Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª. SECÇÃO | ||
Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 06/16/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, Vol. V, 143. - Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais –Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, Almedina, 61 e ss.. - José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | DECRETO-LEI Nº 50/2005, DE 25/02: - ARTIGO 19.º. LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO - REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS: - ARTIGOS 8.º, N.º 1, 14.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B). REGULAMENTO GERAL DE SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO NOS ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS – REGIDO PELA PORTARIA Nº 53/71, DE 3/2, ALTERADA PELA PORTARIA Nº 702/80, DE 22/9: - ARTIGOS 46.º, 47.º. | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA Nº 2001/45/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 27/06. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 14/2/2007, PROC. Nº 06S3545, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT. -DE 11/02/2015 E DE 29/01/2014, PROCESSOS N.ºS 1301/10.5T4AVR.C1.S1 E 1008/06.8TTVFX.L2.S1, RESPECTIVAMENTE, E DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT. -DE 15/4/2015, PROCESSO N.º 1716/11.1TTPNF.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . | ||
Sumário : | I – Em matéria de acidentes de trabalho a lei consagra a exclusão da responsabilidade do empregador em determinadas situações, estatuindo expressamente que aquele não tem de reparar os danos decorrentes do acidente sempre que se verifiquem as circunstâncias enunciadas no nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro. II – Na alínea a), do nº 1, do citado art. 14º, a lei prevê duas hipóteses de descaracterização do acidente: uma, decorrente de actuação dolosa provocada pelo sinistrado e outra, prevista na segunda parte, se o acidente provier de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei. III – Relativamente ao fundamento de descaracterização previsto nesta segunda parte da alínea a), do nº 1, do art. 14º, exige-se que: a) as condições e regras de segurança estabelecidas pelo empregador ou pela Lei se mostrem conexionadas com o risco decorrente da actividade profissional exercida, ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua actividade laboral; b) o sinistrado tenha conhecimento de tais condições e regras de segurança; c) e que se verifique o nexo de causalidade entre o acto ou omissão cometida pelo trabalhador e o acidente de que este foi vítima, ocasionado por violação das referidas regras. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – 1. AA
Intentou a presente acção especial de acidente de trabalho contra:
1. BB – Sucursal em Portugal, com sede em Lisboa, e 2. CC – Prestação de Serviços Técnicos e Aluguer de Equipamentos, Unipessoal, Lda.
Pedindo a condenação de ambas as RR., na medida das suas responsabilidades e do que for apurado, a pagar ao Autor:
Alegou, para o efeito e em síntese, que: Sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava no exercício das suas funções de serralheiro mecânico, sob as ordens e direcção da 2ª Ré, a reparar uma anomalia técnica numa máquina industrial e cuja origem só podia ser verificada com a máquina em funcionamento, o que fez. A máquina não tinha qualquer protecção na parte que atingiu a sua mão, pelo que logo que aproximou a sua mão, esta foi sugada pela ventoinha, do que lhe resultou traumatismo do dedo polegar da mão direita, com esfacelo, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica. Foi-lhe sido atribuída uma IPP de 9,79%. A 1ª Ré recusou a sua responsabilidade e a 2ª Ré não reconheceu o acidente como de trabalho. Concluiu o Autor no sentido de que tal ocorrência constitui um acidente de trabalho cujos danos devem ser reparados por ambas as Rés.
2. O ISS, IP. veio deduzir pedido de reembolso do subsídio de doença que pagou ao A.
3. Ambas as Rés deduziram oposição. 3.1. A 1ª Ré Seguradora não aceita a caracterização do acidente como laboral, porquanto considera que o acidente aqui em causa se ficou a dever a negligência grosseira do sinistrado, pois foi o Autor que ao tentar reparar a máquina onde costumava trabalhar, fazendo de técnico, colocou a sua integridade física em risco, porquanto abriu o compartimento traseiro de acesso ao radiador e ao motor e introduziu a sua mão na zona do motor à procura de um tubo de passagem de água, o qual estaria com uma fuga. Comportamento temerário, grave e inútil, pois tinha perfeita consciência de que podiam ocorrer lesões corporais graves e actuou à margem de qualquer ordem expressa para que efectuasse a operação em causa, bem sabendo que apenas deveria proceder a operações destas com a máquina desligada, o que não fez.
