contra as máximas da experiência da vida, contra o senso comum, pois que seria de todo natural, resultaria com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, que as partes reduzissem a escrito, do modo e na forma que fosse (acta de reunião obra, adenda ao contrato, proposta, carta, side letter, etc. etc.), um tal entendimento!

37º - Mesmo que se, para o caso do amianto, a susceptibilidade do tema tivesse aconselhado a sua omissão na Actas (como foi alegado, mas não provado), tal invocação nunca teria qualquer cabimento no tema das fundações, o que mais reforça a falta de verosimilhança do argumento.

38º - A Relação entende que a Recorrida tem direito a receber a totalidade dos custos com a remoção do amianto friável e com a substituição das sapatas por micro estacas, solução que choca desde logo com o escopo do nº 3 do artº 1214º do C.C.!

39º - Sendo intenção legislativa da norma evitar que o Empreiteiro fique totalmente “descalço” perante a execução de trabalhos sem autorização dada por escrito pelo Dono de Obra, arcando com o sacrifício daí emergente, o que a Relação acaba por fazer é atribuir à Recorrida o direito ao recebimento integral dos custos em que incorreu.

40º - Isto é, receber os trabalhos executados com autorização dada por escrito pelo Dono de Obra ou na falta dessa autorização conduz exactamente à mesma solução jurídica.

41º - Salvo o devido respeito, isto constitui uma absurdo, por exorbitar manifestamente do pensamento do legislador que criou a norma do nº 3 do artº 1214º do C.C.!

42º - O que, apenas e tão-só, ficou provado (na alteração da matéria de facto operada pela Relação) foi que a remoção do amianto friável custou à Autora € 25.000,00 e que a execução de micro estacas importou um custo para a Recorrida de € 144.043,99.

43º - Ter estes custos não significa, não pode significar nunca, que é essa a exacta medida do enriquecimento da Recorrente, por um lado, e do empobrecimento da Recorrida, por outro lado.

44º - O enriquecimento que se quer atribuir à Recorrente, para conferir à Recorrida um direito à restituição, está indissociavelmente ligado a um empobrecimento da Recorrida.

45º - A Recorrida nenhuns factos concretos e precisos alegou, nem provou, quanto ao pretenso enriquecimento da Recorrente, e enriquecimento injustificado, tendo-se limitado a formular, em pedido subsidiário, exactamente as mesmas quantias que reclamou em pedido principal.

46º - A Recorrida pôs-se a disparar em todos os sentidos, desde o artº 1215º, nº 2 (que tem apenas a ver com um aumento do preço da obra em mais de 20% determinado por alterações necessárias em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas), ao artº 1227º (que tem apenas a ver com a impossibilidade de execução da obra), ao artº 883º, por remissão do artº 1211º (que tem apenas a ver com o caso de o preço não estar fixado por entidade pública e as partes não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado), todos do Código Civil, tendo deambulado, ainda, por uma suposta alteração anormal de circunstâncias.

47º - NENHUM facto concreto alega a Recorrida para provar ou evidenciar como e porque é que a Recorrente enriqueceu, e qual a medida desse enriquecimento, mercê a execução da remoção do amianto e a substituição das sapatas por micro estacas.

48º - Assim como nenhum facto alegou, nem provou, quanto ao seu empobrecimento e sua exacta medida!

49º - Se é possível descortinar algum sentido útil do alegado pela Recorrida na PI é que esta até se colocou “nas mãos do tribunal” para fixar uma “indemnização equitativa” ou “fixar os valores reclamados pela A, recorrendo-se ao que consigna a última parte do art.º 883º” (cfr. cits. artºs 135º a 140º da PI)!

50º - Esta questão é da maior relevância tendo em linha de conta que quer a “demolição das construções existentes, limpeza, separação e reciclagem dos resultantes e respectivo transporte a vazadouro autorizado”, quer a execução de “fundações por sapatas” estavam previstas ser executadas e constam do Orçamento dado pela Recorrida e aceite pela Recorrente e junto aos autos (cfr. capítulos 2.1 e 4.1 da designação de trabalhos).

51º - No orçamento estão previstos preços unitários para a execução desses trabalhos, mormente para as fundações por sapatas.

52º - A condenação da Relação assenta num pressuposto de facto errado: o de que a Recorrida executou quer as sapatas quer as micro estacas!

53º - Pois que se assim não fosse, como efectivamente não foi, ao custo das micro estacas haveria que descontar-se os preços unitários das sapatas que não foram executadas e constantes do Orçamento, sob pena de a Recorrida receber os dois trabalhos em duplicado.

