Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
058252
Nº Convencional: JSTJ00004115
Relator: RICARDO LOPES
Descritores: LETRA
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
ACÇÃO CAMBIARIA
PRAZO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196206120582521
Data do Acordão: 06/12/1962
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS DE 12-07-1962 ; BMJ 118 , 313
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1962
Área Temática: DIR COM - TIT CREDITO. DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC61 ARTIGO 145 ARTIGO 146 ARTIGO 147 ARTIGO 267 ARTIGO 474 C.
LULL ARTIGO 70 ARTIGO 71.
CCOM888 ARTIGO 3 ARTIGO 339.
CCIV867 ARTIGO 548 ARTIGO 552.
Legislação Estrangeira: CCOM DE FRANÇA ART189.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1960/04/26 IN BMJ N96 PAG366.
ACÓRDÃO STJ DE 1960/04/22 IN BMJ N96 PAG361.
ACÓRDÃO STJ DE 1951/04/24 IN BMJ N24 PAG354.
ACÓRDÃO STJ DE 1960/10/07 IN BMJ N100 PAG577.
Sumário :
Os prazos fixados no artigo 70 da lei uniforme sobre letras de cambio são de prescrição, sujeitos a interrupção nos termos do artigo 552 do Codigo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam os juizes do Supremo Tribunal de Justiça em secções reunidas:

No agravo n. 58252, em que foram recorrentes o Banco Nacional Ultramarino e A e sua mulher B e agravados os mesmos, proferidos o acordão de 26 de Abril 1960, a folhas 209 (Boletim, n.96, pagina 366), que concedeu provimento ao agravo do Banco e declarou, por isso, prejudicado o dos reus A e mulher, pelo que dele não conheceu, e o acordão de 7 de Junho seguinte, a folhas 234, que incidiu sobre reclamação daquele aresto, - vieram os ditos A e mulher recorrer para o Tribunal Pleno, alegando que o acordão de 26 de Abril, ao decidir, como decidiu, que os prazos do artigo 70 da Lei Uniforme sobre letras de cambio são prazos de prescrição e interruptiveis nos termos do artigo 552 do Codigo Civil, esta em nitida oposição com o acordão de 22 de Abril do mesmo ano proferido nos autos de agravo n. 58272, que decidiu e julgou que os prazos daquele artigo 70 são prazos de caducidade que não podem ser interrompidos, a não ser pela apresentação da respectiva acção nos termos do artigo
267 do Codigo de processo, sendo certo que ambos os acordãos foram exarados no dominio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito.
O acordão de 22 de Abril transitou em julgado.
A folhas 273 foi proferido o acordão da sessão de 15 de Novembro de 1960, que decidiu ser manifesta a alegada oposição entre os dois citados arestos, e mandou seguir o recurso para o tribunal pleno.
Apresentaram então os recorrentes a sua alegação em que concluem que este tribunal deve manter, quanto a letras de cambio, e com relação ao artigo 70 da Lei Uniforme, a orientação que sempre marcou, especialmente nos acordãos de 24 de Abril de 1951 (Boletim, n. 24, pagina 354) e de 22 de Abril de 1960 (Boletim, n. 36, pagina 361), concedendo inteiro provimento ao presente recurso e revogando o acordão de folhas 209, que o de folhas 234 completa, por a respectiva acção ter sido apresentada em juizo contra os recorrentes, como endossantes, mais de um ano depois do vencimento e do protesto das letras em causa, e lavrar nos termos legais assento no sentido de que em face da lei portuguesa são de caducidade e não de prescrição os prazos marcados naquele artigo 70 para a propositura das acções relativas a letras de cambio.
O Banco combate esta tese dos recorrentes e pede, em conclusão, se mantenha o acordão recorrido e que o assento a tirar seja no sentido de se considerar de prescrição e não de caducidade os prazos em questão.
O ilustre representante do Ministerio Publico apresentou tambem as suas alegações em que conclui que o conflito de jurisprudencia deve ser solucionado declarando-se que são de prescrição das obrigações cambiarias os prazos fixados naquele preceito da Lei Uniforme, formulando-se para tanto, o respectivo assento.
Cumpre conhecer do recurso.
O artigo 70 da Lei Uniforme estabelece, conforme a posição assumida nas letras pelos respectivos firmantes, prazos curtos que vão de seis meses a tres anos para a exigencia judicial do pagamento das obrigações cambiarias.
