Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
499/12.2TTVCT.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
DENÚNCIA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PERÍODO EXPERIMENTAL.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 2.ª Edição, Volume II, 1974, p. 12.
- LUÍS MIGUEL MONTEIRO, “Código do Trabalho” Anotado, 8.ª Edição, 2009, Almedina, direção de PEDRO ROMANO MARTINEZ, p. 318, em anotação ao artigo 111.º
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição 2010, pp. 197, 198.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 341.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p. 493.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 297; Ibidem, citando CASTANHEIRA NEVES, Questão de Facto – Questão de Direito, I, p. 513 e ss..
- RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, 2010, Coimbra Editora, p. 1061.
- TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, Do Período Experimental no Contrato de Trabalho, Almedina, 2007, p.p. 39 e 40, 166, 177-179.
- VAZ SERRA, “Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil)”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril de 1959, p. 253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 334.º, 762.º, N.º2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 110.º, 111.º, 112.º, 114.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, 53.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 64/91, DE 4 DE ABRIL DE 1991, PROFERIDO NO PROCESSO 117/91, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/19910064.HTML

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 26 DE SETEMBRO DE 2012, PROCESSO N.º 889/03.1TTLSB.L1.S1.
Sumário :

1 – A denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, nos termos do artigo 111.º do Código do Trabalho, não depende da invocação de um motivo válido que a justifique, nem do pagamento de indemnização à parte contrária, estando, contudo, sujeita aos limites decorrentes do artigo 334.º do Código Civil.

2 - Não constitui abuso de direito nem violação do princípio da boa fé, a denúncia de contratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, motivada na decisão política de extinção da empregadora, quando aos trabalhadores foi dado conhecimento da situação precária em que empregadora se encontrava, no momento da celebração dos contratos e que motivou aquela extinção.

3 - Não viola o princípio constitucional da segurança no emprego previsto no art.º 53.º da CRP, nem os princípios relativos à restrição de direitos fundamentais consagrados no artigo 18.º daquele diploma, a denúncia de contratos de trabalho durante o período experimental, nos termos do artigo 111.º do Código do Trabalho, motivada em razões alheias ao desempenho profissional dos trabalhadores, não suscetíveis de integrarem abuso de direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - AA e BB intentaram a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra CC, SA, DD e EE– ... (Sgps), SA, formulando os seguintes pedidos:

O AA:

- a reintegrá-lo, ou a pagar a indemnização no valor de € 2.936,12;

- a pagar-lhe a quantia de € 2.876,20 de proporcionais de férias e subsídio de férias;

- a pagar-lhe a quantia de € 1.438,10 de proporcionais do subsídio de Natal;

- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;

- a pagar-lhe a quantia de € 281.867,46, a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;

- a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial;

- a pagar-lhe a quantia de € 36.759,00, a título de lucros cessantes.

O BB:

- a reintegrá-lo, ou a pagar a indemnização no valor de € 2.936,12;

- a pagar-lhe a quantia de € 2.876,20 de proporcionais de férias e subsídio de férias;

- a pagar-lhe a quantia de € 1.438,10 de proporcionais do subsídio de Natal;

- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;

- a pagar-lhe a quantia de € 281.867,46, a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;

- a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial;

- a pagar-lhe a quantia de € 34.039,35, a título de lucros cessantes.

Ambos os AA. pediram ainda a condenação dos RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal.

Invocaram, em síntese, como fundamento das suas pretensões, que foram contratados pela 1.ª R., vindo a ser despedidos durante o período experimental, afirmando esta R. que não esteve em causa a sua qualidade e competência, pelo que entendem que é abusivo o recurso à denúncia nesses termos, por violar os mais basilares princípios da boa-fé, traduzindo, por isso, um despedimento arbitrário e injusto, com o qual sofreram danos de ordem patrimonial e não patrimonial.

Referiram também que o respetivo despedimento teve na sua origem motivos político-‑ideológicos.

Invocaram ainda que o 2.º R. é o presidente do Conselho de Administração da 1.ª e principal responsável pela sua gestão e a 3.ª R. é a holding das indústrias de defesa portuguesas, gerindo as participações sociais do Estado em sociedades ligadas à defesa e que a esta R. responde por estar numa relação de grupo com a 1.ª, e o 2.º por ser administrador.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 15 de Julho de 2014, que a julgou totalmente improcedente por não provada, tendo absolvido os RR. dos pedidos.

2 - Inconformados com esta decisão dela apelaram os Autores para o Tribunal da Relação de Guimarães que veio a conhecer do recurso por acórdão de 12 de Março de 2015, que julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

Irresignados com essa decisão dela recorrem, agora de revista para este Supremo Tribunal, os Autores, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1ª A tese consagrada na sentença da 1ª instância e confirmada no acórdão ora recorrido, com exclusão do (magnífico) voto vencido, no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja direta e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea. Com efeito,

2ª O período experimental consagrado no artº 111º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira “rota de colisão” com a garantia da segurança no emprego, consagrada no artº 53º da CRP e cuja constitucionalidade só foi admitida em função do seu exato fim.

3ª Por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade,

4ª Mas para permitir, por exemplo, verdadeiros despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho mas sem obrigação de fundamentação dos mesmos despedimentos, da demonstração da veracidade dos respetivos fundamentos, de adoção dos adequados procedimentos formais e do pagamento da competente indemnização.

5ª A liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional,

6ª Razão por que se se demonstrar – como sucede inquestionavelmente no caso dos autos – que a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho, verifica-se ou um inquestionável abuso de direito ou a interpretação e aplicação do citado artº 111º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no artº 53º da CRP, o que sempre seria inadmissível por força do disposto no art.º 18º da Lei Fundamental,

7ª Pelo que o ato em causa – praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional – é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores. Por outro lado,

8ª Mesmo a factualidade dada pela sentença de 1ª instância como demonstrada nos autos demonstra e deveria ter determinado que o acórdão ora recorrido considerasse que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos artºs 227º e 762º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expectativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA. e Recorrentes.

9ª Não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu acionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora.

10ª Mas mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respetivas indemnizações (ou compensações de antiguidade).

11ª E a teoria da “contenção de custos”, sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objetivas,

12ª Mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento “ad nutum” dos aqui AA.

13ª Deste modo, forçoso se torna concluir que o acórdão ora recorrido confirmou uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do artº 111º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do artº 53º da CRP,

14ª Padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos.

15ª Bem como consagrando a aceitabilidade do abuso do direito bem como da violação do basilar princípio da boa fé, consagrado nos artºs 227º e 762º do Cód. Civil.»

Terminam pedindo que seja concedido provimento ao recurso referindo que a decisão ora recorrida deve ser revogada, «declarando-se a ação procedente, com todas as consequências legais, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA».

3 - Os Réus CC e DD responderam ao recurso interposto pelos Autores, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões, na parte em que se inserem no âmbito do presente recurso[1]

«O Artigo 114.º do CT e o Incumprimento do Ónus de Alegação e Prova a Cargo dos Recorrentes

1. Nos termos do n.º 1 do artigo 111.º do Código do Trabalho, «o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção».

2. Nesse sentido, o período experimental visa precisamente «possibilitar uma avaliação das condições de execução do contrato por forma a que cada um deles averigue da conveniência de continuarem ou não uma relação laboral estável» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Junho de 1994, disponível em CJ, 1994, III, pág. 177).

3. Já nos termos do n.º 1 do artigo 114.º do Código do Trabalho, «durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização» (cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, «Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição, pág. 576.; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2000, Processo n.º 3359/7/99, disponível em CJ, V, 2000).

4. Nessa decorrência, a empresa Recorrida não era obrigada a indicar os fundamentos ou a invocar justa causa de denúncia, no seio do período experimental formalmente acordado entre as Partes nos contratos de trabalho mantidos com os Recorrentes.

5. Competia, pelo contrário, aos Recorrentes alegar e provar os motivos pelos quais deveria a denúncia dos contratos, promovida pela empresa Recorrida durante o período experimental, ser considerada abusiva (PEDRO FURTADO MARTINS, «Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição, pág. 577).

6. De acordo com o alegado na petição inicial, a denúncia revelar-se-ia abusiva, na versão dos Recorrentes, por ter sido promovida (i) com intuitos discriminatórios (nomeadamente políticos) e (ii) em violação das expectativas de perenidade inculcadas pelos próprios Recorridos.

7. No entanto, nenhum dos fundamentos invocados pelos Recorrentes resultou minimamente demonstrado nos autos.

8. Tanto assim é que os Recorrentes, em sede de recurso de revista, praticamente abdicaram da tese da discriminação política e ideológica.

9. No que respeita à suposta violação das expectativas de perenidade da relação laboral dos Recorrentes com os CC, alegadamente inculcadas pelos próprios Recorridos, o Tribunal a quo considerou devidamente (e irretratavelmente) demonstrado: (i) que aos Recorrentes foram dadas a conhecer os reais e objetivos riscos de fracasso do plano de viabilização, a circunstância de o cenário de encerramento da empresa continuar a ser discutido, bem como o seu estado financeiro calamitoso; (ii) que os Recorrentes ponderaram todas essas circunstâncias, juntamente com as condições remuneratórias oferecidas, aquando do ingresso nos CC (cfr. pontos 5 a 9, 17,18, 26 e 38 do Despacho sobre a Matéria de Facto de 14.07.2014).

10. Os Recorrentes acordaram, livre e conscientemente, na previsão de um período experimental alargado de 180 dias, pelo que sabiam que se encontravam sujeitos a um período experimental e que, durante esse período, quer eles, quer a sua entidade empregadora poderia, sem justa causa e sem qualquer indemnização, fazer cessar a relação laboral. 

11. Os Recorrentes estavam especialmente conscientes da precariedade da sua situação laboral durante os primeiros 180 dias de vigência do contrato, sendo certo que, em função da tipologia do regime que acordaram (rectius comissão de serviço), essa precariedade mantinha-se ao longo da relação contratual.

12. A proteção das legítimas expectativas dos Recorrentes foi devidamente assegurada através de um expediente legal, mais concretamente a necessidade de sujeitar a denúncia dos contratos a um determinado pré-aviso, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 114.º do Código do Trabalho (cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, «Código do Trabalho Anotado», 8.ª edição, pág. 323).

13. Os Recorrentes não provaram, como lhes competia, as circunstâncias por si invocadas para fundamentar a natureza abusiva da denúncia dos seus contratos, promovida, no decurso do período experimental, pela empresa Recorrida, pelo que, sem necessidade de quaisquer outras considerações adicionais, terá necessariamente se concluir pela licitude da referida denúncia e, em consequência, pela improcedência do recurso.»

(…)

«Sem prescindir:

O Âmbito Material da Previsão do n.º 1 do artigo 114.º do Código do Trabalho.

Constitucionalidade.

17. De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 114.º do Código do Trabalho, na medida em que os Recorrentes incumpriram o ónus de demonstrar os fundamentos invocados na petição inicial para justificar o carácter abusivo da denúncia dos seus contratos de trabalho, nada mais há a considerar, nem mesmo as explicações motivacionais dadas pelos Recorridos no presente processo para a dita denúncia, não podendo deixar de se concluir pela improcedência da ação e, necessariamente, também do presente recurso.

18. No entanto, e ainda assim, o contexto motivacional subjacente à denúncia dos contratos celebrados com os Recorrentes sempre se enquadraria no âmbito do instituto do período experimental, uma vez que se baseia em critérios legítimos de interesse e conveniência cobertos pelo artigo 111.º do Código do Trabalho.

19. Na verdade, «a ponderação a fazer pelo empregador quanto à viabilidade do prosseguimento da relação de trabalho não pode nem deve ser uma apreciação isolada, circunscrita à idoneidade da prestação do trabalho, já que a prestação é normalmente oferecida no contexto de uma organização empresarial e só permite a satisfação do interesse do credor quando essa prestação se conjuga e se harmoniza com os demais fatores de produção necessários para assegurar a atividade produtiva a que este se propôs» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Setembro de 2012, Processo n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; In PEDRO ROMANO MARTINEZ, «Código do Trabalho Anotado», 8.ª edição, págs. 317 e 318; DIOGO VAZ MARECOS, «Código do Trabalho Anotado», 1.ª Edição, pág. 296).

20. Assim, o contexto motivacional subjacente à denúncia dos contratos dos Recorrentes no decurso do período experimental, por se reconduzir a uma análise de conveniência e interesse empresarial, tributária do direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, e por não obedecer a uma lógica discriminatória ou arbitrária, ainda se enquadra no âmbito da previsão do n.º 1 do artigo 114.º do Código do Trabalho, não violando, por esse motivo, os princípios constitucionais ínsitos no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

(…)».

Terminam referindo que «deverá o presente recurso ser julga[do] totalmente improcedente, mantendo-se, quanto às questões ora suscitadas, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que, por sua vez, havia confirmado a sentença do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo».

4 - A Ré EE respondeu também ao recurso integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. No presente recurso discute-se uma questão de direito - a densificação do conceito de "interesse na manutenção" do contrato de trabalho utilizado no artigo 111º do CT, bem como as circunstâncias que envolveram o contexto da denúncia prevista no artigo 114º do CT, com eventual violação do princípio constitucional constante do artigo 53º da CRP,

2. A sentença e o acórdão recorrido fazem uma interpretação abrangente, admitindo a verificação de quaisquer aspetos relacionáveis com a estratégia da entidade patronal, com a natural limitação das práticas absolutamente proibidas pela lei, como é o caso das situações de discriminação.

3. Tendo voto de vencido no Acórdão da Relação de Guimarães viabilizado o presente recurso de revista para o Supremo de Tribunal de Justiça e estando aí delimitados o objeto e as consequências da eventual ilicitude da denúncia dos contratos em causa, e a que os recorrentes, de imediato, aderiram, não poderá o STJ pronunciar-se para além das considerações e conclusões que integram o voto de vencido.

4. Os Recorrentes fazem uma leitura minimalista, entendendo que o conceito apenas abrange a confirmação da aptidão do trabalhador para a função para que foi contratado. Consequentemente defendem que a interpretação da sentença é desconforme à Constituição (por violação do princípio de segurança no emprego) e que a denúncia dos seus contratos de trabalho traduz abuso de direito e comportamento de má-fé dos Recorrentes,

5. Porém, não existe qualquer relação entre o princípio de segurança no emprego e o período experimental, já que o instituto do período experimental foi concebido como uma zona de derrogação ao princípio da segurança no emprego.

6. A relação laboral é, por natureza e estrutura, uma vinculação por prazo indeterminado em que as partes estabelecem um compromisso de colaboração duradoura e estável, concretizado pela inscrição de uma delas no quadro organizativo e funcional da outra.

7. Neste contexto, portanto, é essencial que ambas as partes disponham de um período inicial para aquilatar da adequação das projeções com que celebram o contrato, antes de este se converter numa relação tendencial de exclusividade e o empregador não dispor do poder de denunciar livremente o contrato.

8. No plano lógico e ontológico, a razão de ser do período experimental é, portanto, prévia ao princípio da segurança no emprego: só faz sentido aplicar o princípio a partir do momento em que ambas as partes se considerem seguras do compromisso que assumiram e isso só acontece quando se esgota o período experimental ou as partes acordam dele prescindir.

9. A segurança no emprego consagrada no artigo 53º da CRP, é uma garantia constitucional de que só gozam as relações laborais consolidadas, ou seja aquelas em que ambas as partes validaram o respetivo interesse de manutenção. Assim sendo, é indubitável que todas as circunstâncias que a lei não proíba podem ser consideradas pelas partes no decurso do período experimental

10. Não há qualquer abuso no exercício do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental quando a lei permite expressamente que, nesse período, qualquer das partes promova a cessação do contrato sem necessidade de invocação de justa causa. De resto, o fim do direito de denúncia é exatamente o de permitir fazer cessar o contrato se uma das partes não quiser mantê-lo.

11. Os Recorrentes alegam ainda que a circunstância de terem sido contratados num contexto em que a entidade patronal se propunha levar a cabo um plano de recuperação posteriormente abandonado, viola a sua confiança e, consequentemente, os princípios da boa-fé.

12. Mas também aqui lhes falta a razão: a Recorrida CC revelou-lhes a difícil situação económico-financeira que atravessava bem como o plano de recuperação que pretendia executar; o abandono do plano não corresponde a uma decisão irracional ou destinada a prejudicar os Recorrentes que, além do mais, negociaram termos específicos para o seu período experimental sabendo que o contrato poderia cessar por vontade do seu empregador até que o prazo convencionado expirasse.

13. As circunstâncias que envolveram o contexto da denúncia dos contratos dos recorrentes por conveniência e interesse empresarial e integrando o direito à liberdade de iniciativa e organização da empresa quando ainda decorria o período experimental, não obedecem a qualquer atitude discriminatória ou arbitrária configurando um injustificado despedimento "ad nutum" dos Autores, pois enquadra-se na previsão do artigo 114º, nº l, do CT, não existindo portanto, qualquer violação do princípio constitucional consagrada do art. 53º da CRP.»

Termina referindo que «deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, a qual veio confirmar, por sua vez, a decisão do Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, fazendo-se, JUSTIÇA».

5 - Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, integrando a seguinte síntese conclusiva:

«Em conclusão:
· o instituto abuso de direito tem como pressuposto a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito aquele que é exercido de forma ilegítima por, notoriamente exceder a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico - art. 334.º do Código Civil;
· o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em temos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante;
· radicando-se a sua existência em razões de justiça e de equidade, bem como na condição universal e vago das normas jurídicas;
· como flui da facticidade assente, a atuação da ré “CC” ao celebrar os contratos de trabalho com os recorrentes, não mostra que aquela tenha pretendido criar no espírito dos autores uma perspetiva diversa daquela que na realidade a empresa vivia, cuja debilidade, de resto, era do domínio público; que tenha de alguma forma pressionado os autores a assinarem os contratos de trabalho, dos quais constam cláusulas relativas ao período experimental; que não haja reconhecido a competência e o profissionalismo dos impetrantes ou mesmo que de uma forma arbitrária tenha pretendido usufruir temporariamente, e de forma arbitrária da atividade levada a cabo por aqueles, em desrespeito pela vocação de perenidade que deve orientar a relação laboral;
· a denúncia dos contratos de trabalho, por parte da ré “CC” foi ditada por orientações da “EE” detentora de 100% do capital daquela, tendo esta por seu lado, recebido instruções do Governo, no sentido de pôr termo aos referidos contratos de trabalho;
· a C.RP consagra no art. 53.º a garantia aos trabalhadores de que são proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos;
· o art. 53.º da CRP tem como suporte um conceito de justa causa cingido a situações em que o despedimento tem lugar, sem que se constate qualquer infração disciplinar ou porque na sua génese se encontram razões políticas ou ideológicas;
· o princípio da segurança no emprego não deve, face a razões objetivas, conexas com a gestão da empresa,  como as constantes da facticidade assente nos autos, constituir impedimento de rescisão de contratos de trabalho;
· o período experimental apresenta-se como um tempo em que não há lugar à aplicação da legislação que contém os condicionalismos limitantes do despedimento, podendo qualquer das partes, a qualquer momento rescindir o contrato, sem obrigatoriedade de indicar a razão ou razões determinantes da rescisão-art.114.º do CT,
· razões pelas quais, o comportamento da ré “CC”, ao denunciar os contratos de trabalho com os autores/recorrentes, não configura uma situação de abuso de direito, nem a interpretação do art. art.111.º do CT, no sentido de que a denúncia de um contrato de trabalho, no decurso do período experimental, por base razões que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho enferma de inconstitucionalidade, pelo que, SMO, deveria ser negado provimento à revista, antes devendo ser confirmado o Acórdão sub judice.»

Notificado este parecer às partes vieram os Autores pronunciar-se sobre o mesmo na linha das posições defendidas no processo.

6 - Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:

1. a) Da ilicitude da denúncia dos contratos de trabalho dos Autores porque motivada em razões alheias ao respetivo desempenho profissional;

1.b) Da ilicitude da denúncia dos contratos de trabalho dos Autores por violadora dos princípios emergentes dos artigos 227.º e 762.º do Código Civil;

1.c) Da ilicitude da denúncia dos contratos de trabalho dos Autores por integrar abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

2) Se a interpretação do artigo 111.º do Código do Trabalho, subjacente à decisão recorrida, no sentido de que a denúncia do contrato de trabalho no período experimental pode ser motivada em razões alheias ao desempenho profissional dos Autores, é inconstitucional por violar as normas dos artigos 18.º e 53.º da Constituição da República.

 


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1 – A R. “CC” é uma sociedade que se dedica à construção e reparação navais, bem como ao exercício de todas as atividades comerciais e industriais com ela conexas, bem como às atividades de indústria e comércio de tecnologias militares; pode ainda desenvolver atividades de fabricação, construção e montagem de estruturas metálicas.

2 – A R. “CC” é a holding das indústrias portuguesas de defesa, cuja atividade consiste na gestão de participações sociais detidas pelo Estado em sociedades ligadas direta ou indiretamente às atividades de defesa.

3 – O capital social da R. “CC” é detido a 100% pela R. “CC”.

4 – Por deliberação da “CC” de 16/8/2011, o R. DD foi indigitado Presidente do Conselho de Administração da R. “CC”, exercendo as referidas funções desde então, juntamente com os restantes membros nomeados para a administração da R. “CC”.

5 – Nos últimos anos, a R. “CC” tem vindo a sofrer uma acentuada quebra da sua atividade e, consequentemente, das suas receitas, evolução essa que colocou a empresa numa situação economicamente difícil.

6 – Em 2009, a R. “CC” tinha uma situação liquida negativa de 25 milhões de euros; em 2011, essa situação liquida negativa era de 125 milhões.

7 – Perante esta situação, foi encomendado e elaborado no início de 2011, por um consultor internacional (FF), um projeto de viabilização da R. “CC”, o qual, entre outras coisas, passava pela diminuição dos custos fixos (diminuição do número de trabalhadores) e a introdução de uma nova estrutura diretiva (com a admissão de novos colaboradores para essa estrutura).

8 – Em todo o caso, ao longo de todo este tempo, os cenários em discussão para o futuro da R. “CC” foram sendo os mais variados, indo desde o encerramento da empresa à sua manutenção nos mesmos exatos moldes.

9 – Os responsáveis da R. “CC” tinham esperança no sucesso da implementação do projeto referido em 7), embora estivessem cientes das dificuldades e dos riscos de fracasso.

10 – O referido plano de viabilização veio a ser aprovado pelo então Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 3 de junho de 2011.

11 – Aquando da tomada de posse do novo governo (21 de junho de 2011), o Ministro da Defesa suspendeu a aplicação do projeto referido em 7), remetendo uma decisão definitiva para setembro desse ano.

12 – A R. “CC” enviou, em 5/7/2011, à R. “CC” a carta de fls. 218 que aqui se dá por integralmente reproduzida.

13 – Na sequência da implementação do projeto referido em 7), a R. “CC” contactou uma empresa de recrutamento de quadros qualificados, a “GG”, (empresas estas vulgarmente conhecidas como “H...”), a fim de preencher os quadros diretivos nos moldes aí previstos.

14 – Os AA. foram contactados nesse sentido pela referida “GG”, onde tinham o seu curriculum vitae colocado.

15 – Os responsáveis da “GG” deram a conhecer aos AA. a existência do plano de viabilização referido em 7).

16 – Ao A. AA foi-lhe proposto o cargo de diretor administrativo e financeiro.

17 – No âmbito deste processo de seleção e recrutamento, o A. AA deslocou-se no dia 1 de junho de 2011 a Viana do Castelo, para uma entrevista com elementos da administração da R. “CC”, a qual foi conduzida pelos administradores HH e II.

18 – Nessa reunião, estes elementos da administração deram-lhe a conhecer os factos descritos em 5) a 9).

19 – No dia 6 de junho de 2011, este A. foi informado pela R. CC de que havia sido selecionado, bem como das condições contratuais previstas.

20 – O A. AA manifestou a sua concordância com as condições propostas.

21 – No dia 8 de julho de 2011, este A. deslocou-se às instalações da R. CC para iniciar as suas funções, mas foi informado que, por razões de agendamento, tal teria que ser adiado para o dia 11 de julho de 2011.

22 – No dia 11 de julho de 2011, o A. AA apresentou-se na R. “CC” para iniciar funções, tendo assinado o documento intitulado “Contrato Para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço” de fls. 76 a 77, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

23 – O A. AA iniciou logo um levantamento dos processos pendentes e começou a realizar uma análise autónoma à situação patrimonial e financeira da empresa.

24 – A partir dessa data o A. passou a desenvolver para a R. as tarefas que decorriam do cumprimento do “contrato” referido em 22); as partes acordaram que este A. gozaria férias entre 1 e 15 de agosto, uma vez que do dia 16 de agosto ao dia 2 de setembro de 2011 os CC encerrariam em grande parte.

25 – Por sua vez, ao A. BB foi-lhe proposto o cargo de Diretor de Recursos humanos.

26 – No âmbito das reuniões tidas com este A., os elementos da administração da R. CC deram-lhe a conhecer os factos descritos em 5) a 9).

27 – No dia 1 de julho de 2011, o A. BB e representantes da R. assinaram o documento intitulado “Contrato Para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço” de fls. 96 a 103, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – No dia 30 de setembro de 2011, a administração da R. comunicou a ambos os AA. que, por força de instruções da única acionista, a R. “CC”, tinham que rescindir o contrato de trabalho com eles.

29 – Nessa mesma data foram-lhes entregues cartas, assinadas pelo R. DD, de que se transcreve a parte mais relevante:

“Vimos comunicar a nossa decisão de, ao abrigo do período experimental considerado na cláusula 8.ª do seu contrato, acionar o termo do Contrato de Prestação de Serviço que tem com esta empresa, a partir do dia 15 de outubro de 2011.”

30 – Os AA. exerceram funções até ao final do dia 15 de outubro de 2011.

31 – O R. JJ enviou à “GG” uma comunicação com o seguinte teor:

 “Gostaria de transmitir, em primeira mão, a razão pela qual os CC decidiram acionar a resolução do contrato de trabalho ao abrigo do período experimental dos candidatos AA, BB, KK e LL.

Esta decisão foi motivada pela orientação direta do nosso Acionista EE que exigiu a resolução dos contratos justificando-se na necessidade de redução de custos (gestão controlada) e na mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.

Este foi o motivo e não esteve em causa a qualidade dos candidatos, que, aliás, assumiram desde o primeiro momento uma postura de elevadíssimo profissionalismo e competência.”

32 – Os responsáveis da R. “CC” sempre manifestaram o seu agrado pelo bom desempenho dos AA.

33 – Ambos os AA. ficaram surpreendidos com a atitude da R. de pôr fim aos respetivos contratos; a cessação dessa relação provocou-lhes problemas económicos durante alguns meses.

34 – Com o termo da sua relação laboral com a R. “CC”, ambos os AA. sofreram angústia, humilhação e ansiedade, que se prolongou durante diversos meses, e que teve repercussões na sua vida pessoal e social.

35 – Ambos os AA. tinham, quando ingressaram na R., elevadas habilitações e experiência profissional para as funções que iriam desempenhar.

36 – O A. AA trabalhava anteriormente como diretor administrativo e financeiro da Fundação ...; auferia cerca de € 3.750,00 mensais; teve que abandonar este trabalho para ingressar na R. CC.

37 – O A. BB trabalhava anteriormente na “C...”, auferindo cerca de € 3.100,00; teve que abandonar este trabalho para ingressar na R. CC.

38 – Quando aceitaram ingressar na R. “CC”, os AA. ponderaram as circunstâncias referidas em 5) a 9) e as condições remuneratórias que ficaram plasmadas nos respetivos contratos.

39 – O Governo deu instruções à R. “CC” no sentido de pôr termo aos contratos de trabalho dos AA.

40 – A R. “CC” pagou aos AA. as quantias que constam dos documentos de fls. 499 e verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.»


III


1 – O período experimental consagrado no artigo 111.º do Código do Trabalho consubstancia uma fase inicial da execução do contrato de trabalho no decurso do qual cada uma das partes – empregador e trabalhador – afere, reciprocamente, da viabilidade de manutenção do vínculo.

Na noção que resulta do n.º 1 do artigo 111.º «o período experimental corresponde ao tempo inicial da execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção», referindo o n.º 2 do mesmo artigo que «no decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho», colocando a ênfase na realização dos objetivos que estão subjacentes àquela fase do contrato.

Atenta a especificidade do contrato de trabalho, nomeadamente, o relevo da dimensão pessoal na concretização das obrigações que do mesmo emergem, a lei potencia esta avaliação da experiência de execução, antes da consolidação da relação resultante do contrato.

A esta aferição não são indiferentes, como decorre da lei, maxime, por via do que se dispõe no artigo 112.º do mesmo código, a maior ou menor complexidade das funções a exercer pelo trabalhador e o grau de responsabilidade que lhe é exigível e, por outro lado, as condições – humanas, materiais, entre outras – que o empregador coloca ao seu dispor em ordem ao cumprimento daquelas funções.

A denúncia do contrato durante esta fase inicial decorre da faculdade reconhecida pela lei às partes de procederem à avaliação da respetiva experiência de execução, em ordem a criar condições para uma consolidação efetiva da relação emergente do contrato, em nome do princípio da estabilidade no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da República.

Daí que se imponha às partes, no decurso do período experimental, uma ação que possibilite uma real aferição do interesse na manutenção do contrato de trabalho (art. 110.º, n.º 2), pois o contrário é suscetível de redundar na manutenção, por regra a tempo indeterminado, de um vínculo que pode não satisfazer o seu interesse, sabido que, sobretudo no que toca ao empregador, são – findo aquele período – típicas e restritas as modalidades de cessação do contrato de trabalho.

1.1 – O período experimental do contrato de trabalho realiza objetivos múltiplos, onde têm particular relevo as funções denominadas «manifestas ou principais», que se materializam na «necessidade de verificação da adequação do concreto programa contratual aos interesses do trabalhador e do empregador na celebração do contrato, ou, utilizando a expressão com que o legislador procurou explicitar tal função do instituto entre nós, a apreciação pelos contraentes do interesse na manutenção do contrato»[2].

Para além destas funções, são assinaladas ao período experimental outras, nomeadamente, as referidas como «latentes ou secundárias – designação com que se procura aludir a certa dimensão ou concretização prática dessa figura – saliente-se a circunstância de nos acharmos perante um instituto que visa frequentemente certos propósitos acessórios ou complementares do processo de formação de certa relação laboral»[3].

A conformação desta fase experimental do contrato, caracterizada essencialmente pelo regime de denúncia do contrato, contraposta às formas de extinção previstas, em geral, para a relação laboral, decorre também do relevo atribuído a valores essenciais da relação de trabalho, nomeadamente, a sua estabilidade, valores esses que motivam os regimes de cessação da relação de trabalho.

No caso do sistema jurídico português este valor atinge uma particular dimensão que decorre da proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa.

É a estabilização da relação de trabalho assumida como referente na conformação daqueles regimes que motiva o regime da respetiva cessação no contexto do período experimental, visando pôr termo a relações que as partes considerem, logo no seu momento inicial, como insatisfatórias.

Conforme refere TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, «é justamente nessa ideia ou vertente da estabilidade que parece poder alcançar-se o alicerce para o reconhecimento do período experimental, enquanto a acentuação de tal valor motive – ainda que porventura não diretamente – a relevância do reconhecimento da figura no quadro de um tal modelo de contratação, e, simultaneamente, porventura determine – como parece, de facto, determinar – a sua fisionomia, conformando as particulares faculdades que através dela são atuadas»[4].

Na busca de um fundamento para a existência de um período experimental na relação de trabalho, prossegue aquela autora afirmando que «sintetizando, o fundamento último do período experimental achar-se-á na necessidade de introduzir um mecanismo de reequilíbrio da situação laboral decorrente da limitação dos poderes de denúncia ad nutum do empregador. Consequentemente, o período experimental surge como uma espécie de mal necessário, num sistema que, propugnando a estabilidade do emprego, carece todavia de introduzir certos factores de reequilíbrio numa atuação rígida de tal princípio».[5]

Na mesma linha de preocupações, MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO

destaca a «importância específica do período experimental no nosso sistema jurídico, que decorre da sua ligação indireta com o sistema vigente em matéria de despedimento por iniciativa do empregador», o que, em seu entender, torna esse período particularmente útil para o empregador, «não só como meio de verificação das aptidões do trabalhador mas como forma de fazer cessar o contrato de trabalho sem particulares condicionalismos», «em suma, deste ponto de vista, o período experimental tem funcionado como uma válvula de segurança do sistema de cessação do contrato de trabalho, para efeitos de facilitar a cessação precoce do negocio laboral»[6].

A importância e o relevo do período experimental na relação de trabalho fundamentam o disposto no n.º 3 do referido artigo 111.º, no sentido de que a existência de período experimental funciona, como regra, podendo, contudo, ser excluído por acordo escrito das partes.

Significativamente, é o menor nível de estabilidade que caracteriza a relação de trabalho em comissão de serviço que vai motivar a solução contrária consagrada no n.º 3 do artigo 112.º do mesmo Código, onde se determina que a «a existência de período experimental depende da estipulação expressa no acordo».

2 – Um dos elementos que caracteriza a especificidade da relação laboral durante o período experimental é, conforme já se afirmou, o regime de denúncia do contrato que se afasta das formas de cessação do contrato de trabalho consagradas em geral.

O Código do Trabalho prevê o regime de «denúncia do contrato» naquele período no seu artigo 114.º, referindo no n.º 1 que «durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato, sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização».

Na falta de acordo das partes em sentido contrário, qualquer delas pode denunciar o contrato, durante este período, «sem aviso prévio e invocação de justa causa», nem direito a indemnização.

Deixando de lado os casos em que a denúncia, em função da duração do período experimental, está a sujeita a aviso prévio, matéria a que o artigo em causa dedica os seus n.ºs 2, 3 e 4, o direito à denúncia do contrato, em geral, não está sujeito a aviso prévio, e não está condicionado à invocação de justa causa, nem ao pagamento de qualquer indemnização à outra parte.

O denunciante não carece, deste modo, de invocar quaisquer razões que na sua ótica possam justificar a denúncia.

Por outro lado, a denúncia não está igualmente condicionada ao pagamento de qualquer indemnização à outra parte.

2.1 - O direito a pôr termo à relação de trabalho decorre da própria existência do contrato e da fase inicial em que a execução do mesmo se encontra e não de quaisquer factos imputáveis à parte contrária que possam constituir fundamento do direito de denúncia.

Neste contexto, a denúncia do contrato resulta da avaliação que a parte denunciante faça do preenchimento dos objetivos subjacentes à contratação, à luz da experiência de execução do contrato.

No caso do empregador, para além das tarefas que funcionalmente foram atribuídas ao trabalhador, serão ponderados o enquadramento daquele na estrutura produtiva, na multiplicidade de aspetos que a caracteriza.

Tais objetivos não esgotam as funções do período experimental, sendo que outros, com relevo na caracterização do programa subjacente à contratação do trabalhador, poderão estar presentes nesta avaliação e na decisão de estabilizar ou não a relação de trabalho.

A denúncia, tal como acima se referiu, não carece de ser motivada na invocação de qualquer justa causa, pelo que o denunciante tem o “direito ao silêncio” sobre os motivos subjacentes à sua decisão de denunciar.

Esta situação obsta a que se introduzam pressupostos específicos ao direito de denunciar, limitando o seu âmbito, nomeadamente através da afirmação de que a licitude do respetivo exercício está condicionada aos resultados da avaliação que as partes façam do desempenho profissional do trabalhador.

Contudo, tratando-se de um direito cujo exercício não carece da demonstração de um fundamento específico, a denúncia do contrato de trabalho neste período tem motivado uma particular reflexão da Doutrina no sentido de encontrar resposta para os abusos no exercício daquele direito, no fundo para a denúncia fora «dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

3 – PEDRO ROMANO MARTINEZ refere que «a liberdade de desvinculação está relacionada com a razão de ser do período experimental, daí que poderá não ser lícita a denúncia motivada por causas estranhas ao contrato de trabalho. Assim, estar-se-á perante uma hipótese de abuso do direito, se, por exemplo, o empregador denunciar o contrato durante o período experimental pelo facto de a trabalhadora ter, entretanto, engravidado»[7].

No mesmo plano de preocupações se encontra MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, quando afirma que «evidentemente, caberá assegurar que o direito de pôr fim ao contrato ao abrigo do período experimental não é exercido em moldes abusivos, nos termos acima indicados, ou seja para disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato ou com um intuito sancionatório sobre o trabalhador. Em suma, impõe-se o exercício do direito dentro dos limites da boa fé».[8]

No mesmo sentido se pronuncia MONTEIRO FERNANDES afirmando que «ora estas limitações à liberdade de desvinculação não valem no período experimental: nos termos do art. 114.º do CT, durante aquele período é livre a rutura do contrato – a lei adota a presunção de que a cessação do contrato é determinada por inaptição do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa. No entanto não pode excluir-se a hipótese de abuso de direito», e prossegue este autor afirmando que «um despedimento realizado nesse período pode ser discriminatório, fundado em motivos ideológicos, ou em razões estranhas às relações de trabalho, ou simplesmente arbitrário - e, sendo assim, não poderá considerar-se coberto pela “franquia” do artigo 114.º (…)»[9].

Ainda na busca de resposta às mesmas preocupações, TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, refere que «salientando uma vez mais a circunstância de tal modelo se achar fundamentado numa lógica específica, que procura atender ao que poderíamos chamar margem de risco contratual inerente ao reconhecimento e tutela de interesse experimental na contratação laboral – será porventura mais evidente a natureza de instrumento jurídico adequado à reação contra atuações que, sobrelevando os limites de tal permissão para o exercício de faculdades extintivas, consubstanciam manifestações disfuncionais do instituto. Assim, a consideração de tais hipóteses deverá situar-se, justamente, no âmbito do abuso de direito, considerando-as, consequentemente, como hipóteses de denúncia abusiva e sujeitando-as desse modo ao regime que decorrerá dessa qualificação»[10].

4 - A figura do abuso de direito assume, deste modo, uma particular importância no controlo das situações de denúncia abusiva do contrato de trabalho no período experimental.

Resulta do artigo 334.º do Código Civil, que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Consagra-se neste dispositivo um princípio fundamental da ordem jurídica, qual seja o de que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício.

Por um lado, o exercício dos direitos está limitado pela boa fé e pelos bons costumes, e, por outro lado, pelas finalidades de natureza económica e social subjacentes à conformação desse direito. 

Deste modo, «o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico»[11], pelo que «os sujeitos de determinada relação jurídica devem agir como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuírem, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica»[12].

Assim, «serão excedidos limites impostos pela boa fé, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objetivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito»[13], e «outro tanto se poderá dizer dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta no meio social onde se mostram integradas»[14].

De acordo com VAZ SERRA, «há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se não tivesse direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito contratual», e de acordo com o mesmo autor, quanto a saber quando haveria «ofensa clamorosa do sentimento jurídico», existiriam duas orientações fundamentais: «a subjetiva, segundo a qual há abuso quando o direito é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem (ato emulativo); a objetiva, segundo a qual o abuso se manifesta, objetivamente, na grave oposição à função social do direito, no facto de se exceder o uso normal do direito ou em circunstâncias mais ou menos equivalentes»[15].

De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, «para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade» e no que respeita «ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei»[16].

Ainda segundo estes autores, «a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito o do contexto em que ele deve ser exercido»[17].

Na síntese do acórdão desta Secção, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1S1[18], poderá dizer-se que «existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado».

5 – O abuso de direito enquanto parâmetro genérico de aferição do respeito pelos limites no exercício do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental motivou já algumas tomadas de posição desta Secção.

Referiu-se com efeito no acórdão de 26 de setembro de 2012, proferido na revista n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1, citado pelos recorridos CC e MM, o seguinte:

«Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.º, n.º 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se “aproveita” do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical - aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (muito embora a prova da real motivação do empregador constitua, em muitos desses casos, uma dificuldade insuperável, uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente a essa denúncia).

Impõe-se, assim, na apreciação desta questão ter bem presentes os motivos que estão subjacentes ao período experimental e verificar se a rescisão dos contratos dos recorrentes, no decurso desse período, se ficou a dever ou não à falta de algum desses motivos.

Apesar do período experimental se revelar de extrema importância para que as partes se conheçam mutuamente, é necessário atender ao facto de também interessar a mútua perceção, quanto ao modo como se vai executar o contrato no seio da empresa onde o trabalhador vai desempenhar as funções para que foi contratado. Daí que se afirme que o período experimental é um período de quarentena contratual destinado a possibilitar uma avaliação das condições de execução do contrato por forma a que cada um dos contraentes julgue da conveniência de continuarem ou não uma relação de trabalho estável. O empregador certifica-se, no decurso desse período, se o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas na sua empresa; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua atividade profissional são as esperadas.

Não obstante a fase de negociação do contrato poder já dar uma antevisão do desenvolvimento futuro do vínculo, só com a execução do trabalho podem, efetivamente, as partes aferir do seu interesse na manutenção de um negócio que, ainda por cima, se prevê continuado no tempo. Daí que só com a prestação efetiva da atividade laboral é que o empregador pode avaliar as qualidades e aptidões do trabalhador para a função, e da mesma forma, só com a sua integração na organização do empregador (ou seja, verificado o elemento de inserção organizacional do contrato) é que o trabalhador pode confrontar as suas expectativas em relação a essa organização, e, por consequência, confirmar o seu interesse na manutenção do vínculo.

Sendo este o objetivo do período experimental, a ponderação a fazer pelo empregador quanto à viabilidade do prosseguimento da relação de trabalho não pode nem deve ser uma apreciação isolada, circunscrita à idoneidade da prestação do trabalho, já que a prestação é normalmente oferecida no contexto de uma organização empresarial e só permite a satisfação do interesse do credor quando essa prestação se conjuga e se harmoniza com os demais fatores de produção necessários para assegurar a atividade produtiva a que este se propôs. Logo, uma situação inesperada de crise na empresa, determinando previsivelmente o seu encerramento ou a redução dos postos de trabalho, constitui um facto que legitima a cessação do contrato de trabalho no período experimental, não obstante a apreciação positiva da prestação do trabalhador. Ainda aqui se trata de apreciar (negativamente) o interesse na “manutenção do contrato”, não no que especificamente respeita à prestação do trabalho, mas nos elementos com que interage para cumprir o objetivo que presidiu à respetiva contratação.»


IV


1 – Nas conclusões 1.ª a 5.ª das alegações de recurso que apresentaram insurgem-se os recorrentes contra a decisão recorrida na parte em que na mesma se considerou que a denúncia dos contratos de trabalho dos Autores durante o período experimental pode ser motivada em razões alheias ao respetivo desempenho profissional.

Referem que «a tese consagrada na sentença da 1ª instância e confirmada no acórdão ora recorrido, com exclusão do (magnífico) voto vencido, no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja direta e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea».

Destacam que «o período experimental consagrado no artº 111º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira “rota de colisão” com a garantia da segurança no emprego, consagrada no artº 53º da CRP e cuja constitucionalidade só foi admitida em função do seu exato fim» e que «por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade».

Realçam que «a liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional».

A decisão recorrida tomou posição expressa sobre essa questão nos seguintes termos:

«O art.º 111.º do CT, em nosso entender, não pode ser interpretado no sentido de que só pode haver denúncia se o trabalhador não tiver aptidões e qualidades para o exercício do trabalho. O trabalhador insere-se numa organização concreta de fatores produtivos com valor de posição de mercado. Pode ser apto e bem qualificado para o exercício do posto de trabalho, mas a empregadora concluir que a sua contratação não foi uma boa opção para a empresa. A empregadora ao contratar um trabalhador e ao não prescindir do período experimental, é porque não tem a certeza absoluta de que a contratação é boa para a empresa. E o trabalhador sabe disso. Sabe que até ao fim do período experimental pode ver denunciado o seu contrato de trabalho. É um risco, até uma angústia, mas que a lei estabelece como maneira de dar oportunidade às partes de se avaliarem mutuamente e poder qualquer delas pôr fim ao contrato de trabalho sem consequências indemnizatórias.

Nesta conformidade, interpretamos o art.º 111.º do CT no sentido de que o contrato de trabalho pode ser denunciado por razões estranhas ao desempenho pessoal do trabalhador».

Merecem, no essencial, a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, a existência de um período experimental no contrato de trabalho não é motivada exclusivamente na avaliação do desempenho profissional do trabalhador, mas destina-se a avaliar a integração do trabalhador, enquanto pessoa, na estrutura do destinatário do seu trabalho, dimensão que ultrapassa o mero desempenho profissional.

Por outro lado, podem também estar presentes na decisão de denunciar ou não o contrato, durante o período experimental, razões de outra natureza, nomeadamente, as que se prendem com a avaliação por parte do empregador dos resultados da prestação do trabalhador na atividade prosseguida e que podem, ou não, justificar a estabilização do contrato.

São preocupações desta natureza aquelas que são referidas no acórdão desta Secção acima citado, quando ali se afirma que «sendo este o objetivo do período experimental, a ponderação a fazer pelo empregador quanto à viabilidade do prosseguimento da relação de trabalho não pode nem deve ser uma apreciação isolada, circunscrita à idoneidade da prestação do trabalho, já que a prestação é normalmente oferecida no contexto de uma organização empresarial e só permite a satisfação do interesse do credor quando essa prestação se conjuga e se harmoniza com os demais fatores de produção necessários para assegurar a atividade produtiva a que este se propôs».

Na mesma linha de abordagem afirma LUÍS MIGUEL MONTEIRO que «uma situação na empresa, determinando previsivelmente o seu encerramento ou a redução dos postos de trabalho, constitui um facto que legitima a cessação de contratos de trabalho no período experimental, não obstante a apreciação positiva da prestação do trabalhador»[19], e que «ainda aqui se trate de apreciar (negativamente) o interesse na “manutenção do contrato”, não no que especificamente respeita à prestação do trabalho, mas nos elementos com que interage para cumprir o objetivo que presidiu à respetiva contratação».

Acresce que, não tendo o denunciante necessidade de invocar a existência de justa causa para operar a denúncia do contrato, as razões que o mesmo tenha como motivo justificador da denúncia não são sindicáveis, enquanto não ultrapassarem os limites ao exercício dos direitos inerentes ao abuso de direito.

É efetivamente verdade que a «liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional», porque sempre estará enquadrada, tal como se referiu, pelos parâmetros que emergem do abuso do direito decorrentes do artigo 334.º do Código Civil.

Improcedem, deste modo, as referidas conclusões das alegações dos recorrentes, na parte em que põem em causa a interpretação da norma do artigo 111.º do Código do Trabalho subjacente à decisão recorrida.

2 – Nas conclusões 6.ª a 12.ª insurgem-se os recorrentes contra a decisão recorrida na parte em que considerou que a denúncia dos contratos de trabalho dos Autores não violava o disposto no artigo 334.º do Código Civil, ou os artigos 227.º e 762.º do mesmo Código.

Referem que uma vez que «a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho» se verifica «um inquestionável abuso de direito (…)», pelo que o «ato em causa – praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional – é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores».

Referem, por outro lado, que «mesmo a factualidade dada pela sentença de 1ª instância como demonstrada nos autos» evidencia e «deveria ter determinado que o acórdão ora recorrido considerasse que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos artºs  227º e 762º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expectativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA. e Recorrentes» e que «não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu acionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora».

Realça ainda que, «mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respetivas indemnizações (ou compensações de antiguidade) e que «a teoria da “contenção de custos”, sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objetivas», «mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento “ad nutum” dos aqui AA.».

A decisão recorrida respondeu às questões que estão subjacentes a estas conclusões das alegações da revista, nos seguintes termos:

«B1) Apreciar se a denúncia dos contratos constitui abuso de direito e viola os princípios da boa fé ínsitos nos art.ºs 227.º e 762.º do Código Civil.

Os AA. celebraram com a R. um contrato de trabalho sob o regime de comissão de serviço, como resulta claramente dos documentos juntos aos autos e do disposto nos art.ºs 161.º e 162.º n.º 1 e 2 do CT.  

Ambos os trabalhadores se encontravam ainda dentro do prazo de vigência do período experimental, que foi estipulado em 180 dias (cláusula 8.ª), quando a R. EE denunciou os respetivos contratos de trabalho com referência a 15 de outubro de 2011.

Os AA. concluem que a R. EE incorreu em abuso de direito ao denunciar os contratos de trabalho por razões que nada têm a ver com o seu bom desempenho profissional e que ao deixarem de exercer as funções anteriores para se vincularem aos CC de …, tiveram prejuízo patrimonial e não patrimonial, pois tinham a justa expetativa de que ficariam a trabalhar por tempo indeterminado no novo posto de trabalho, sendo manifestamente abusiva e contrária aos princípios da boa fé a conduta dos RR, tanto nos preliminares como na formação e no desenvolvimento dos contratos.

Como escrevemos no acórdão desta relação, de 26.02.2015, o art.º 227.º do CC prescreve que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

A proteção conferida pela norma jurídica que acabamos de citar, pressupõe que está criada a convicção nas partes – ou numa delas – de que o negócio vai ser mesmo efetuado e que ambos cumprirão a sua palavra, sem alterações ao combinado.

No caso concreto, os contratos foram celebrados, mas não cumpridos. Quando se deu a rutura da relação laboral os contratos já estavam na fase de execução, pelo que a boa fé a ter aqui em conta é a prevista no art.º 762.º do CC e não a do art.º 227.º do mesmo diploma legal.

A boa fé a ponderar, deve ser aquela que uma pessoa média, colocada na posição dos AA. e dos RR. deveria observar perante as circunstâncias do caso concreto.

Está assente que os AA. ao celebrarem os contratos de trabalho sabiam que ficavam numa situação precária durante o prazo do período experimental de 180 dias. Atendendo à complexidade das funções exercidas pelos AA., não nos repugna que a duração do período experimental tenha sido estabelecido pelas partes em 180 dias. Está em consonância com o disposto no art.º 112.º n.º 1 alínea b) do CT.

O art.º 111.º do CT prescreve que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção (n.º 1); no decurso deste período, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho (n.º 2).

A existência de um período experimental clausulado entre as partes deixa entrever que nenhuma delas tinha a certeza de que a relação laboral se iria consolidar para além desse período de tempo.

Se não fosse assim, tê-lo-iam excluído, como permite o art.º 111.º n.º 3 do CT.

Durante o período experimental qualquer uma das partes podia denunciar os contratos de trabalho sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art.º 114.º n.º 1 do CT).

Porém, se a duração do período experimental exceder 60 ou 120 dias, a parte que o denunciar tem que dar um aviso prévio de sete ou de 15 dias, respetivamente (art.º 114.º n.ºs 2 e 3). O aviso prévio aqui referido não constitui um obstáculo à livre denúncia nos termos do n.º 1 do artigo acabado de citar.

Ponderados os factos provados, verificamos que quer os AA., quer os RR. estavam bem cientes de que os contratos de trabalho podiam ser denunciados livremente durante o período experimental, sem alegação de justa causa e sem qualquer indemnização – a não ser a devida pela falta de aviso prévio quando a duração exceder 60 ou 120 dias.  

Não vemos que os RR. tenham agido com má fé para com os AA.. É certo que enviaram à empresa pela qual foram contratados uma carta a dizer que: “Gostaria de transmitir, em primeira mão, a razão pela qual os CC decidiram acionar a resolução do contrato de trabalho ao abrigo do período experimental dos candidatos AA, BB, KK e LL.

Esta decisão foi motivada pela orientação direta do nosso acionista EE que exigiu a resolução dos contratos justificando-se na necessidade de redução de custos (gestão controlada) e na mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.

Este foi o motivo e não esteve em causa a qualidade dos candidatos, que, aliás, assumiram desde o primeiro momento uma postura de elevadíssimo profissionalismo e competência.”

Embora a os RR. não tivessem que invocar uma causa para denunciar o contrato, o certo é que foi enviada à empresa, através da qual foi contratado o  primeiro autor, uma carta com os dizeres que transcrevemos.

Não está em causa a competência e proficiência dos AA., que atestam, mas a necessidade de redução de custos (gestão controlada) e a mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.

Não nos parece arbitrária a decisão de denúncia por parte da empregadora. Os AA. sabiam e estavam conscientes de que durante o período experimental poderiam ser dispensados a qualquer momento, sem justificação e sem direito a indemnização. Conheciam o risco que constituía ir trabalhar para uma empresa que estava com problemas e que precisava de se reestruturar. Não podiam ignorar os riscos de poderem ficar sem o posto de trabalho durante o período experimental.

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito (art.º 334.º do CC).

Para que se verifique o abuso do direito é necessário que o seu titular atue como se não tivesse direito. A sua conduta deve ser contraditória com a convicção criada de tal modo que o exercício do direito seja abusivo.

No caso concreto, os AA. não podiam ter a expetativa segura de que os seus contratos de trabalho não seriam denunciados pela empregadora. Eles mesmos assinaram as cláusulas relativas ao período experimental e foram postos ao corrente da situação da empresa, que os factos provados relatam.

Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não existe abuso de direito, nem a violação dos princípios da boa fé, quer na formação, quer na execução dos contratos.»

Merecem, no essencial, a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, nada na matéria de facto dada como provada permite afirmar que a Ré CC tenha contratado os Autores sem qualquer outro intuito que não fosse a execução do plano de viabilização da empresa e que, nesse contexto, tenha tomado qualquer atitude que se materialize no desvio aos deveres de lealdade e de sã colaboração que estão implícitos no princípio da boa fé na formação dos contratos.

Por outro lado, resulta igualmente da matéria de facto dada como provada que a Ré deu aos Autores vasta informação sobre a situação económica da empresa e sobre os riscos que rodeavam a execução do respetivo plano de recuperação, contexto que aliás justificava aquele plano de recuperação e a respetiva contratação.

Por outro lado, a própria suspensão do plano de viabilização, tal como resulta do documento referido no ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada – fls. 160 e 161 -, não obstava à contratação imediata dos Autores.

Não tem deste modo qualquer suporte na matéria de facto dada como provada a afirmação dos recorrentes no sentido que aquela Ré atuou em má fé na celebração dos contratos, em violação do disposto no artigo 227.º do Código Civil.

Por outro lado, resulta da matéria de facto dada como provada que a denúncia dos contratos de trabalho dos Autores é motivada pelo abandono do plano de viabilização da empresa e no cancelamento da respetiva execução, decorrente de uma mudança de orientação política.

Aquela Ré é uma empresa de capitais públicos e está legalmente sujeita às linhas de orientação que nessa matéria sejam tomadas pelo Governo.

Decidida a não viabilização da empresa e a extinção dos postos de trabalho dos Autores, não pode considerar-se que a denúncia dos contratos de trabalho, no período experimental em que se encontravam, materialize um abuso do direito de denúncia, ou exprima uma violação da boa fé na execução dos contratos e seja por esse específico motivo violadora do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

Conforme refere ANTUNES VARELA o apelo ao princípio da boa fé que se mostra consagrado no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil impõe que se apure[m] «dentro do contexto da lei ou da convenção donde emerge a obrigação, os critérios gerais objetivos  decorrentes do dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor, para a resolução de qualquer dúvida que fundadamente se levante, quer seja acerca dos deveres de prestação (…), quer seja a propósito dos deveres acessórios de conduta de uma ou outra das partes»[20].

Tal como acima se referiu, a denúncia dos contratos de trabalho dos Autores decorre de um facto objetivo, centralizado na alteração da orientação política relativamente ao destino da empresa, alteração essa assumida pelo Governo, no uso das suas competências próprias e que, por essa via, foi imposta aos órgãos de gestão das Rés.

Estes são meros executores de uma decisão exterior à empresa, assumiram-na perante os Autores, esclarecendo que a denúncia não decorria de uma avaliação do respetivo desempenho profissional.

Não decorre da matéria de facto que se tenha surgido no quadro da execução dos contratos uma situação onde se justificasse o apelo aos corolários derivados do princípio da boa fé para o cabal cumprimento das obrigações das partes e que possa fundamentar a afirmação de violação desses corolários por parte das Rés.

Acresce que, tal como resulta também da matéria de facto dada como provada, os Autores tinham pleno conhecimento dos riscos que rodeavam a execução do plano de viabilização da empresa, riscos que não são alheios à dimensão do período experimental acordado e ao recurso à figura da comissão de serviço para enquadrar a respetiva prestação de trabalho.

Não tem, deste modo, qualquer suporte na matéria de facto dada como provada a afirmação de que a denúncia dos contratos de trabalho dos autores seja violadora do disposto no artigo 762.º do Código Civil, ou que materialize uma situação de abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do mesmo código.

Improcedem deste modo as conclusões 6.ª a 12.ª das alegações dos recorrentes.

3 – Nas conclusões 2.ª, 6.ª, 13.ª e 14.ª insurgem-se os recorrentes contra a decisão recorrida afirmando que a interpretação do artigo 111.º do Código do Trabalho subjacente à mesma, viola o princípio da segurança no trabalho consagrado no artigo 53.º da Constituição da República, com referência ao artigo 18.º da mesma Lei Fundamental.

Referem que «o período experimental consagrado no artº 111º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira “rota de colisão” com a garantia da segurança no emprego, consagrada no artº 53º da CRP e cuja constitucionalidade só foi admitida em função do seu exato fim» e que «o direito ou a interpretação e aplicação do citado artº 111º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no artº 53º da CRP, o que sempre seria inadmissível por força do disposto no art.º 18º da Lei Fundamental».

Realçam que «forçoso se torna concluir que o acórdão ora recorrido confirmou uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do artº 111º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do artº 53º da CRP», «padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos».

A decisão recorrida debruçou-se sobre a constitucionalidade da interpretação da norma em causa, nos parâmetros decorrentes da decisão da 1.ª instância, tendo concluído nos seguintes termos:

«Neste contexto, tendo os contratos de trabalho dos autores sido denunciados durante o período experimental, embora por razões que não têm a ver com as suas aptidões e qualidades profissionais para o exercício dos postos de trabalho para os quais foram contratados, entendemos que a denúncia efetuada pela empregadora não fere a lei ordinária nem a lei constitucional.»

3.1 – O artigo 53.º da Constituição da República consagra o direito à segurança no trabalho, proibindo expressamente os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

Tal como acima referimos o direito à segurança no trabalho pressupõe e não é incompatível com a existência de um período na relação de trabalho, prévio à respetiva estabilização, onde os valores inerentes à estabilidade são reduzidos.

«A Constituição não obsta à fixação de um período experimental, exigindo apenas que, na fixação da sua duração, não se estabeleça um período de tal forma prolongado que desvirtue a própria garantia da segurança no emprego»[21].

Sobre a articulação da existência dessa fase do contrato de trabalho com aquele princípio constitucional, referiu-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 64/91, de 4 de Abril de 1991, proferido no processo 117/91, o seguinte:

«Começar-se-á por acentuar que a existência de um período experimental nos contratos de trabalho é constitucionalmente legítima, ainda que nesse período não haja segurança de emprego. Como refere Menezes Cordeiro, «o contrato de trabalho implica a constituição de uma situação jurídica, de natureza duradoura e que, tendencialmente, vai acompanhar o trabalhador durante toda a sua vida profissional ativa. Uma vez consubstanciado, vários esquemas tornam difícil a sua cessação. Por isso, os diversos ordenamentos impõem ou admitem que, celebrado um contrato de trabalho, decorra primeiro um período experimental que possibilite às partes ponderar a viabilidade da situação laboral criada e a sua própria vontade, agora já esclarecida por uma experiência real do trabalho» (ob. cit., p. 577) direito comparado mostra que tal necessidade prática de criar períodos de experiência é conseguida através da criação de um tipo especial de contrato preliminar, o contrato de trabalho à prova, ou através da previsão na lei de uma fase inicial do contrato de trabalho, destinada à prova ou à experiência recíprocas de empregador e trabalhador, em que o vínculo é precário e qualquer das partes pode livremente denunciar o mesmo, presumindo a lei que a denúncia é devida à inaptidão do trabalhador ou a inconveniência das condições de trabalho dadas pela empresa. No fundo, trata-se de uma «situação jurídica preliminar, destinada a sedimentar a decisão das partes de contratar» (Menezes Cordeiro), só se equacionando a questão da segurança do emprego para além do período experimental.

Em seguida, há-de referir-se que o legislador goza de liberdade de conformação no estabelecimento da duração do período experimental, embora tal liberdade seja limitada: a duração não pode ser fixada em período de tal forma prolongado que resulte desvirtuado o princípio da segurança no emprego, como sucederá, indiscutivelmente, nos casos em que a duração se estendesse por tempo tão longo (dois ou três anos, por exemplo), que se teria de considerar estar-se perante uma fixação fraudulenta, forma encapotada de permitir o despedimento sem justa causa. Neste último caso, poder-se-ia falar de uma violação do princípio da proporcionalidade»[22].

Conforme acima se referiu, a compressão do valor estabilidade na relação de trabalho durante o período experimental visa criar condições para que aquele princípio se venha a exprimir na sua plenitude, após aquele período, através das múltiplas limitações que o sistema jurídico consagra à possibilidade das partes, sobretudo o empregador, fazerem cessar a relação de trabalho, a par das formas típicas de celebração de contratos de trabalho por tempo determinado.

Tal como vimos, o sistema jurídico faz depender o direito à denúncia do contrato durante o período experimental da simples existência do contrato, dispensando o denunciante de invocar as razões que estão subjacentes à sua decisão de lhe pôr termo.

Ao dispensar o denunciante da obrigação de indemnizar e da invocação de justa causa para a denúncia, conformou-se o direito à denúncia em termos que se aproximam de um parâmetro de liberdade, embora sempre limitada pelas decorrências do abuso de direito.

Trata-se de um quadro de referência comum aos sistemas jurídicos do nosso universo cultural, agravado entre nós pela proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa.

Não decorrem do artigo 53.º da Constituição da República quaisquer parâmetros substanciais relativamente aos pressupostos da denúncia no período experimental do contrato de trabalho, embora a jurisprudência constitucional tenha já equacionado a dimensão temporal daquele período.

Não viola deste modo aquele dispositivo constitucional a interpretação do artigo 111.º do Código do Trabalho, no sentido da licitude da denúncia do contrato, fundamentada em razões alheias ao desempenho profissional dos Autores.

Tal interpretação não viola também o artigo 18.º da Constituição da República, nomeadamente o seu n.º 3.

Na verdade, a denúncia dos contratos em causa foi justificada na decisão recorrida numa alteração da orientação definida às Ré pelo Governo relativamente à execução do plano de viabilização da Ré CC e que os órgãos de gestão executaram.

A denúncia decorrente da execução desta orientação não é suscetível de ser considerada abusiva, violadora da boa fé ou dos valores que estão subjacentes ao abuso do direito e não implica uma restrição «desnecessária e desproporcional» do direito à segurança de trabalho dos Autores, tal como este direito se configura no contexto do período experimental dos respetivos contratos.

Improcedem também as conclusões em causa das alegações da revista.


V

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista pelos recorrentes.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 9 de Setembro de 2015

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

__________________
[1]As conclusões com os n.ºs 14.º a 16.º e 21.º a 33.º incidem sobre matérias sobre as quais o Tribunal da Relação não se pronunciou na decisão recorrida e alheias ao objeto do presente recurso, não podendo este Tribunal delas tomar conhecimento.
[2]TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, Do Período Experimental no Contrato de Trabalho, Almedina, 2007, p.p. 39 e 40.
[3] Ibidem.
[4] Obra citada, p. 177.
[5] Obra citada, pp. 178 e 179.
[6] Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição 2010, p. 197.
[7] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p. 493.
[8] Obra citada, p. 198.
[9] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 341.
[10] Obra citada, p. 166.
[11] Acórdão desta Secção, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[12] Ibidem.
[13] Ibidem.
[14] Ibidem.
[15] “Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil)”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril de 1959, p. 253.
[16] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 297.
[17] Ibidem, citando CASTANHEIRA NEVES, Questão de Facto – Questão de Direito, I, pp. 513 e ss..
[18] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[19] Código do Trabalho Anotado, 8.ª Edição, 2009, Almedina, direção de PEDRO ROMANO MARTINEZ, p. 318, em anotação ao artigo 111.º
[20] Das Obrigações em Geral, 2.ª Edição, Volume II, 1974, p. 12.
[21] RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, 2010, Coimbra Editora, p. 1061.
[22] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910064.html