54º - Nenhum facto foi alegado e, muito menos, provado que permita à Relação

59º - A Relação não podia partir para uma condenação com base num enriquecimento sem causa da Recorrente se, em contraponto, nenhum facto foi alegado pela Recorrida, nem ficou provado, quanto a um seu correspectivo empobrecimento!

60º - Também nada resultou provado quanto ao facto de a Recorrente ter enriquecido à custa da Recorrida, no sentido de que a vantagem ou o valor que “supostamente” ingressou no património da Recorrente haja saído do património da Recorrida.

61º - A Relação laborou em confusão de conceitos, e consequente erro de julgamento, quando assimilou “custo da Recorrida” (com o amianto friável e fundações por micro estacas) a enriquecimento da Recorrente, por um lado, e a empobrecimento da Recorrida, por outro lado!

62º - Foi a Recorrida quem elaborou o projecto, quem primeiramente optou pelas fundações por sapatas, quem, já no decurso da obra, por sua iniciativa, alterou as sapatas por micro estacas.

63º - Conceder qualquer direito de indemnização à Recorrida pelos custos decorrentes da substituição das sapatas por micro estacas era, na verdade, um atropelo, um flagrante aleijão no princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual.

64º A Recorrida, que “pôs e dispôs” quanto à escolha das sapatas, num 1º momento, e sua posterior alteração para micro estacas, vê-se agora e a final premiada por um enriquecimento da Recorrente sem causa justificativa.

65º A condenação operada pelo Tribunal da Relação assenta, por um lado, em factos que nem sequer foram alegados, e, obviamente, não foram provados, e, por outro lado, em pressupostos de facto que se não verificaram!

66º - O acórdão recorrido deve ser anulado e revogado por erro de julgamento!»


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido e mantida a sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância.


8. O autor respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

A) A Recorrida cinge-se à matéria constante das Conclusões da Recorrente (635º, nº4 e 639º, nº 1 do CPC), tal como este Tribunal o tem que fazer para decidir, sem deixar de dizer que, quanto ao efeito suspensivo, a alegação aqui é despicienda.

B) Quanto ao alegado e comentado, relativamente aos depoimentos das testemunhas (número de páginas, percentagens, etc.) devolve-se à procedência, sem mais, atenta a decisão do Tribunal da Relação, no que a esta matéria (de facto) diz respeito, uma vez que não pode nem deve aqui ser discutida, nesta instância.

C) E, face à matéria de facto dada, entretanto como provada, a Decisão do Tribunal da Relação não poderia ter sido outra, senão condenar a Recorrida nos precisos termos em que o fez, efetuando o enquadramento jurídico dessas matérias de facto, sem que tenha violado qualquer norma substantiva.

D) A Recorrente para justificar o presente recurso, considerando as limitações
impostas pelos artigos 671º, 672º e 674º do CPC, serviu-se do que consigna o artigo 674º, nº1, al. a), ou seja, apenas com base em matéria de direito e na violação de norma substantiva, invocando a errada interpretação do art. 1214º, nº3 do CC, aplicando uma norma supletiva indevidamente, porém, sem que lhe assista qualquer razão.

E) Porém, o rigor do contrato de empreitada celebrado entre as partes, na modalidade de “a forfait”, não impede que tenham ocorrido circunstâncias, à posterior, no decurso da sua execução, que alteraram algumas das declarações de vontade das partes, tanto mais com o conhecimento/acompanhamento e, consequente consentimento (verbal) da Recorrente, assumindo mesmo o pagamento dos mesmos, em sede de contestação-reconvenção.

F)  Pelo que, não pode vir agora exigir que as instâncias, nomeadamente esta, tenha que se restringir apenas, e tão só, ao que ficou consignado naquele contrato de empreitada, mesmo que “a forfait”, quando ficou clara e expressamente provado, em sede de 2ª instância, que o consentimento para aquelas obras em concreto, constituindo trabalhos a mais, foi efetuado verbalmente, mas  ocorreu.

G) E, para persuadir este Tribunal sobre a validade da sua tese serve-se de conceituados doutrinadores, porém, desenquadrando a interpretação das lições dos mesmos, procurando “encaixar” as suas afirmações na sua tese, desde logo, porque da matéria factual dada como provada resulta que houve consentimento da Recorrente para a realização dos trabalhos extras, cujos custos com os mesmos a Recorrida vem reclamando.

