Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96P1191
Nº Convencional: JSTJ00031339
Relator: JOSE GIRÃO
Descritores: BURLA AGRAVADA
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
DANOS PATRIMONIAIS
JUROS COMPENSATÓRIOS
DANOS MORAIS
INFLAÇÃO
Nº do Documento: SJ199701230011913
Data do Acordão: 01/23/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N463 ANO1997 PAG276
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO. DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 128 ARTIGO 313 ARTIGO 314 C.
CP95 ARTIGO 129.
CCIV66 ARTIGO 483 N1 ARTIGO 494 ARTIGO 496 ARTIGO 562 ARTIGO 564.
Sumário : I - Para se dar como verificado o crime de burla previsto no artigo 313 do Código Penal de 1982 é essencial a concorrência dos seguintes requisitos: o agente artificiosamente induzir em erro ou enganar outrem para obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
II - Para se ter como verificado o "enriquecimento ilegítimo" importa considerar o contexto civilístico do "enriquecimento sem causa". Neste, os requisitos são: o enriquecimento de alguém com o consequente empobrecimento de outrem; o nexo causal entre a primeira e a segunda destas situações a falta de causa justificativa de tal enriquecimento.
III - Tendo o arguido, por meio de uma burla, defraudado a ofendida, em Março de 1983, da quantia de 4509050 escudos, agora que são passados mais de 13 anos, com vista à fixação da indemnização por danos patrimoniais importa eleger como referência a aludida quantia, quanto ela renderia de juros e ainda a desvalorização da moeda resultante da averiguação do processo inflacionário.
IV - Na parte respeitante aos danos não patrimoniais é determinante o estatuído no artigo 496 do Código Civil, pelo que o critério a adoptar na fixação do respectivo montante deve alicerçar-se em razões de equidade mas sem perder de rumo, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 do mesmo Código.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça.
A, identificado nos autos, foi julgado e condenado, com intervenção do Tribunal Colectivo, no 0Tribunal Judicial da comarca de Mangualde, como autor de um crime de burla agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 313 e 314, alínea c) do Código Penal de 1982, na pena de três anos de prisão, que foi declarada perdoada na sua totalidade, atento o estatuído nos artigos 13, n. 1, alínea b) da
Lei n. 16/86, de 11 de Junho, 14, n. 1, alínea b) da Lei n. 23/91, de 4 de Julho e 8, n. 1, alínea d) da Lei n. 15/94, de 11 de Maio.
Foi ainda condenado a pagar à ofendida B, identificada nos autos a quantia de 17000000 escudos (dezassete milhões de escudos) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais suportados por esta.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o A para a Relação de Coimbra, tendo este Tribunal negado provimento ao recurso, e confirmado o acórdão recorrido.
Inconformado ainda com tal decisão, recorreu o arguido novamente para este Supremo Tribunal, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
Para que se possa julgar praticado um crime de burla é indispensável, entre o mais que o agente tenha intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
Para caracterizar esta figura terá no entanto de atender-se ao conceito civilistico do enriquecimento sem causa que tem como requisitos o enriquecimento de alguém e o empobrecimento de outrem, sem causa justificativa, devendo verificar-se o nexo de causalidade entre ambas as situações.
Ora, no caso dos autos, mesmo que se entenda que houve enriquecimento do arguido e empobrecimento da queixosa, resultantes do acto que aquele praticou, não poderiam considerar-se destituídos de causa justificativa.
É que, como se provou, a queixosa começou por, voluntariamente, depositar dinheiros que eram dela numa conta bancária em que instituiu o arguido como primeiro titular, em que ela ficou como segunda titular e em que instituiu a mulher do arguido como terceira titular.
Também voluntariamente a queixosa determinou que essa conta só poderia ser movimentada a débito, com as assinaturas de dois dos seus titulares, sem os distinguir e sem ressalvar qualquer direito especial para si própria.
Dessa maneira a queixosa atribuiu ao arguido e à mulher deste o direito de, se quisessem, poderem levantar toda e qualquer importância dessa conta, sem o acordo dela e até contra a sua vontade e, por outro lado, ela não poderia movimentar essa mesma conta sem obter o acordo do arguido ou da mulher deste.
Só que, nestas condições, o facto do arguido ter transferido o dinheiro em causa, mesmo que ardilosamente, da conta bancária aberta pela queixosa em nome dos três, para uma nova conta bancária aberta só em nome dele e da mulher, não significou um empobrecimento para a queixosa, nem um enriquecimento para o arguido superiores aos que já se verificavam anteriormente.
