Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1611
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
ANULABILIDADE
SUBSÍDIO POR MORTE
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: SJ200309250016117
Data do Acordão: 09/25/2003
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 2 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2184/02
Data: 11/05/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O contrato de seguro automóvel obrigatório é um contrato de seguro a favor de terceiro.

II - Dispondo as seguradoras, à partida, de avaliação do grau provável de sinistralidade e risco envolvido, será, então, de ponderar em que medida a declaração inexacta poderá influir na existência e condições do contrato em ordem a, segundo o art.º 429 do CCom, torná-lo nulo.

III - Tal consideração valerá, por certo, em relação à outra parte do contrato, mas não em relação a terceiro lesado, a ele alheio, mas no interesse do qual se obriga o seguro de circulação rodoviária.

IV - A satisfação de prestações de segurança social concedidas em consequência de facto ilícito de terceiro civilmente responsável pelas consequências danosas que determinaram essas prestações gera, desde que já efectivamente pagas, sem restrição, o direito ao seu reembolso, abrangendo, a sub-rogação pelo CNP, quer as quantias pagas a título de pensões de sobrevivência, quer as importâncias pagas a título de subsídio por morte.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "AA", por si e na qualidade de representante legal de BB, sua filha menor, e de seu sobrinho menor CC, DD, e EE intentaram na comarca de Viseu acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra a Companhia de Seguros ..., que foi incorporada na Companhia de Seguros Empresa-A, SA., contra o Fundo de Garantia Automóvel, e contra FF, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 19/11/94, de que resultou a morte de GG, marido da primeira e pai dos demais AA, com excepção do sobrinho referido, que estava aos cuidados do casal desde tenra idade, sendo tratado de modo igual aos filhos, e de que foi atribuído àquela A. o poder paternal.
O último Réu referido foi condenado, por sentença de 15/9/99, pela autoria material de crime de homicídio, por negligência grosseira, na pessoa do predito GG, por conduzir com velocidade excessiva e com uma taxa de alcoolemia de 1,75 gramas/litro.
Contestando, a seguradora demandada excepcionou a nulidade do contrato de seguro celebrado com aquele R. por o mesmo ter declarado que o condutor habitual do veículo era HH.
Essa declaração visava evitar o agravamento do prémio do seguro, dado possuir carta de condução há menos de 5 anos e ter, na altura do contrato, idade inferior a 25 anos. Daí, a nulidade arguida.
Impugnou, ainda, os factos relativos ao acidente; sustentou que os danos alegados eram exagerados; e opôs, mais que o A. CC não é herdeiro do falecido GG.
O Centro Nacional de Pensões veio pedir o reembolso de prestações efectuadas pela Segurança Social a título por morte e pensões de sobrevivência, no montante global de 621.238$00, continuando a pagar ao cônjuge sobrevivo a pensão de sobrevivência.
Pediu a condenação dos RR. responsáveis civilmente a pagar-lhe a sobredita quantia, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os juros de mora legais, desde a citação até efectivo pagamento.
A Ré Seguradora contestou o pedido do Centro Nacional de Pensões, declinando qualquer responsabilidade decorrente do acidente em questão e negando existir direito de sub-rogação tanto em relação ao subsídio por morte como em relação às pensões de sobrevivência.

2. Julgada extinta a lide em relação ao Fundo de Garantia Automóvel e a FF, a acção foi julgada parcialmente procedente por sentença de 14/2/2002, que absolveu a Ré seguradora do pedido deduzido em representação do A. CC.
Outrossim absolvida aquela Ré do mais pedido pelos restantes AA. foi, no entanto, condenada a pagar-lhes o montante global de 34.641.600$00, sendo 641.600$00 de danos emergentes (despesas de funeral, jazigo, objectos de uso pessoal, e destruição do velocípede), 20.000.000$00 de lucros cessantes (dano futuro), e 14.000.000$00 de danos morais, incluindo a privação do direito à vida.
Devendo descontar-se à quantia de 20.641.600$00, relativa a danos patrimoniais, o adiantamento, feito pelo Centro Nacional de Pensões, de subsídio por morte e pensão de sobrevivência no valor de 621.238$00, acrescem, até pagamento, juros de mora, à taxa legal, desde a citação, sobre o montante relativo a danos patrimoniais assim precisado (20.641.600$00 = 20.020.362$00), e desde a data dessa decisão, sobre a quantia de 14.000.000$00 relativa a danos morais.
Condenou-se ainda a mesma Ré a pagar ao Centro Nacional de Pensões todas as prestações efectivamente pagas pelo mesmo a título de pensões de sobrevivência até trânsito dessa decisão e as quantias despendidas a título de subsídio por morte.
A Relação de Coimbra manteve o decidido, então alterado apenas na medida em que limitou a condenação da Ré seguradora em pagamento ao Centro Nacional de Pensões ao montante de 621.238$00, correspondente às prestações pagas até 13/6/2000, data em que este último deduziu o pedido do seu reembolso. (1)
Vem pedida pela Ré Seguradora revista dessa decisão.