H) Sendo que, aquilo que está verdadeiramente em causa são as vontades que cada uma das partes manifestaram ao longo da execução do contrato celebrado, apesar de se tratar de um contrato de empreitada “a forfait” e o demais aí consignado, o que não impedia que tivesse ocorrido a necessidade de efetuar trabalhos a mais, como ocorreu, e com o consentimento verbal expresso da aqui Recorrente (Dona da Obra), tanto mais que se tratou de trabalhos de fundamental importância para a obra.

I) E, tratando-se de obras (trabalhos a mais) de tal relevância para a obra que não podia deixar de ser por iniciativa de ambos ou, pelo menos, com o consentimento verbal e expresso da Dona da Obra, aqui Recorrente, pois tratou-se das fundações e da retirada do amianto freático, obras manifestamente relevantes.

J) A Recorrente alega sobejamente que o nº 3 do artº 1214º do CC é uma norma supletiva e que no caso concreto nunca seria aplicável, uma vez que se trata de um contrato de empreitada “a forfait”, porém, sem que lhe assista qualquer razão, pois não se trata de nenhuma norma supletiva.

K) A doutrina e a Jurisprudência vêm, há longos anos e, insistentemente, a considerar que, mesmo neste tipo de contratos (“a forfait”) é de aplicar esta norma do nº 3 do artigo 1214º do CC., como resulta dos extratos das lições de Luis Menezes Leitão, Pedro Romano Martinez e dos saudosos Pires de Lima e Antunes Varela que supra se transcrevem e aqui se dão como reproduzidos.

L) Por tal motivo, não se trata de qualquer norma supletiva, como pretende enviesadamente fazer crer a Recorrente nas suas alegações, sendo, por isso perfeitamente aplicável no caso em concreto, atenta a matéria factual dada como provada.

M) Também não colhe a argumentação da Recorrente, servindo-se do que sucedeu com os equipamentos que foram, por ela, desde logo, assumidos como trabalhos a mais, porque, isso, em nada altera o facto de estes trabalhos (fundações se remoção do amianto freável), serem igualmente considerados como trabalhos a mais, como aliás ficou já assente em sede de 2ª instância.

N) Do proficiente Acórdão que a Recorrente coloca em causa retira-se  que:

“No caso em análise, foi dada autorização verbal relativamente à remoção do amianto e à utilização das micro estacas, pelo que a recorrida deve ser condenada no pagamento das quantias de €25.000,00 e €144.043,99 (pontos 14 e 16 dos factos provados), o que totaliza o valor global de €169.043,99.

Pelo que, mesmo que não tenham sido solicitados, foram autorizados e, consequentemente, são trabalhos a mais e, têm que ser pagos.

O) Logo, o Tribunal a quo esteve bem ao enquadrar aquela aceitação no nº 3 do artº 1214º do C.C. e não no seu nº 2, como pretende a Recorrente, desde logo, por toda a matéria factual provada, em sede de julgamento que aquele Tribunal teve o cuidado de analisar e depurar e pelos motivos já supra alegados e doutrinalmente sustentados.

P) Vem ainda a aqui Recorrente, sub-repticiamente, tentar obter uma alteração à decisão do Tribunal da Relação, no que à matéria de facto diz respeito, esquecendo-se do que consigna o nº 4 do artº 662º do CPC, talvez seja por isso que é discreto!

Q) No que respeita ao valor destes trabalhos a mais a que foi condenada, a Recorrente, esquece-se que, o Tribunal da Relação serviu-se também da matéria factual constante dos autos, nomeadamente da aceitação de tais trabalhos adicionais e da predisposição da Recorrente para os pagar como resulta das suas próprias afirmações vertidas na contestação-reconvenção e de toda a matéria constante dos autos.

R) Sendo que, os valores a que foi condenada são exatamente aqueles que determinaram o acréscimo no património da Recorrente, porque se tratou de valores de que a Recorrida teve que despender por acréscimo para que a Recorrente ficasse com a obra nas condições em que a recebeu, ou seja, em ótimas condições.

S) Tais valores referem-se a um acréscimo e, significativo, despendido pela Recorrida, para que fosse possível retirar um produto altamente tóxico que não era previsível e era necessário remover para iniciar a obra e pressupôs um custo acrescido de vinte e cinco mil euros.

T) Bem como fundar o prédio de forma segura, uma vez que, tecnicamente, teria que o mesmo assentar em micro estacas, quando inicialmente estava previsto sapatas normais, sob pena de ocorrer um colapso do prédio, o que ninguém desejava, nem deseja, tendo tal questão sido discutida entre as partes, nomeadamente o valor, pois foi o mesmo reduzido ao montante que a Recorrida aqui reclama e a que a Recorrente foi condenada, após dedução ao valor total, o preço que constava do orçamento do contrato, relativo a sapatas normais.

U) Tendo assim a Recorrida entregue à Recorrente uma obra em ótimas condições, de que a mesma retirou já os devidos lucros, uma vez que se consta que vendeu o referido prédio, tendo auferido avultados lucros, constando-se vários milhões.

V) Daqui se retira o claro enriquecimento da Recorrente e, evidente empobrecimento da Recorrida.

W) Assim, o Tribunal a quo - Tribunal da Relação condenou a Recorrente a pagar as quantias correspondentes ao exato valor que este enriqueceu e que aquela empobreceu, não fosse a necessidade de realizar estes trabalhos acrescidos, totalmente fora dos valores acordados entre as partes para a realização desta obra, tanto mais com o expresso, embora verbal, consentimento da Recorrente.

X) Pelo que, o Tribunal da Relação decidiu corretamente, desde logo, ao considerar como provados os factos, tal como o fez, e consequente aplicação do nº 3 do artigo 1214º do CC, afastando a aplicação do nº2 desta mesma norma, atento o que ficou provado, relativamente à aceitação das alterações ao projeto inicial de contrato, quanto às duas obras em concreto que foram realizadas para além do acordado e que, indubitavelmente determinaram prejuízos (empobrecimento) da Recorrida e, consequentemente o enriquecimento da Recorrente, ao ficar com aquele imóvel e, tendo-o já vendido com milhões de euros de lucro, segundo se consta.

Devendo, por isso, manter-se a decisão de que a Recorrente agora recorre, mantendo-se in totum a Decisão que aqui é colocada em causa».


9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir, traduzem-se em saber se:


1ª- o acórdão recorrido violou a disciplina imposta ao ónus de impugnação pela alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC;


2ª- a autora, com base no contrato de empreitada, tem direito a receber da ré o custo dos trabalhos acrescentados aos acordados no contrato.



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Factos provados:


1 - A A. dedica-se à construção civil de obras particulares e públicas.


2 - A R. dedica-se à compra e venda de imóveis e promoção imobiliária,


3 - Por documento escrito datado de 13 de março de 2014, a R., como primeiro outorgante e dono da obra, e a A., como segundo outorgante e empreiteiro, celebraram acordo do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

"Constitui objeto deste contrato a execução da empreitada geral de reabilitação, até à receção definitiva, do Edifício CC sito na R. …, n .. /… em … tal como definida pelo presente contrato e pelos documentos que integram o Caderno de Encargos, incluindo a elaboração dos projetos de arquitetura, engenharia e demais especialidades, tendo por base o projeto de arquitetura base já existente e facultado pelo Dono da Obra".

"... o segundo outorgante é responsável pelo seguinte:

1) - Elaboração do projeto de Arquitetura (com base no Projeto Base) mas sendo o seu custo integralmente suportado pelo Primeiro Outorgante..."

"Os serviços serão prestados pelo Empreiteiro em regime de «chave na mão», compreendendo, nessa medida, todos os trabalhos (em fase de projeto e em fase de obra) necessários à execução e conclusão da obra nos termos previstos neste contrato, com base no projeto base e de acordo com a listagem de orçamento anexa e ainda todos os trabalhos complementares e acessórios aos previstos no nº 1 supra que sejam necessários para a preparação, planeamento, coordenação, execução e conclusão da obra nos termos previstos neste contrato."

"O Empreiteiro analisou devidamente o Projeto Base, declarando e garantindo que o mesmo é claro e apto à definição do preço da empreitada abaixo indicado e à elaboração de todos os projetos (de arquitetura e das especialidades) que lhe cabe assegurar."

"O preço global da empreitada, fixo e não revisível, é de Euros 2.161.404,18 (...), composto pelo valor de Euros 2.094.014,18 (...) e pelo valor de Euros 67.390,00 referente ao projeto de arquitetura."

-    "As medições apresentadas pelo segundo outorgante, inseridas na" Lista de Trabalhos, Quantidades e Preços Unitários, "serão também consideradas como elemento Informativo não podendo por isso ser invocadas para alteração do valor global da empreitada".

"O preço global fixo e não revisível de adjudicação (e os unitários) inclui todos os trabalhos preparatórios, complementares e acessórios aos descritos neste Contrato e seus anexos e todos os encargos com trabalhos, serviços e fornecimento, inclusive os subsidiários direta ou indiretamente relacionados com a empreitada, bem como os encargos aduaneiros ou fiscais, a margem de lucro e as obrigações decorrentes da atividade do empreiteiro e ainda quaisquer encargos cujo pagamento não esteja expressamente previsto em separado."

"Não há lugar a apresentação de erros ou omissões das peças escritas ou desenhadas do Projeto".

"Todos os trabalhos a mais que se venham a tornar necessários em resultado de erros e omissões do Projeto são da responsabilidade exclusiva do empreiteiro, ficando os custos daí decorrentes a seu cargo".

"Todos os trabalhos não mencionados no LTQPU, nem na listagem de orçamentação que venham a ser solicitados à Segunda Outorgante são considerados trabalhos a mais, tais como:

g) custos com mobiliário, equipamentos (televisores, frigobares, computadores e seus acessórios, telefones), reclamos".

"A faturação será feita após apresentação à Fiscalização e verificação por esta, dos autos de medição mensais realizados com base nas quantidades de trabalho realizados e nos preços unitários, até ao limite do valor final da empreitada, de acordo com o especificado nas Condições Gerais do Contrato."

"Os pagamentos serão efetuados até ao limite de 30 (trinta) dias contados da data da apresentação da fatura entregue em duplicado (com auto de medição devidamente aprovado pela Fiscalização).

"Para o efeito, o auto de medição deverá ser realizado até ao dia 25 de cada mês, sendo que a Fiscalização deverá emitir parecer sobre o auto de medição no prazo de cinco dias, contados da data da entrega do auto de medição, sob pena de se considerar tacitamente aceite o auto apresentado, autorizando o Empreiteiro a emitir a respetiva fatura."

"O prazo para a execução desta empreitada é de 16 (dezasseis) meses, contados da data da Consignação da empreitada."


4 - O acordo referido no ponto 3 foi negociado desde agosto/ setembro de 2013.


5 - A 13 de novembro de 2013, foi apresentado pela A. o orçamento no valor de €2.094.014,81, que a R. aceitou.


6 - Por as partes assim o terem aceite, a obra iniciou-se sem que os projetos definitivos estivessem concluídos.


7 – A R. solicitou à A. a colocação de um frigorífico na receção do edifício, o qual foi fornecido e colocado no local indicado, pelo preço de € 182,41, a pagar até 10 de novembro de 2015.


8 - A R. solicitou à A. que colocasse iluminação decorativa diferente da que constava do orçamento, o que esta realizou pelo valor de € 7.749,87, a pagar até 17 de novembro de 2015.


9 - A R. solicitou à A. que aplicasse estores, candeeiros, quadros, prateleiras e acessórios sanitários e distribuísse mobiliário e colchões, o que esta efetuou, pelo preço de € 3.568,50, a pagar até 12 de janeiro de 2016.


10 - Antes dos trabalhos de remoção do entulho, o local consistia num edifício em escombros de difícil acesso, o que impedia a verificação integral do material a remover.


11 - Aquando dos trabalhos de remoção do entulho, o amianto friável ficou visível.


12 - A A. sabia que o edifício em escombros era uma antiga fábrica de produção de vidro.


13 - Numa antiga fábrica de produção de vidro, é provável a presença de amianto friável.


14 - A remoção do amianto friável custou à A. € 25.000,00.


15 - A sociedade contratada pela A. para elaborar o projeto de fundações propôs a solução de fundações com micro estacas em vez das sapatas previstas no orçamento apresentado pela A.


16 - A substituição da solução das sapatas pela solução das fundações com
micro estacas importou um custo para a A. de € 144.043,99.


17 - A obra teve início a 24 de março de 2014.


18 - A A. procedeu à entrega faseada da obra, tendo procedido à primeira entrega a 28 de setembro de 2015.


19 - A segunda e última entrega ocorreu em data não anterior a 26 de outubro de 2015.


20 - Contribuiu para o atraso na conclusão da obra o facto de o projeto de arquitetura final ter sido apresentado à A. cerca de um mês antes de terminar o prazo estipulado para a conclusão da obra.


21 - No âmbito de conversações entre as partes, a R. estava disposta a pagar
€25.000,00 pelos trabalhos de remoção do amianto em ordem à resolução definitiva e global das questões pendentes da obra.


22 - A R. aceitou que a remoção do amianto friável constituía um trabalho adicional. (Aditado pelo Tribunal da Relação)


23- A R. aceitou que as fundações com microestruturas constituíam um trabalho adicional. (Aditado pelo Tribunal da Relação)


24 - Verificou-se um acréscimo da área de construção de pelo menos 18m2. (Aditado pelo Tribunal da Relação)



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3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber se o acórdão recorrido violou a disciplina imposta ao ónus de impugnação pela alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC e se a autora, com base no contrato de empreitada, tem direito a receber da ré o custo dos trabalhos  acrescentados aos acordados no contrato.


3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas, persiste a recorrente em sustentar que, não tendo a apelante indicado, com exatidão, as passagens da gravação dos depoimentos em que fundou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não podia o Tribunal da Relação considerar que foi cumprido, de forma adequada, o ónus de impugnação, pelo que ao fazê-lo violou a disciplina contida na alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC.


A este respeito considerou o acórdão recorrido, na esteira da orientação defendida nos acórdãos do STJ, de 06.12.2016 e de 31.05.2016[2], que tendo a recorrente, no caso vertente, indicado «por referência a cada um dos depoimentos das testemunhas (em que baseia o seu entendimento), os trechos dos depoimentos das testemunhas que, no seu entender, justificam a alteração almejada. Ou seja, forneceu as indicações que permitem localizar, na gravação, as passagens a que se referem e juntou a transcrição integral dos depoimentos das testemunhas», foi cumprido de forma adequada o ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº1, a. a) do CPC.

É também este o nosso entendimento.

É que, conforme se deixou dito no Acórdão proferido por este coletivo, em 21.03.2019, no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2[3] «Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida», pois, «enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica  a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício  do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal  de recurso».

Assim, «tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto».

Daí nenhuma censura merecer, nesta parte, o acórdão recorrido.



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3.2.2. Relativamente à segunda questão, sustenta a recorrente que tendo as partes celebrado um contrato de empreitada à forfait e acordado que os trabalhos a mais que viessem a tornar-se necessários em resultado de erros e omissões do projeto eram da exclusiva responsabilidade da recorrida, não podia o Tribunal da Relação, com base no disposto no art. 1214º, nº 3 do C. Civil, condená-la no pagamento à recorrida do custo em que importaram os trabalhos adicionais por ela realizados.

 

Vejamos.


Face aos factos dados como provados temos por certo, tal como entenderam as instâncias e ambas as partes aceitam, que entre estas foi celebrado um contrato de empreitada, mediante o qual a autora obrigou-se a executar os trabalhos de reabilitação geral do “Edifício CC”, incluindo a elaboração dos projetos de arquitetura, engenharia e demais especialidades, em regime de “chave na mão” e pelo preço global, fixo e não revisível, de € 2.161.404,18, tendo acordado, para além do mais, que todos os trabalhos adicionais que viessem a tornar-se necessários em resultado de erros e omissões do projeto seriam da responsabilidade exclusiva do empreiteiro, ficando os custos daí decorrentes a seu cargo.

Trata-se, por isso, de um contrato sujeito às regras do artigos 1207º e seguintes do Código Civil, dele resultando para o empreiteiro, nos termos do art. 1208º, a obrigação de realizar a obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

De salientar, contudo, como se afirma no Acórdão do STJ, de 12.03.2013 (processo nº 499/06.1TBFVN.C1.S1)[4], que isto não significa uma obediência “cega”, por parte do empreiteiro, ao que foi inicialmente convencionado, pois a realização rigorosa e conforme com o projeto não o isenta de responsabilidade civil, caso a obra venha a apresentar defeitos, consabido que, estando o empreiteiro adstrito ao cumprimento de uma obrigação de resultado, a obra não pode deixar de ter aptidão para o seu uso ordinário ou para o uso previsto no contrato.

E compreende-se que assim seja, pois, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[5], «o empreiteiro não fica necessariamente isento de responsabilidade pelo facto de ter executado fielmente o projecto da obra ou respeitado o caderno de encargos. Como perito que é ou será muitas vezes, ao empreiteiro incumbe, nos termos genéricos do artigo 762º nº 2, avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto ou no caderno de encargos, quer antes de iniciada a obra, quer durante a execução dela».  

Por outro lado, é consabido que o desenvolvimento da execução da obra pode desencadear, e normalmente desencadeia, tanto por iniciativa do dono da obra, como pelo próprio empreiteiro e, não raras vezes por razões alheias a um ou a outro, alterações ao projeto inicial, pelo que só em termos relativos  se pode afirmar que, numa  empreitada  ajustada “por preço global”, “a forfait” ou “per avisionem”, tal preço está desde logo fixado no momento  da celebração do contrato[6].

De resto, foi precisamente por estar bem ciente desta realidade que o próprio legislador fixou um regime específico para as alterações à composição ou conteúdo da obra, ou seja, para as modificações que, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela[7], respeitam «à obra convencionada, limitando-se a alterar alguma ou algumas modalidades (v.g., quanto ao tipo, qualidade ou origem dos materiais, à forma da obra à sua estrutura, dimensões ou funcionamento, ao tempo ou lugar da execução da obra) isto é, entram sempre no plano da execução da obra, apresentando-se como necessárias, ou ao menos, como oportunas para a realização dela».

Sobre o regime de alterações à obra, estabelece o art. 1214º do C. Civil que:

« 1. O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.

2. A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa.

3. Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste».

 

Assim, no que respeita às alterações ao projeto da obra integrante do contrato de empreitada realizadas por iniciativa do empreiteiro, nos termos deste artigo, importa distinguir os casos, consoante haja, ou não, autorização do dono da obra e, nesta situação, se tal autorização foi dada, ou não, por escrito.

Na primeira situação prevista no nº 2 do citado art. 1214º, ou seja, no caso das alterações serem feitas por iniciativa do empreiteiro e sem autorização do dono da obra, esta considera-se defeituosa e o empreiteiro fica sujeito às sanções previstas dos arts. 1221º e segs do C. Civil, podendo o dono aceitar a obra com essas alterações, sem ficar, contudo, sujeito à obrigação de pagar ao empreiteiro um preço superior ou uma indemnização por enriquecimento sem causa no caso no caso da alteração ter aumentado o valor da obra[8].

No caso de as alterações serem autorizadas pelo dono da obra e serem dadas por escrito, de harmonia com o disposto no nº 3 do citado art. 1214º, haverá, então, que cumprir o acordado e o dono deverá que pagar ao empreiteiro o preço ajustado pelas alterações.

Na hipótese de as modificações serem autorizadas pelo dono da obra, mas a autorização não ser dada por escrito, nos termos do nº 3 do referido artigo, o empreiteiro só poderá exigir do dono uma indemnização correspondente ao enriquecimento sem causa.

Deste modo, se para a obra tiver sido fixado um preço global (a forfait), mesmo havendo autorização do dono da obra, o empreiteiro só pode exigir o correspondente aumento de preço se a autorização tiver sido dada por escrito com fixação de tal aumento, sendo que o desrespeito da exigência desta formalidade apenas faculta ao empreiteiro, de acordo com o citado art. 1214º, nº 3, o direito de exigir indemnização pelo enriquecimento sem causa[9].

Mas, para além destas alterações à obra feitas por iniciativa do empreiteiro e das exigidas pelo dono da obra e previstas no art. 1216º do C. Civil, que aqui não interessa analisar, o art. 1215º, do C. Civil contempla os casos em que as alterações à obra se revelam necessárias em virtude de certas razões objetivas, estabelecendo, no seu nº 1, que «Se para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução». 

Tratam-se, no dizer de João Cura Mariano[10], de alterações à obra inicialmente projetada, para que esta não venha a sofrer vícios, ou por erro de previsão, ou por evento superveniente, pelo que se o empreiteiro e dono da obra não chegarem a acordo sobre as alterações a efetuar, compete ao tribunal determiná-las, bem como as suas consequências no preço (art. 1215º nº 1 2ª parte).

No mesmo sentido, refere Menezes Leitão[11], tratar-se de alterações necessárias ao plano convencionado impostas em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, pelo que, perante uma tal situação, devem as partes estabelecer por acordo quais as alterações a efetuar e os termos em que estas ocorrerão, sob pena de, na falta de acordo, caber ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução da obra (art. 1215°, 1, in fine).

Salienta ainda que o acordo quanto as alterações necessárias não está sujeito a forma escrita, exigida pelo art. 1214°, n° 3, para as alterações autorizadas da iniciativa do empreiteiro, podendo ser celebrado por qualquer forma (art. 219º ).

Dito de outro modo e nas palavras de Pedro Romano Martinez[12], estamos perante alterações ao plano convencionado no decurso da execução impostas pela necessidade de evitar imperfeições da obra ou em consequência de direitos de terceiro, sendo que a necessidade de alteração pode ficar a dever-se a uma imperfeição ou a uma insuficiência do plano não imputável a nenhuma das partes, sublinhando que, mesmo no caso em que seja imputável a uma das partes, pode esta, ou a contraparte, recorrer ao art. 1215° CC, suportando, todavia, o culpado os danos resultantes dos erros ou omissões do projeto.

Mais afirma que, verificando-se a necessidade da alteração, podem as partes chegar a acordo quanto as modificações a introduzir no contrato, caso em que estar-se-á perante uma modificação do negócio jurídico derivada do mútuo consenso (art. 406°, nº 1 CC), que segue os termos gerais (arts. 219° e 222°, n.° 2 CC).

Porém, não tendo as partes chegado a acordo, compete ao tribunal determinar quais as alterações que, por necessárias, devem ser introduzidas no plano convencionado, e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução (art. 1215° nº 1, 2º parte CC).

Ora, analisando, neste contexto jurídico, a matéria de facto dada como provada e supra descrita nos pontos 10, 11, 15 e da qual resulta que, antes dos trabalhos de remoção do entulho, o local consistia num edifício em escombros de difícil acesso, o que impedia a verificação integral do material a remover e que, aquando da remoção do entulho pela autora, tornou-se visível a presença, no local, de amianto friável, pelo que a sociedade contratada pela autora para elaborar o projeto de fundações propôs a solução de fundações com micro estacas em vez das sapatas previstas no orçamento apresentado pela autora, não temos dúvidas em reputar os trabalhos de remoção do amianto friável e a execução das fundações com micro estacas, realizados pela autora, como alterações necessárias, destinadas à cabal e correta concretização da empreitada e ditadas por especiais regras de segurança, designadamente por razões de saúde pública.

Com efeito, consabido que o amianto foi classificado como cancerígeno para o ser humano (grupo 1) pela International Agency for Research on cancer (IARC), que o amianto friável desagrega-se e reduz-se facilmente a pó, criando um grande risco de libertação de fibras e poeiras para o ar, e que a inalação destas fibras e poeiras é causa de vários tipos de cancro, tais como a mesotelioma (que afeta a pleura ou o peritoneu), cancro do pulmão e asbestose (fibrose pulmonar irreversível)[13], sobre a autora impendia, na qualidade de empreiteira, o dever de proceder a tais alterações sob pena de a obra ser considerada defeituosa.

Não se trata, assim, de modificações desnecessárias à realização da obra convencionada, realizadas por iniciativa da empreiteira, pelo que contrariamente ao critério seguido no acórdão recorrido, não se vê que as mesmas sejam enquadráveis na previsão do art. 1214º, nº 3 do C. Civil, integrando, antes, em nosso entender, a previsão do art. 1215º, nº1 do C. Civil[14].

E porque a ré aceitou essas alterações, reconhecendo-as como trabalhos adicionais, não se vê necessidade de o tribunal imiscuir-se na determinação do respetivo preço, tanto mais que provado ficou que a remoção do amianto friável custou à autora € 25.000,00 e a substituição da solução das sapatas pela solução das fundações com micro estacas importou um custo para a autora de € 144.043,99.

Daí ter a autora direito a receber da ré a quantia de € 169.043,99, tal como decidiu o acórdão recorrido.

Termos em que improcedem todas as razões da recorrente.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido ainda que com base em fundamentação diversa da plasmada neste acórdão.

As custas devidas na ação e na apelação ficam a cargo da autora e da ré na proporção do vencido e as custas da revista ficam a cargo da ré.



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Supremo Tribunal de Justiça, 30 de maio de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Acessíveis in wwwdgsi.pt.
[3] Acessível in wwwdgsi.pt.
[4] Acessível in wwwdgsi.pt/stj
[5] In “Código Civil, Anotado”, Vol. II, 3ª edição, pág. 792.
[6] Neste sentido, cfr. Jorge Andrade da Silva, in, “Regime Jurídico das Empreitadas Públicas”, 8º Ed, 2003, pág. 52.
[7] In “Código Civil, Anotado”, Vol. II, 3ª edição, pág.807.
[8] Nesse sentido, cfr. Cura Mariano, in “ Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 3ª ed., pág. 69 e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. II, 3ª edição, pág. 807.
[9] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 14.06.2011 ( proc. nº 8499/07.8TBMAI.P1.S1), acessível in www dgsi.pt/stj.
[10] In “ Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 3ª ed. , págs. 69 e 70.
[11] In, “Direito das Obrigações”, Vol. III, “Contratos em Especial”, 7ª ed., pág. 541.
[12] In, “ Direito das Obrigações”, Parte Especial, Contratos, 2ª ed., págs. 428 e 429.
[13] Segundo informação do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, acessível na internet.
[14] Neste sentido, cfr.os citados Acórdãos do STJ, de 14.06.2011 (proc. nº 8499/07.8TBMAI.P1.S1) e de 12.03.2013 (proc. nº 499/06.1TBFVN.C1.S1), acessíveis in dgsi.pt/stj.