Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/11.2TVPRT-A.E2-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRAZO
FALTA DE CITAÇÃO
CONHECIMENTO
INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PROVA
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO PARA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- Tendo sido reconhecido, como fundamento do recurso de revisão de sentença proferida em acção proposta contra entidade declarada insolvente, a "falta" de citação do administrador da insolvência, a contagem do prazo previsto no art. 697º, nº 2, al. c), do CPC deve iniciar-se a partir do momento em que esse administrador fica em condições de, actuando com a diligência exigível, tomar efectivamente conhecimento dessa falta.

II- Tendo a Relação recusado a reapreciação de factos invocados pelo recorrente para demonstrar a existência dessas condições, impõe-se a anulação do acórdão recorrido para que se proceda a tal reapreciação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA propôs, em 4 de Fevereiro de 2011, acção declarativa de condenação contra BB, pedindo, para além do mais, que seja declarado resolvido o contrato promessa celebrado com a ré, tendo por objecto a fracção identificada nos autos, condenando-se a ré no pagamento da quantia de € 140.000,00, acrescida de juros de mora.

A ré foi citada em 17.02.2011, por carta registada com aviso de recepção remetida para a sede respectiva, e não contestou.

Em 13.09.2011, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 168.797,81, reconhecendo a este o direito de retenção sobre a aludida fracção autónoma até integral pagamento da referida quantia.

Por sentença proferida em 9.02.2011 a ré foi declarada insolvente.

Em 24.05.2016 a MASSA INSOLVENTE DE BB intentou recurso de revisão da sentença proferida na referida acção declarativa de condenação intentada por AA contra BB.

Alegou fundamentalmente que a ré BB foi declarada insolvente e não foi citada na pessoa do Sr. Administrador da Insolvência, ocorrendo por isso falta de citação.

O recorrido sustentou que foram observadas as formalidades legais da citação, que não foi requerida a apensação e que não era do conhecimento nos autos a declaração de insolvência.

Mais arguiu a intempestividade do recurso, por serem conhecidas do Administrador da Insolvência a pendência da acção e a sentença proferida.

Foi de seguida proferida sentença em que se julgou improcedente a arguição de intempestividade do recurso de revisão e, no que respeita ao mérito, procedente o recurso de revisão e, consequentemente, nula a citação da ré realizada em 17.02.2011, bem como os subsequentes actos processuais.

Discordando desta decisão, o recorrido interpôs recurso de apelação que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, julgou improcedente o recurso de revisão interposto pela massa insolvente.

Na revista depois interposta, o acórdão recorrido foi revogado, determinando-se a remessa dos autos à Relação para apreciação e decisão da questão da tempestividade do recurso de revisão que anteriormente se considerou prejudicada

Na sequência, a Relação reenviou os autos para a 1ª instância para apuramento dos factos relevantes para conhecimento da tempestividade do recurso.

Produzida aí a prova oferecida, foi proferida sentença que julgou tempestivo o recurso de revisão.

O recorrido interpôs depois recurso de apelação que a Relação julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Ainda inconformado, o recorrido interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitida, formulando as seguintes conclusões:

(…)

2. A questão fundamental de direito neste caso é a de saber se na determinação da tempestividade do recurso de revisão, quando o seu fundamento é a alínea e) do artigo 696º do CPC, (a falta de citação da Ré), sendo inquestionável que é a partir da data do conhecimento desse facto que se conta o prazo de prazo  de 60 dias para interpor recurso, é ou não relevante que o Administrador da Insolvência tenha tido conhecimento da pendência da acção objecto da revisão e do teor da sentença nela proferida.

3. Neste enquadramento considera o recorrente que o acórdão recorrido considerando irrelevantes para apreciação da tempestividade do recurso de revisão o conhecimento por parte do administrador de insolvência da pendencia da acção e ou da sentença nele proferida, contrariou por completo o decidido no anterior acórdão da Secção Cível da Relação de …… proferido a 20-12-2018, que, decidindo sobre a mesma matéria de facto e de direito, consignou no seu segmento decisório (referindo-se ao ora recorrido, a Massa Insolvente): “O recorrente alega que tal conhecimento ocorreu no dia 18-4-2016- cfr. arts 31 a 35 do requerimento de interposição do recurso de revisão. Por outro lado, o recorrido pretende demonstrar que tal conhecimento ocorreu anteriormente e se é certo que se refere à existência do processo e da sentença em causa não deixa igualmente de concretizar várias diligências que o pretendem comprovar. Destarte, porque não se trata de apreciar apenas uma questão de direito e porque a matéria alegada quer pela recorrente quer pelo recorrido não é irrelevante, só após o crivo da prova pode ser sopesada no seu justo e devido valor, factualidade alias que a decisão recorrida omitiu completamente. Donde impõe-se anular a decisão recorrida…".