3. Em remate da alegação respectiva, formula, com prejuízo da síntese imposta pelo nº 1 do art. 690º CPC, 25 conclusões.
Em ordem mais conveniente, as questões - cfr. art. 713º, nº 2, e 726º CPC - nelas propostas são as seguintes:
a) - na conclusão 13ª, em que se afirma a falta absoluta de fundamentação ou motivação da fixação da parcela indemnizatória correspondente ao dano futuro indemnizável, e nas conclusões 18ª e 19ª, a da nulidade da sentença recorrida (sic), nos termos do art. 668º, nº 1 al. b), CPC, por não ter especificado os fundamentos de facto "por forma bastante para alicerçar as conclusões de direito a que chegou" (sic);
b) - nas 12 primeiras conclusões, a da falsidade das declarações constantes da proposta de seguro quanto ao condutor habitual do veículo e consequente nulidade do contrato de seguro conforme art.429º C.Com.;
c) - nas conclusões 14º a 17ª, a da fixação da indemnização correspondente à sobredita parcela relativa ao dano futuro indemnizável que a recorrente entende não dever exceder 15.000.000$00, dada a previsibilidade de que, atingida a maioridade, os filhos da vítima se tornem economicamente independentes dos pais, de modo que a parcela do rendimento com que o falecido contribuiria para os encargos do agregado familiar, então reduzido a duas pessoas, seria, previsivelmente, já não de 2/3 desse rendimento, mas tão só correspondente a metade do mesmo; dando, assim, por violado o disposto no art. 483º, nº 1, C.Civ.;
d) - nas conclusões 20ª a 22ª, a da valorização em 6.000.000$00 do dano da morte, considerada excessiva, e que, com invocação do art. 496º, nº 3º, C.Civ., pretende ver fixada em 3.000.000$00 ; e
e) - nas conclusões 23ª a 25ª, a do âmbito da sub-rogação do Centro Nacional de Pensões nos direitos da vítima, que considera abranger apenas as pensões de sobrevivência pagas aos AA e não também o subsídio por morte, tendo-se, por isso, violado os art.s 483º, 592º, nº 1, e 593º C.Civ., com referência ao art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/8.

4. Convenientemente ordenados (2), os factos recolhidos pela prova são os seguintes:

A) - Relativos ao acidente:

(a) - O acidente ocorreu em área abrangida pelo perímetro urbano da cidade de Viseu.
(b) - No local do acidente, a estrada, de traçado recto, com boa visibilidade, e 7,50m de largura, estava bem iluminada.
(c) - As condições climatéricas eram boas.
(d) - O veículo automóvel de matrícula IX, conduzido pelo Réu FF seguia, no sentido Sátão-Viseu, dentro da sua mão de trânsito, e junto à berma, com velocidade superior a 80 Km/hora.
(e) - O acidente ocorreu na hemifaixa (de rodagem) direita, atento o sentido de trânsito Sátão-Viseu.
(f) - Ao chegar ao local do acidente, aquele Réu deparou, de frente, como velocípede conduzido pela vítima, GG.
(g) - O predito Réu accionou os travões do veículo que conduzia, sem, porém, conseguir evitar o embate com a frente do mesmo na traseira do velocípede.
(h) - Em consequência dessa travagem, o veículo conduzido por aquele Réu deixou assinalados no solo rastos de travagem numa extensão de 78 metros.
(i) - O velocípede foi projectado a uma distância de 84 metros.
(j) - O seu condutor, GG, caiu ao solo, e, após a queda, foi arrastado pelo automóvel interveniente numa extensão de 69 metros, tendo sofrido traumatismo crânio-encefálico com fractura total da base do crânio.
(l) - Esses traumatismos foram causa directa, necessária e adequada da morte de GG.
(m) - Após o acidente, o Réu FF foi submetido ao controlo de alcoolemia através de aparelho devidamente autorizado, tendo acusado uma TAS de 1,75 gramas/litro.

B) - Relativos aos AA:
(a) - O Autor CC é sobrinho da Autora AA e do seu falecido marido, estando ao cuidado do casal desde meses de idade, em virtude de o pai estar detido, a cumprir pena de prisão, e de a mãe o ter abandonado e se ter ausentado para o estrangeiro.
(b) - Aquela Autora e marido sempre dispensaram a esse A. todos os cuidados, ternura e atenção, tal como aos seus (próprios) filhos.
(c) - As relações entre o casal e esse A. foram sempre de pais e filho, sempre o mesmo tendo tratado o casal como seus pais e os Autores DD, EE e BB como seus irmãos.
(d) - O A. EE, quando era bebé, sofreu de meningite, sendo, em resultado dessa doença, portador de deficiência ou atraso físico e motor.

C) - Relativos aos danos:
(a) - O falecido GG era carteiro de 1ª categoria dos CTT, Correios de Portugal, SA., auferindo um vencimento líquido de 148.624$00 mensais.
(b) - A Autora AA trabalhava em limpezas de prédios e condomínios, auferindo cerca de 40.000$00 por mês.
(c) - Em consequência da morte do marido, esta A. deixou de trabalhar durante algum tempo, uma vez que não tinha condições físicas e psicológicas para tal, sendo necessário dar mais apoio aos filhos.
(d) - Não obstante, todo o quotidiano dos AA. foi alterado.
(e) - O Autor EE deixou de estudar, acentuando-se ainda mais a sua deficiência física e psíquica, visto o falecido GG ser o seu constante companheiro.
(f) - Sendo o falecido GG que desempenhava essa tarefa, a Autora AA passou acompanhar os Autores BB e CC nas idas e vindas da escola, fazendo-o em transportes públicos, uma vez que não possui carta de condução.
(g) - Em Fevereiro de 1996, foi atribuída às Autoras AA e BB uma subvenção ou pensão de sobrevivência provisória da Caixa Nacional de Pensões no valor de 19.953$00 para cada uma.
(h) - Os proventos do casal eram utilizados pelo agregado familiar.
(i) - À data do acidente, o falecido GG tinha 44 anos de idade.
(j) - Tinha demolido uma casa velha que tinha adquirido com terreno para construir a casa de morada de família.
(l) - Tendo recorrido para tanto a crédito hipotecário, esse crédito foi utilizado na compra do terreno, demolição e parte do tosco da construção.
(m) - Ia construindo a casa por administração directa, com a ajuda do filho EE e de amigos.
(n) - Com a morte do GG, a Autora AA entregou a obra a um construtor civil, para este a acabar.
(o) - Em consequência do acidente, o velocípede, que, a essa data tinha o valor de 190.000$00, ficou completamente destruído, e as roupas que o falecido GG usava nessa altura, de valor não apurado, ficaram completamente danificadas.
(p) - Com o funeral do falecido GG, os AA. efectuaram despesas no total de 104.900$00; com roupas para o funeral gastaram a quantia de 54.200$00; e despenderam com o jazigo o montante de 292.500$00.
(q) - O falecido GG era um exemplar pai de família, um óptimo trabalhador, com uma alegria de viver e de ajudar a família e os amigos.
(r) - Vivia para os AA. cumpridor dos seus horários e deveres, trabalhando fora de horas para dar uma vida melhor à família.
(s) - A sua morte foi um choque brutal para todos os AA.
(t) - A Autora AA perdeu a alegria de viver, pois não consegue esquecer o falecido marido, estando completamente transtornada por causa do acidente.
(u) - Os filhos e o sobrinho sofreram a angústia diária e a dor psicológica constante derivada da morte do pai (e tio).
(v) - A morte de GG fez com que o EE ficasse mais triste, baixando o rendimento nos estudos e acabando por abandoná-los.

D) - Relativos ao seguro:
(a) - O condutor habitual do veículo de matrícula IX, era o Réu FF.
(b) - À data da celebração do contrato de seguro, um condutor com menos de 25 anos de idade tinha um prémio de seguro agravado, e um condutor com carta há menos de 5 anos sofre igualmente um agravamento do prémio do seguro.
(c) - Pretendendo eximir-se por esse modo àqueles agravamentos, aquando da celebração do contrato de seguro em questão, o sobredito Réu declarou que o condutor habitual do veículo de matrícula IX era HH.

E) - Relativos às prestações da segurança social:
(a) - Com base no falecimento do beneficiário nº 115056844, e na sequência do acidente referido, a viúva, por si e em representação dos filhos menores, EE e BB, requereu as respectivas prestações por morte, que foram deferidas.
(b) - Em consequência, e no período compreendido entre Dezembro de 1994 e Junho de 2000, o Centro Nacional de Pensões pagou à viúva a quantia de 621.238$00 a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência.
(c) - A pensão de sobrevivência cifra-se actualmente em 4.151$00.

5. Apreciação de direito:
5.1. No que toca à arguida nulidade da sentença recorrida (sic), nos termos do art. 668º, nº 1, al. b), CPC, designadamente por não ter especificado os fundamentos de facto "por forma bastante para alicerçar as conclusões de direito a que chegou" (sic), cabe, elementarmente, notar, antes de mais, com referência ao art. 156º, nºs 2 e 3, CPC, que, assacada essa nulidade à "sentença" recorrida, o que nesta altura se encontra em recurso é o acórdão da Relação.
Como de imediato resulta de fls. 394 a 396, não é, desde logo, verdade que o acórdão recorrido não tenha justificado os valores que fixou.
Importa, depois, salientar, a este respeito, concorrerem, a uma só voz, doutrina e jurisprudência em que a previsão legal invocada se cinge à falta absoluta de fundamentação ou motivação de facto ou de direito, não abrangendo a sua eventual insuficiência (3).
Fixada pelas instâncias a matéria de facto reproduzida em 4., supra, e dito pela Relação quanto entendeu caber relativamente à fixação da parcela indemnizatória correspondente ao dano futuro indemnizável, resulta evidente que o que, com despropositada invocação da al. b) do nº 1 do art. 668º CPC, se reclama é, afinal, pretenso erro de julgamento, de que se irá, sem mais, cuidar adiante.
Assim, e de harmonia com o projecto do primitivo relator, que ao adiante praticamente se transcreve, posto que a ele aderiram todos os subscritores deste acórdão, com ressalva apenas da parte assinalada no final do mesmo (5.5. e 6. infra):

5.2. Quanto à pretensa nulidade do contrato de seguro, há que trazer, desde logo, à colação o disposto nos art.s 2º e 8º da denominada lei do seguro obrigatório, que é o DL 522/85, de 31/12.
Do nº 1 desses artigos resulta, respectivamente, que a obrigação de segurar impende, nomeadamente, sobre o proprietário do veículo, e que o contrato de seguro garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo.
Consoante seu nº 2, também respectivamente, aquela obrigação fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no sobredito diploma, e o seguro garante mesmo a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de furto, furto de uso do veículo, ou de acidentes de viação dolosamente provocados.
Como observado em acórdão desta Secção de 10/1/2002, proferido na Revista nº 3997/01, relatado pelo primitivo relator deste, salta à vista ter todo o direito relativo à responsabilidade civil automóvel sido estabelecido para protecção dos terceiros lesados.
É assim que, nomeadamente, se explicam: - a exigência legal do seguro automóvel obrigatório (art. 1º do referido DL 522/85) e as estatuições (dessa mesma lei) acima referidas; - a responsabilidade objectiva de quem tiver a direcção efectiva do veículo (art. 503º, nº1); - a solidariedade passiva dos responsáveis (art.s 497º e 507º); - a limitação da exclusão da obrigação de indemnizar (art. 505º, todos do C.Civ.); - a possibilidade de arbitramento provisório de indemnização (art. 403º CPC); - a designação de julgamento ainda antes de concluídos os exames (art. 647º CPC); e - saliente-se - a própria instituição do Fundo de Garantia Automóvel.

" A socialização do risco (4) da circulação automóvel impõe a responsabilidade civil independentemente de culpa, a necessidade de assegurar a reparação de danos sofridos por terceiros na sua pessoa ou património ainda que não se conheça a identidade do lesante, ou ocasionados por dolo ou culpa grave, ou mesmo nos casos de veículos furtados. E impôs, à semelhança do que se verifica com o direito do consumo privado, com o direito dos seguros, e com o direito do trabalho, individual e colectivo, - em especial estes -, a formulação de normas que afectam o espaço de livre negociabilidade contratual, pela natureza impositiva de certas cláusulas de conteúdo fortemente vinculado a que as partes se obrigam, normalmente por adesão, nas áreas das relações jurídicas correspondentes.
Dentro deste pensamento, e no que respeita ao direito do seguro automóvel, tem-se reconhecido que a lei pretende a defesa e protecção directa das vítimas de acidentes de viação".
Este Tribunal tem reconhecido que o seguro obrigatório realiza, com a maior evidência, o modelo de contrato a favor de terceiro, resultando, além do mais, da preocupação legal que vem de referir-se o direito que assiste ao lesado de accionar directamente a seguradora para obter a indemnização (5).

Está-se perante contrato que, pela sua natureza e objectivos, assume a estrutura de um contrato multilateral, logo concretizada se, e quando, houver sinistro.
São partes na relação jurídica que origina a seguradora, o segurado, e o beneficiário.
A seguradora é a garante principal da obrigação correspondente ao risco que assume.
O tomador do seguro, parte no contrato, coincide na maior parte das vezes com a pessoa do segurado, titular do interesse seguro.
O beneficiário é o destinatário da prestação da seguradora (6).
Vem isto ao caminho da observação de que o contrato de seguro automóvel obrigatório em referência nestes autos é um contrato de seguro a favor de terceiro. E vale para concluir que o contrato de seguro em questão deve considerar-se válido e eficaz em relação ao terceiro lesado, beneficiário do seguro obrigatório, no interesse do qual a lei obriga à celebração do contrato de seguro automóvel.
Quer a filosofia, que se acentuou, que inspira essa obrigatoriedade, quer a natureza, estrutura e objectivos do próprio contrato a favor de terceiro, que é a vítima de acidente rodoviário, apontam solidamente no sentido da validade e eficácia do contrato de seguro automóvel obrigatório em causa neste processo.
Em vista do invocado art. 429º C.Com, é obrigação do tomador do seguro declarar todas as circunstâncias que conhece susceptíveis de influir na apreciação do risco coberto, e, assim, na decisão do segurador de contratar ou não contratar.
Trata-se de "uma exigência extra-jurídica da técnica seguradora" que permite ao segurador avaliar melhor as circunstâncias do risco para poder calcular a probabilidade da sua verificação e, concomitantemente, a frequência dos sinistros e do seu custo, permitindo também calcular o prémio (7).

É, no dizer de alguns autores, norma obsoleta, que, distante do regime comum da invalidade do negócio jurídico em geral, privilegia injustificadamente o segurador.
É, em todo o caso, dificilmente aceitável quando se trate de contratos de seguro automóvel obrigatório (8).
Nomeadamente dispondo as seguradores, à partida, de avaliação do grau provável de sinistralidade e risco envolvido, será, então, de ponderar em que medida a declaração inexacta poderá influir na existência e condições do contrato em ordem a torná-lo, segundo aquele art. 429º, nulo.
Essa consideração valerá, por certo, em relação à outra parte no contrato, mas não em relação a terceiro lesado, a ele alheio, mas no interesse do qual se obriga o seguro de circulação rodoviária.
Em face do que alega, a seguradora, mesmo se em condições mais gravosas de preço ou prémio, não deixaria de contratar o seguro - submisso, até, ao risco de furto do automóvel, consoante já mencionado art. 8º, nº 2, do DL 522/85, de 31/12.

Quer isso dizer que, mesmo nessa eventualidade, a situação da seguradora não se modificaria no tocante à vinculação indemnizatória perante o lesado.
Acresce estar-se, na realidade, consoante doutrina e jurisprudência pacíficas, perante uma anulabilidade - como, por certo, o legislador tinha bem presente ao tempo da sobredita lei do seguro automóvel obrigatório.
Ora, e precisamente, subordinado à epígrafe "Oponibilidade das excepções aos lesados", o art. 14º dessa mesma lei determina que para além das exclusões ou anulabilidades estabelecidas nesse diploma, a seguradora só pode opor aos lesados a cessação do contrato no caso, previsto no nº 1 do artigo anterior, de alienação do veículo, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais ou regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro.
Avulta, em suma, que o risco obrigatoriamente coberto, de circulação do veículo, objecto do contrato de seguro - contrato a favor de terceiro -, seria sempre o mesmo, independentemente de quem fosse o verdadeiro dono ou condutor.
Ainda que essa circunstância pudesse afectar as relações seguradora/tomador, não atingiria o beneficiário autor, terceiro em favor do qual o seguro se tomou e - obrigatoriamente - funciona.
Como decorre do que vem de expor-se, a seguradora recorrente não tem, pois, fundamento legal para neutralizar os efeitos do contrato em relação ao(s) terceiro(s) beneficiário(s), autor(es).

5.3. Não está em causa a avaliação da culpa na produção deste acidente: não deixando o quadro factual descrito em 4.- A), supra, margem para grandes hesitações a esse respeito, a culpa exclusiva do segurado da recorrente mostra-se assente e aceite, não fazendo parte do objecto deste recurso.
A terceira questão suscitada diz respeito à fixação da indemnização, que a recorrente considera exagerada, correspondente ao dano patrimonial futuro que a perda do rendimento proporcionado pelo falecido representa ou constitui.
No que respeita a essa perda do ganho futuro do falecido, importa ponderar, nomeadamente, o seguinte:

- Com 44 anos de idade à data do acidente, o falecido GG era carteiro dos CTT, auferindo um vencimento líquido de 148.624$00 mensais.
- Recebia 14 meses de vencimento.
- Demoliu uma casa velha que tinha adquirido com terreno para construir a casa de morada de família.
- Recorreu para tanto a crédito hipotecário, que foi utilizado na compra do terreno, demolição e parte do tosco da construção.
- Ia construindo a casa por administração directa, com a ajuda do filho EE e de amigos.
- Com a morte de GG, a Autora AA entregou a obra a um construtor civil, para este a acabar.
- Por sua vez, a Autora AA trabalhava em limpezas de prédios e condomínios, auferindo cerca de 40.000$00 por mês.
- Em consequência da morte do marido, deixou de trabalhar durante algum tempo, uma vez que não tinha condições físicas e psicológicas para tal, sendo necessário dar mais apoio aos filhos.
- Os proventos do casal eram utilizados pelo agregado familiar.

Considerado, para efeitos de cálculo, um rendimento anual de cerca de 2.100.000$00 (150.000$00 x 14 = 2.100.000$00), um tempo de vida útil, até aos 65 anos, de mais 21 anos, e uma taxa de juro líquido na ordem dos 4%, alcançar-se-ia, mediante o usual recurso a tabelas financeiras, um capital de cerca de 30.000.000$00 (2.100.000$00 x 14,029160 = 29.461.236$00), de que usual é também considerar que 2/3, ou seja, no caso, 20.000.000$00, seriam dedicados à família.
Tida em atenção a mais comum idade da reforma, tem-se, desde logo, feito notar que, muitas vezes, a denominada vida útil ou produtiva não acaba aí. E bem esclarecido tem sido, em todo o caso, que um tal cálculo se reveste de natureza meramente auxiliar, de simples orientação.
Múltiplos os factores envolvidos, a fixação em concreto da indemnização por estes danos releva sobretudo da equidade, consoante nº 3 do art. 566º C.Civ.
Está-se, neste caso, perante um futuro de que se esperariam, em condições normais, mais 25 ou 30 anos; sabe-se que, actualmente, a independência económica dos filhos está, com frequência, longe de coincidir com a maioridade; há que ter em atenção serem reduzidos os proventos da viúva, ter o casal recorrido a crédito hipotecário, e haver uma casa para acabar.
A decisão das instâncias a este respeito ajusta-se aos padrões atributivos de indemnização mais recentemente utilizados neste Tribunal, e não se vê que, nesta parte, mereça qualquer censura.

5.4. No respeitante ao dano moral constituído pela privação do direito á vida - único aspecto posto em causa pela recorrente na avaliação dos danos não patrimoniais -, vale dizer, à partida, que se houvesse alguma correcção a fazer, seria para mais. Proíbe-o, porém, o art. 684º, nº 4, CPC.
Em mais recente jurisprudência deste Tribunal, tem-se já atribuído, a este título, valor correspondente a 10.000.000$00, que foi o considerado em decisão do Provedor de Justiça de 19/3/2001, publicada no DR, II Série, nº 96, de 24/4/2000 (Parte VIII, nº 56.).
A fixação da quantia de 6.000.000$00 em relação à perda do direito à vida do falecido marido e pai dos AA resulta, em todo o caso, intocável, em vista do preceito acima referido.

5.5. A última questão a tratar diz respeito ao pedido do Centro Nacional de Pensões.
Pretendendo a seguradora recorrente que a sub-rogação desse Centro nos direitos da vítima abranja apenas as pensões de sobrevivência pagas aos AA e não também o subsídio por morte, só esse subsídio está agora em causa.
O art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/8, em vigor ao tempo (10), dispunha que "no caso de concorrência, no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado, até ao limite do valor que lhes cabe conceder.

6. Do subsídio por morte:

6.1. A tese a este respeito que resultou vencida neste acórdão salienta que, nos regimes contributivos, ao benefício social corresponde um desconto, e que, no âmbito material das eventualidades previstas, a correspondente protecção tanto pode beneficiar o contribuinte como os herdeiros deste, consoante a eventualidade que ocorrer, de acordo com a previsão legal.
Nessa tese, o subsídio por morte é um crédito próprio e autónomo, distinto do crédito indemnizatório emergente do art. 483º, nº 1, C.Civ.
Os titulares desse crédito, oriundo de direito a esse benefício, são, em bom rigor, não os beneficiários da Segurança Social falecidos, mas os seus herdeiros.

"Na esfera jurídica do lesado não existia, como sendo dele, um crédito relativo ao subsídio por morte".
Esse crédito não era, pois, "um direito do lesado", como exigido pelo art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/8, atrás transcrito.
Outrossim notado, em tema de sub-rogação legal, o disposto nos art.s 592º, nº 1 e 593º, nº 1, C.Civ., sobreleva, nesta tese, que "o direito - a que corresponde o dever de garantir e pagar, fonte da obrigação da Segurança Social - é originário do seu titular. Não é juridicamente derivado de outrem, embora nasça de uma eventualidade em que outrem interveio".

6.2. Resultando o direito à prestação aludida de um dever de solidariedade social e de responsabilidade pública (v., nomeadamente, art. 63º CRP), ela vence-se com a verificação da eventualidade ou risco socialmente coberto, e por efeito automático dessa ocorrência.
Decorrente do correspondente dever de prestação social para com os respectivos titulares por causa da eventualidade coberta, trata-se, na tese que se vem referindo, de despesa que sempre a Segurança Social teria de suportar - resulte a morte de causa natural ou acidental, e, neste caso, provocada, ou não, por terceiro ou pelo próprio.
Ao pagar a prestação social, ou na medida em que a pagou, a Segurança Social cumpriu dívida própria perante os titulares do direito ao subsídio por morte do seu beneficiário.
Como assim, "não pode haver sub-rogação, porque não há nada a sub-rogar".

6.3. Só neste particular se apartando este acórdão do projecto do primitivo relator, de que se procurou dar fiel conta, passa-se, neste ponto, a relatar tese contrária à desse projecto, que, sustentada no Proc. nº 1023/03, desta Secção, veio a obter vencimento nestes autos com os votos dos então (também) relator e adjuntos. Assim:
Aceite que o direito à prestação em causa decorre do reconhecimento de um dever de solidariedade social e de responsabilidade pública, a titularidade desse direito é, se bem se crê, irrelevante para a resolução desta questão; outros titulares de direito a indemnização que não a própria vítima nomeadamente considerando os art.s 495º, nº 3, e 496º, nº 2, C.Civ.
Não sofre, a outro tempo, discussão que a Segurança Social satisfez dívida própria.
As considerações referidas permanecem imprejudicadas pelas tidas por efectivamente cogentes pela jurisprudência que tem vindo a firmar-se neste Tribunal no sentido de que a sub-rogação do Centro Nacional de Pensões abrange o subsídio por morte e as pensões de sobrevivência - solução nomeadamente alcançada no Ac. STJ de 1/6/95, CJSTJ, III, 2º, 222, citado no projecto aludido.

6.4. Vem, na realidade, predominando neste Tribunal o entendimento de que a satisfação de prestações de segurança social concedidas em consequência de facto ilícito de terceiro civilmente responsável pelas consequências danosas que determinaram essas prestações gera, desde que já efectivamente pagas, sem restrição, o direito ao seu reembolso: v. também Acs.STJ de 5/1/95, CJSTJ, III, 1º, 164, e - entre outros - de 10/10/2000 no Proc. nº 2132/00-1ª, com sumário na Edição Anual de 2000 dos Sumários de Acórdãos Cíveis deste Tribunal organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, p.280, 2ª col., segundo o qual as instituições de segurança social ficam sub-rogados, ao abrigo do disposto no art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/8, nas importâncias pagas aos lesados, seja a título de subsídio por morte, seja o título de pensões de sobrevivência, de 11/1/2001, no Proc. nº 3549/00-6ª, que atribui a esse subsídio a natureza de um adiantamento, e de 23/10/2001, no Proc. nº 3195/01 desta 7ª Secção, com sumário, ambos, na Edição Anual de 2001 dos Sumários referidos, p.13, 1ª col. (-I) e 317, 2ª col-2º, respectivamente. Com sumário na Edição Anual de 2002, p.368, 1ª col. (III e IV), pode ver-se, no mesmo sentido, o de 5/12/2002, Proc. nº 3636/02-6ª.

Não parece, com efeito, em boa razão, que a referida lei aplicável - Lei nº 28/84, de 14/8 - consinta a distinção, para efeito da sub-rogação pretendida, entre o subsídio por morte e as pensões de sobrevivência pagas.
O discurso, a que se adere, da sobredita jurisprudência não anda longe do resumo que segue:
As prestações de segurança social não são cumuláveis com a indemnização a pagar por terceiro civilmente responsável: num tal caso, a segurança social assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir a quem seja civilmente responsável o valor dos subsídios e pensões pagas.
Irrestritivo o art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/8, os serviços de previdência só se encontram efectivamente adstritos ao pagamento das prestações de segurança social enquanto compensatórias de perda fortuita: não quando resultem de factos imputáveis a terceiro geradores da obrigação de indemnizar.
Como assim, no caso de concorrência de direito a essas prestações com o de indemnização por facto ilícito de terceiro, havendo um responsável pela prática de acto gerador de responsabilidade civil que seja causa também da prestação de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, essas prestações não constituem encargo normal do Centro Nacional de Pensões: funcionam, em tal caso, como antecipação pela segurança social da indemnização pelo responsável, com o fim de imediata e provisória protecção dos beneficiários, e são da responsabilidade de quem praticou aquele acto - cfr., nomeadamente, art.s 495º, nº 1, 562º e 564º C.Civ.
Mostra-se, por conseguinte, preenchida a previsão do art. 593º, nº 1, dessa mesma lei.

7. Conduz quanto observado à decisão seguinte:
Nega-se a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Setembro de 2003

Oliveira Barros, relator (por vencimento quanto ao ponto 6. deste acórdão)
Neves Ribeiro (vencido quanto ao ponto 6. deste acórdão, conforme declaração que anexo)
Araújo de Barros (vencido quanto ao ponto 6. deste acórdão)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa

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(1) V. Assento deste Tribunal de 9/11/77, BMJ 271/100 ss.
(2) V., a propósito, Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(3) Reis, "Anotado", V, 140, Rodrigues Bastos. "Notas ao CPC", III, 246-3., Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório", III, 141, Antunes Varela e outros, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 687, e, v,g., por todos, Ac. STJ de 14/4/99, BMJ 486/250-1ª col.
(4) Para aprofundamento deste ponto, v., sobre as formas de socialização da responsabilidade e o declínio da responsabilidade individual, Calvão da Silva, "Responsabilidade Civil do Produtor", em especial, 104 e 105, texto e notas.
(5) Ac. STJ de 11/3/97, BMJ 465/537 ss - v.p.546.
(6) V. Moitinho de Almeida, "O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado", 103 e 104.
(7) V. Júlio Gomes, "O dever de informar do tomador do seguro na fase pré-contratual", trabalho apresentado ao II Congresso do Direito dos Seguros, Março de 2001, em publicação da Livraria Almedina, pp. 83 e 84.
(8) Sobre as dificuldades de interpretação e aplicação desse preceito, e sobre as variações e discordâncias jurisprudenciais a propósito do mesmo, v.estudo e loc. cits. na nota anterior, pp. 75 a 77 (texto e notas).
(9) V., v.g., Ac.STJ de 16/3/99, CJSTJ, VII, 1º, 169-5.-170 (1ª col.).
(10) Foi revogada pela Lei nº 17/2000, de 8/8 (art. 118º), por sua vez revogada pela Lei nº 32/2002, de 20/12 (art. 132º). O art. 16º da Lei nº 28/84 está hoje substituído pelo art. 71º da Lei nº 32/2002, que mantém o mesmo texto.
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Declaração de voto

1. Divergimos da doutrina que fez vencimento, apenas no aspecto que nele se desenvolve a partir do ponto 6.
Pretende a seguradora que a sub-rogação abranja apenas as pensões de sobrevivência pagas aos autores, e não ainda, o subsídio por morte.
(Conclusões 22ª, 23ª e 24ª).
Fica, portanto, apenas em causa o subsídio por morte. (Conclusão 23ª).
Vejamos este derradeiro aspecto, limitado como antecede, e conforme dispõe o nº 3, do artigo 684º, do Código de Processo Civil.
O artigo 16º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, ao tempo em vigor, dispunha que «No caso de concorrência, no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado, até ao limite do valor que lhes cabe conceder». (1) (Este preceito está hoje substituído pelo artigo 71º, da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro - que mantém o mesmo texto).
Acontece que este Tribunal já reconheceu acórdão de 1 de Junho de 1995 - Col.1995 II, páginas 222; e acórdão de 4 de Abril de 2000-B.M.J. nº 496, página 206), que a sub-rogação do Centro Nacional de Pensões abrange o subsídio por morte e as pensões de sobrevivência - embora não pensões de sobrevivência posteriores ao pedido.
Como se disse, neste recurso, está apenas em causa o subsídio por morte, uma vez que a recorrente aceita pagar a pensão de sobrevivência "adiantada" pela Segurança Social às autoras AA e BB, sua filha, (conclusão 23ª.

2. A nosso ver, o subsidio por morte ( e sem nos pronunciarmos agora - porque não é preciso - sobre a pensão de sobrevivência, a pensão do preço de sangue, o rendimento de inserção social mínimo, qualquer seguro de vida, etc...) é um crédito próprio e autónomo, distinto do crédito indemnizatório emergente (no nosso caso) da violação do artigo 483º-1, do Código Civil.
Em bom rigor, dele nem é titular o falecido, mas sim, os herdeiros hábeis do falecido/beneficiário da Segurança Social.
São eles os titulares desse direito - que não é de crédito "tout court", mas um crédito oriundo de um direito à prestação social.
Esta é a regra fundamental. E é por este prisma que as coisas devem ser analisadas.
Aprofundemos melhor a reflexão, explicando-a:
Ao benefício social corresponde um desconto (pelo menos nos regimes contributivos - artigo 31º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro), abrangendo a protecção dentro do âmbito material das eventualidades indicadas pelo artigo 29º, da mesma lei, que tanto pode beneficiar o contribuinte, como os seus herdeiros hábeis, conforme a eventualidade que ocorrer, de acordo com essa previsão.
Trata-se, nos termos da Lei e da Constituição (artigos 63º e 64º), de um dever de solidariedade social e de responsabilidade pública (artigos 9º e 15º da citada Lei) que não está dependente da eventualidade acontecer, em virtude de um acidente rodoviário, ou não; de o responsável - devedor ou seu garante - poder pagar, ou não; ou de o beneficiário a quem a eventualidade reporte, ser agente da função privada ou agente da função pública.
A morte deste beneficiário da Segurança - e é esta a eventualidade social para a qual estamos a raciocinar, repita-se - pode resultar de uma causa natural ou acidental - e, neste último caso, provocada, ou não, por terceiro ou pelo próprio.
A prestação social correspondente vence-se com a verificação da eventualidade, ou risco socialmente coberto, e por efeito automático dessa ocorrência.
Nem há sequer que distinguir entre prestações pagas (sub-rogáveis) e prestações futuras não sub-rogáveis. (Assento de 9/11/77, B.M.J. nº 271, página 100 e seguintes).
É que, como se disse, a autonomia da origem do crédito e da titularidade a quem o mesmo é atribuído, não se confunde com um crédito indemnizatório decorrente de acidente rodoviário em que morre o beneficiário da Segurança Social (ou da Caixa Geral de Aposentações).

O artigo 71º da Lei nº 32/02, já mencionado (que corresponde actualmente, e com o mesmo texto, ao artigo 16º, invocado pelo acórdão recorrido e já por nós reproduzido), ao falar de responsabilidade civil de terceiros, naturalmente que só pode reportar a prestações pecuniárias desembolsadas pela Segurança Social, mas que têm a ver com participação em despesas de internamento, médicos, medicamentos, participação em remunerações pelo período de inactividade do seu beneficiário, etc, etc, tudo por causa do acidente, que, nos aspectos exemplificados, também a prejudicou, obrigando-a a despesas que não faria se não fosse o acidente.
Mas já não, a despesas que sempre teria de suportar, mercê do seu dever de prestação social para com os respectivos titulares, por causa da eventualidade coberta.
Nem outro sentido poderia ter a sub-rogação legal, face ao que estabelecem os artigos 592º-1 e 593º-1, do Código Civil.
Na esfera jurídica do lesado não existia, como sendo dele, um crédito relativo ao subsídio por morte. Não era, pois, «um direito do lesado», como exige a disposição transcrita, e em que se abona o acórdão recorrido.
Ao pagar a prestação social, ou na medida em que a pagou, a Segurança Social não cumpriu dívida do lesado, mas dívida sua, perante os titulares do direito ao subsídio por morte do seu beneficiário: - o próprio lesado.
Não pode haver sub-rogação, porque não há nada a sub-rogar.
O direito - a que corresponde o dever de garantir e pagar, fonte da obrigação da Segurança Social - é originário do seu titular.
Não é juridicamente derivado de outrem, embora nasça de uma eventualidade em que outrem interveio. Mas é só isso, porque era isso mesmo, a oportunidade assegurada da eventualidade socialmente coberta, relativa ao se ou ao quando, do evento!

3. Termos em que também confirmaríamos o acórdão recorrido, excepto na parte em que condenou a recorrente no pedido do Centro Nacional de Pensões relativo ao subsídio por morte do seu beneficiário (fls. 396), e dele se absolveria a recorrente.

Lisboa, 25 de Setembro de 2003
Neves Ribeiro.
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(1) Esta lei foi revogada pela lei nº 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 118º), a qual, por sua vez, já foi também revogada pela Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro (artigo 132º).