A lei afastou-se, assim, neste ponto, das legislações anteriores sobre letras e livranças dos paises signatarios da Convenção, que fixavam como o nosso Codigo Comercial no artigo 339, o prazo unico de cinco anos para a exigencia do pagamento da letra a qualquer dos obrigados cambiarios.
Mas, ao contrario do Codigo, que a esse respeito nada estabelecia, o artigo 71 da Lei Uniforme dispõe que a interrupção da prescrição das acções relativas a letras so produz efeito em relação a pessoa para quem a interrupção foi feita.
Em face daquela omissão do Codigo, era, porem, geralmente entendido entre aqueles que não consideravam o prazo quinquenal do artigo 339 de caducidade, que a falta de regulamentação propria da lei mercantil, se devia recorrer as regras do Codigo Civil sobre a suspensão e a interrupção, por ser o direito civil subsidiario do comercial por força do determinado no artigo 3 do Codigo de Comercio. Havia apenas que ressalvar o preceituado na segunda parte do artigo 339.
E certo que Cunha Gonçalves, por exemplo, no seu Comentario ao Codigo Comercial, volume II, pagina 290, opinava que este artigo pela forma como estava redigido não permitia admitir qualquer suspensão da prescrição cambiaria contra menores incapazes e ausentes de Portugal em serviço da Nação e contra os militares em serviço activo em tempo de guerra.
Outros, porem, como Sa Carneiro (Da Letra de Cambio na Legislação Portuguesa, pagina 203) manifestavam-se pela afirmativa.
Este jurisconsulto entendia que a prescrição cambiaria, salvo os casos contemplados no artigo, se suspendia ou interrompia nos termos da lei civil.
A opinião do Dr. Sa Carneiro foi revigorada com a Lei Uniforme sobre letras e livranças e acha-se ate poderosamente reforçada com a douta argumentação do Doutor Pinto Coelho (Suplemento as Lições de Direito Comercial - As Letras, 2 parte, paginas 193 e seguintes).
Com efeito, este Mestre de Direito Comercial entende que o principio enunciado no artigo 71 revela em materia cambiaria o caracter pessoal e relativo da excepção de prescrição e baseia-se precisamente no principio da autonomia das obrigações cambiarias.
Relativamente, porem, a interrupção da prescrição da acção cambiaria aplicam-se "os demais preceitos estabelecidos sobre o assunto na legislação civil, isto e as disposições dos artigos 552 e seguintes do Codigo Civil, tanto no que respeita as causas de interrupção, como no que toca a disciplina dos seus efeitos".
Quanto a suspensão da referida prescrição, o professor Pinto Coelho tambem considera aplicaveis os principios enunciados nos artigos 548 e seguintes do Codigo Civil.
E certo que tanto o artigo 339 do Codigo Comercial como o artigo 70 da Lei Uniforme falam em acções relativas a letras que prescrevem nos apontados prazos e este modo de dizer pode levar-nos a pensar que se trata de casos de caducidade e não de prescrição no seu verdadeiro sentido tecnico.
Efectivamente, parece que não foi feliz a referencia na Lei Uniforme a acções que prescrevem.
Ja na plena vigencia da materia cambiaria contida no Codigo Comercial a expressão em causa fora objecto de larga controversia.
Sa Carneiro, por exemplo, (obra cit.) reputava a prescrição da acção por não ser exercida dentro de certo prazo como um verdadeiro impossivel juridico, pela razão simples de que a acção, em face da moderna tecnica, tem de incluir-se necessariamente nas situações meramente objectivas, pois a acção e um mero poder legal e como tal não pode prescrever.
A prescrição limita-se a situações juridicas subjectivas, aos direitos ja exercidos.
No entanto, em seu criterio, a redacção do artigo 339 compreendia-se. O preceito derivara do artigo 189 do Codigo Comercial frances e em França dominava a corrente doutrinaria que afirmava que, verificava a prescrição, subsistia um vinculo natural da obrigação.
Daqui entender-se que se apoiava nessa subsistencia do vinculo natural da obrigação a doutrina de que era a acção que prescrevia.
Tal entendimento, porem, não tinha apoio no nosso direito positivo. Melhor seria dizer que a extinção da acção se operava por via mediata em razão de se ter extinguido pela prescrição o direito que ela se destinava a efectivar.
Com efeito, sabido que a prescrição extintiva e um modo de extinção dos direitos por criação do seu titular durante o tempo determinado na lei, a propria acção para os exercer podia ser objecto da prescrição.
Segundo o nosso ordenamento juridico a prescrição constitui um verdadeiro modo de extinção dos direitos.
E apodictico que o direito substancial e a acção não se confundem, mas tambem e certo que a tutela-judicial e uma nota imanente e essencial do direito.
Uma vez perdida, perdido esta o direito.
O problema que se põe ao Tribunal - para não prolongarmos a questão - consiste em saber se os prazos fixados no artigo 70 da Lei Uniforme são de prescrição ou de caducidade.
O acordão recorrido decidiu que são de prescrição, seguindo, por isso doutrina contraria a do indicado acordão do Supremo que sustentou serem de caducidade.
Este velho problema, na verdade, ha muito que carecia de ser definitivamente, solucionado, pois as consequencias resultantes da adopção ora de um ora de outro criterio em casos identicos eram de suma importancia.
Não obstante o instituto da prescrição se relacionar estreitamente com o da caducidade ou decadencia de direito, que tem lugar quando a lei ou a vontade dos particulares fixam um termo para a duração de um direito, de tal modo que decorrido esse termo ja o direito não pode ser exercido,
- são profundas as diferenças entre os dois institutos.
A doutrina assinala a estas duas formas de extinção de direitos - caducidade e prescrição - caracteristicas proprias.
Assim, enquanto a caducidade pode proceder de um acto juridico privado ou da lei, a prescrição tem sempre a sua origem na lei.
Alem disso, a finalidade da prescrição e dar por extinto um direito que por não ter sido exercido pelo seu titular, se pode presumir que ele o abandonou.
Na caducidade, a finalidade do instituto e fixar de antemão o tempo durante o qual um direito pode ser exercido utilmente.
Por isso, enquanto na prescrição se toma em consideração a razão subjectiva do não exercicio do direito, isto e, a negligencia real ou suposta do titular, na caducidade atende-se so ao facto objectivo da falta de exercicio dentro do termo prefixado.
Daqui se infere que a prescrição extingue acções e direitos atraves de uma excepção, enquanto que a decadencia ou perempção opera a extinção de uma maneira directa e automatica.
Isto significa, em ultima analise, que se determinado prazo for de caducidade o juiz ha-de te-lo forçosamente em conta (artigo 474, alinea c), do Codigo de Processo Civil). Se, porem, esse prazo for de prescrição, então so o demandado o pode invocar e invocando-o, e que o juiz o tera em atenção para julgar extinto o direito, que o autor se arrogou.

Outras caracteristicas - e bem importantes elas são - a doutrina assinala aos dois institutos.
Assim, na prescrição admitem-se causas de suspensão e interrupção, ao inves do que acontece na decadencia em que essas causas não tem influencia precisamente porque em principio o efeito extintivo e radical e automatico, como resulta, v. g., dos artigos 145 a 147 do Codigo de Processo.
Em suma, os ensinamentos colhidos na doutrina levam-nos a concluir que não são aplicaveis a caducidade as regras da prescrição, nem directamente, nem mesmo por via analogica.
Posto isto, vejamos se efectivamente o artigo 70 se refere a prazos de prescrição ou de caducidade.
A controversia estabelecida no Supremo Tribunal tem sido grande.
Ha arestos que tem decidido num e noutro sentido.
O acordão recorrido entendeu que esses prazos são de prescrição, enfileirando, assim, na corrente doutrinaria perfilhada tambem, por exemplo, no acordão de 7 de Outubro de 1960 (Boletim, n. 100, pagina 577).
Mas o acordão de 22 de Abril de 1960 (Boletim, n. 96, pagina 361) seguindo na esteira, por exemplo, do de 24 de Abril de 1951 (Boletim, n. 24, pagina 354) decidiu que os prazos do citado artigo 70 são de caducidade.
A recente inclinação do Supremo para a doutrina da prescrição, mostra-nos, na verdade, o melhor caminho para a solução definitiva do dissidio.
E certo que a lei fala, como vimos, em prescrição de acções relativas a letras e este modo de dizer tem algumas vezes perturbado os julgadores.
No entanto, numa nova revisão do problema, somos forçados a conclusão de que a melhor doutrina e a do acordão recorrido.
Como muito bem se frisa na Revista dos Tribunais, ano 78, pagina 277, e hoje pacifico que os prazos para a propositura das acções são de caducidade.
Mas a questão e outra no caso sub judice. "O problema levantado pelo artigo 70 da Lei Uniforme - diz a Revista - e o de saber se ele, ao estabelecer a prescrição das acções quis referir-se a prescrição das obrigações cambiarias.
Ora o artigo 71 impõe a afirmativa, ao dispor que a interrupção da prescrição so produz efeitos em relação a pessoa para quem a interrupção foi feita".
Ja vimos que os prazos de caducidade não são susceptiveis de suspensão ou interrupção. Como diz a Revista dos Tribunais, o artigo 71 basta para impor a afirmativa de que os prazos do artigo 70 são verdadeiros prazos prescricionais, cujo decurso importa a extinção da propria relação juridica cambiaria, pelo que são aplicaveis tanto os principios da lei geral como os da propria Lei Uniforme sobre a interrupção da prescrição.
A Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 93, pagina 301, pela pena do seu ilustre colaborador Doutor Pinto Coelho aplaude a corrente jurisprudencial que perfilha a tese da prescrição - tese que o dito Professor considera fundada nos artigos 70 e 71 da Lei e tambem no artigo 17 do Anexo II onde se prescreve, alem do mais, que a cada uma das Altas Partes Contratantes compete determinar na sua legislação nacional as causas de interrupção e de suspensão da prescrição das acções relativas a letras que os seus tribunais são chamados a conhecer.
Ora o nosso Pais não promulgou nenhumas disposições internas a tal respeito porque a regulamentação da interrupção e da suspensão da prescrição ja se achava feita no nosso Codigo Civil, artigos 552 e seguintes e 548 e seguintes.
De resto, a interpretação logica dos citados artigos conjugada com o que se passou sobre o assunto na Conferencia de Genebra não pode conduzir a outra solução.
No acordão de 26 de Abril de 1960 considerou-se - e, a nosso ver, bem que os artigos 70 e 71 como regras que são de uma Convenção internacional so devem sujeição aos criterios da nossa lei interna naquilo que essa Convenção não tenha regulado especialmente e na medida em que tenha remetido para as nossas leis internas.
O que interessa, pois, saber não são - como se diz naquele acordão de 26 de Abril - as regras particulares do direito portugues que sirvam a distinção entre caducidade e prescrição extintiva; mas sim os principios, criterios e regras da Lei Uniforme, que Portugal se obrigou a adoptar como signatario da Convenção de Genebra.
A proposito do verdadeiro significado e alcance dos citados preceitos daquela lei e do artigo 17 do Anexo II, são bastante elucidativos os ns. 145 e 146 do Relatorio da Comissão de Redacção que dizem o seguinte:
"N. 145 - Variando segundo as legislações as causas de interrupção e de suspensão da prescrição, tinha-se proposto para evitar conflitos de leis nesta materia substituir os prazos de prescrição por prazos de caducidade (decheance) mas não sendo as mesmas nas diversas legislações as diferenças entre a prescrição e a caducidade objectou-se que as consequencias desta substituição não seriam claras e que a questão reclamaria exame mais profundo.
A Conferencia decidiu assim ater-se a noção de prescrição".
"N. 146 - Por outro lado adoptou-se uma reserva no artigo 17 do Anexo II".
Do que fica exposto se mostra, pois, que a lei, quando se refere a prescrição das acções quer, em conclusão, dizer na sua tradicional expressão - e dissemos tradicional porque ja era adoptada pelo artigo 339, preceito que tinha as suas raizes no Codigo Comercial frances e mesmo em outras legislações estrangeiras como o Codigo italiano - que a prescrição da acção envolve a prescrição da obrigação cambiaria.
Como elucida ainda o Professor Pinto Coelho "a palavra prescrição e empregada no seu sentido tecnico, e se se alude a prescrição da acção isso deriva unicamente de que, extinta pela prescrição a obrigação, prejudicada fica a acção que e simples meio de exigir o seu cumprimento".
A doutrina que fica defendida tem tambem o aplauso do Professor Doutor Vaz Serra, como pode ver-se no seu magistral trabalho Prescrição Extintiva e Caducidade, publicado no Boletim, ns. 105 a 107, onde trata especialmente do assunto em causa a paginas 234 do n. 106.
Por todos estes fundamentos, se nega provimento ao recurso, se confirma o acordão recorrido e se firma o seguinte assento:
"Os prazos fixados no artigo 70 da Lei Uniforme sobre letras de cambio são de prescrição, sujeitos a interrupção nos termos do artigo 552 do Codigo Civil".
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 12 de Julho de 1962

Ricardo Lopes (Relator) - Amorim Girão - Amilcar Ribeiro
- Bravo Serra - Alfredo Jose da Fonseca - Eduardo Coimbra - Fernando Toscano Pessoa - Jose Osorio - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano - Arlindo Martins - Jose Meneses - Barbosa Viana - Lopes Cardoso (Votei apenas a doutrina do assento propriamente dito).