Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
775/12.4T3SNT.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
COMPETÊNCIA
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
PROCEDÊNCIA. DECRETAMENTO TOTAL
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / COMPETÊNCIA – ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES – EXECUÇÕES.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
-Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Sujeitos Processuais: O Tribunal, Coimbra, 2015, FD, p. 37 e 54, in https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083;
-Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291;
-Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 56.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 14.º, N.º 2, ALÍNEA B), 119.º, ALÍNEA E), 122.º, 471.º, N.ºS 1 E 2 E 472.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, N.ºS 1 E 78.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 9/2016, IN DR I, N.º 111, DE 09-06-2016;
- DE 06-01-2010, PROCESSO N.º 98/04.2GCVRM-A.S1;
- DE 18-01-2012, PROCESSO N.º 34/05.9PAVNG.S1;
- DE 24-10-2012, PROCESSO N.º 316/07.5GBSTS.S2;
- DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 125/07.1SAFRD.S1;
- DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 627/07.PAESP.P2.S1;
- DE 10-04-2014, PROCESSO N.º 540/07.0PCOER-A.S1;
- DE 17-06-2015, PROCESSO N.º 488/11.4GALNH;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 4403/00.2TDLSB.S1;
- DE 26-10-2016, PROCESSO N.º 1604/09.1JAPRT.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. A determinação da pena única conjunta em conhecimento superveniente do concurso, nos termos dos artigos 471.º e 472.º do CPP, efectua-se em sentença que realize o cúmulo jurídico, mediante audiência e realização das diligências necessárias, sendo competente para o efeito o tribunal da última condenação, o qual, por ser o último a intervir na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação relevantes mais completos e actualizados.

2. O artigo 471.º do CPP contém um regime normativo de determinação de competência estruturado na base de critérios de competência material – indicando qual o tribunal que, segundo a sua espécie, deve julgar e determinar a pena única conjunta – e funcional – estabelecendo a competência em função da fase em que o processo se encontra –, nos termos do n.º 1, adicionando-lhe, no n.º 2, um critério de competência territorial – determinando qual o tribunal que, de entre os da mesma espécie, em função da localização, deve ser chamado a exercer a parcela de jurisdição que lhe compete de acordo com aqueles critérios.

3. Verificando-se, em fase de execução, que a pena deve incluir-se numa pena única conjunta, por o arguido ter sido definitivamente condenado em outra ou outras penas, em dois ou mais processos que não foram objecto de conexão, por verificação dos pressupostos do concurso superveniente (artigos 77.º e 78.º do Código Penal), é territorialmente competente para determinação da pena conjunta o tribunal da última condenação que aplicou uma das penas por um dos crimes em concurso, funcionando em tribunal colectivo ou singular, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 14.º do CPP, devidamente adaptada.

4. A regra contida no n.º 2 do artigo 471.º do CPP, segundo a qual é territorialmente competente para a realização do cúmulo o tribunal da última condenação, pressupõe a competência funcional deste tribunal e só haverá competência funcional quando o tribunal tiver aplicado uma das penas em concurso.

5. Ficando a pena excluída, por não corresponder a crime em relação de concurso, o tribunal que a aplicou carece de competência para efectuar o cúmulo, tarefa essa que competirá ao tribunal da última condenação numa das penas pelos crimes em concurso.

6. Ocorrendo violação das regras de competência material e funcional do tribunal para efectuar o julgamento e proferir decisão de aplicação da pena única conjunta, verifica-se a nulidade insanável prevista na alínea e) do artigo 119.º do CPP, com os efeitos previstos no artigo 122.º do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. AA, arguido no processo acima identificado, não se conformando com o acórdão de 25 de Maio de 2017, do Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 2, da comarca de Lisboa Oeste, que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 10708/08.7TDPRT, 4472/08.7TDPRT, 454/08.7GAMGL, 311/10.7TAGRD e 104/07.9 GBLSB, condenando-o na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão e 210 dias de multa à taxa de € 5,00, dele vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. O recorrente motiva o recurso concluindo nos seguintes termos (transcrição):

“A - O presente recurso visa unicamente a impugnação do cúmulo jurídico que foi feito nos presentes autos e abrange as penas parcelares em que o arguido foi condenado. Isto porque, salvo o devido respeito o Douto Acórdão não respeita a Decisão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, na medida que entende que a pena a que foi condenado nestes autos não entra em cúmulo com as demais.

B - Foi dado como provado que:

1. Nos presentes autos (processo n.º 775/12.4T38NT) o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.° n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

a) O acórdão foi proferido em 05.12.2013, transitou em julgado na data de 18.06.2014, tendo os factos sido praticados na data de 25.01.2012.

2. No processo n.º 3199/05.6TBVI8, do (extinto) 2.° Juízo Criminal de Viseu, por decisão de 04.11.2005, transitada em julgado na data de 22.11.2005, por factos praticados na data de 28.11.2003 a 20.05.2005, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

3. No processo n.º 10708/08.7TDPRT, da 2.ª Secção, do 3.° Juízo Criminal do Porto, por decisão de 07.06.2010, transitada em julgado na data de 28.06.2010, por factos praticados em 2008, pela prática de cinco crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

4. No processo n.º 4472/08.7TDL8B, da 2ªa Secção, do 4.° Juízo Criminal de Lisboa, por decisão de 18.02.2011, transitada em julgado na data de 28.03.2011, por factos ocorridos na data de 08.02.2008 a 15.02.2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de prisão.

5. No processo n.º 454/08.7GAMGL, do 2.° juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 25.01.2013, transitada em julgado na data de 21.10.2013, por factos ocorridos na data de 28.09.2006, pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.°, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão.

6. No processo n.º 311/10.7TAGRD, do 2.° juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por decisão de 08.11.2013, transitada em julgado na data de 09.05.2014, por factos ocorridos entre Maio e Setembro de 2008, pela prática de, respectivamente, um crime de burla qualificada - pena parcelar de 2 anos de prisão - e um crime de corrupção activa - pena parcelar de 1 ano de prisão -, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.

7. No processo n,º 104/07.9GBLSB, do 2.° juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 27.08.2010, transitada em julgado na data de 16.04.2014, o arguido foi condenado por 10 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.º 1 e 218, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, dezassete crimes de extorsão, p, e p. pelos artigos 223.°, n.ºs 1 e 3, a) e 204.°, n.º 2, g), do Código Penal e um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, nos seguintes termos (certidão de fls. 620), Em cúmulo na pena única de 17 anos de prisão.

C - Acontece que, o Douto Acórdão entendeu que: "Nestes termos e, tendo presente o disposto nos artigos 77°, n.º 1 e 78.°, n.º 1, do Código Penal, há que apenas efectuar o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas no âmbito do processo n.º 454/08, processo n.º 311/10, processo n.º 104/07 e no processo n.º 10708/08." Excluindo, assim, a pena dos presentes autos, 8 meses de prisão. Entendimento esse que discordamos, pelo que se impugna.

O - O Acórdão nestes autos foi o último, proferido em 5 dezembro de 2013 e transitado em julgado em 18 de Junho de 2014, mas os factos foram praticados em 25 de Janeiro de 2012. Ora, a infracção deste processo está em concurso com a do processo 454/08.7GAMGL, com decisão de 25.01.2013, transitada em julgado em 21.10.2013, com a do processo 311/10.7TAGRO, com decisão de 08.11.2013, transitada em julgado em 09.05.2014 e com o processo 104/07.9GBLSB, com decisão de 27.08.2010 e trânsito em julgado em 16.04.2014, pois os factos são anteriores a tais datas de trânsito. Conforme dispõe o artigo 77.º do Código Penal.

 E - Assim, considera-se que a pena de 8 meses de prisão aplicada nestes autos deveria estar em cúmulo com as demais.

F - Mas não só, o Douto tribunal a quo ao realizar a audiência de cúmulo jurídico, procede a um novo julgamento, e não podemos esquecer que a pena parcelar mais alta aplicada ao arguido é a de 6 anos de prisão. Também não podemos ser indiferentes ao facto do arguido não ter praticado nenhum crime lide sangue". Assim, sempre tendo em vista as politicas de ressocialização, o facto do arguido já estar preso desde 2008 e ainda não ter 40 anos de idade, parece nos assim que a pena única aplicada também é excessiva e desadequada.

G - A pena deve ter sempre uma finalidade de ressocialização, e não apenas uma finalidade repressiva, a pena de prisão aplicada ao ora recorrente é excessiva, violando assim os artigos 77° e 70.º do C.P.

H - Estamos a falar de um individuo, com 38 anos de idade, que se encontra detido desde 2008, há 9 anos. Se tiver de cumprir pena tão severa como a que lhe foi aplicada, quando sair em liberdade terá sérias dificuldades em refazer a sua vida, pois terá quase 50 anos. Nessa altura o seu filho será maior de idade.

I - Assim parece que a pena única de 18 anos de prisão, aplicada ao arguido, é injusta e desproporcional, bem como deve ser incluído no cúmulo a pena de 8 meses de prisão aplicada nos presentes autos.

 J - Pelo exposto, a pena de 8 meses de prisão a que foi condenado nos presentes autos deve ser incluída no cúmulo jurídico, além de que o cúmulo jurídico aplicado ao arguido, é injusto e desproporcional, tendo o Tribunal decidido em desconformidade com o disposto no art.º 77.º do C.P.P.

Nestes termos e sem prescindir do Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento nos precisos termos peticionados e, em consequência, ser a pena aplicada nos presentes autos incluída no cúmulo jurídico, bem como a pena única aplicada ser reduzida”.

3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, concluindo assim (transcrição):

“1. Tendo em conta a data da prática dos factos, a data da decisão e a data de trânsito em julgado, não estão verificados os condicionalismos previstos nos arts.ºs 77.º e 78.º do Código Penal.

2. Atendendo àqueles factores, tendo em conta cada uma das penas parcelares em que o arguido foi condenado nos diversos processos, a pena única agora aplicada não é excessiva! Mostrando-se bem doseada e calculada de acordo com os critérios legais pois teve em consideração o grau de culpa, a ilicitude, o dolo e as exigências de prevenção.

3. Deste modo, não merece reparo a pena aplicada ao recorrente”.

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido proficiente parecer, nos seguintes termos:

“1. Do recurso/breve relatório:

1.1 – Por acórdão de 25 de maio de 2017, proferido pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra – J2, da Comarca de Lisboa Oeste, foi realizado cúmulo jurídico de penas já aplicadas, e transitadas, ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, em razão do qual este foi condenado na pena única de 18 (onze) anos de prisão e 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pena esta que englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos seguintes Processos:

(i) n.º 10708/08.7TDPRT, da 2.ª secção do 3.º juízo Criminal do Porto. Factos praticados no ano de 2008. Decisão datada de 7 de junho de 2010, transitada em 28-06-2010 e de que resultou a aplicação de uma (1) pena parcelar de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00, já extinta pelo pagamento, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão;

(ii) n.º 4472/08.7TDLSB, da 2.ª secção do 4.º juízo Criminal de Lisboa. Factos praticados entre 8 e 15 de fevereiro de 2008. Decisão datada de 18 de fevereiro de 2011, transitada em 28-03-2011 e de que resultou a aplicação de uma (1) pena parcelar de 4 meses de prisão, por um crime emissão de cheque sem provisão;

(iii) n.º 454/08.7GAMGL, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde. Factos praticados em 28 de setembro de 2006. Decisão datada de 25 de janeiro de 2013, transitada em 21-10-2013 e de que resultou a aplicação de uma (1) pena parcelar de 18 meses de prisão, por um crime de falsificação de documentos;

(iv) n.º 311/10.7TAGRD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda. Factos praticados entre maio e setembro de 2008. Decisão datada de 8 de novembro de 2013, transitada em 09-05-2014 e de que resultou a aplicação de duas (2) penas parcelares, uma de 2 anos de prisão, por um crime de burla qualificada, e outra de 1 ano de prisão, por um crime de corrupção ativa;

(v) n.º 104/07.9GBLSB, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde. Factos praticados entre 7 de agosto e 19 de dezembro de 2007. Decisão datada de 27 de agosto de 2010, transitada em 16-04-2014 e de que resultou a aplicação das seguintes penas parcelares:

– Sete (7) penas de 5 anos de prisão, uma por um crime de burla qualificada, cinco por cinco crimes de extorsão, e uma por um crime de branqueamento de capitais;

– Duas (2) penas de 3 anos e 6 meses de prisão, por dois crimes de burla qualificada;

– Três (3) penas de 4 anos de prisão, por três crimes de burla qualificada;

– Uma (1) pena de 4 anos e 8 meses de prisão, por um crime de burla qualificada;

– Duas (2) penas de 4 anos e 4 meses de prisão, por dois crimes de burla qualificada;

– Uma (1) pena de 3 anos e 8 meses de prisão, por um crime de burla qualificada;

– Quatro (4) penas de 3 anos de prisão, por quatro crimes de extorsão;

– Duas (2) penas de 5 anos e 6 meses de prisão, por dois crimes de extorsão;

– Uma (1) pena de 6 anos de prisão, por um crime de extorsão;

– Uma (1) pena de 5 anos e 8 meses de prisão, por um crime de extorsão;

– Quatro (4) penas de 2 anos e 6 meses de prisão, por quatro crimes, tentados, de extorsão.

1.1.1 – Deu-se ainda como assente, em sede de “fundamentação de facto” da decisão ora impugnada, que o arguido fora ainda condenado nos dois processos seguintes:

a) Processo n.º 775/12.4T3SNT - [os presentes autos] - [Decisão datada de 5 de dezembro de 2013, transitada em julgado em 18-06-2014]. Factos praticados em 25 de janeiro de 2012 e de que resultou a aplicação de uma (1) pena de 8 meses de prisão, por um crime de ofensa à integridade física simples;

b) Processo n.º 3199/05.6TBVIS, do 2.º Juízo Criminal de Viseu [Decisão datada de 4 de novembro de 2005, transitada em julgado em 22-11-2005]. Factos praticados entre 28 de novembro de 2003 e 20 de maio de 2005 e de que resultou a aplicação de uma (1) pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00, já extinta pelo pagamento, por um crime de emissão de cheque sem provisão.

1.2 – É a sobredita decisão, supra relatada em 1.1, que, inconformado, o arguido traz ao reexame deste Supremo Tribunal, e em cuja motivação, densificada nas 10 conclusões que a final extrai, coloca apenas as duas questões seguintes:

 a) Contesta a exclusão do concurso da pena aplicada nos presentes autos (processo n.º 775/12.4T3SNT), alegando que, ao contrário do decidido, ela se encontra em concurso, que não em sucessão, com as dos processos n.º 454/08, 311/10 e 104/07, todas cumuladas;

b) Questiona em todo o caso a medida concreta da pena unitária fixada, que tem por excessiva, pugnando pela sua redução, posto que sem apontar a respetiva dimensão. (...)

2 – Do mérito do recurso:

Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte:

2.1 – Ponto Prévio: Quanto às penas de multa:

Liminarmente, e como meridianamente decorre do n.º 3 do art. 77.º do Código Penal, há que dizer que a lei admite o concurso de penas de prisão e de multa, mantendo-se, todavia, na pena única a diferente natureza dessas penas. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal 2, pág.284): “Em caso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena conjunta. Assim, havendo concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa [...] verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente as penas de multa, o que tem relevância prática para efeitos da extinção da pena de multa pelo pagamento.”

As penas em causa, mesmo que já cumpridas, devem, assim, ser cumuladas desde que os crimes a que respeitam tenham sido praticados em data anterior à decisão condenatória que transitou em primeiro lugar, independentemente de se tratar de penas de prisão ou de penas de multa, havendo que proceder a cúmulos autónomos das penas de prisão e das penas de multa, com observância dos ditames do art. 77º, nº 2 do Código Penal, mantendo-se na pena única a diferente natureza destas penas.

Descendo, a esta luz, ao caso dos autos, há que dizer que de entre as penas não incluídas na decisão cumulatória, ora recorrida, se conta efetivamente a pena de multa acima identificadas em 1.1.1, alínea b), pena essa aplicada ao arguido no Processo n.º 3199/05.6TBVIS.

Essa pena, cuja decisão condenatória transitou em julgado, como vimos, em 22-11-20105, está inequívoca e inexoravelmente numa relação de sucessão, que não de concurso, com todas as demais, pelo que, e aqui sem qualquer dissídio, foi bem excluída do concurso.

Mas aqui chegados, e uma vez que as penas de multa só se podem cumular juridicamente entre si; não com penas de prisão, também não cremos que, apesar de, esta sim, estar numa relação de concurso com as demais, se justificasse a sua inclusão no concurso da outra pena de multa, a aplicada no processo n.º 10708/08.7TDPRT, tanto mais que já extinta pelo cumprimento. Não podendo com efeito tal pena ser englobada no cúmulo que abranja as penas de prisão, a sua inclusão redundou inexoravelmente na prática de um ato inútil, o que não é lícito de acordo com a regra do art. 130.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP. Só assim não seria se no conjunto dos crimes em concurso houvesse dois ou mais punidos com penas, parcelares, de multa, caso em que se deveria realizar um cúmulo autónomo das penas de multa.

Afigura-se-nos por isso, no apontado quadro, que esta pena deverá também ser excluída do concurso.

Dito isto, vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente.

2.2 - Quanto à exclusão da pena do Processo n.º 775/12.4T3SNT:

De acordo com a jurisprudência já uniformizada deste STJ [acórdão de Fixação n.º 9/2016], a fronteira relevante, e intransponível, do concurso é estabelecida, de acordo com o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, pela data do trânsito em julgado da primeira condenação do arguido. Como pode ler-se, entre outros, nos Acórdãos deste STJ, de 14-01-2009, processo n.º 3856/08-5.ª, de 19-11-2008, processo n.º 3553/08-3.ª, e de 1-04-2008, processo n.º 3187/07-5.ª, «o trânsito em julgado de uma condenação penal é, no âmbito do concurso de crimes, um limite temporal intransponível à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois».

Partilhando-se este entendimento, e tendo em conta - [a ser acolhida a sugerida proposta de exclusão da pena de multa do processo n.º 10708/08 ] - todas as demais penas a considerar no caso dos autos, há que constatar que a primeira condenação do arguido, por decisão transitada, ocorreu no âmbito do Processo n.º 4472/08.7TDLSB. Pelo que, e nos termos do disposto no atual art. 78.º, n.º 1 do Código Penal, não poderia deixar de ser esta a data a considerar para delimitar o primeiro conjunto de penas em concurso.

Esta decisão, que transitou em julgado em 28-03-2011, estabelece o limite temporal dos crimes que teriam de dar origem à aplicação de uma pena única. O mesmo é dizer que a pena aplicada neste Processo deveria ter sido cumulada, numa primeira pena única, com as penas impostas nos outros três Processos, a saber: n.º 454/08.7GAMGL, n.º 311/10.7TAGRD e n.º 104/07.9GBLSB, porque todas aplicadas com base em crimes cometidos entre 28 de setembro de 2006 e setembro de 2008 e, portanto, antes da data daquela primeira condenação e respetivo trânsito.

Relativamente ao crime cometido depois da data do trânsito em julgado dessa 1.ª condenação [28-03-2011], o arguido veio a ser julgado em 05-12-2013, no âmbito destes autos (Processo n.º 775/12.4T3SNT), tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 18-06-2014.

Esta decisão encerrou o período temporal a considerar para a determinação de uma segunda pena única, que abrange assim, tão só, a sua respetiva pena, isto porque aplicada com base em crime cometidos em 25 de janeiro de 2012 e, por conseguinte, necessariamente depois do trânsito em julgado da decisão proferida naquela primeira condenação.

Esta pena está pois, como muito bem se decidiu, numa relação de sucessão, que não de concurso, com todas as demais, motivo pelo qual não poderia ter deixado de ser excluída do concurso.

Claudica por isso, em toda a linha, esta pretensão do recorrente.

2.3 – Quanto à medida da pena unitária:

Em primeiro lugar há que dizer que não pode ignorar-se o facto de as 28 penas parcelares aplicadas no âmbito do Processo n.º 104/07.9GBLSB (agora também englobado no concurso), terem sido então objeto de cúmulo jurídico, em cuja respetiva decisão, transitada em julgado, como vimos, em 16-04-2014, lhe foi aplicada então a pena única de 17 anos de prisão.

No concurso de crimes superveniente, se o arguido já tiver sido anteriormente condenado, apenas por parte dos crimes cometidos, numa pena única transitada em julgado, a nova pena única que abranja todas as penas parcelares (e não apenas algumas), não deve, em regra, ser inferior à mais elevada das penas únicas anteriores transitadas. O que vale portanto por dizer que “in casu” a pena única a fixar deve começar por ter como ponto de referência, no seu limite mínimo, aqueles 17 anos de prisão, sendo de enfatizar desde logo que incluiu já, como também vimos supra, 28 das 32 penas agora a englobar.

Aqui chegados, dir-se-á que por via da necessária ponderação sobre a gravidade do ilícito global e a sua conexão com a personalidade unitária do agente, cujos pressupostos se não distinguem aliás, de todo, dos que foram convocados na fixação daquela primeira pena única, não pode deixar de concluir-se, em nosso juízo, que o tribunal “a quo” poderá ter empolado ligeiramente o efeito “expansivo” das quatro penas ora incluídas, no cômputo global de todas as cumuladas. Como muito bem se diz no Acórdão do STJ de 2-02-2010, proferido no Processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, 3.ª, «com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção – síntese”, na perspetiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes».

Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstrata aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

Ora, permitindo-nos, nesse exercício, remeter apenas para os considerandos enunciados, em sede de fundamentação, pelo tribunal dessa condenação, cuja atualidade é inquestionável, e tendo por outro lado em conta por um lado que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 6 anos de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 25 anos de prisão [por força do disposto no n.º 2 do art. 77.º do CP], e por outro a efetiva dimensão das quatro novas penas agora a englobar [de 4 meses, 18 meses, 1 ano e 2 anos, todas de prisão, e pela prática do mesmo tipo de crime], no contexto das demais 28 penas de prisão aplicadas, propenderíamos pela fixação de uma pena única que, operando a uma “sanção síntese”, não fizesse repercutir aquelas novas penas parcelares em medida superior a 4 meses de prisão.

Dir-se-á até, aqui convocando por exemplo o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no Processo n.º 4456/06, da 5.ª Secção, que nos não repugnaria mesmo a possibilidade de ser ponderada a fixação da mesma pena, 17 anos de prisão, isto tendo em conta que, tal como ali, também aqui se nos afigura que os factos posteriormente conhecidos não têm praticamente incidência na apreciação global da conduta e da personalidade unitária do arguido, tal como apreciados naquela decisão cumulatória anterior e ainda relativamente recente, transitada em julgado, motivo pelo qual, como ali se decidiu, nada impede que “a pena do concurso, na reformulação do cúmulo, se quede pela fixada anteriormente naquela decisão”.

Neste quadro, e na ponderação da ilicitude global do crime unificado e sua conexão com a personalidade e grau de culpa do arguido, e sem descurar igualmente, bem entendido, as exigências de prevenção geral [face à frequência e perturbação social sempre decorrentes deste tipo de criminalidade], e prevenção especial negativa [obstar a que o recorrente continue a delinquir], afigura-se-nos ser de fixar a pena única em medida que, partindo pelo menos da fixada no cúmulo anterior já realizados, proporíamos entre os sobreditos 17 anos, já fixados anteriormente, e os 17 anos e 4 meses de prisão, medida esta, a nosso ver, adequada à culpa e potenciadora da reintegração social do arguido.

2.2 – Parecer:

Termos em que, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido de que:

2.2.1 – É de negar provimento ao recurso, confirmando assim o exercício de unificação das penas de prisão operado pela decisão, isto quer na parte em que cumulou as aplicadas nos processos n.º 4472/08, 454/08, 311/10 e 104/07, quer no segmento em que excluiu do cúmulo a pena do processo n.º 775/12, determinando o seu cumprimento sucessivo;

2.2.2 – É de ponderar, por se tratar de um ato totalmente inútil, a exclusão do concurso da pena de 210 dias de multa, já extinta pelo pagamento, aplicada no Processo n.º 10708/08.7TDPRT;

2.2.3 – Na procedência, parcial, do recurso, será de reduzir a pena única do concurso de crimes para a medida acima proposta: entre os 17 e os 17 anos e 4 meses de prisão.”

5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

O recurso tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou penas de prisão superiores a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

7. A decisão recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

7.1. Fundamentação de facto

“Factos provados:

1. Nos presentes autos (processo n.º 775/12.4T3SNT) o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

a) O acórdão foi proferido em 05.12.2013, transitou em julgado na data de 18.06.2014, tendo os factos sido praticados na data de 25.01.2012.

b) Ficou provado que o arguido dirigindo-se a outro indivíduo, no interior do Estabelecimento Prisional da Carregueira, onde se encontravam reclusos, empurrou-o, fez com que este ficasse debruçado sobre o caixote do lixo, ao mesmo tempo que com um dos joelhos lhe fazia pressão sobre as costas, tendo-lhe causado dores e escoriações no pescoço e costas que lhe determinaram 5 dias de doença, sendo os 2 primeiros com afectação para o trabalho em geral.

2. No processo n.º 3199/05.6TBVIS, do (extinto) 2.º Juízo Criminal de Viseu, por decisão de 04.11.2005, transitada em julgado na data de 22.11.2005, por factos praticados na data de 28.11.2003 a 20.05.2005, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

a) Resulta da factualidade que o arguido, por se encontrar indocumentado, decidiu arranjar documentos portugueses em que figurasse com a identidade de BB, seu primo e assim procedeu e escrevendo o nome do seu primo nas respectivas fichas e entregando os demais elementos daquele, conseguiu obter cartão com o número de contribuinte e bilhete de identidade, com o nome do primo.

b) A pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento. 

3. No processo n.º 10708/08.7TDPRT, da 2.ª Secção, do 3.º Juízo Criminal do Porto, por decisão de 07.06.2010, transitada em julgado na data de 28.06.2010, por factos praticados em 2008, pela prática de cinco crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

a) Resultou provado que o arguido deliberadamente emitiu cinco cheques para compra de mercadorias, declarou ao banco que se tinham extraviado e quando apresentados a pagamento foram devolvidos por extravio.

b) A pena de multa declarada extinta pelo pagamento.

4. No processo n.º 4472/08.7TDLSB, da 2.ª Secção, do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, por decisão de 18.02.2011, transitada em julgado na data de 28.03.2011, por factos ocorridos na data de 08.02.2008 a 15.02.2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de prisão.

a) Resultou provado que o arguido em 08.02.2008 emitiu dois cheques para pagamento de material informático e após deu ordem à instituição bancária para não proceder ao seu pagamento, alegando incumprimento do contrato, o que não correspondia à verdade.

b) A pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

5. No processo n.º 454/08.7GAMGL, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 25.01.2013, transitada em julgado na data de 21.10.2013, por factos ocorridos na data de 28.09.2006, pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão.

a) Resultou provado, em breve síntese que o arguido abusivamente imitou a assinatura da sua namorada, numa declaração e livrança que entregou a uma sociedade comercial, com vista a que lhe fosse entregue um veículo automóvel.

b) A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento.

6. No processo n.º 311/10.7TAGRD, do 2.º juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por decisão de 08.11.2013, transitada em julgado na data de 09.05.2014, por factos ocorridos entre Maio e Setembro de 2008, pela prática de, respectivamente, um crime de burla qualificada – pena parcelar de 2 anos de prisão – e um crime de corrupção activa – pena parcelar de 1 ano de prisão – na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.

a) Resultou provado que o arguido encontrando-se recluso no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, conjuntamente com outro recluso, através de atribuição de vantagem patrimonial levou a que um funcionário colocasse no interior do Estabelecimento um telemóvel, que usou, o que sabia não poder fazer, designadamente para fazer crer a um terceiro que tinha interesse na aquisição de imóveis no Algarve, levando-a a efectuar transferências monetárias, que fez suas.

7. No processo n.º 104/07.9GBLSB, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 27.08.2010, transitada em julgado na data de 16.04.2014, o arguido foi condenado por 10 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, dezassete crimes de extorsão, p. e p. pelos artigos 223.º, n.ºs 1 e 3, a) e 204.º, n.º 2, g), do Código Penal e um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, nos seguintes termos (certidão de fls. 620 a 869):

a) por factos ocorridos na data de 07.08.2007 e 11.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 5 anos de prisão;

b) por factos ocorridos na data de 13.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

c) por factos ocorridos na data de 14.08.2007 e 16.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos de prisão;

d) por factos ocorridos na data de 17.08.2007 e 20.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos e 8 meses de prisão;

e) por factos ocorridos na data de 21.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos de prisão;

f) por factos ocorridos na data de 21.08.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos e 4 meses de prisão;

g) por factos ocorridos na data de 20.11.2007 e 21.11.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos e 4 meses de prisão;

h) por factos ocorridos na data de 31.11.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos de prisão;

i) por factos ocorridos na data de 07.12.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

j) por factos ocorridos na data de 19.12.2007, pela prática de um crime de burla qualificada, a pena de 3 anos e 8 meses de prisão;

l) por factos ocorridos na data de 23.08.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 3 anos de prisão;

m) por factos ocorridos na data de 24.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos de prisão;

n) por factos ocorridos na data de 24.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

o) por factos ocorridos na data de 24.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, a pena de 3 anos de prisão;

p) por factos ocorridos na data de 24.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, a pena de 3 anos de prisão;

q) por factos ocorridos na data de 27.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos de prisão;

r) por factos ocorridos na data de 27.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

s) por factos ocorridos na data de 28.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 6 anos de prisão;

t) por factos ocorridos na data de 28.08.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 2 anos e 6 meses, de prisão;

u) por factos ocorridos na data de 28.08.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 2 anos e 6 meses, de prisão;

v) por factos ocorridos na data de 28.08.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 3 anos, de prisão;

x) por factos ocorridos na data de 29.08.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 2 anos e 6 meses, de prisão;

z) por factos ocorridos na data de 31.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos de prisão;

aa) por factos ocorridos na data de 31.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos de prisão;

bb) por factos ocorridos na data de 31.08.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos e 8 meses de prisão;

cc) por factos ocorridos na data de 17.09.2007, pela prática de um crime de extorsão, a pena de 5 anos de prisão;

dd) por factos ocorridos na data de 18.09.2007, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

ee) por factos ocorridos no ano de 2007, pela prática de um crime de branqueamento de capitais, na pena de 5 anos de prisão;

ff) Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi condenado na pena única de 17 anos de prisão.

gg) Resultou provado que o arguido formulou repetidamente a intenção de, a partir de Portugal, passar a captar fraudulenta e ilicitamente valores monetários através do sistema utilizado pela Western Union (WL) e a MoneyGram (MG), companhias de serviços financeiros e comunicações baseadas nos Estados Unidos, que oferecem serviços transferências monetárias. Os procedimentos por si concebidos para alcançar tal propósito consistiam em entrar em contacto telefónico, a partir de Portugal, utilizando telefones da rede móvel nacional ou em VOIP - abreviatura de sistema de comunicação telefónica através da World Wide Web, mediante um protocolo designado Voice Over Internet Protocolo com estabelecimentos constituídos agências WU ou MG em qualquer parte do mundo, designadamente nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), Canadá e países europeus. A fim de alcançar o seu objectivo, o arguido AA: a) ora dirigia ameaças consistentes na alegada colocação de engenhos explosivos nas instalações aptos a deflagrar e/ou na existência de atiradores furtivos nas suas imediações (snipers) que disparariam, por forma a levar os funcionários a acreditar nas afirmações que lhes dirigia, convencendo-os de que tinha condições para visionar o que ocorria no interior, dirigindo-lhes exigências destinadas a comprová-lo; b) ora convencia-os da ocorrência de anomalias no sistema informático de transferências ou afirmava ser funcionário do serviço de suporte técnico da instituição financeira. Assim, em 07.08.2008, identificando-se como sendo da assistência técnica contactou telefonicamente a “Salmon Oil Company”, agência WUI e alegando que o sistema informático daquela Agência se encontrava com problemas, referiu à funcionária que iria proceder a uma intervenção no mesmo e solicitou então à mesma trabalhadora que, para o efeito, ligasse e desligasse o sistema, informando-a que por essa via iria entrar no modo de teste, pelo que qualquer transferência seria automaticamente cancelada, factos que não correspondiam à realidade. Assim disse à funcionária para realizar transferências de teste a partir da agência, fornecendo-lhe os remetentes e os destinatários, bem como o montante a inscrever para transferir, guiando-a na sua execução, e solicitando-lhe que indicasse nos recibos a imprimir a expressão “VOID”, que significa NULO ou ANULADO, para mais facilmente fazê-la crer estar perante uma intervenção legítima, gerando transferências fictícias, o que não correspondia à realidade. Assim, no período que mediou entre os dias 7 c 11 de Agosto de 2007, em sucessivos contactos telefónicos mantendo as funcionárias em erro, o arguido conseguiu que as mesmas realizassem 21 transferências monetárias, para o efeito fornecendo-lhe 21 (vinte e um) códigos de transacção previamente obtidos. Após a realização de cada uma das transferências monetárias, solicitou-lhes os MTCN correspondentes, alegando que os mesmos eram necessários para proceder à respectiva anulação, o que por elas lhe foi comunicado e com os elementos indicados e os MTCN correspondentes a cada transferência, todas as transferências assim geradas foram levantadas pelo arguido e em conjugação de esforços com outros indivíduos, causando um prejuízo patrimonial no valor de € 36.359,64. No dia 13.08.2007 o arguido contactou a “KMART”, agência WU e afirmando pertencer ao seu departamento e necessitar de efectuar testes informáticos em virtude de uma alegada avaria, levou o funcionário a efectuar três transferências monetárias no valor total de € 5.945,35 e, conjugadamente com outros dois indivíduos, procederam ao seu levantamento ao balcão dos CTT em Viseu. Agindo de forma similar, entre os dias 14.08.2007 e 16.08.2007, contactou telefonicamente a empresa “Whalers General Store” e logrou convencer os funcionários a fazerem cinco transferências monetárias, a cujo levantamento procedeu, conjugadamente com outros indivíduos, num total de € 13.738,12. No dia 17.08.2007 contactou por via telefone a empresa “Jubilee Foods” e recorrendo ao mesmo procedimento anteriormente descrito logrou que o funcionário realizasse duas transferências monetárias e no dia 18.08.2007 outras nove transferências, causando um prejuízo patrimonial no valor de € 31.566,65 e, conjugadamente com outros dois indivíduos, procederam ao seu levantamento em Portugal. No dia 21.08.2007, agindo de forma similar o arguido contactou o posto de abastecimento de combustíveis “Stadium BP”, nos EUA e logrou que o funcionário realizasse sete transferências monetárias, causando um prejuízo patrimonial no valor de € 14.058,36 e, conjugadamente com outros dois indivíduos, procederam ao seu levantamento em Portugal.

No dia 22.08.2007, agindo de forma similar o arguido contactou o estabelecimento comercial designado “Ian`s Market”, nos EUA e logrou que o funcionário realizasse onze transferências monetárias, causando um prejuízo patrimonial no valor de € 20.102,99 e, conjugadamente com outros indivíduos, procederam ao seu levantamento em Portugal.

No dia 23.08.2007, o arguido contactou a loja “Safeway”, nos EUA e ameaçou a gerente que caso não efectuasse transferências monetárias no valor de € 5.636,00 explodiria uma bomba no edifício, onde também se encontravam homens armados que a poderiam matar, o que não logrou conseguir porquanto aquela estabeleceu contacto com a WU, que impediu que os valores fossem efectivamente transferidos. No dia 24.08.2007, o arguido contactou a “Star Market”, nos EUA e ameaçou a funcionária que caso não efectuasse transferências monetárias explodiria um engenho explosivo no edifício, onde também se encontrava um homem armado que a poderiam matar, logrando conseguir que aquela transferisse o montante de € 1.978,85 e, conjugadamente com outros indivíduos, procederam ao seu levantamento em Portugal. No mesmo dia 24.08.2007, o arguido contactou a “Nodaway Valley Bank”, nos EUA e ameaçou funcionários que caso não efectuassem transferências monetárias explodiria um engenho explosivo no banco, logrando conseguir que aqueles efectuassem duas transferências, no valor de, respectivamente, o montante de € 2.011,30 e € 1.983,07. Conjugadamente com outros indivíduos, procederam ao levantamento de € 2.011,30, em Portugal, não tendo a segunda transferência sido paga, porquanto foi rejeitada pelo Office of Foreign Assets Control. Ainda no dia 24.08.2007, o arguido contactou a agência n.º 1763 da empresa “Safeway”, nos EUA e ameaçou o funcionário que caso não efectuasse duas transferências monetárias no valor total de € 2.005,35 explodiria uma bomba no edifício, onde também se encontrava uma pessoa a observá-lo, o que não logrou conseguir porquanto o gerente estabeleceu contacto com a WU, que impediu que os valores fossem efectivamente transferidos. Ainda no dia 24.08.2007, o arguido contactou a empresa “Vons”, nos EUA e ameaçou o funcionário que caso não efectuasse duas transferências monetárias no valor de € 2.011,30 e 2800,00 USD, explodiria uma bomba no edifício, onde também se encontrava uma pessoa armada a observá-lo e que o alvejaria caso não cumprisse as ordens, o que não logrou conseguir porquanto o funcionário estabeleceu contacto com a WU, que impediu que os valores fossem efectivamente transferidos. No dia 27.08.2007, o arguido contactou a “Seibert`s Pump Church Amoco”, nos EUA e ameaçou o funcionário que caso não efectuasse transferências monetárias explodiria um engenho explosivo nas instalações, logrando conseguir que aquele efectuasse uma transferências, no valor de € 1.965,20 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No mesmo dia 27.08.2007, o arguido contactou a “Hardings Supermarket”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, logrou que transferissem € 1.983,44 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No dia 28.08.2007, o arguido contactou a “Wal-Mart”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, logrou que efectuassem três transferências no valor total de € 4.035,44 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No dia 28.08.2007, o arguido contactou a “King Soopers”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, apenas não logrou que efectuasse a transferência no valor de € 2.820,00 USD porquanto o sistema a rejeitou por ter excedido o período de tempo para essa operação. No mesmo dia 28.08.2007, o arguido contactou a empresa “Dillons”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, apenas não logrou que efectuasse duas transferências no valor total de € 5.650,00 USD porquanto o sistema as rejeitou por ter excedido o período de tempo para essa operação. No dia 29.08.2007, o arguido contactou a empresa “Hannaford Brothers Supermarket”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, apenas não logrou que efectuasse transferência no valor total de € 2.500,00 USD porquanto o sistema as rejeitou por ter excedido o período de tempo para essa operação. No dia 31.08.2007, o arguido contactou a “Giant Eagle”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, logrou que transferissem € 2.100,00 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No mesmo dia 31.08.2007, o arguido contactou a “U.S. Bank”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, logrou que transferissem € 1.760,43 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No dia 17.09.2007, o arguido contactou a “Bread Box”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, logrou que transferissem € 1.936,95 e conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao seu levantamento, em Portugal. No mesmo dia 17.09.2007, o arguido contactou a “Woodforest National Bank”, nos EUA e agindo e ameaçando o funcionário de forma similar, apenas não logrou que transferissem o valor de € 2.900,00 USD porquanto os serviços da WU, alertados, conseguiram cancelar essa operação. Nos dias 20.11.2007 e 21.11.2007, o arguido contactou a empresa “Sainsbury`s Supermarket”, nos EUA e afirmando pertencer ao departamento agência WU e necessitar de efectuar testes informáticos em virtude de uma alegada avaria, levou o funcionário a efectuar onze transferências monetárias e, conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao levantamento de € 24.900,00, em Portugal. No dia 30.11.2007, o arguido contactou o “Goffin Bank”, nos EUA e afirmando pertencer ao departamento da agência WU e necessitar de efectuar testes informáticos em virtude de uma alegada avaria, levou o funcionário a efectuar cinco transferências monetárias e, conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao levantamento de € 12.655,00, em Portugal. No dia 07.12.2007, o arguido contactou o “Lunch Bank”, nos EUA e afirmando pertencer ao departamento da agência WU e que iria aumentar a velocidade do teclado da linha, para o efeito necessitando que digitasse no telefone uma combinação de números, o que o mesmo fez, desligando em seguida. Assim levou o funcionário a efectuar três transferências monetárias e, conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao levantamento de € 5.858,53, em Portugal. No dia 19.12.2007, o arguido contactou a empresa “Merex Exchange”, nos EUA e afirmando pertencer ao departamento da agência WU e necessitar de efectuar testes informáticos em virtude de uma alegada avaria, levou o funcionário a efectuar sete transferências monetárias e, conjugadamente com outros indivíduos, procedeu ao levantamento de € 8.350,00, em Portugal. Relativamente ao ano de 2007 o arguido não declarou estes valores captados ilicitamente, dispersando-os por diversas contas por si e outro indivíduo tituladas, de forma a obviar que o relacionassem com as ilegítimas transferências monetárias e introduzindo, assim, tais montantes no mercado financeiro legitimo. 

Mais se provou:

8. Natural dos Estados Unidos da América, país onde os progenitores se encontravam emigrados, sendo o pai de nacionalidade indonésia e a mãe portuguesa, AA é o mais novo dos dois filhos do casal e o seu processo de desenvolvimento terá decorrido em enquadramento coeso e sem restrições económicas, sendo que o pai seria detentor de uma situação económica favorável, com funções empresariais ligado ao negócio do petróleo, ferro e minérios e a mãe era funcionária da Organização das Nações Unidas.

9. Do seu processo de desenvolvimento destaca-se a separação conjugal dos pais quando contava dezasseis anos de idade, tendo permanecido juntamente com o irmão no agregado materno, tendo o progenitor regressado à Indonésia. Não obstante a separação, AA terá mantido contacto frequente com o progenitor, que sempre terá assumido as suas responsabilidades parentais, mantendo-se os laços afectivos entre todos os elementos familiares.

10. Iniciou o seu percurso escolar nos EUA, tendo a determinada altura demonstrado desinteresse pelos estudos, optando por ir viver para Portugal, para junto do tio materno, com habitação em Mangualde, de onde a mãe é natural. AA reiniciou a aprendizagem escolar, tendo concluído o 2° ciclo do ensino básico, tendo então regressado aos EUA, onde reintegrou o agregado materno e deu continuidade aos estudos, onde terá mais tarde concluído formação académica superior na área de engenharia informática.

11. Segundo informações prestadas pelo próprio em entrevista anterior, terá sido por volta dos vinte e dois anos de idade que se iniciou no mercado de trabalho, no Citibank, onde viria a permanecer cerca de quatro anos, com funções de direcção e responsabilidades na área da segurança, o que lhe terá permitido um estilo de vida com relações sociais elevadas e economicamente desafogado.

12. Em 2003, regressou a Portugal, sendo que esse regresso terá sido na sequência de questões judiciais associadas a ilícitos praticados no decurso dessa mesma actividade profissional, tendo então requerido nacionalidade portuguesa e fixado residência junto do mesmo tio materno onde vivera aquando a sua primeira deslocação, familiar com quem passou a colaborar profissionalmente, tendo mais tarde iniciado uma relação afectiva com cidadã brasileira, da qual tem um filho nascido em 2008.

13. Em 2005 foi detido preventivamente, tendo permanecido cerca de três meses no EP de Coimbra, no âmbito de pedido de extradição por parte das autoridades dos EUA, que não foi concedido, sendo colocado em liberdade. Veio novamente a ser detido em 2008 por diversos crimes praticados já em Portugal e, em 20\3 foi condenado numa pena de dezassete anos de prisão, que se encontra em cumprimento.

14. Em meio livre terá o apoio da ex-mulher e filho bem como de outros familiares do núcleo alargado, sendo que os progenitores embora geograficamente distanciados, respectivamente nos EUA e Indonésia prestam o seu apoio nomeadamente no plano económico.

15. Em período precedente à prisão, AA estaria a residir com a companheira e filho menor do casal, em apartamento na zona de Aveiro. Laboralmente mantinha actividade junto do tio, assumindo responsabilidade das suas empresas na área dos seguros e construção civil.

16. Socialmente bem inserido no respectivo meio comunitário do tio, onde viveu até iniciar relação marital, AA era considerado pelos elementos desse meio como indivíduo de trato fácil e adequado, pelo que a sua detenção foi fonte de surpresa para a respectiva comunidade.

17. Na sequência da sua detenção, a relação com a mãe do seu filho viria a terminar, tendo a guarda do menor sido entregue à mãe, sendo que no decurso do cumprimento da pena, AA beneficiou de visitas do filho, bem como de outros familiares”.

7.2. Fundamentação de direito:

“Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é o arguido condenado numa pena única, na qual são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Mais prescreve o artigo 78.º do mesmo diploma legal que, se depois de condenação já transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação outro, ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo 77.º supra referenciado, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

E para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, exige-se que todas as infracções tenham sido cometidas antes de haver transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, não sendo o cúmulo dito “por arrastamento” consentido pela nossa lei penal.

In casu verifica-se que o arguido praticou os factos pelos quais foi condenado no processo n.º 454/08 – factos praticados em 28.09.2006 –, no processo n.º 311/10 – factos praticados no período compreendido nos meses de Maio a Setembro de 2008 –, no processo n.º 104/07 – factos praticados no período compreendido entre 07.08.2007 e 18.09.2007- e no processo n.º 10708/08 – factos ocorridos no ano de 2008 – precisamente antes do trânsito em julgado em julgado da decisão proferida precisamente neste último processo n.º 10708/08 – 28.06.2010 – encontrando-se, pois, numa relação de concurso entre si.

Por sua vez, os factos cometidos nestes quatro processos, ocorreram em data posterior à do trânsito em julgado da condenação sofrida pelo arguido no processo n.º 3199/05 – sentença transitada em julgado em 22.11.2005 (ponto 3 dos factos provados), pelo que quanto a esta não se verifica uma relação de concurso, mas sim de sucessão de penas.

Assim como os factos cometidos no processo n.º 775/12, ocorreram em 25.01.2012, logo em data posterior à do trânsito em julgado da condenação sofrida pelo arguido no processo n.º 10708/11 – sentença transitada em julgado em 28.06.2010 (ponto 3 dos factos provados), pelo que quanto a esta não se verifica uma relação de concurso, mas sim de sucessão de penas.

Nestes termos e, tendo presente o disposto nos artigos 77°, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, há que apenas efectuar o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas no âmbito do processo n.º 454/08, processo n.º 311/10, processo n.º 104/07 e no processo n.º 10708/08.

Dosimetria da pena única:

Em face do exposto, a pena única terá em conta a globalidade dos factos praticados e a personalidade do arguido e as exigências de prevenção especial e geral que serviram de base à aplicação das respectivas penas parcelares agora em apreciação.

Quanto à moldura legal da pena única resultante do cúmulo, em face do preceituado no artigo 77.º, n.º 2, aplicável ex vi artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal, situar-se-á entre, a soma das penas parcelares concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão e 900 dias de multa) - limite máximo - e, a pena mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas - limite mínimo.

Na fixação da pena única há que atender e valorar as circunstâncias atinentes à personalidade do arguido e aos factos por si perpetrados.

Nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do art. 77.º do Código Penal, com referência para o preceituado, quanto ao fim e modo de determinação das penas, nos arts. 40.º e 71.º do mesmo diploma legal, na operação de determinação da pena única a aplicar ao arguido há que ponderar, em conjunto, os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as elevadíssimas exigências de prevenção especial, já tendo sofrido outras condenações por factos de idêntica natureza, encontrando-se preso em cumprimento de pena de prisão, as elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a natureza dos crimes cometidos. Com efeito, o arguido tem um percurso de vida caracterizado por insistir no cometimento de crimes contra o património, que empobrecem as vítimas, bem como de falsificação.

Em face do exposto e, tendo em consideração a personalidade do arguido, reveladora de falta de assimilação dos valores que determinam o respeito pelas regras que enformam a nossa ordem jurídica, julga-se adequado aplicar a pena única de 18 anos de prisão (processo n.º 454/08, processo n.º 311/10 e processo n.º 104/07) a que acrescem 210 dias de multa, à taxa de € 5,00, relativa ao processo n.º 10708/08.

No cumprimento da pena única de prisão ora imposta, serão descontados os períodos de detenção e de prisão já cumpridos no âmbito dos processos cujas penas foram englobadas neste cúmulo jurídico, para se encontrar o remanescente da pena que ao arguido faltará cumprir. (...)

Em face do exposto e, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 e 2 e 77.º do Código Penal, decide-se:

1. Operar o cúmulo jurídico englobando as penas aplicada no âmbito do processo n.º 10708/08.7TDPRT, processo n.º 4472/08.7TDPRT, do processo n.º454/08.7GAMGL, processo n.º 311/10.7TAGRD, processo n.º 104/07.9 GBLSB, condenando-se o arguido AA, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão e 210 dias de multa à taxa de € 5,00.

2. Em sucessão encontra-se a pena de 8 (oito) meses de prisão em que foi condenado no processo n.º 775/12.4 T3SNT.

3. Também em sucessão a pena de € 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 em que foi condenado no processo n.º 3199/05.6TBVIS. (...)”.

8. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).

Este tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir se a pena de 8 meses de prisão aplicada no processo 775/12.4 T3SNT, que o tribunal recorrido excluiu, deve ser englobada na formação do cúmulo jurídico e se a pena conjunta aplicada – pena de 18 anos de prisão, a que acrescem 210 dias de multa fixada em 5 euros por dia, correspondente à pena aplicada no processo 10708/08.7TDPRT – deve ser reduzida, como pretende o recorrente.

9. Nos termos do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. De acordo com o artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, esta regra é aplicável em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, isto é, quando, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, se mostrar, perante condenações transitadas em julgado, que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Chamado a decidir a controvérsia jurisprudencial a propósito do momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes em caso de conhecimento superveniente, fixou este Supremo Tribunal jurisprudência no sentido de que tal momento “é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso” (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, DR I, n.º 111, de 9.6.2016). Como tem sido insistentemente sublinhado nas decisões deste tribunal (em que se incluem as citadas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto em seu parecer) “o trânsito em julgado de uma condenação penal é, no âmbito do concurso de crimes, um limite temporal intransponível à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois”.

Seguindo esta interpretação jurisprudencial do artigo 78.º do Código Penal, há lugar à aplicação de uma pena única sempre que, por sentenças transitadas em julgado proferidas em processos separados e autónomos, tenham sido aplicadas diferentes penas ao mesmo agente por crimes praticados antes da data do trânsito em julgado da primeira das condenações por qualquer desses crimes.

9.1. A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante da transformação das penas correspondentes aos crimes em concurso “segundo um princípio de absorção ou de exasperação”, a determinar no quadro da moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do artigo 77.º (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa), sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas. Assim definida a moldura do concurso, deve o tribunal determinar a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 56).

9.2. Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal (de que se dão exemplos), “com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente”; “importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente” (acórdão de 14.07.2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça).

“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados”; “há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados”; tudo isto “tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais” (acórdão de 18.1.2012, no Proc. 34/05.9PAVNG.S1, rel. Cons. Raul Borges).

Citando Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

9.3. Escreveu-se no acórdão de 17.06.2015 (Proc. 488/11.4GALNH, rel. Cons. Maia Costa): “como é sabido, a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (art. 472.º, n.º 1, do CPP), destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o art. 77.º, n.º 1, do CP. O que vale por dizer, pois, que o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares: agora aprecia-se a globalidade da conduta do agente. Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer de facto. Daí que a sentença de um concurso de crimes não possa deixar de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, tanto no que diz respeito à necessidade de citação dos tipos penais cometidos, quanto também no que concerne à descrição dos próprios factos efectivamente praticados pelo agente, na sua singularidade circunstancial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas” (no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos de 15.05.2013, no Proc. nº 125/07.1SAFRD.S1, e de 06.02.2014, no Proc. n.º 627/07.PAESP.P2.S1).

10. A determinação da pena única conjunta há-de efectuar-se, pois, através de uma nova sentença, que realize o cúmulo jurídico em aplicação destes mencionados critérios, mediante audiência e realização das diligências necessárias, sendo competente para o efeito o tribunal da última condenação, o qual “por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido”, sendo irrelevante a data do respectivo trânsito (acórdão deste STJ de 6.1.2010, Proc. 98/04.2GCVRM-A.S1, rel. Cons. Pereira Madeira”).

Dispõe, a este respeito, o artigo 471.º do CPP, sob a epígrafe “conhecimento superveniente do concurso”, que, “para efeito do disposto no artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular (...)”, sendo “correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º” (n.º 1) – segundo a qual “compete ao tribunal colectivo julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime” –, acrescentando o n.º 2 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação”.

Por seu turno, prescreve o artigo 472.º que, “para o efeito do disposto no artigo 78.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal designa dia para a realização da audiência ordenando, oficiosamente, ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão.”

11. Inserido no Título I (Disposições gerais) do Livro X (Das execuções) do CPP, o artigo 471.º contém um regime normativo de determinação de competência estruturado na base de critérios de definição de competência material – indicando qual o tribunal que, segundo a sua espécie, deve julgar e determinar a pena única conjunta em conhecimento superveniente do concurso – e funcional – estabelecendo a competência em função da fase em que o processo se encontra, isto é, neste caso, em função da fase de execução da pena (competência funcional por fases) –, nos termos do n.º 1, adicionando-lhe (“sem prejuízo do disposto no número anterior”, estabelece-se no n.º 2) um critério de competência territorial – determinando qual o tribunal que, de entre os da mesma espécie, deve ser chamado a exercer a parcela de jurisdição que lhe compete (sobre os critérios e conceitos de competência em processo penal, cfr. Figueiredo Dias / Nuno Brandão, Sujeitos Processuais: O Tribunal, Coimbra, 2015, Faculdade de Direito, em particular p. 37 e 54, em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083).

Dito de outro modo, na aplicação destes critérios: verificando-se, em fase de execução de pena, que essa pena deve incluir-se numa pena única conjunta, por o arguido ter sido definitivamente condenado em outra ou outras penas, em dois ou mais processos que não foram objecto de conexão, por verificação dos pressupostos do regime legal do conhecimento superveniente do concurso (art. 78.º), será territorialmente competente para determinação dessa pena conjunta o tribunal da última condenação que aplicou uma das penas por um dos crimes em concurso, funcionando em tribunal colectivo ou singular, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 14.º do CPP, devidamente adaptada. Como se afirma no acórdão de 24.10.2012, deste tribunal: “O artigo 471.º do CPP estabelece que é competente territorialmente para a realização do cúmulo o tribunal da última condenação. Mas nessa regra vai pressuposta a competência funcional do tribunal da última condenação. E só haverá competência funcional quando o tribunal tiver aplicado uma das penas em concurso” (Proc. 316/07.5GBSTS.S2, rel. Cons. Maia Costa; cfr. também os acórdãos de 10.4.2014, no Proc. 540/07.0PCOER-A.S1, rel. Cons, Sousa Fonte, e de 26-10-2016, Proc. 1604/09.1JAPRT.S1, rel. Cons. M. A. Matos, em www.dgsi.pt).

12. Na presença do quadro legal sinteticamente exposto, impõe-se, antes de mais, na metodologia da decisão, apreciar a questão da competência do tribunal recorrido para aplicação da pena única conjunta.

12.1. Como resulta dos factos provados (supra, 7.1) o arguido foi condenado nas seguintes penas:

a) Nos presentes autos (processo n.º 775/12.4T3SNT), pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão. O acórdão foi proferido em 05.12.2013, transitou em julgado na data de 18.06.2014, tendo os factos sido praticados na data de 25.01.2012.

b) No processo n.º 3199/05.6TBVIS, do (extinto) 2.º Juízo Criminal de Viseu, por decisão de 04.11.2005, transitada em julgado na data de 22.11.2005, por factos praticados na data de 28.11.2003 a 20.05.2005, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

c) No processo n.º 10708/08.7TDPRT, da 2.ª Secção, do 3.º Juízo Criminal do Porto, por decisão de 07.06.2010, transitada em julgado na data de 28.06.2010, por factos praticados em 2008, pela prática de cinco crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

d) No processo n.º 4472/08.7TDLSB, da 2.ª Secção, do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, por decisão de 18.02.2011, transitada em julgado na data de 28.03.2011, por factos ocorridos na data de 08.02.2008 a 15.02.2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de prisão.

e) No processo n.º 454/08.7GAMGL, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 25.01.2013, transitada em julgado na data de 21.10.2013, por factos ocorridos na data de 28.09.2006, pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão.

f) No processo n.º 311/10.7TAGRD, do 2.º juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por decisão de 08.11.2013, transitada em julgado na data de 09.05.2014, por factos ocorridos entre Maio e Setembro de 2008, pela prática de, respectivamente, um crime de burla qualificada – pena parcelar de 2 anos de prisão – e um crime de corrupção activa – pena parcelar de 1 ano de prisão –, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.

g) No processo n.º 104/07.9GBLSB, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão de 27.08.2010, transitada em julgado na data de 16.04.2014, o arguido foi condenado por 10 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, dezassete crimes de extorsão, p. e p. pelos artigos 223.º, n.ºs 1 e 3, a), e 204.º, n.º 2, g), do Código Penal e um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por factos cometidos em 2007.

12.2. Na fundamentação de direito (supra, ponto 7.2), apreciando os factos à luz do disposto no artigo 77.º do Código Penal, concluiu o tribunal recorrido que, quanto à pena aplicada neste processo (Proc. 775/12.4T3SNT), “não se verifica uma relação de concurso”, pelo que, excluindo esta pena, foi decidido “operar o cúmulo jurídico englobando as penas aplicada no âmbito do processo n.º 10708/08.7TDPRT, processo n.º 4472/08.7TDPRT, do processo n.º454/08.7GAMGL, processo n.º 311/10.7TAGRD, processo n.º 104/07.9 GBLSB, condenando-se o arguido AA, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão e 210 dias de multa à taxa de € 5,00”.

Para alcançar esta conclusão, o tribunal recorrido tomou como ponto de referência temporal a data de 28.6.2010, que corresponde à data do trânsito em julgado da primeira sentença que condenou o arguido por um dos crimes em concurso – o crime que constitui o objecto do processo n.º 10708/08.7TDPRT. Tendo em consideração que o crime por que foi condenado neste processo (Proc. 775/12.4T3SNT) foi praticado em 25.1.2012, isto é, em data posterior à do trânsito daquela primeira condenação, o tribunal recorrido não incluiu a pena aplicada nestes autos nas operações de cúmulo jurídico de que resultou a pena única aplicada.

Lê-se no acórdão recorrido:

Assim como os factos cometidos no processo n.º 775/12, ocorreram em 25.01.2012, logo em data posterior à do trânsito em julgado da condenação sofrida pelo arguido no processo n.º 10708/11 – sentença transitada em julgado em 28.06.2010 (ponto 3 dos factos provados), pelo que quanto a esta não se verifica uma relação de concurso, mas sim de sucessão de penas.

Nestes termos e, tendo presente o disposto nos artigos 77°, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, há que apenas efectuar o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas no âmbito do processo n.º 454/08, processo n.º 311/10, processo n.º 104/07 e no processo n.º 10708/08” (o acórdão, em resultado do que se evidencia ser lapso evidente, não faz, nesta parte, referência à pena aplicada no processo n.º 4472/08.7TDLSB, que incluiu no dispositivo).

12.3. A decisão de excluir a pena em que o arguido foi condenado neste processo (775/12.4T3SNT) procede a uma correcta aplicação do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, por força do disposto no artigo 78.º do mesmo diploma, pelo que não lhe pode ser dirigida qualquer censura.

Com efeito, tendo os factos por que o arguido foi condenado nos diferentes processos sido praticados entre 2006 (Proc. 454/08.7GAMGL) e 2008 e tendo a primeira condenação por alguns desses factos transitado em julgado em 28.6.2010 (Proc. 10708/08.7TDPRT) – data que define o inultrapassável limite temporal para composição do conjunto de crimes em concurso a que deve corresponder uma pena única conjunta (supra, ponto 9) –, forçoso se impõe concluir que a pena aplicada neste processo, referindo-se a factos posteriores, não pode ser incluída nessa pena conjunta, por a isso se opor o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que exige que os factos sejam anteriores ao trânsito em julgado da primeira condenação.

Assim sendo, suscita-se a questão da competência do tribunal recorrido para aplicar a pena conjunta, uma vez que esta não absorve a pena aplicada neste processo.

12.4. Como acima se sublinhou (ponto 11), a competência para o julgamento e para determinação da pena única conjunta correspondente aos crimes em concurso, em caso de conhecimento superveniente, nos termos do artigo 471.º do CPP, estrutura-se na base de um critério material e funcional que obriga a que a pena aplicada no processo em que o cúmulo jurídico é efectuado seja uma das penas incluídas na determinação da pena única; havendo várias penas parcelares aplicadas em processos distintos, a competência territorial é legalmente atribuída ao tribunal da última condenação em uma dessas penas. Como se decidiu no Proc. 316/07.5GBSTS.S2 (acórdão de 24.10.2012, supra citado), “ficando a pena aplicada excluída do concurso, falece a competência do tribunal [que a aplicou] para efectuar o cúmulo, tarefa essa que competirá ao tribunal da última condenação das penas em concurso”.

Pelo que, quanto a esta questão, também se impõe concluir que, não tendo a pena aplicada neste processo sido incluída na pena única, nem o podendo ser, o tribunal recorrido não tem competência para aplicar a pena única.

13. Tendo em conta a implicação das regras legais de definição de competência com a observância do princípio constitucional do juiz natural, a tutela dos direitos dos sujeitos processuais, em especial do arguido, e a sua relevância para uma boa e eficiente realização da justiça penal, o legislador fulmina, em regra, a sua violação com nulidade insanável, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 119.º do CPP, salvando-se desta cominação o caso de incompetência territorial (artigo 32.º, n.º 2, do CPP). “A atribuição da causa a um tribunal material ou funcionalmente incompetente, em virtude de desrespeito das prescrições relativas à competência material, funcional ou por conexão, representa uma nulidade insanável” (Figueiredo Dias / Nuno Brandão, loc. cit. supra, p. 64).

Nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 1, do CPP, a incompetência do tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente e pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido e pelo assistente até ao trânsito em julgado da decisão final.

Por sua vez, estabelece o artigo 119.º, alínea e), do CPP que “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º”.

Estando em causa, como acima se sublinhou (ponto 11), a violação de regras de competência material e funcional do tribunal para efectuar o julgamento e proferir decisão de aplicação da pena única conjunta, deve, assim, concluir-se pela verificação da nulidade insanável prevista na alínea e) do artigo 119.º do CPP.

14. Nos termos do disposto no artigo 122.º do Código Penal, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar, devendo a declaração de nulidade determinar quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordenar, sempre que necessário e possível, a sua repetição.

Nesta conformidade, há que determinar a invalidade do julgamento para realização do cúmulo e da decisão recorrida que aplicou a pena única aos crimes em concurso, devendo estes actos ser repetidos pelo tribunal da última condenação que aplicou uma das penas incluídas na pena única para que concorrem as penas aplicadas nos processos n.º 10708/08.7TDPRT, 4472/08.7TDPRT, 454/08.7GAMGL, 311/10.7TAGRD e 104/07.9 GBLSB.

15. A verificação desta nulidade e a consequente anulação do acórdão recorrido obstam ao conhecimento de mérito, prejudicando a apreciação das questões suscitadas no recurso.

Quanto a custas

16. De acordo com o estabelecido no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.  

Não havendo decaimento, não há lugar a pagamento de taxa de justiça.

III. Decisão

17. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar oficiosamente verificada a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP, por violação das regras de competência do tribunal recorrido para o julgamento e aplicação da pena única conjunta nos termos do disposto nos artigos 471.º e 472.º do CPP.

E, em consequência, nos termos do disposto no artigo 122.º do CPP,

b) Declarar inválidos o julgamento e o acórdão recorrido e ordenar a sua repetição pelo tribunal da última condenação que aplicou uma das penas incluídas na pena única para que concorrem as penas aplicadas nos processos n.º 10708/08.7TDPRT, 4472/08.7TDPRT, 454/08.7GAMGL, 311/10.7TAGRD e 104/07.9 GBLSB.

c) Não tomar conhecimento das questões suscitadas no recurso, que, assim, fica prejudicado.

Sem custas, por não serem devidas.

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Fevereiro de 2018.