4. A propósito parece ao recorrente ter de deixar consignado os seguintes factos dados como provados que -A Acção do ora recorrente (que foi objecto do recurso de revisão) deu entrada em 04-02-2011; -A firma aí R. foi citada em 17-02-2011; -A sentença a declarar a R. insolvente foi proferida em 09-09-2011; -esta sentença foi publicada 28-02-2011; -A sentença da acção foi proferida em 13-09-2011.

Dos autos de recurso de revisão, constam e estão juntos os seguintes documentos:

Docs 1 a 3: reclamação de crédito no processo de insolvência, dirigida ao Sr. Administrador, em 04.04.2011, com os fundamentos constantes na petição da acção que intentou contra a insolvente (que juntou e que começou a correr termos nas Varas Cíveis do …… sob o nº …….-….. vara, ….. secção e comprovativo de envio por carta registada e aviso de recepção;

Doc.4 e 4-A: resposta do Sr. Administrador de Insolvência ao recorrente, datada de 5-7-2011 e envelope que a continha;

Doc 5 e 5-A: resposta do recorrente de 18-07-2011, em que mais uma vez faz referência à sentença e prova de envio;

Doc 6 e 6-A: envio em 22-09-2011 ao Sr. Administrador de Insolvência da sentença e comprovativo de leitura;

Doc 7: envio em 22-09-2011 ao procº de insolvência da sentença;

Doc 8 e 8-A: notificação em 30-08-2011 do Sr. Agente de Execução ao recorrente de que o seu crédito não havia sido reconhecido e envelope que a continha;

Doc 9: impugnação judicial no processo de insolvência em 12-09-2011 nos termos do art.130º do CIRE em que se faz referência à acção e à sentença;

Doc 10: carta do Ex. mo Administrador de Insolvência ao recorrente datada de 26-09-2011 em que refere ter conhecimento da reclamação que havia sido apresentada e referida no doc. anterior;

Doc 11 e 11-A: carta do Ex. mo Administrador de Insolvência ao recorrente de 13-04-2015 e envelope que a continha a pedir a desocupação do imóvel;

Doc 12 e 12-A: resposta do recorrente de 04-05-2015 a recusar a sua entrega e a referir mais uma vez a existência da sentença e comprovativo de envio;

Doc 16, 17 e 17-A: requerimento enviado ao processo de insolvência e ao Administrador de Insolvência e comprovativo de envio em 17-01-2016, em que mais uma vez se refere a existência da sentença e por via dela o reconhecimento dos direitos por ela reconhecidos.

5. Ora, esses documentos juntos aos autos pelo ora recorrente a fls 71 a 92 e de fls 295 a 319, impõem decisão no sentido de ser considerada como provada essa matéria de facto e ainda a que consta dos itens 39, 40, 42, 43, 44, 48 e 49 da resposta ao recurso de revisão.

6. Em consonância, aliás, com a douta sentença recorrida na parte que refere “da documentação junta pelo recorrido a fls 71/92 e 295/319, tem o recorrente o pleno direito de retirar como óbvio que o Sr. Administrador teria conhecimento de ter sido intentada acção declarativa desde pelo menos 04.04.2011 e do teor da sentença proferida desde pelo menos 22.09.2011”.

7. Como também se não pode aceitar que se diga que…. "Destarte por não ter qualquer relevância jurídica substantiva, neste recurso a matéria relativa ao alegado conhecimento por parte do administrador da existência do processo e ou da sentença proferida no mesmo, e porque não é licito realizar no processo actos inúteis- art. 130.º do CPC forçoso é concluir que não há qualquer razão para apreciar a pretendida alteração da matéria de facto, de modo a incluir nela uma qualquer referência ao putativo conhecimento desta factualidade, pelo que não se atenderá à alteração pretendida pelo apelante no que respeita a dita matéria de facto".

