Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/19.5YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: NUNO GOMES DA SILVA
Descritores: CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão:
NEGADA
Indicações Eventuais:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / PROVIDÊNCIAS CAUTELARES / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Área Temática:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 34.º, 168.º, N.º 1, 170.º, N.ºS 1, 2 E 3 E 178.º.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 112.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2 E 120.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-08-2018, PROCESSO N.º 54/18.0YFLSB;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 49/18.7YFLSB;
- DE 09-10-2018, PROCESSO N.º 52/18.7YFLSB;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 80/18.2YFLSB;
- DE 22-01-2019, PROCESSO N.º 88/18.8YFLSB;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 6/19.6YFLSB;
- DE 09-04-2019, PROCESSO N.º 7/19.4YFLSB.
Sumário :
I - O decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) a aparência do direito invocado (fumus boni iuris); (iii) a proporcionalidade e a adequação da providência aos interesses públicos e privados em presença, devendo a mesma ser recusada se, na sua ponderação relativa, os danos resultantes da sua concessão forem superiores aos advindos da sua não concessão.

II - A requerente alicerça a providência cautelar requerida num conjunto de asserções de cariz conclusivo e de natureza conjectural, não reportando factos concretos que, provados, permitam precisar se há um perigo de verificação dos efeitos que a suspensão visa afastar, sendo que para a concessão da providência é necessário que dos concretos factos alegados se conclua de modo patente que o não deferimento desta torna impossível, no caso de o processo principal ser julgado procedente, proceder à restauração plena da situação conforme à legalidade.

III - Não tendo sido alegado facto que, provado, consubstancie um prejuízo efectivo e irreparável, a falta do requisito periculum in mora prejudica uma tomada de posição sobre a verificação dos demais e é bastante para o indeferimento da pretensão da requerente.

Decisão Texto Integral:

1. – AA, Juíza ..., identificada nos autos, propôs acção administrativa de anulação da deliberação, de 2019.04.23, do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que homologou a classificação de “medíocre” proposta no âmbito da inspecção extraordinária a que a sua prestação de serviço no Quadro Complementar de Juízes de Coimbra foi submetida e, simultaneamente, vem requerer, invocando o art. 170º, nºs 1 e 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), a suspensão da sua eficácia, designadamente no tocante ao processo de inquérito instaurado, alegando, em síntese:

  - No decurso do processo inspectivo que decorreu durante meses a requerente não foi ouvida em momento algum assim como não lhe foi dado a conhecer o relatório de inspecção para, querendo, se poder pronunciar quanto à respectiva proposta classificativa final assim se configurando um vício de procedimento a implicar a anulação da deliberação;

    - Desde 2018.05.28, altura em que sofreu um «AVC Isquémico», que a requerente está ausente do serviço por doença sem data previsível para o retomar situação essa em que encontrava já quando se iniciou o procedimento inspectivo;

   - Em Setembro ou Outubro de 2018 foi contactada telefonicamente pela Sra Secretária da Inspecção para «agilizar a marcação da entrevista» tendo a requerente então informado não ter condições clínicas para se deslocar ao seu local de trabalho nem ter conhecimento da data provável do regresso ao serviço;

   - Foi-lhe dito, em resposta, que as informações que prestara seriam reportadas e que, havendo necessidade, voltaria a ser contactada, o que não mais aconteceu;

   - A requerente tinha, como tem ainda hoje um problema de saúde grave, incapacitante, e que a fazia dependente de terceiros, além de estar limitada a possibilidade de ausência do domicílio em resultado da certificação clínica da sua incapacidade para o trabalho, conhecida dos Serviços, razão pela qual «não se voluntariou» para comparecer à entrevista, sendo certo que também lhe não foi proposta qualquer alternativa compatível com essa sua situação;

    - Daí ser incompreensível que se haja concluído haver uma «postura de indiferença da Senhora Juiz, reveladora de descomprometimento às consequências da ineficácia da administração da justiça»;

   - A requerente apenas voltou a ter notícias da inspecção quando foi pessoalmente notificada, em 2019.05.06 da decisão cuja eficácia pretende ver suspensa, nem sequer lhe sendo dado conhecimento do relatório inspectivo, sequer através do seu e-mail profissional ou através do IUDEX onde «nada foi encontrado»;

   - A decisão visada, se tornada eficaz, terá «repercussões altamente penalizadoras, até irremediáveis, na vida, na imagem e no percurso profissional da requerente» (pontos 73 e 83 da petição);

   - As considerações que constam da «decisão classificatória (…) assumirão um relevo preponderante no convencimento do Exmo Senhor Instrutor» (ponto 78 da petição);

  - O inquérito só existe como resultado da inspecção e a consequência desta é «extramente penalizadora» assim como a sua pendência é «altamente vexatória para a imagem profissional da requerente» (ponto 88 da petição);

  - A requerente é portadora de interesse legítimo e fundado no decretamento da suspensão da eficácia que peticiona e que se sobrepõe a um eventual interesse público.

         

       Cumprido o art. 170º, nº 3 EMJ o CSM respondeu pedindo o indeferimento da providência dizendo, em síntese, o seguinte:

  - Ocorreram diversas tentativas de agendamento da 1ª entrevista no âmbito da inspecção extraordinária a que a requerente foi sujeita sem qualquer disponibilidade desta sendo certo que os certificados médicos de incapacidade para o trabalho que apresentou dão conta da possibilidade de autorização de ausência do domicílio em certos períodos;

  - O relatório final foi notificado à requerente por correio electrónico para o mesmo endereço para o qual foram feitas outras notificações que a requerente recebeu e a que respondeu;

 - A alegação de prejuízos irreparáveis é abstracta, indeterminada, vaga e imprecisa além de que estão em causa, com a classificação atribuída, efeitos legais previstos no art. 34º EMJ;

  - O interesse que visa salvaguardar com a pedida suspensão de eficácia é somente individual pois visa a manutenção da classificação anterior e a consequente não suspensão automática do exercício de funções mas o diferimento da execução da deliberação seria de grave prejuízo pois traduzir-se-ia na manutenção em funções de uma magistrada sob a qual impende uma averiguação a respeito da sua capacidade profissional;

  - Estando em preparação o movimento judicial ordinário este seria afectado levando à sua suspensão parcial se fosse decretada a suspensão ainda que provisória da notação de “medíocre” atribuída à requerente em virtude de ser interdependente a colocação de juízes mercê da relevância das respectivas classificações, razão pela qual é de imperioso interesse público a execução da deliberação suspendenda.

                                                        *

2. – O propósito principal da requerente é impugnar a deliberação do CSM que homologou a notação de “medíocre” mercê da qual, em conformidade com o art. 34º, nº 2 EMJ, ocorrerá a suspensão do exercício de funções de magistrada com a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício.

 Fê-lo através da propositura da acção administrativa e, do mesmo passo, socorreu-se da providência cautelar de suspensão de eficácia de tal acto o que a lei contempla quando se reconheça que a sua execução imediata é susceptível de causar a quem o impugna um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

 Tudo a coberto das disposições conjugadas dos arts. 168º, nº 1, 170, nº 1 e 178 EMJ determinando esta última disposição que são subsidiariamente aplicáveis os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo o que leva à ponderação, dado estar em causa esse pedido de suspensão da eficácia de um acto administrativo, do disposto nos arts. 112º, nºs 1, al. a) e 2 e 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

   Visando a providência cautelar o decretamento da suspensão da eficácia e evitar a inutilidade, total ou parcial, da decisão a proferir no processo principal e preservar assim a situação jurídica pré-existente à prática do acto, como salienta a jurisprudência e a doutrina[1] o art. 120º citado estabelece os pressupostos respectivos, ou como enuncia a sua epígrafe, os “critérios de decisão” de verificação cumulativa e de ponderação segundo um «juízo de mera verosimilhança»[2], logo necessariamente perfunctório, que são: (i) o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) a aparência do direito invocado (fumus boni iuris); (iii) a proporcionalidade e a adequação da providência aos interesses públicos e privados em presença, devendo a mesma ser recusada se, na sua ponderação relativa, os danos resultantes da sua concessão forem superiores aos advindos da sua não concessão[3].

       Os dois primeiros positivos e o terceiro negativo ou impeditivo implicando a ponderação dos interesses público e privado em conflito com apelo a critérios de justiça relativa mas todos imprescindíveis para o decretamento da providência.

       Sendo de verificação cumulativa, como referido, a ausência de um deles prejudica a apreciação dos restantes[4].

  Também é entendimento reiterado que para a verificação do periculum in mora não releva a alegação de prejuízos meramente eventuais, hipotéticos ou conjecturais; o juízo sobre o risco de ocorrência dos prejuízos deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseada na análise de factos concretos, que levem, eles sim, a uma conclusão sobre a existência dessa real e efectiva situação de risco[5]. Impõe-se, pois, a alegação e demonstração de prejuízos efectivos, reais e concretos[6]

          Dito isto.

 A respeito do periculum in mora alega-se essencialmente na petição:

- que se a decisão impugnada «se tornar imediatamente eficaz não deixará de ter repercussões altamente penalizadoras, até irremediáveis, na vida, na imagem e no percurso profissional da requerente»;

- que as considerações constantes da «decisão classificatória (…) assumirão um relevo preponderante no convencimento do Exmo Senhor Instrutor»;

- que a pendência do inquérito é «altamente vexatória para a imagem profissional da requerente».

O que, salvo o devido respeito, consubstancia um conjunto de asserções de cariz marcadamente conclusivo e de natureza unicamente conjectural e classificatória, não reportando factos concretos que, provados, permitam precisar se há, ou não, realmente, um perigo de verificação dos efeitos que a suspensão visa afastar.

Acresce que também é firme a jurisprudência[7] segundo a qual, para a concessão da providência, é necessário que dos concretos factos alegados se conclua de modo patente que o não deferimento desta torna impossível, no caso de o processo principal ser julgado procedente, proceder à restauração plena da situação conforme à legalidade.

Ora, para além das conjecturas já apontadas nenhum facto foi alegado que, provado, consubstancie um prejuízo efectivo e irreparável.

Em suma, a patente falta do requisito periculum in mora, só por si, prejudica uma tomada de posição sobre a verificação dos demais e é bastante para o indeferimento da pretensão da requerente.

                                            *

3. – Em face do que se decide indeferir a providência requerida.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Feito e revisto pelo 1º signatário.

Lisboa, 04 de Julho de 2019

Nuno Gomes da Silva (Relator)

Pedro Lima Gonçalves

Maria da Graça Trigo

Manuel Augusto Matos

Chambel Mourisco

Graça Amaral

Oliveira Abreu

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[1] Cfr, v.g., por mais recente o Acórdão STJ de 2018.09.18, proc 49/18.7YFLSB e doutrina ali citada.
[2] Cfr Ac. cit.
[3] Cfr Ac. cit e ainda, também por mais recente, o de 2019.01.22, no proc 88/18.8YFLSB.
[4] Cfr Acórdãos de 2018.10.09, proc 52/18.7YFLSB; de 2018.10.25, proc 80/18.2YFLSB; de 2019.03.21, proc 6/19.6YFLSB e de 2019.04.09, proc 7/19.4YFLSB.
[5] Cfr Acórdão de 2018.08.10, proc 54/18.0YFLSB.
[6] Cfr Acórdão de 2018.10.09, cit supra.
[7] Cfr Acórdão de 2018.08.10, cit supra.