Logo, por falta destes indispensáveis requisitos, não pode considerar-se que ele cometeu o crime de burla por que foi condenado e deveria antes ter sido absolvido, como é de justiça, face a todas as circunstâncias que rodearam o acto que praticou, verificada quer antes, quer depois e que nos autos ficaram provadas.
Caso porém assim se não entenda, nessa hipótese a indemnização arbitrada deverá ser significativamente diminuída no seu valor, já que claramente não tomou em conta nem os limitadíssimos direitos que a queixosa porventura ainda teria sobre os dinheiros que pôs em nome do arguido e da esposa, nem as boas relações que mantiveram antes e depois do acto praticado pelo arguido, nem atendeu ao circunstancionalismo fáctico e subjectivo que rodeou este caso.
Tendo mantido a condenação do arguido como autor de um crime de burla e impondo-lhe o pagamento da pesadissima indemnização fixada, o douto acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação da lei aos factos, com nítida ofensa das disposições penais e indemnizatória invocada para fundamentarem as decisões já proferidas nos autos.
Contra-alegou o Excelentíssimo Procurador-Geral
Adjunto, pugnando pelo improvimento do recurso.
A Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, no seu bem elaborado parecer (em folhas 319 e seguintes, pronuncia-se também pelo improvimento do recurso.
É a seguinte a matéria de facto definitivamente fixada pelas instâncias.
"A queixosa Gracinda Rocha é viúva desde 1970, e sem filhos, e vivia sozinha em Lameiro do Mar, concelho de
Vagos.
Em Abril de 1982, então com 69 anos de idade, foi viver com o réu e esposa, seus sobrinhos, nos Estados Unidos da América onde estes se encontravam então como emigrantes.
Em Setembro de 1982 o réu, a esposa e a queixosa
Gracinda vieram para Portugal.
Então a queixosa vendeu a sua casa em Lameiro do Mar, depositou o dinheiro no Banco, transferiu as suas mobílias para casa dos sobrinhos, sita em Moimenta do
Dão, do concelho de Mangualde e outorgou o testamento fotocopiado a folha 171, após o que regressou aos
Estados Unidos da América com os seus sobrinhos , réu e esposa.
Pelos fins de 1982 o réu logrou convencer a sua tia a transferir todo o dinheiro que tinha depositado em seu nome, em duas contas a prazo no Banco Fonsecas &
Burnay, de Vagos, para o balcão do Banco Nacional
Ultramarino de Mangualde, e a colocá-lo em nome dos três (queixosa, réu e esposa).
Obtido o acordo da queixosa, o réu dactilografou a carta fotocopiada a folha 7, dirigida ao Banco Nacional Ultramarino, de Mangualde, a noticiar-lhe que pedira ao
Banco Fonsecas & Burnay, de Vagos, a transferência do dinheiro da queixosa para Mangualde, onde seria aberta uma conta a prazo, a seis meses, e os juros lançados numa conta à ordem.
A carta daria ainda instruções para que a conta a abrir em Mangualde o fosse em nome da queixosa, do réu e da esposa Cidália da Graça Bandeira Ribeiro Lopes, e para que o dinheiro só pudesse ser levantado com duas assinaturas.
Tal conta foi assinada por queixosa e entregue ao Banco
Nacional Ultramarino, em Mangualde, pelo correio, a 18 de Janeiro de 1983, tendo sido escrita a 13 de Janeiro de 1983.
Na mesma data o réu dactilografou ainda outra carta, que a queixosa igualmente assinou e que dirigiu ao
Banco Fonsecas & Burnay de Vagos, pedindo a transferência do dinheiro que aí tinha depositado, para o Banco Nacional Ultramarino, em Mangualde.
Em 21 de Janeiro de 1983, o Banco Fonsecas & Burnay, de
Vagos, transferiu para o Banco Nacional Ultramarino, de
Mangualde o dinheiro de duas contas a prazo que a queixosa ali tinha, no montante de 2509050 escudos e
2000000 escudos.
Este dinheiro foi colocado pelo Banco Nacional Ultramarino, de Mangualde, numa só conta em nome da queixosa, réu e esposa.
Efectuada tal transferência, o réu tomou a resolução de se apoderar de todo o dinheiro, fazendo-o integrar no seu património.
De acordo com tal plano o réu dactilografou uma outra carta, junta a folha 170-A, datada de 8 de Março de
1983, dirigida ao Banco Nacional Ultramarino, de
Mangualde, em que mandava cancelar as duas contas referidas (conta a prazo desse depósito do dinheiro e conta à ordem com os juros) solicitando que o dinheiro aí existente fosse transferido para novas contas (em nome do réu e da esposa).
Depois de dactilografar tal carta, o réu assinou-a com o seu próprio nome e pelo seu próprio punho, fez também a assinatura da queixosa como se fosse ela própria a efectuá-la.
Para que a assinatura da queixosa ficasse igual àquela que era habitualmente utilizada, o réu fê-la por sobreposição à assinatura constante da fotocópia de um testamento que a queixosa havia feito a favor do réu, fotocópia que ele tinha em seu poder, e também fotocopiado a folha 171 e folha 9.
Após elaborar tal carta, o réu enviou-a em data não apurada de Março de 1983, ao Banco Nacional Ultramarino, em Mangualde, o qual, com base na mesma, cancelou as referidas contas e transferiu todo o dinheiro (4509050 escudos, mais os respectivos juros) para uma conta, ou seja, para uma conta apenas em nome do réu e da esposa.
O réu ao elaborar esta última carta e ao assiná-la nos termos referidos, com assinatura semelhante a da queixosa com o objectivo de a emitar, sabia que actuava contra a vontade e interesse desta.
De igual modo ao entregar tal carta no Banco, assim assinada, convencendo-o da sua realidade, o réu sabia que estava a induzir em erro o Banco que, em consequência, cancelou as contas existentes em nome da queixosa e transferiu todo o dinheiro para uma conta do réu e esposa, obtendo assim um enriquecimento ilícito à custa dos prejuízos patrimoniais causados à queixosa.
Toda a actuação do réu foi voluntária livre e consciente, bem sabendo este que a sua conduta era legalmente punível.
No verão de 1983 a queixosa veio com os sobrinhos (réu e esposa) a Portugal mas já não quis regressar com eles aos Estados Unidos e foi viver para um lar de Terceira
Idade, em Vagos, onde tem vivido até ao presente.
Para além do dinheiro referido nos autos e respectivos juros, a queixosa tem como rendimento apenas a sua
"reforma de velhice", com que custeia a sua estadia no mencionado lar.
Pelos fins de 1983 o réu e esposa regressaram definitivamente a Portugal e "estabeleceram-se", montando um "café", onde ora moram e que exploram.
O réu é pessoa bem conceituada no meio em que vive, é considerado como pessoa honesta e trabalhadora.
O réu tem tido bom comportamento anterior e posterior aos factos dos autos.
O réu tem uma filha, casada nos Estados Unidos da
América. o Réu tem boa situação económica e é de média condição social, atento o meio em que vive".
Descrita a matéria de facto apurada, que este Supremo
Tribunal, em princípio, tem de acatar, passemos à análise dos aspectos de direito.
O ponto de discordância do recorrente quanto ao conteúdo do acórdão em apreço e segundo se depreende de que foi alegado, é orientado no sentido de não estar configurado o crime pelo qual vem pronunciado, por faltarem elementos essenciais à verificação de tal delito, o prejuízo material, a intenção do enriquecimento sem causa e a existência de causa justificativa de tal enriquecimento. Acresce ainda, e por inerência de conexão seguinte e lógica, a revogação do acórdão recorrido; a não ser assim entendido pelo menos a indemnização deve ser drasticamente reduzida, por ser exageradíssimo e injustificado o valor à mesma atribuído.
Mas a aludida posição do recorrente, porém, é desde logo infirmada pelo conjunto da matéria de facto dada como provada e definitivamente fixada no acórdão recorrido, que aponta para uma conclusão contrariante à defendida pelo arguido.
Para tanto basta atentar-se no que se respiga da matéria de facto que ficou assente:
"O arguido convenceu a queixosa, sua tia, a transferir todo o dinheiro que tinha depositado, em duas contas a prazo no Banco Fonsecas & Burnay, em Vagos, para o balcão do Banco Nacional Ultramarino, em Mangualde, e a colocá-lo em nome dela, do arguido e da esposa deste, o que veio a suceder. A totalidade do dinheiro era de
4509050 escudos.
O arguido tomou a resolução de se apoderar de todo o dinheiro, fazendo-o integrar no seu património. Assim, na execução desse plano dactilografou a carta junta a folha 170-A, datada de 8 de Março de 1983, dirigida ao
Banco Nacional Ultramarino, em Mangualde, em que mandava cancelar as duas contas (a conta a prazo referente ao depósito do dinheiro e a conta à ordem, com os juros), solicitando que o dinheiro aí existente fosse transferido para novas contas (em nome do arguido e da esposa) o que veio a acontecer.
Depois de dactilografar tal carta, o arguido assinou-a com o seu próprio nome, e pelo seu próprio punho fez também a assinatura da queixosa, como se fosse ela própria a efectuá-la. Para que a assinatura da queixosa ficasse igual àquela por ela habitualmente utilizada, o arguido fê-la por sobreposição à assinatura constante da fotocópia do testamento que a queixosa havia feito a favor do arguido, fotocópia que ele tinha em seu poder.
O réu ao elaborar esta última carta e ao assiná-la nos termos referidos, com assinatura semelhante à da queixosa com o objectivo de a imitar, sabia que actuava contra a vontade e interesse desta.
De igual modo ao entregar a carta ao Banco, assim assinada, convencendo-o da sua realidade, o arguido sabia que estava a induzir em erro o Banco que, em consequência, cancelou as contas existentes em nome da queixosa e transferiu todo o dinheiro para uma conta do arguido e da esposa, obtendo assim um enriquecimento ilícito à custa dos prejuízos patrimoniais causados à queixosa.
Toda a actuação do arguido foi voluntária, livre e consciente, bem sabendo este que a sua conduta era legalmente punível".
Por outro lado, como se constata das suas alegações, o recorrente admite não ter ficado provado que a queixosa, ao abrir as contas no Banco Nacional Ultramarino, em Mangualde, nas condições em que o fez, quis doar ou dar os seus dinheiros a ele e a sua esposa
(folha 310).
Perante tais elementos resulta a verificação de prejuízo material (apropriação de quantias em dinheiro que não pertenciam ao arguido) e a intenção e a existência de enriquecimento ilícito (aumento indevido do seu património com dinheiro que não era seu).
Se tudo se passasse como o réu configura, e se tudo é tão curial e correcto, para que congeminar o referido plano, para que falsificar a assinatura da queixosa - poderia utilizar a da sua esposa - a fim de conseguir a transferência das quantias em dinheiro? A resposta aparece lapidar e sem sombra de dúvidas quando se dá como provado que "o réu ao elaborar esta última carta e ao assiná-la nos termos referidos, com assinatura semelhante à da queixosa, com o objectivo de a imitar, sabia que actuava contra a vontade e interesses desta".
Até poderia ter abordado a queixosa para que esta consentisse em transferência as quantias em dinheiro das ditas contas para outra a abrir em nome do arguido e da esposa. Só que não tentou este caminho, como é
óbvio, porque com toda a certeza esbarrava com a oposição da queixosa.
E uma coisa é uma pessoa desapossar-se do que é seu e outra, como é o caso dos autos, condicionar os seus poderes de disposição e de administração das quantias em dinheiro, sem que isto invalide a posição de que tais dinheiros pertenciam exclusivamente à queixosa.
Assim está configurado o crime de burla previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 313 e
314, alínea c) do Código Penal de 1982, pelo qual o arguido se mostra pronunciado. A este crime é essencial a concorrência dos seguintes requisitos: o agente artificiosamente induzir em erro ou enganar outrem para obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. E para se constatar se existe um enriquecimento ilegítimo importa considerar o contexto civilistico do enriquecimento sem causa. Neste os requisitos são o enriquecimento de alguém com o consequente empobrecimento de outrém, o nexo causal entre a primeira e a segunda destas situações e a falta de causa justificativa de tal enriquecimento.
Isto tudo se mostra verificado, de harmonia com as ilações que se podem tirar da matéria de facto dada como provada.
Perante o que se deixa exposto não restam dúvidas de que o arguido cometeu o apontado ilícito, como foi bem ponderado e decidido no douto acórdão recorrido.
A pena imposta ao arguido - 3 anos de prisão - aspecto não impugnado por este, não merece qualquer censura.
Houve-se em atenção as circunstâncias atenuantes e agravantes verificadas.
As primeiras cingem-se ao seguinte: o arguido é delinquente primário, vinha tendo bom comportamento anterior aos factos que praticou, tendo continuado com tal conduta de vida após a prática dos mesmos - e já decorreram mesmo mais de 13 anos após a prática do crime. Como agravantes destacam-se: a gravidade do ilícito cometido, ter ficado a queixosa em situação económica algo precária, e o dolo intenso, este demonstrado através da conduta do arguido.
A aludida pena encontra-se totalmente extinta pelo perdão (ou a aplicação normado: no artigo 13, n. 1, alínea b) da Lei n. 16/86, de 11 de Junho; do artigo
14, n. 1, alínea b) da Lei n. 23/91, de 4 de Julho; e do artigo 8, n. 1, alínea d) da Lei n. 15/94, de 11 de
Maio) ressalvando-se a condição resolutiva referida no artigo 11 da citada Lei n. 15/94.
Outro aspecto focado no recurso do arguido é o que se relaciona com a indemnização arbitrada que, no entender dele, deve ser drasticamente reduzida, no caso de não ser absolvido do crime pelo qual vem pronunciado.
Vejamos esta questão.
Determina o artigo 128 do Código Penal de 1982 (artigo
129 do Código Penal revisto) que "a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil".
O Código Civil no seu artigo 483, n. 1 determina que
"aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Por seu turno os artigos 562, 563 e 564 do mesmo Código debruçam-se, respectivamente, sobre os aspectos relacionados, com a obrigação de indemnizar, ou seja, que a obrigação de reparação do dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação do dano, com o nexo de causalidade entre os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, e ainda com os critérios destinados ao cálculo da indemnização.
Resulta inequivocamente da matéria provada que o arguido se apropriou ilicitamente de 4509050 escudos pertencentes à queixosa, e que tal evento foi consumado em Março de 1983, já se tendo passado mais de 13 anos.
Com interesse para a solução deste caso importa eleger como referências à quantia aludida, quanto ela renderia de juros e ainda a desvalorização da moeda resultante da verificação do processo inflacionário. Assim, tomando como ponto de partida a quantia de 4509050 escudos, as taxas de juro estabelecidas através dos avisos do Banco de Portugal e que são as seguintes: em
1983, de 23 a 25 porcento; em 1984, 24 porcento; em
1985, de 23 a 19 porcento; em 1986, 17,5 porcento; em
1987, 15,5 porcento; em 1988, 14 porcento; em 1989,
14,5 porcento; em 1990, 14,5 porcento; em 1991, 14,5 porcento; em 1992, 14,5 porcento; em 1993, 13,5 porcento; em 1994, 12 porcento; em 1995, 9,5 porcento; e em 1996, 8,75 porcento; e mais o fenómeno inflacionário: em 1983, 33 porcento; em 1984, 28 porcento; em 1985, 19 porcento; em 1986, 13,1 porcento; em 1987, 10,2 porcento; em 1988, 9,6 porcento; 1989,
12,7 porcento; em 1990, 13,6 porcento; em 1991, 12 porcento; em 1992, 9,5 porcento; em 1993, 6,8 porcento; em 1994, 5,4 porcento e em 1995, 4,1 porcento - estes dados a ter em conta por força da norma do artigo
514, n. 1 do Código de Proceso Civil, e de harmonia com o determinado no artigo 1, parágrafo único do Código de
Processo Penal de 1929 - temos de convir que a indemnização à queixosa pelos danos patrimoniais e no montante de 15000000 escudos, não sofre contestação sendo perfeitamente equilibrada, e não sendo excessiva.
Na parte respeitante aos danos não patrimoniais é determinante o estatuído no artigo 496 do Código Civil.
O critério a adoptar para a fixação do respectivo montante indemnizatório deve alicerçar-se em razões de equidade, mas sem perder de rumo, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 do Código Civil.
Esta indemnização destina-se a compensar os desgostos, as contrariedades e as angústias suportadas pela queixosa durante mais de 13 anos, pela incerteza que tinha quanto a poder recuperar o dinheiro de que fora desapossada ilegitimamente; e dinheiro cuja falta lhe causou privações, uma vez que teve de viver somente da
"reforma de velhice", estando internada num lar, quando poderia ter levado uma vida melhor se tivesse a possibilidade de usufruir dos rendimentos legítimos do referido dinheiro.
Esta situação reveste o cariz de um dano não patrimonial (ou normal) muito relevante que como tal tem de receber a adequada e correspondente avaliação e protecção legais.
Nesta conformidade entende-se que a correlativa indemnização que foi arbitrada à queixosa, e no montante de 2000000 escudos, se mostra adequada e de harmonia com os critérios legais, pelo que deve manter-se inalterada.
Perante o que se deixou explanado importa afirmar que o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo ser confirmado.
Decisão:
É negado provimento ao recurso do arguido A e, consequentemente confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, com imposto de justiça fixado em 40000 escudos.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1997.
Dias Girão,
Sá Nogueira,
Carlindo Costa.
Decisão Impugnada:
Acórdão de 22 de Maio de 1996 da Comarca de Mangualde.