8. Por considerar não ter qualquer relevância substantiva, neste recurso a matéria relativa ao alegado conhecimento por parte do administrador da existência do processo e ou da sentença proferida no mesmo, conclui que não há qualquer razão para apreciar a pretendida alteração da matéria de facto.

9. Tal entendimento contraria e está em oposição com o acórdão fundamento, de 21/12/2018, que, por considerar tal matéria relevante, mandou proceder à respetiva prova.

10. Muito respeitosamente, parece ao recorrente poder perguntar para que serviu a produção de prova mandada realizar por tal acórdão, se a recorrente/recorrida Massa Insolvente não fez qualquer prova e o acórdão de que se recorre não quer saber da prova produzida, considerando-a irrelevante?

11. A injusta e ilegal improcedência do recurso objecto destas alegações determinou pois que se passe a dar como aceitável não só a destruição do valor do caso julgado (a sentença proferida anos antes do recurso de revisão pelo …… juízo Cível do extinto Tribunal Judicial de …… que conferiu o direito ao ora recorrente), e por arrastamento directo, a destruição do valor da certeza e da segurança jurídica desse importantíssimo pilar da justiça com respaldo constitucional,

12. O Administrador de Insolvência, consegue fazer passar a ideia de que um profissional como o é um administrador judicial, com competências e atributos profissionais que não podem deixar de lhe ser exigidas e certificadas possa demonstrar e invocar tais atributos quando disso tem necessidade e a elas tem direito a fim de justificar a aptidão para o exercício da suas funções, competências que têm como pressuposto o domínio de conceitos e questões em matéria duma especificidade e profundidade técnicas inquestionáveis e, depois, em situações como no caso concreto em que tendo tido conhecimento duma sentença anos antes da dedução do seu recurso de revisão, conhecimento esse que adquiriu pois em tempo oportuno e com a antecedência tal que lhe permitiam diligenciar no sentido de procurar saber o que se passava, finja que não e exija ser admissível poder agora demitir-se por completo das responsabilidades inerentes ao seu cargo e às suas funções, e possa deixar de averiguar as razões que estão na base da prolação dessa sentença de que teve conhecimento integral anos e anos antes do seu recurso de revisão, invocando o que invocou para fugir ao seu dever de recorrer no momento oportuno da legalidade duma sentença invocando a nulidade, mas fazendo-o no prazo que dispunha para apresentar um recurso ordinário anos antes do recurso de revisão sempre esteve ao seu perfeito alcance. (…)

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso concedendo-se a revista e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, dando-se como provada a matéria de facto alegada, no sentido de se considerar que o Administrador de Insolvência em causa teve conhecimento da pendência da acção desde pelo menos 04.04.2011 e do teor da sentença proferida desde pelo menos 22.09.2011 e ser assim considerado improcedente o recurso de revisão por intempestividade, com as demais consequências.

A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir

II.

Questões a resolver:

Tendo sido reconhecida, em acórdão anterior do …. proferido nos autos, a verificação do fundamento do recurso de revisão – a nulidade da citação da ré – discute-se agora a tempestividade desse recurso.

III.

No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 04.02.2011 AA intentou contra BB, acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato promessa celebrado com a ré tendo por objecto a fracção identificada nos autos, condenando-se a ré no pagamento da quantia de €140.000,00 acrescida de juros de mora, desde a data em que recebeu tal valor, reconhecendo-se o direito de retenção sobre a fracção autónoma até integral pagamento.

2. A ré foi declarada insolvente em 09.02.2011.

3. Foi nomeado como Administrador da Insolvência da ré CC.

4. A ré foi citada por via postal na morada da sede, na pessoa de DD, em 17.02.2011.

5. Em 13.09.2011 foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré BB a pagar ao autor AA a quantia de €168.797,81, reconhecendo ao autor o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pelas letras "….." do prédio urbano denominado Edifício ………, inscrito na matriz predial sob art. ……., descrito na Conservatória do Registo Predial de …….. sob o nº ……… até integral pagamento-fls.50/59 dos autos principais.

6. O recurso de revisão foi apresentado pela Massa Insolvente de "BB" através de requerimento enviado em 24.05.2016.

IV.

Entendeu-se no anterior acórdão do ….. proferido nestes autos que a citação para a acção, ocorrida já depois da declaração de insolvência da ré, deveria ter sido efectuada na pessoa do administrador da insolvência, em substituição da ré insolvente. Tendo, mesmo assim, sido citada a ré, concluiu-se que o caso configura uma nulidade da citação, verificando-se o fundamento do recurso de revisão, previsto no art. 696º, al. e), i), do CPC.

Determinou-se, porém, o reenvio dos autos para a Relação a fim de que fosse apreciada e decidida a questão da tempestividade do referido recurso que anteriormente se havia considerado prejudicada.

É essa questão que agora se discute.

Está aqui em causa o prazo de 60 dias, contados desde que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, como se prevê no art. 697º, nº 2, al. c), do CPC.

A questão que o recorrente coloca é, num primeiro momento, fundamentalmente de facto: alegou factos e juntou documentos que, a seu ver, evidenciam que o administrador da insolvência teve conhecimento da pendência da acção, pelo menos, em 04.04.2011 e da sentença revidenda nela proferida, pelo menos, em 22.09.2011, entendendo que estes factos são relevantes para determinar o início da contagem do aludido prazo de 60 dias para interposição do recurso de revisão.

No acórdão recorrido não se acolheu esse entendimento. Com efeito, afirmou-se aí:

"Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Sustenta o recorrido que deve ser considerada como provada a matéria de facto julgada como não provada, isto é, que "a recorrente teve conhecimento da falta de citação da ré na pessoa do Sr. Administrador da Insolvência em momento anterior a 18-4-2016" e ainda como provada a que consta dos itens 39, 40, 42, 43, 44, 48 e 49 da resposta ao recurso de revisão.

Porém, e antes de mais importa referir que toda a matéria de facto que consta dos itens 39, 40, 42, 43, 44, 48 e 49 da resposta ao recurso de revisão, respeita ao putativo conhecimento por parte do Administrador da insolvência da existência do processo e ou da sentença proferida no mesmo, como aliás claramente o recorrido argumentou.

Contudo o facto que fundamenta o recurso de revisão é a falta de citação da ré, donde, o que importa indagar é o conhecimento deste facto, sendo por conseguinte irrelevantes para apreciação da tempestividade do recurso de revisão, que ora impõe apreciar, o conhecimento por parte do administrador de insolvência da pendência da acção e ou da sentença nele proferida, matéria a que se reportam os itens relevados.

Destarte, por não ter qualquer relevância substantiva, neste recurso a matéria relativa ao alegado conhecimento por parte do administrador da existência do processo e ou da sentença proferida no mesmo, e porque não é licito realizar no processo actos inúteis – art. 130º do CPC –, forçoso é concluir que não há qualquer razão para apreciar a pretendida alteração da matéria de facto, de modo a incluir nela uma qualquer referência ao putativo conhecimento desta factualidade, pelo que não se atenderá à alteração pretendida pelo apelante no que respeita à dita matéria de facto.

Ademais, pugna ainda o apelante para que se considere provado que "a recorrente teve conhecimento da falta de citação da ré na pessoa do Sr. Administrador da Insolvência em momento anterior a 18-4-2016" e, para o efeito, invoca o teor dos documentos juntos aos autos pelo ora recorrente e nos autos a fls. 71 a 92 e de fls. 295 a 319, não impugnados, para além do depoimento da testemunha EE.

Porém, não só os documentos nada referem sequer quanto à data da realização da citação, retirando-se tão só da sentença proferida que a então ré foi citada, como do depoimento da testemunha EE apenas se podia concluir que o sr. Administrador tinha conhecimento da acção.

Consequentemente, a pretensão do apelante só pode soçobrar in totum".

Crê-se que não se decidiu bem.

Afigura-se-nos, com efeito, que a análise e ponderação a efectuar não deve cingir-se a uma perspectiva tão formal, ao exigir-se uma prova directa do conhecimento da "falta" de citação do administrador da insolvência.

Como se acentuou no anterior acórdão do STJ proferido nos autos, está em causa na acção uma questão relativa a um bem compreendido na massa insolvente, devendo, após a declaração da insolvência, o administrador intervir na acção em substituição da insolvente, como decorre claramente do disposto nos arts. 81º, nº 4, e 85º, nº 3, do CIRE.

Dificilmente se compreende, por isso, a admitir-se a factualidade invocada pelo aqui recorrente, o alheamento do administrador da insolvência em relação ao curso da acção, pois, conhecendo os interesses que nela se debatiam, sabia que era ele quem nela deveria intervir ou passar a intervir, mesmo que não requeresse a apensação nos termos do nº 1 do citado art. 85º.

O prazo de 60 dias, previsto no art. 697º, nº 2, al. c), do CPC, é contado a partir da data em que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão.

Como se afirmou no Acórdão do …… de 15.03.2004 (Proc. ………), "para o efeito valerá a efectiva possibilidade do conhecimento efectivo daquele facto" E, assim, num caso, como o aí analisado, de citação edital, "a contagem do prazo iniciar-se-á a partir do momento em que o réu revel esteja em condições de poder apurar concretamente e com inteiro conhecimento de causa, se actuar com a diligência exigível, as razões que ditaram a sua citação edital".

A justificar esta interpretação, acrescentou-se:

"É esta, cremos, a interpretação que conduz a uma aplicação da lei simultaneamente mais justa e mais segura. Na verdade, não deve perder-se de vista que a destruição do caso julgado é encarada pelo legislador, em princípio, como um mal, já que, objectivamente, constitui sempre um atentado contra o princípio fundamental da segurança jurídica.

A sua transformação num bem ocorre apenas nas situações deveras excepcionais, graves e devidamente comprovadas, taxativamente previstas no art. 771º (actual art, 696º); situações em que, constatada a impossibilidade de conciliação prática entre ambos, terá de fazer-se prevalecer o princípio, também fundamental, da justiça".

Transpondo o referido critério para o nosso caso e admitindo-se a factualidade invocada no presente recurso, pensa-se que o prazo do recurso de revisão se deveria contar desde o momento em que o administrador da insolvência, actuando com a diligência que lhe era exigível, ficou efectivamente em condições de, através da consulta do processo ou da intervenção neste, conhecer os seus termos e, assim, também a invalidade da citação efectuada.

A consulta do processo constituiria, aliás, diligência mínima indispensável, tendo em conta o regime do art. 85º, nº 1. Por outro lado, a intervenção na acção é mesmo imposta legalmente, como se prescreve no nº 3 do mesmo preceito.

O que não se concebe – repete-se, a admitir-se a factualidade invocada neste recurso de revista – é que o administrador da insolvência, alertado para a pendência da acção, em que se discutiam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, tendo de tomar posição sobre a eventual necessidade de apensação ao processo de insolvência e sabendo que nela teria necessariamente de intervir, em substituição da insolvente, se tenha alheado completamente dessa acção e venha, decorridos quase cinco anos sobre a data da sentença aí proferida, de que lhe foi dado também imediato conhecimento, invocar a falta da sua citação como fundamento do recurso de revisão.

Perante o descrito circunstancialismo, não se subscreve a afirmação feita no acórdão recorrido de que a matéria de facto alegada neste recurso não assume "qualquer relevância substantiva", recusando, por isso, por inútil a reapreciação pretendida pelo recorrente.

Com todo o respeito, tendo em consideração as razões acima referidas, não entendemos assim.

Impõe-se, por isso, a anulação do acórdão recorrido, a fim de que seja reapreciada a matéria de facto alegada na impugnação formulada pelo recorrente.

Em conclusão:

1. Tendo sido reconhecido, como fundamento do recurso de revisão de sentença proferida em acção proposta contra entidade declarada insolvente, a "falta" de citação do administrador da insolvência, a contagem do prazo previsto no art. 697º, nº 2, al. c), do CPC deve iniciar-se a partir do momento em que esse administrador fica em condições de, actuando com a diligência exigível, tomar efectivamente conhecimento dessa falta.

2. Tendo a Relação recusado a reapreciação de factos invocados pelo recorrente para demonstrar a existência dessas condições, impõe-se a anulação do acórdão recorrido para que se proceda a tal reapreciação.

V.

 

Em face do exposto, anula-se o acórdão recorrido e, em consequência, determina-se que o processo seja remetido à Relação para reapreciação da matéria de facto impugnada pelo recorrente.

Custas segundo o critério a definir a final.

Lisboa, 24 de Novembro de 2020

F. Pinto de Almeida

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Proc. nº 122/11.2TVPRT-A.E2-A.S1
F. Pinto de Almeida (R. 365)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral