Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
199/20.0GBVRS-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA
Descritores: HABEAS CORPUS
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRISÃO PREVENTIVA
PRESSUPOSTOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I. O arguido foi acusado do crime de tráfico de estupefacientes. Assim, não poderia legitimamente pretender que o prazo de duração máxima da respetiva prisão preventiva seja o determinado simplesmente pelo art. 215, n.º 1, al. c) do CPP, porquanto tal crime  se enquadra no âmbito da criminalidade altamente organizada. Cfr. art. 1.º al. m) do CPP. Opera a elevação do prazo máximo de prisão preventiva para um ano e seis meses, de acordo com o referido art. 215, n.º 2 do CPP.

II. Assim sendo, o prazo de prisão preventiva não é o invocado pelo peticionante, mas é de um ano e seis meses, lapso de tempo ainda longe de se encontrar decorrido. Pelo que não se verifica, no caso, a situação prevista pela al. c) do art. n.º 2 do art. 222 CPP como fundamento de prisão ilegal.

III. A situação processual tem de ser apreciada segundo o princípio da atualidade: cf. o Acórdão deste STJ de 19 de dezembro de 2002, proferido no Proc.º n.º 02P4651.

IV. A notificação e, mais especificamente, a receção da acusação pelo Arguido, uma vez tendo sido deduzida acusação, não é relevante para efeitos de Habeas Corpus. Cf., v.g., Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18/12/2019, Proc. n.o 1942/17.0T9VFR-G.S1; de 15-5-2002, Proc. n.º 1797/02, de 19-7-2005, Proc. n.º 2743/05, e de 11-10-2005, Proc. n.º 3255/06. Entendimento que, aliás, mereceu o acolhimento do Tribunal Constitucional, conforme ressalta do respetivo Acórdão, de 14 de Maio de 2008. E elaborando doutrinalmente, v.g, Acórdão deste STJ, proferido no Processo n.º 12/17.5JBLSB (citando também abundante jurisprudência).

V. Não se verifica, pois, qualquer dos fundamentos de Habeas Corpus por prisão ilegal, constantes taxativamente do art. 222 do CPP, e especificamente das modalidades do seu n.º 2, e concretamente da respetiva alínea c). Nem se vislumbra a verificação do requisito geral constitucional de existência de abuso de poder (art. 31, n.º 1 CRP), que pré-determina todos os demais, (atenta, desde logo, a hegemonia vinculante do preceito constitucional). Nem sendo relevante ou pertinente a questão da receticidade da comunicação da acusação – pelo que não pode senão improceder a presente providência, que é indeferida por falta de fundamento bastante, nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223 do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I
Relatório


1. AA, arguido acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, n.° 1 do DL 15/93, de 22/01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma e arts. 75 e 76 do Código Penal, encontrando-se em prisão preventiva, interpôs a providência de Habeas Corpus, “nos termos do art. 31° da C.R.P. e do art. 222°, n.° 2, alinea c) e seg.s do C.P.P.”.


2. Fê-lo nos termos e com os seguintes fundamentos:

“1.° A medida de coação que vigora para o aqui Arguido, foi aplicada fora das condições previstas na actual lei em vigor, a Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, actual C.P.P.;

2.° O Arguido, está sujeito a prisão preventiva desde 11 de Dezembro de 2021, tendo portanto, decorrido mais de seis (6) meses sem que tenha sido deduzida acusação;

3.° Tendo em conta que, para o tipo de crime que o Arguido está indiciado nos autos, o prazo máximo até à extinção da medida de coação, é de seis (6) meses, art. 215°, n.° 2, do C.P.P., portanto a medida encontra-se extinta;

4.° Por outro lado, não é de aplicar ao Arguido, a elevação de prazo prevista no n.° 3, do referido art. 215°, do C.P.P., em virtude dos presentes autos não revelarem excepcional complexidade, devido ao número reduzido de arguidos (um único arguido), à inexistência de ofendidos e do crime não ter carácter altamente organizado;

5.° Porque o prazo de duração máxima de prisão preventiva se encontra largamente esgotado, requer-se a LIBERTAÇÃO IMEDIATA deste Arguido, Sujeito a Prisão Preventiva Ilegal, uma vez que, esta medida de coacção viola a actual Lei, quer na sua letra quer no seu espírito, em virtude de se encontrar extinta há 10 dias. art. 217°. do C.P.P..

6.° Nos termos do n.° 4, do art. 28°, da C.R.P., a prisão preventiva está sujeita aos prazos definidos na Lei, e a Lei em vigor é a n.° 48/2007.

7º Seis meses, são 180 dias, o aqui arguido foi detido no dia 11/12/2020, detenção essa confirmada e validade e decretada a prisão preventiva em 12/12/2020, pelo que, os 180 dias ocorreram no passado dia 09/06/2021.

8º A 01/00/2021, foi o mandatário do aqui arguido notificado de um ato jurisdicional praticado pelo Juízo de Instrução Criminal de ... - Juiz …, onde determina o seguinte "... não tendo ainda decorrido o prazo máximo da prisão preventiva - 6 meses - determina-se que o arguido, AA, continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva...".

9º Esse despacho, contém uma alegação que não corresponde concretamente á verdade, "Face a dedução da acusação, impõe-se proceder ao reexame da medida, sendo que o arguido se mostra agora acusado da prática do referido crime".

10° Ora o arguido no dia de hoje ainda desconhece o teor da acusação que lhe foi deduzida, encontrando-se este detido a escassos quilómetros do Tribunal que proferiu a douta acusação.

11° O arguido visado com a imputação de uma acusação, desconhece por completo os termos e conteúdo da mesma, estando assim violados o artigo 13°, 16°, 17°, 20°, 27°, 28°, 30° e 32°, todos da CRP.

12° Tendo sido também violados os seus direitos processuais, nomeadamente os previstos no artigo 61° do CPP.

13° Parece ser óbvio, que o arguido que se encontra preso, e que sobre ele já foi deduzida a acusação, tem todo o direito a ser informado e ter conhecimento dos factos constantes e que lhe são imputados nessa acusação, em tempo útil e com a celeridade e prioridade que se impõe, por forma a que esta se possa defender das violações dos seus direitos constitucionalmente previstos.

14° Para além da violação dos princípios previstos na CRP, também foram violados a Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma vez que, havendo acusação, este deve ser o primeiro a ser informado.

15° O douto despacho do Juízo de Instrução Criminal, assenta num facto inverídico, uma vez que, o arguido ainda não teve conhecimento do mesmo.

16° Por outro lado, o facto da douta acusação ter sido notificada ao aqui mandatário do arguido no passado dia 11/06/2021, pelas 11:45 horas, no seu escritório, não faz com que o seu mandatário tomasse conhecimento da mesma nesse dia e hora.

17° Até porque, e isso consta do registo do Estabelecimento Prisional  ....., nesse dia 11/06/2021, e a essa hora ll;45horas, o aqui mandatário do arguido estavam reunidos no EP de ....

18° Assim, o seu mandatário apenas teve conhecimento da douta acusação no dia 14/06/2021, isto é, para além do prazo limite fixado para que o visado tivesse conhecimento da acusação.

19° Isso mesmo também resulta da presunção estabelecida no artigo 113° do CPP, relativa às notificações.

20° Junta-se comprovativo da entrega da referida notificação ao aqui mandatário no dia referido nos itens anteriores, com a ressalva de que a douta acusação foi colocada no posto do correio no dia 09/06/2021, pelas 17:00horas, e não como consta na folha de rosta da notificação, como tendo data de saída do referido Tribunal de 2705/2021. (Doc. 1)

21° O aqui mandatário do arguido foi notificado da douta acusação, e dista do Tribunal cerca de 650km, enquanto que, o arguido dista do Tribunal que proferiu a acusação apenas 10 km, e na data de hoje ainda não foi notificado.

 Nestes termos, e nos mais de direito, requer-se a V. Ex.a e ao Venerando Órgão a que preside que decrete a prisão ilegal e se digne ordenar a libertação imediata do arguido.”


3. Nos termos do disposto no art. 223, n.° 1 do CPP foi informado:

“- O arguido foi preso preventivamente no dia 12/12/2020, por despacho proferido no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1 do DL 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-B e I-C, anexa ao referido DL e arts. 75 e 76° do Código Penal e existência de forte perigo de continuação da atividade criminosa e fuga, tendo a detenção sido efetuada no dia 11/12/2020, mantendo-se desde então o arguido em situação de prisão preventiva.

- Mais se informa que desde então para cá, o arguido tem estado sempre sujeito à referida medida de coação, a qual foi revista em 08/03/2021 (fls. 436 a 437) e em 01/03/2017, aqui após dedução da acusação (fls. 515 a 516).

- Para notificação do primeiro despacho de reexame foi remetido ao defensor do arguido cópia do mesmo por correio eletrónico em 09/03/2021, tendo seguido o original por correio registado nessa mesma data e tendo também nessa data sido remetida ao EPR, através de correio eletrónico, a requisição da notificação ao arguido, que ocorreu nessa mesma data - fls. 438 a 439 e 448.