3.2. A 2ª Ré empregadora contestou alegando, em síntese, que: O A. encontrava-se a verificar e a reparar uma anomalia técnica numa máquina industrial, que consistia numa fuga de água, e para detectar a origem dessa anomalia não é necessário tocar na máquina ou, como o A. fez, colocar a mão perto da ventoinha em funcionamento. E o A. sabia que não podia tocar na máquina quando esta se encontrava ligada. Acresce que a 2ª Ré sempre proibiu expressamente que tais tarefas fossem executadas mediante a aproximação de qualquer parte do corpo à máquina, quando a mesma está ligada, conforme formação que foi dada, no dia 19/09/2011, e na qual o A. esteve presente. Sabe bem o Autor que após a verificação visual da máquina com o motor ligado teria que ter parado a máquina e bloqueado a mesma com o cadeado. A máquina tinha dois níveis de protecção: um autocolante, a indicar expressamente que não se pode colocar as mãos quando a máquina está em movimento e uma protecção em metal, que impede os trabalhadores de tocar na ventoinha. Ao actuar da forma descrita o A. incorreu num erro indesculpável e altamente reprovável, incumpriu as normas de segurança no trabalho e ignorou os procedimentos estabelecidos pela 2ª Ré sua empregadora, sendo o causador exclusivo do acidente. Por isso estão reunidos os pressupostos da descaracterização do acidente e, caso assim não se entenda, o A. agiu com negligência grosseira, pelo que não pode a 2ª Ré ser responsabilizada pela reparação do sinistro. Conclui pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, com as consequências legais.
4. Saneado o processo efectuou-se a audiência final e foi proferida sentença que absolveu ambas as RR. dos pedidos contra si deduzidos pelo A. (cf. fls. 506 e segts., do 3º Vol.) Para tanto, entendeu o Tribunal de 1ª instância que:
5. Inconformado, o A. Apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido nos seguintes termos:
6. Irresignada, a 1ª Ré Seguradora interpôs recurso de revista em que concluiu, em síntese, que:
7. Foram apresentadas pelo A. as contra-alegações que os autos retratam, a fls. 647 e segts, do 3º Vol., e nas quais o A. conclui no sentido de que deve ser negada a Revista, salientando, além do mais, que da matéria provada não resulta que o A./Recorrido tenha violado qualquer regra de segurança implementada pela entidade empregadora.
8. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal formulou Parecer sustentando a improcedência da revista, argumentando, em síntese, que: “No presente caso não existem normas de segurança específicas relativas à máquina em causa e, por isso, arredada fica a possibilidade de se concluir que o trabalhador violou normas daquela natureza”.
A este Parecer nenhuma das partes ofereceu resposta.
9. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]
II – QUESTÕES A DECIDIR
Analisando e Decidindo.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Atenta a data do acidente aqui em causa – 7 de Dezembro de 2011 – o enquadramento normativo terá lugar com base no Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
I – DE FACTO:
- Mostra-se provado, nos termos que a seguir se organiza, o seguinte circunstancialismo fáctico: II – DE DIREITO:
1. Conforme se referiu supra, está em causa exclusivamente a questão de saber se o acidente de trabalho descrito nos autos resultou, ou não, da violação por parte do Autor das regras de segurança impostas pela sua entidade patronal. Ou seja, se estamos, in casu, perante uma situação de descaracterização do acidente que vitimou o A. ou não.
1.1. Resulta do processado que as partes estão de acordo que o acidente reveste a natureza jurídica de acidente de trabalho, porque ocorrido no local e no tempo de trabalho, tendo produzido directamente lesão corporal de que resultou redução na capacidade de trabalho do Autor, nos termos do art. 8º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro. A sua discordância reside no facto de a Ré Seguradora, ora Recorrente, entender que houve negligência grosseira da parte do A., tendo sido este o único causador do acidente, o que determina a referida descaracterização.
Contra tal entendimento manifesta-se o próprio Autor alegando, em sua defesa, que não ocorreu descaracterização de acidente de trabalho, porquanto, enquanto trabalhador e serralheiro mecânico da Ré, estava a verificar a existência de uma anomalia técnica numa máquina que tinha uma fuga de água, procurando solucionar um imprevisto. Por isso, esse seu acto não se encontra abrangido pela proibição genérica da sua empregadora no sentido de não aproximar qualquer parte do corpo à máquina.
O Tribunal da Relação acabou por aceitar a tese defendida pelo Autor de não descaracterização do acidente, ainda que com fundamentação diversa, o que mereceu a total discordância da Ré Recorrente Seguradora.
Vejamos, pois, a quem assiste razão.
2. Para a decisão da presente questão litigiosa importa atentar na sequência de factos que os autos retratam, e que relevam, dos quais se destacam os seguintes: 3. Em matéria de acidentes de trabalho a lei prevê a exclusão da responsabilidade do empregador, estatuindo expressamente no nº 1, do art. 14º, do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais – Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro – que aquele não tem de reparar os danos decorrentes do acidente sempre que: Sabedor da dificuldade em descodificar e interpretar o sentido e alcance dos conceitos inseridos nestas alíneas a) e b), do nº 1, do art. 14º, nomeadamente os segmentos compostos por “causa justificativa da violação das condições de segurança” e “negligência grosseira”, teve o legislador o cuidado de explicitá-los, nos nºs 2 e 3, do citado normativo, nos seguintes termos:
Não resultando dos autos que tenha existido da parte do sinistrado Autor qualquer conduta dolosa, a questão em causa só poderá ser analisada tendo em atenção a segunda parte da alínea a), do nº 1, do art. 14º ou na sua alínea b).
Sendo certo que na primeira hipótese a situação prevista na norma reconduz-se à descaracterização do acidente no caso de este provier de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
A este propósito realça-se que a Jurisprudência desta Secção do STJ é elucidativa ao exigir para verificação deste fundamento os seguintes requisitos cumulativos: Já a negligência grosseira corresponderá “a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, deve ser apreciada não em função de um padrão geral, abstracto, de conduta, mas em concreto, em face das condições da própria vítima – segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais”.
Sendo considerados pressupostos jusnormativos da descaracterização com fundamento na negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau por parte do sinistrado e o exclusivo nexo causal entre o comportamento do trabalhador e a ocorrência do acidente.[3]
Por conseguinte, a negligência grosseira erigida por lei para descaracterização do acidente de trabalho, nos termos estatuídos na alínea b), do nº 1, do art. 14º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, “corresponde a culpa grave, pressupondo para a sua violação que a conduta do agente – porque gratuita e infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum”.[4]
Derivada de circunstâncias em que a culpa é exclusiva, grave e indesculpável, e unicamente devida à actuação do sinistrado. Sendo, por isso, passível de descaracterizar o acidente de trabalho.
4. O caso em análise remete-nos, porém, para o fundamento de descaracterização estabelecido na segunda parte da alínea a), do nº 1, do art. 14º.
Com efeito, resulta da referida alínea que se o acidente provier de acto ou omissão da vítima, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, o acidente não dá direito a reparação, porque se entende que foi a vítima, o trabalhador, que deu causa ao acidente, nomeadamente quando viola as condições de segurança – suas conhecidas e/ou estabelecidas pela sua empregadora.
A este propósito, explicitando o conteúdo do normativo em análise, salienta Carlos Alegre: “(…) A causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral: pode ser uma brincadeira a que não se associem consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta”.[5]
Por conseguinte, estão abarcadas pelo preceito quer as ordens expressas quer as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal e que sejam do conhecimento do trabalhador, quer ainda as imprudências referidas por Carlos Alegre, desde que se provem os restantes requisitos, maxime, o nexo causal.
Ou seja: que o acidente ocorrido e que vitimou o trabalhador seja consequência necessária e directa do acto ou omissão do sinistrado.
5. Em matéria de condições de segurança importa ainda ter presente os princípios que se enunciam:
- O diploma legal que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/06 – o Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 – estabelece no seu art. 19º que:
- Por sua vez o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais – regido pela Portaria nº 53/71, de 3/2, alterada pela Portaria nº 702/80, de 22/9 – determina, no seu art. 46°, que:
Ora, é neste quadro legal descrito – de violação de regras de segurança sem causa justificativa – que consideramos que deve ser abarcado o comportamento do sinistrado, posto que não se vislumbra da matéria factual provada elementos que permitam enquadrar a realidade fáctica ocorrida em qualquer comportamento doloso ou de negligência grosseira provinda do sinistrado que permita englobá-lo na primeira parte da alínea a), ou na alínea b), ambas do nº 1, do citado art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
6. Efectivamente, resultou provado nos autos que o acidente ocorreu quando o A., serralheiro mecânico, e no exercício das suas funções, estava a verificar a existência de uma anomalia técnica numa máquina que estava com perda/fuga de água. Para o efeito, no dia e hora em que ocorreu o acidente, o A. abriu o compartimento traseiro, de acesso ao radiador e ao motor. E porque o A. não encontrava a origem da fuga, introduziu a sua mão perto da ventoinha com a máquina em funcionamento, tendo a mesma sido sugada pela ventoinha da máquina, e o A. sofrido esfacelo grave do polegar direito. A verificação da perda/fuga de água era pelo menos mais rápida e facilmente verificável com a máquina em funcionamento. Ora, provou-se igualmente que a máquina em causa foi entregue à R. empregadora com o certificado de conformidade do fabricante e que da configuração original da máquina consta a existência de um autocolante a indicar expressamente que não se pode colocar as mãos quando a máquina está em movimento.
Acresce que, no dia 19/9/2011, a R. empregadora forneceu explicação a alguns dos seus funcionários, entre os quais o A., sobre bloqueio e travamento de máquinas em reparação. Através dessas informações prestadas pela Ré empregadora, foram os trabalhadores informados que, “após verificação visual da máquina com o motor ligado, o trabalhador teria que ter parado a máquina e bloqueado a mesma com o cadeado”. E como norma de segurança instituída pelo empregador do sinistrado/Autor na empresa, insere-se a proibição expressa determinada pela Ré de que qualquer tarefa a executar na máquina não deve ser feita mediante a aproximação de qualquer parte do corpo à máquina, o que é do conhecimento dos seus trabalhadores, entre os quais o A.
Por outro lado, provado também ficou, que o A. sabia que não podia tocar na ventoinha quando a máquina se encontra ligada, para detectar e/ou reparar qualquer avaria técnica e que, para a verificação da fuga de água não era essencial tocar na máquina em funcionamento.
Sendo do conhecimento do Autor tudo o que antecede e se descreveu, e sabedor das regras que devia observar relativamente a essa máquina e, não obstante tal facto, ter o Autor actuado da forma referida, procedendo à operação da abertura da máquina com esta em funcionamento e tendo lá colocado a sua mão sem a ter desligado, temos de concluir que o Autor agiu temerariamente, não respeitando, com o seu comportamento, as normas de segurança que eram do seu conhecimento. E fê-lo sem causa justificativa, pois não lhe era exigível nem lhe foi imposto que assim procedesse, realizando essa operação com a máquina em funcionamento e em desrespeito pelas normas de segurança que não podia ignorar. Sendo certo que tinha consciência do modo como operava essa máquina devido ao conhecimento que possuía do funcionamento da mesma, enquanto serralheiro mecânico, e da percepção sobre o alcance das condições de segurança que era suposto observar. Perante este quadro fáctico provado e o enquadramento legal e jurisprudencial a que se fez referência nos pontos anteriores, não podemos deixar de concluir que o acidente de trabalho sofrido pelo A. se ficou a dever a omissão por parte deste, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei e exigidas pelo seu empregador. Com o comportamento descrito o Autor violou as referidas normas de segurança, estando igualmente provado o nexo causal entre o acto praticado – colocação da mão no interior da máquina em movimento – e o acidente sofrido com a lesão por esfacelo grave do seu polegar direito.
Não vislumbramos, por isso, razões que justifiquem, no circunstancialismo que se provou nos autos, a actuação do sinistrado sabendo este que a Ré proibia a aproximação de qualquer parte do corpo da citada máquina, e que esta, em caso de avaria, devia ser parada, tendo todos os trabalhadores, nos quais se inclui o Autor, recebido explicações, fornecidas pela Ré empregadora, sobre o bloqueio e travamento de máquinas em reparação. Constando da configuração original da máquina a existência de um autocolante a indicar expressamente que não se pode colocar as mãos quando a máquina está em movimento.
Assim sendo, tem-se por descaracterizado o acidente por força do preceituado na segunda parte, da alínea a), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
7. É certo que também se provou que no interior da máquina, na parte que viria a atingir a mão do A., a ventoinha não tinha protecção e que só após a ocorrência do acidente e da verificação da máquina a R. empregadora veio a instalar uma protecção interior da ventoinha. Mas estes factos não são suficientes para deixar de imputar a responsabilidade pelo acidente, no presente caso, ao Autor.
A colocação da ventoinha surge, neste quadro, como um reforço das medidas de segurança implementadas pela Ré empregadora face ao acidente ocorrido, porquanto mesmo sem a referida ventoinha o acidente não se teria produzido se o trabalhador não tivesse colocado a sua mão no interior da máquina em funcionamento. Quando é certo – porque se provou – que o Autor sabia que não o devia fazer, tendo recebido instruções nesse mesmo sentido por parte da sua empregadora.
8. Também não colhe o argumento de que a situação dos autos se reconduz a uma situação de “avisos genéricos” ou “avisos provenientes de terceiros” e sem relevância para serem acatados pelo trabalhador, como se defendeu nestes autos.
Os factos provados são elucidativos, pelas razões já aduzidas in extenso, e não se podem considerar como mero avisos as condições e regras de segurança divulgadas e estabelecidas pela empregadora sobre a utilização da máquina aqui em questão, que visavam, uma vez cumpridas, evitar a ocorrência de acidentes com tais máquinas.
Dá-se, pois, por verificada a violação sem causa justificativa por parte do trabalhador sinistrado daquelas normas de segurança e, por consequência, descaracterizado o acidente sofrido pelo Autor, nos termos da segunda parte, da alínea a), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
Razão pela qual não há direito a reparação.
No mesmo sentido, cf. o Acórdão desta Secção, do STJ, já citado nos autos, datado de 15/4/2015. [6]
Procede, assim, a presente revista. IV – DECISÃO:
- Termos em que se acorda em conceder a revista e, por consequência, revoga-se o Acórdão recorrido, absolvendo a Ré Recorrente do pedido.
- Custas pelo Recorrido, parte vencida.
- Anexa-se sumário do presente Acórdão.
Lisboa, 16 de Junho de 2016.
Ana Luísa Geraldes (Relatora)
Ribeiro Cardoso
Pinto Hespanhol
_______________________________________________________ [3] Cf. Acórdãos desta Secção, do STJ, datados de 11-02-2015 e de 29/01/2014, proferidos no âmbito dos Recursos n.ºs 1301/10.5T4AVR.C1.S1 e 1008/06.8TTVFX.L2.S1, respectivamente, também Relatados por Melo Lima e disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cf. Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – “Regime Jurídico Anotado” – 2ª Edição, Almedina, págs. 61 e segts. [6] Cf. o Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Processo nº 1716/11.1TTPNF.P1.S1, Relatado por Melo Lima e disponível em www.dgsi.pt., no qual se decidiu uma situação similar e onde se pode ler o seguinte, incluído no sumário: “6. Sabendo o A. que apenas podia proceder à operação de desencravamento do “eixo sem-fim”, de um silo de serrim, com o interruptor do quadro eléctrico de comando na posição «0» (parado), ao ter encetado a operação de desencravamento do referido eixo, retirando a tampa de protecção e introduzindo a mão esquerda na conduta onde o «eixo sem-fim» trabalhava, sem que previamente tivesse desligado a máquina, vindo a ser atingido na mão e braço esquerdo, por força do movimento súbito daquele eixo, e a sofrer as lesões e sequelas determinativas de uma IPP de 30% com IPATH, é de considerar descaracterizado o acidente de trabalho sofrido, por violação por parte do A. das regras de segurança legalmente estabelecidas”. |