- Para notificação do segundo despacho de reexame foi remetido ao defensor do arguido cópia do mesmo por correio eletrónico em 31/05/2021, tendo seguido o original por correio registado nessa mesma data e tendo também nessa data sido remetida ao EPR, através de correio eletrónico, a requisição da notificação ao arguido, que ocorreu nessa mesma data - fls. 517 a 519 e 524.

- No dia 26/05/2021 foi deduzida acusação, que imputa ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1 do DL 15/93, de 22/01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma e arts. 75° e 76° do Código Penal.

- A acusação foi notificada ao defensor do arguido por carta registada recebida em 11/05/2021 (fls. 512 e 539), sendo que para notificação ao arguido da acusação foi remetido correio eletrónico ao EPR em 27/05/2021 (fls. 509), que por lapso no endereço eletrónico não foi recebido no EPR, o que apenas foi verificado após a apresentação da petição de habeas corpus por contacto telefónico com o EPR, tendo apenas em 22/06/2021 sido remetido para o endereço correto (cfr. fls. 541 a 549.

É tudo quanto me cumpre informar a V. Exa Exm° Sr. Colendo Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.”


Realizada a Audiência, cumpre apreciar e decidir.



I

Fundamentação

A

Em geral



1. Sendo profusa e entre si concorde a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça sobre o sentido, âmbito e função do Habeas Corpus, verifica-se que é frequentíssima a insistência no caráter excecional da providência, cujo recorte legal taxativo já claramente exprime os contornos do instituto, evidenciando-se o numerus clausus das situações abstratas em que poderá proceder.

2. Nesse sentido, militam as razões invocadas em inúmeros Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente sintetizadas nos Acórdãos deste STJ de 10-08-2018, Proc.º n.º 11/17.7GAMRA-A.S1 - 3.ª Secção, de 10-08-2018, Proc.º n.º 11/17.7GAMRA-A.S1 - 3.ª Secção, de 06-06-2019, proferido no Proc.º n.º 146/19.1SELSB-A.S1 - 5.ª Secção; de 20.10.2003, proferido no Proc.º n.º 3548/03, de 7.4.2005, proferido no Proc.º n.º 1291/05, de 21.1.2005, proferido no Proc.º n.º  245/05, de 5.5.2005 proferido no Proc.º n.º 1735 e de 20.4.2005, proferido no Proc.º n.º 1435/05.

3. No plano doutrinal, v., desde logo, Eduardo Maia Costa, Habeas Corpus: Passado, Presente, Futuro, in “Julgar”, n.º 29, Coimbra, Almedina, 2016, máx. p. 218 ss., e bibliografia aí citada, Manuel Leal-Henriques, Medidas de Segurança e “Habeas Corpus”. Breves Notas. Legislação. Jurisprudência, Lisboa, Áreas Editora, 2002, p. 51 ss.; Adriano Moreira, Sobre o Habeas corpus, «Jornal do Foro», Ano 9.º, n.ºs. 70/73, 1945, pp. 228-229; Pedro Alencar Vasconcelos Nogueira Cavalcante, Habeas Corpus em Portugal: Uma Análise à Única Garantia Específica Extraordinário Constitucionalmente Prevista para a Defesa de Direitos Fundamentais, Dissertação, FDUC, 2018; P. Ferreira da Cunha, Do habeas corpus. Breves notas, sobretudo jurisprudenciais, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, vol. 30, n.º 3, set-dez 2020, p. 557 ss.)

4. No plano histórico, cf. a síntese no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc.º n.º 07P4643, de 12-12-2007, em que foi Relator o Conselheiro Pires da Graça.

5. O sucessivo enquadramento multinível do direito à Liberdade pode também colher-se em vários Acórdãos. V., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 556/17.9PLSNT-C.S1, de 13/02/2020 (Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves). Muito relevantes, a título também exemplificativo, as referências doutrinais do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 12/17.5JBLSB, de 19/07/2019 (Relator: Conselheiro Raul Borges).


B

Em especial



1. O arguido foi acusado do crime de tráfico de estupefacientes. No dia 26/05/2021 foi deduzida acusação, que imputa ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1 do DL 15/93, de 22/01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma e arts. 75° e 76° do Código Penal.

A acusação foi notificada ao Defensor do Arguido por carta registada por ele recebida (fls. 512 e 539).


2. O Requerente não poderá legitimamente pretender que o prazo de duração máxima da respetiva prisão preventiva seja de seis meses apenas, porquanto foi deduzida acusação (além de que o tráfico de estupefacientes se enquadra no âmbito da criminalidade altamente organizada. Recorde-se apenas a definição do CPP:

'Criminalidade altamente organizada' as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas (…).” (art. 1.º al. m) do CPP)).

3. Determinando o art. 215, n.º 2 do CPP que

“2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada (…)”,

E sendo que no caso vertente houve acusação (apesar de um lapso de envio na modalidade de correio eletrónico – mas não da notificação postal –, suprido logo que dele houve conhecimento),

Sabendo-se que, pelo determinado pelo n.º 1 do art. 215 do CPP,

“1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

(…)

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

(…)”

Opera a elevação do prazo máximo de prisão preventiva para um ano e seis meses, de acordo com o referido art. 215, n.º 2 do CPP.

Assim sendo, o prazo de prisão preventiva não é o invocado pelo peticionante, mas é de um ano e seis meses, lapso de tempo ainda longe de se encontrar decorrido. Pelo que não se verifica, no caso, a situação prevista pela al. c) do art. n.º 2 do art. 222 CPP como fundamento de prisão ilegal.

4. Invoca o requerente a questão da receção da acusação. Não é, de modo algum, caso inédito, e encontra-se estabelecida jurisprudência sobre este tipo de situações.

5. Importa, antes de mais, referir um enquadramento geral: no presente  tipo de providências há apenas que determinar, como o fundamento da petição se refere especificamente à situação processual do requerente “prisão preventiva”, se no processo em apreço algo há que se possa acolher aos fundamentos / requisitos / pressupostos da petição, em geral, referidos no artigo 222, n.º 2 do CPP, ou neles, de algum modo se subsumir.

Situação processual essa que tem de ser apreciada segundo o princípio da atualidade, sobre a qual assim refere o Acórdão deste STJ de 19 de dezembro de 2002, proferido no Proc.º n.º 02P4651 (Relator: Conselheiro Pereira Madeira):

“(…) o momento decisivo a que importa atender para efeitos de confrontar a legalidade da prisão é o da decisão da providência. É o princípio da actualidade tantas vezes invocado em arestos deste Supremo Tribunal prolatados sobre o tema e que ora seria ocioso explicitar.”

6. Foi invocada a prisão ilegal por alegadamente ter sido excedido o prazo máximo de prisão preventiva (consequentemente, apenas estaria eventualmente em causa a al. c) do n.º 2 do art. 222 do CP). Ora, mesmo admitindo o não recebimento atempado de tal comunicação, tal não significa que não exista decisão, e também não implica que, pela suposta falta, se encontre esgotado o prazo da prisão preventiva (como é, aliás, o caso). Porém, o que importa é que no momento em que a acusação foi proferida foi tempestiva. Encontra-se, portanto, o peticionante em situação absolutamente regular e legal.

7. A notificação e, mais especificamente, a receção da acusação, uma vez tendo sido deduzida acusação, não é relevante para efeitos de Habeas Corpus. Cf., v.g., Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18/12/2019, Proc. n.o 1942/17.0T9VFR-G.S1; de 15-5-2002, Proc. n.º 1797/02, de 19-7-2005, Proc. n.º 2743/05, e de 11-10-2005, Proc. n.º 3255/06. Entendimento que, aliás, mereceu o acolhimento do Tribunal Constitucional, conforme ressalta do respetivo Acórdão, de 14 de Maio de 2008.

Sobre esta matéria elabora doutrinalmente, v.g, o citado Acórdão deste STJ, proferido no Processo n.º 12/17.5JBLSB, que a dado passo considera:

“’Em todos estes casos é patente a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão final (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual e não ao momento em que chega ao conhecimento do destinatário o teor da mesma.

De contrário, em caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino.

  Por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia.

   No caso em apreciação cumpriu-se a garantia de que a acusação é proferida dentro do prazo de seis meses’.

  Este Supremo Tribunal de Justiça já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no acórdão de 11 de Outubro de 2005, proferido no processo n.º 3255/05-3.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 186, que para o efeito previsto no artigo 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual (…)”.

Citando ainda, sobre a mesma questão os seguintes arestos:

“acórdãos de 14 e 22 de Março de 2001, in Sumários do Gabinete de Assessores, n.º 49, págs. 62 e 81; de 15 de Maio de 2002, processo n.º 1797/02-3.ª e de 11 de Junho de 2002, ibid., n.º 61, pág. 84 e n.º 62, pág. 81; de 10 de Março de 2005, processo n.º 912/05-5.ª Secção; de 19 de Julho de 2005, processo n.º 2743/05; de 12 de Dezembro de 2007, processo n.º 4646/07-3.ª Secção; de 25 de Junho de 2008, processo n.º 2197/08-5.ª Secção; de 06 de Janeiro de 2010, processo n.º 28/09.5MAPTM-B.S1-3.ª Secção; de 18 de Fevereiro de 2010, processo n.º 1546/09.0PCSNT-A.S1-5.ª Secção; de 15 de Abril de 2010, processo n.º 97/09.8POER-B.S1-5.ª Secção; de 2 de Junho de 2010, processo n.º 649/09.1JDLSB-D.S1-3.ª Secção; de 30 de Dezembro de 2010, processo n.º 4/09.8ZLSB-A.S1-3.ª Secção; de 31 de Março de 2011, processo n.º 377/10.0JAFAR-A.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 21 de Março de 2012, processo n.º 32/11.3PAMGR-A.S1-3.ª Secção; de 21 de Junho de 2012, processo n.º 62/12.8YFLSB.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 216; de 21 de Novembro de 2012, processo n.º 22/12.8GBETZ-D.S1-3.ª Secção; de 4 de Julho de 2013, processo n.º 4377/11.4FFLSB-B.BS1-3.ª Secção; de 9 de Agosto de 2013, processo n.º 374/12.0JELSB-A.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 176 (seguindo de perto o acórdão de 10 de Dezembro de 2008, processo n.º 3971/08-3.ª, afirma-se: “Para efeitos do art. 215.º, n.º 1, a) e n.º 2 do CPP não é a notificação e tradução da acusação que delimita o prazo máximo de prisão preventiva, mas sim, a dedução, ou não, do requerimento acusatório); de 27 de Dezembro de 2013, processo n.º 131/13.7YFLSBS1-5.ª Secção; de 27 de Dezembro de 2013, processo n.º 132/13.5YFLSBS1-5.ª Secção; de 2-10-2014, processo n.º 107/13.4P6PRT.S1-5.ª Secção; de 12-11-2014, processo n.º 150/10.5JBLSB-BU.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, de 12 de Março de 2015, processo n.º 29/14.1ZRLSB-A.S1-3.ª Secção; de 4 de Fevereiro de 2016, processo n.º 502/15.4JDLSB-A.S1-5.ª Secção; de 9 de Março de 2016, processo n.º 2481/15.9JAPRT-A.S1, em que interviemos como adjunto; de 25 de Maio de 2016, processo n.º 27/13.2ZRCBR-A.S1; de 17 de Novembro de 2016, processo n.º 14/16.9ZCLSB-A.S1-5.ª Secção; de 23 de Março de 2017, processo n.º 48/15.0GBTVR-D.S1-5.ª Secção; de 23 de Março de 2017, processo n.º 48/15.0GBTVR-D.S2-5.ª Secção; de 12 de Abril de 2017, processo n.º 1051/16.9T9VRL-A.S1-5.ª Secção; de 18 de Maio de 2017, processo n.º 84/13.1GTALQ-D.S1-5.ª Secção; de 20 de Julho de 2017, processo n.º 33/16.5GGSNT-I.S1-5.ª Secção; de 24 de Agosto de 2017, processo n.º 650/16.3GAMTA-B.S1-5.ª Secção; de 20 de Setembro de 2017, processo n.º 33/17.8ZFLSB-B.S1 e n.º 72/15.3GAAVZ-B.S1-5.ª Secção; de 8 de Novembro de 2017, processo n.º 14/17.1ZRCBR-C.S1-3.ª Secção; de 20 de Dezembro de 2017, processo n.º 18/16.1PESTB-C.S1-3.ª Secção; de 3 de Janeiro de 2018, processo n.º 11/16.4GBSTR-A.S1-5.ª Secção; de 10-01-2019, processo n.º 6/16.8GASTB-B.S1 e da mesma Relatora, de 22-01-2019, processo n.º 272/15.6T9CTX-B.S1, da 5.ª Secção.”

8. Não se verificando, pois, qualquer dos fundamentos de Habeas Corpus por prisão ilegal, constantes taxativamente do art. 222 do CPP, e especificamente das modalidades do seu n.º 2, e concretamente da respetiva alínea c). Nem se vislumbrando a verificação do requisito geral constitucional de existência de abuso de poder (art. 31, n.º 1 CRP), que pré-determina todos os demais, (atenta, desde logo, a hegemonia vinculante do preceito constitucional). Nem sendo relevante ou pertinente a questão da receticidade da comunicação da acusação – não pode senão improceder a presente providência.



III

Dispositivo



Pelo exposto, deliberando, acorda-se na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o presente pedido de Habeas Corpus por falta de fundamento bastante, nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223 do CPP.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.


Supremo Tribunal de Justiça, 30 de junho de 2021


Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida.

Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Dr. António Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente)