Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26469/20.9YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DA PROVA
COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
TESTEMUNHA
DEPOIMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DA RELAÇÃO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Constituindo a questão da mediação imobiliária a causa de pedir nos autos, sustentando a autora que havia contrato de mediação e que exerceu esse mandato de mediação, e negando a ré a existência do contrato e o exercício da mediação imobiliária pela autora, o tribunal recorrido ao decidir que não se provou que tivesse havido um contrato subscrito pela ré, relativo à mediação do negócio de aquisição do imóvel referenciado no ponto 1, não conheceu de questão que lhe estivesse vedado conhecer.

II - Na atividade de mediação imobiliária, “destinatário do serviço” é “a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária” um contrato de mediação, tanto podendo ser “destinatário do serviço” a vendedora ou a compradora no contrato de compra e venda do imóvel.

III - O “destinatário do serviço” ocupa, no contrato de compra e venda do imóvel, a posição contrária à de “cliente” nos serviços de mediação imobiliária.

IV - Só os “clientes” intervêm como contraparte na celebração do contrato de mediação com a “empresa habilitada”, sendo os “destinatários do serviço” aqueles a quem é proposto pela empresa habilitada, o negócio pretendido pelo cliente.

V - A existência de uma relação profissional não impede a prestação de depoimento como testemunha.

VI - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objeto de recurso de revista, exceto se houver ofensa de uma norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VII - No escrutínio que o STJ pode fazer sobre o uso dos poderes da Relação, não cabe a reapreciação da matéria de facto, o STJ não vai escrutinar se o que foi dado como provado pela Relação foi, ou não, bem dado como provado, ou seja, se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1. Em 31.3.2020 W2w, Work To Work, Unipessoal Lda apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra Rialesa -Investimentos Imobiliários, Lda, reclamando desta, a título de capital, a quantia de € 49 200,00, acrescida de € 651,06 a título de juros de mora, € 153,00 de taxa de justiça e € 1 250,00 a título de “outras quantias.”

Para fundamentar a sua pretensão a requerente alegou que no exercício da sua atividade comercial prestara à requerida serviços de mediação imobiliária, tendo logrado encontrado comprador para uma fração autónoma localizada em ..., que identificou, pertencente à requerida. A escritura de compra e venda realizou-se em 22.01.2020 e nela está mencionada a intervenção da requerente. Nos termos do contrato de mediação outorgado pelas partes a requerida ficou obrigada a pagar à requerente, a título de comissão, a quantia de € 40 000,00, acrescida de IVA. A requerente enviou à requerida a correspondente fatura, que a requerida não liquidou.

2. A requerida deduziu oposição, na qual negou ter celebrado com a requerente qualquer contrato de mediação imobiliária ou que esta lhe tivesse prestado quaisquer serviços por si contratados. Alegou que em março de 2019 contactou um mediador imobiliário de nome AA, com quem acordou verbalmente que a requerida lhe pagaria uma comissão de 2,5% sobre o preço da venda que este lograsse intermediar em relação ao prédio mencionado pela requerente. Ficou ainda acordado entre a requerida e o Sr. AA que, caso fosse necessário recorrer a outros parceiros para a venda do imóvel, o mesmo dividiria a sua comissão com o terceiro que fosse por ele contactado, não cabendo, assim, à requerida a responsabilidade de efetuar o pagamento de qualquer outra comissão que viesse a ser acordada. Lançando mão da sua rede de contactos AA estabeleceu uma parceria com BB, tendo ficado acordado entre eles que a comissão de 2,5% proposta pela requerida a AA seria dividida em partes iguais entre os dois, caso a mesma encontrasse um comprador e o negócio se concretizasse. BB apresentou ao legal representante da requerida um potencial interessado, com quem a requerida acabou por celebrar o contrato promessa de compra e venda do imóvel (em diante CPCV), pelo preço de € 580,000. Após a celebração do contrato-promessa a requerida pagou a BB o valor da comissão que havia sido acordada com AA, ou seja, € 16 605,00, incluindo IVA. Aquando da celebração da escritura de compra e venda, em 21.01.2020, a requerida tomou conhecimento que o interessado apresentado por BB à requerida teria vindo por intermédio de uma sociedade de mediação imobiliária, a aqui requerente, com a qual a requerida nunca teve qualquer contacto, nem celebrou qualquer contrato. Atento o facto de nunca ter contactado nem assumido qualquer obrigação para com qualquer representante da requerente, a requerida entendeu que qualquer eventual pagamento a ser efetuado à requerente seria feito por BB, por divisão da comissão já recebida por esta. A requerida nunca recebeu a fatura reclamada nos autos.

A requerida concluiu pela sua absolvição do pedido.

3. O processo foi distribuído ao Juízo Central Cível de ... como ação declarativa com processo comum e em 11.10.2021 foi dispensada audiência prévia, foi proferido saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

4. Realizou-se audiência final e em 15.07.2022 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a Ré RIALESA – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., a pagar à Autora, W2W, WORK TO WORK, UNIPESSOAL, LDA., a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida do IVA, à taxa legal em vigor à data dos factos, e juros de mora, vencidos, contados desde a citação, de natureza comercial, à taxa legal em vigor, contados desde a citação, bem como, dos vincendos até integral pagamento.


*


Valor da Ação: € 51.101,06 (cinquenta e um mil cento e um euros e seis cêntimos).

*


Custas a cargo da Autora”.

5. A R. apelou da sentença, vindo a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julga-se a ação não provada e improcedente, absolvendo-se consequentemente a R. do pedido.

As custas da ação e da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da A./apelante, que em ambas decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC)”.


*


Inconformada com o decidido pela Relação interpôs recurso de Revista, a autora, e conclui as alegações que apresenta:

“1. Vem o presente recurso interposto por erro na apreciação da prova, por parte do Tribunal a quo, com expresso atropelo da fixação da força probatória da confissão de um facto, por parte da R., ora Recorrida, que é favorável à A., ora Recorrente, e que implicavam decisão diferente (oposta) da que foi proferida;

2. Não tendo a R./Recorrida, como confitente, invocado e logrado provar falta ou vício da vontade na emanação da declaração confessória, os factos que a integram deveriam ter sido dado como plenamente provados, pelo que decidindo em sentido contrário, violou o Tribunal a quo o normativo ínsito dos artigos 352.º, 355.º n.º 4 e 358.º n.º 2, todos do Código Civil;

3. Tendo o Tribunal a quo fixado como provados factos que, per se, infirmam o depoimento do legal representante da R./Recorrida (e em que se estribou para concluir não se ter provado a celebração, por escrito ou verbalmente, do contrato de mediação imobiliária), permite hesitar sobre a interpretação adoptada na apreciação da matéria de facto, por aparente desvio de raciocínio, chegando a um resultado que traduz dois sentidos distintos (neste caso opostos), o que resulta na ambiguidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.;

4. Ao não representar a expressão “destinatário do serviço”, consignada no n.º 5 do art.º 2.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, como a de “ (…) terceiros que, por alguma forma entram em contacto com a empresa de mediação, interessados no contrato que o cliente desta deseja celebrar, mesmo na fase anterior a essa celebração (…) ”, como refere Higina Orvalho Castelo (in Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária Anotado, ed. 2015, pág. 56), o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação dessa disposição legal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 674.º do C.P.C.;

5. O presente recurso visa, também, o segmento do Acórdão onde se procedeu à alteração do facto considerado provado pela Sentença do Tribunal da Primeira Instância (sob o n.º 5) onde constava que “A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fracção autónoma referida em 1., o qual veio a adquiri-lo nas circunstâncias aí referidas”, para facto não provado (sob o n.º 2), bem como, naturalmente, a decisão final subsequente, dado o nexo de prejudicialidade;

6. Depois de consignar que está plenamente provado, por confissão do representante legal da Ré, que tinha ocorrido a intervenção da A. na qualidade de mediadora no negócio de compra e venda objecto da escritura, o Tribunal a quo vem levantar a questão de quem era o cliente da A., se a compradora, a R., ou ambas, questão essa que não foi suscitada por nenhuma das partes, nem pela A., nem pela Ré, quer na sua contestação quer nas suas alegações de recurso, nem resulta de quaisquer meios de prova, extravasando, por isso, a matéria submetida à sua apreciação, o que integra o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.;

7. Os contactos perpetrados pela A./Recorrente entre a R./Recorrida e o comprador do imóvel que angariou, resultam do exercício da sua profissão, como diz o Senhor Conselheiro António Joaquim Piçarra: “O mediador é um intermediário que aproxima as partes no negócio, põe-nas em presença e facilita o negócio, mas não actua por conta de nenhuma das partes e nunca representa qualquer delas no negócio que vem a ser celebrado.” – cfr. Acórdão do S.T.J. de 15/05/2020 (doc. n.º 5223/05.3TBOER.L1.S1) disponível em www.dgsi.pt

8. Do depoimento do legal representante da compradora, apreciado e não posto em crise pelo Tribunal recorrido, resultou que aquele visitou o imóvel acompanhado pela representante legal da A., ora Recorrente, do qual tinha as chaves, e que esta lhe disse que ainda não tinha o contrato de mediação assinado mas que o iria receber na escritura, conforme explicitado nas alegações;

9. Ora, conforme nos ensina o Senhor Conselheiro Azevedo Ramos: “Para ter direito à comissão, é suficiente o mediador ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do contrato.” – cfr. Acórdão do S.T.J. de 20/04/2004 (doc. n.º SJ200404200008006) disponível em www.dgsi.pt;

10. Dizer que estava distraído e não prestou atenção, não é forma idónea de o legal representante da R./Recorrida demonstrar os factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade do erro/vício que pretendia esgrimir face à confissão por si feita, como era o seu ónus, pelo que ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 247, n.º 1; 251.º e 342.º, todos do Código Civil;

11. No depoimento prestado em Tribunal, o legal representante da R./Recorrida declarou que a sua consultora, BB, aquando da leitura da declaração sobre a mediação do negócio por parte da A./Recorrente, feita pela Notária, lhe terá referido “(…) isto é por causa da licença imobiliária (…) tinha pessoas que me conhecem e que me arranjaram (…) vou precisar de pagar mais, isto não chega (…)” significa, em termos lógicos e de acordo com a experiência da vida, que foi a A./Recorrente que ‘arranjou’ o comprador para o imóvel, e não o contrário;

12. Dos factos (n.ºs 6 e 7) considerados provados pelo Tribunal recorrido está consignado, respectivamente, que “BB interveio na formalização do negócio referido em 1. da matéria de facto, tendo estabelecido contactos com a A. nesse sentido” e que “Em 09.12.2019 a R. pagou a BB a quantia de € 16.605,00, incluindo IVA, a título de comissão pelos serviços prestados por aquela na concretização do negócio referiso em 1., tendo BB emitido, com data de 04.12.2019, a respectiva fatura-recibo em nome da R., aí mencionando que o pagamento se reportava a serviços de ‘consultoria’. ”

13. Existia uma relação profissional entre a referida senhora BB e a representante legal da A./Recorrente, como resulta das alegações de recurso da própria R./Recorrida onde é feita a referência a correspondência electrónica entre estas, e onde a representante legal da A./Recorrente lhe diz “Aguardo que me digas o que vamos fazer com o CMI” (Contrato de Mediação Imobiliária), conforme explanado nas alegações supra.

14. De todos os intervenientes no processo de compra e venda do imóvel referido nos autos, apenas a A./Recorrente é mediadora imobiliária credenciada e certificada, e por isso apta ao exercício da respectiva profissão, pelo que é forçoso concluir que só esta o poderia ter intermediado.

15. Dos factos em questão, como supra demonstrado nas alegações, resulta inequívoca a existência legal de uma declaração tácita de aceitação de uma proposta contratual de mediação imobiliária, pelo que ao decretar não se ter provado que a A., ora Recorrente, tinha celebrado um contrato com a R., o Tribunal a quo violou o disposto n.ºs 1 e 2 do art.º 217.º do Código Civil.

NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, POR PROVADO E, COMO CONSEQUÊNCIA, SER CONCEDIDA A REVISTA, PROFERINDO-SE ACÓRDÃO QUE REVOGANDO O DECIDIDO PELA TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, REPRISTINE A SENTENÇA DO TRIBUNAL DA PRIMEIRA INSTÂNCIA NA ORDEM JURÍDICA, MAS VOSSAS EXCELÊNCIAS, COLENDOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS, MAIS SABEDORES DESTAS COISAS DO DIREITO, SUPERIORMENTE DECIDIRÃO!”.

Responde a ré concluindo:

“1. O presente Recurso de Revista Excecional tem como fundamento o erro na apreciação da prova, por parte do tribunal a quo, e consequentemente da fixação da força probatória da alegada confissão – que inexiste – por parte da Ré, ora Recorrida.

2. Sucede, porém, que não se encontram preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do mesmo.

3. A Revista Excecional pressupõe a sua admissibilidade nos casos em que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, como consequência da ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

4. Em concreto, entende a Recorrente que “Tendo ambos os outorgantes da escritura pública declarado, perante a notária, que o negócio que titulava a transmissão efectuada foi objecto de intervenção de mediador imobiliário denominado “W2W – Work to Work, Unipessoal, Lda.”, com a licença número nove mil e dezoito – AMI, e não tendo a Ré, ora Recorrida (uma das outorgantes da escritura e, como tal, declarante) invocado falta ou vício da vontade na emissão dessa declaração, deveria tal facto ser dado como plenamente provado (artigos 352.º, 355.º n.º 4, 358.º n.º 2, todos do Código Civil).” e ainda que,

5. “foi o violado no disposto no n.º 5 do art.º 2.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, porquanto os factos fixados no acórdão recorrido se subsumem, no seu conceito e função,”

6. Sucede que, nenhum dos pressupostos para a admissibilidade do presente Recurso de Revista Excecional se encontra preenchido: i) não foi dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; ii) não foram desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no sistema jurídico português.

7. O artigo 371.º do Código Civil, que regula a força probatória dos documentos autênticos dispõe que “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

8. Ou seja, nos termos da referida disposição legal, figurando na escritura pública que os outorgantes declararam que a compra e venda foi mediada por uma empresa de mediação imobiliária, do valor probatório pleno desse documento apenas resulta provado que a declaração foi feita; essa prova plena não abrange a veracidade do conteúdo da afirmação, comoa Recorrida faz crer.

9. Ademais, da declaração proferida pelos outorgantes não resulta quem contratou a Recorrida.

10. Não existindo fundamento para a interposição do presente Recurso, apenas poderá entender-se tal interposição como uma tentativa de que este Tribunal aprecie um erro (inexistente face ao fundamento do Acórdão recorrido) na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

11. O que sabe, não pode ser objecto de recurso.

12. Sempre se dirá que, bem andou o Tribunal da Relação ao decidir como fez, pois, conforme tem sido defendido pela “a escritura púbica só faz prova plena de que foi feita aquela afirmação; não faz prova plena da sua veracidade, isto é, de que efectivamente esse "negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário”.

13. Pelo que, não foram desrespeitadas as normas que regulam a força probatória da alegada confissão da Recorrida.

14. Por outro lado, e relativamente à violação do disposto no n.º 5 do art.º 2.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, também não se compreende de que modo é subsumível no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil

15. Com efeito, determina aquele dispositivo legal que “Considera-se destinatário do serviço, para efeitos do número anterior, a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado.”

16. Contudo, inexiste qualquer violação pois os factos fixados no Acórdão recorrido não se subsumem no seu conceito e função.

17. A Recorrente não demonstrou, como deveria, que prestou serviços a pedido da Recorrida, nem qual o alegado valor da comissão acordado, sendo certo que lhe cabia a demonstração de tais factos.

18. O depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Recorrida, conjugado com as declarações de parte prestadas pelo legal representante da Recorrida e com a prova documental junta quer pela Recorrida, quer pela Recorrente, sustentam a tese esgrimida pela Recorrida nos presentes Autos.

19. Não logrando a Recorrente demonstrar que o Contrato de Mediação Imobiliária junto aos Autos havia sido assinado quer pelo legal representante da Recorrida, quer por algum outro representante da mesma, é o mesmo nulo, nos termos da Lei aplicável.

20. Inexistindo Contrato de Mediação Imobiliária e não se demonstrando que tenha havido qualquer acordo entre Recorrente e Recorrida para a prestação de quaisquer serviços, não se pode concluir que a Recorrida é devedora da Recorrente de qualquer quantia.

21. Por conseguinte, deve concluir-se pela inexistência do contrato de mediação imobiliária (ou qualquer outro), escrito ou verbal, confirmando o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Nestes termos e nos demais de direito deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, assim fazendo V. Exas. a acostumada Justiça!”.


*


O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Mostram-se apurados nos autos os seguintes factos (após alteração da matéria de facto pelo Tribunal recorrido):

“1. Por escritura pública, datada de 22-01-2020, celebrada no cartório notarial da Notária ..., a Ré declarou vender e CC declarou comprar, a fração autónoma com a letra “LX”, correspondente ao 5.º andar – lojas 68/69 e salas 20/21 do escritório, sito na Rua ..., inscrito na matriz do prédio urbano, sob o artigo 3º, da freguesia de ..., pelo valor de quinhentos e oitenta mil euros.

2. Da escritura pública referida em 1., consta que, pelos Outorgantes foi dito “(…) que o negócio que titula a presente transmissão foi objeto de intervenção de mediador imobiliário denominado “W2W Work To Work Unipessoal Lda.”.

3. A Autora emitiu a Fatura n.º 4153/10, emitida em 22-01-2020, vencida em 22-01-2020, no valor de € 49.200,00 (quarenta e nove mil e duzentos euros).

4. A fatura referida em 3. foi enviada pela Autora à Ré e por esta recebida.

5. Em data anterior a dezembro de 2019 a R., através do seu representante legal, contactou o mediador imobiliário AA e, posteriormente, por intermédio de AA, BB, tendo em vista encontrar comprador para o imóvel referido em 1.

6. BB interveio na formalização do negócio referido em 1 da matéria de facto, tendo estabelecido contactos com a A. nesse sentido.

7. Em 09.12.2019 a R. pagou a BB a quantia de € 16 605,00, incluindo IVA, a título de comissão pelos serviços prestados por aquela na concretização do negócio referido em 1., tendo BB emitido, com data de 04.12.2019, a respetiva fatura-recibo em nome da R., aí mencionando que o pagamento se reportava a serviços de “consultoria”.

Factos não provados

1. Que o documento particular datado de 21.01.2020, denominado de Contrato de Mediação Imobiliária, constante dos autos a fls. 19 a 20., tenha sido assinado pelo representante legal da Ré.

2. A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fração autónoma referida em 1., o qual veio a adquiri-la nas circunstâncias aí referidas.

3. Para o efeito as partes acordaram uma retribuição de € 40.000,00 (quarenta mil euros)”.


*


Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – artigo 635º do Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam:

- Erro na apreciação da prova, com expresso atropelo da fixação da força probatória da confissão de um facto.

- Aparente desvio de raciocínio do julgador, relativamente ao depoimento do legal representante da R./Recorrida, chegando a um resultado que traduz dois sentidos distintos (neste caso opostos), o que resulta na ambiguidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.

- Errada interpretação da expressão “destinatário do serviço”, consignada no n.º 5 do art.º 2.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.

- Erro na alteração do facto considerado provado pela Sentença (sob o n.º 5) onde constava que “A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fracção autónoma referida em 1., o qual veio a adquiri-lo nas circunstâncias aí referidas”, para facto não provado (sob o n.º 2), bem como, naturalmente, a decisão final subsequente, dado o nexo de prejudicialidade.

- Excesso de pronúncia por “o Tribunal a quo vem levantar a questão de quem era o cliente da A., se a compradora, a R., ou ambas, questão essa que não foi suscitada por nenhuma das partes”.

- Dos factos (n.ºs 6 e 7) considerados provados pelo Tribunal recorrido resulta que influenciou a motivação do tribunal recorrido, BB que tinha uma relação profissional com a representante legal da A./Recorrente.

- A existência legal de uma declaração tácita de aceitação de uma proposta contratual de mediação imobiliária


*


A recorrente pretendendo alegar e demonstrar a ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto acaba por confundir esse erro com nulidade por omissão ou excesso de pronuncia pelo julgador, no acórdão recorrido.

Sendo que para a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, por tribunal superior, terá a impugnação de observar os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

No caso vinham observados esses ónus e o Tribunal recorrido apreciou a matéria da impugnação e, julgou parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto no recurso de apelação.

Relevante nesta fase do processo é, face ao decidido pela Relação quanto à matéria de facto, saber se se verificou, ou não, erro de julgamento da matéria, relativamente ao facto concreto da existência, ou não, de um contrato entre a autora e a ré.

- Porque a autora alegou na petição que havia celebrado com a ré um contrato de mediação imobiliária nos termos do qual a ré se obrigou a pagar à autora uma comissão no valor de € 40 000,00 pela prestação de tais serviços, mas na sequência de parcial procedência da impugnação da decisão de facto, a Relação deu como não provado que a autora houvesse celebrado com a ré um tal contrato.

- Porque a ré negou ter celebrado com a autora qualquer contrato de mediação imobiliária ou que esta lhe tivesse prestado quaisquer serviços por si contratados.

No recurso de revista, a recorrente vem alegar a verificação de nulidade por excesso de pronúncia porque “o Tribunal a quo vem levantar a questão de quem era o cliente da A., se a compradora, a R., ou ambas, questão essa que não foi suscitada por nenhuma das partes”.

O Tribunal recorrido conheceu do facto de saber quem era cliente da autora, e esta não era questão de que não pudesse tomar conhecimento.

No recurso de apelação vinha impugnada a matéria dos pontos 4 a 6 dos factos provados, questionando, nomeadamente, o ter-se dado como provado que a pedido da ré a autora encontrou um interessado na aquisição da fração autónoma referida no ponto 1.

A questão de quem foram os intervenientes no contrato de mediação invocado pela autora colocava-se desde a fase dos articulados, negando a ré que houvesse contratado com a autora a intermediação desta na aquisição daquele imóvel.

Assim, não se pode considerar que o Tribunal recorrido ao decidir que não se provou que tivesse havido um contrato subscrito pela ré, relativo à mediação do negócio de aquisição do imóvel referenciado no ponto 1 dos factos provados, tivesse conhecido questão que lhe estava vedado conhecer pela alínea d), parte final, do nº 1, do art. 615º, do CPC.

A questão da mediação imobiliária constituía a causa de pedir nestes autos, sustentando a autora que havia contrato de mediação e que exerceu esse mandato de mediação, negando a ré a existência do contrato e o exercício da mediação imobiliária pela autora.

Pelo que improcede a nulidade alegada no recurso de revista.

O erro de julgamento não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que implique a nulidade da sentença (acórdão), pode é, ser tomado em consideração em sede de apreciação de mérito.

Neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-2017, no Proc. nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, que refere : “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.

E já se lhe referia o Prof. A. Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146, nos seguintes termos: “(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer” (sublinhado nosso).

Pelo que não se verifica o apontado vício de excesso ou de omissão de pronúncia, enquanto vício de natureza puramente formal - que é do que cuida exclusivamente o artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, nas suas diversas alíneas.

O art. 2º, nº 5, da Lei n.º 15/2013 de 8 de fevereiro (estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária) dispõe: “5- Considera-se destinatário do serviço, para efeitos do número anterior, a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado”.

E a recorrente alega que no acórdão recorrido se verifica errada interpretação da expressão “destinatário do serviço”.

“Destinatário do serviço” é “a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária” podendo ser a vendedora ou a compradora e ocupará no contrato de compra e venda do imóvel a posição contrária à de “cliente” nos serviços de mediação imobiliária.

Temos que não tem razão a recorrente porque, o que estava em causa, era apurar quem era “cliente” da autora, ou seja, quem foi a pessoa (coletiva) com quem a autora celebrou o contrato de intermediação imobiliária e, a esta matéria respeita o nº 6 do mesmo preceito, “6- É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária”.

Em https://eportugal.gov.pt/, portal de serviços públicos define-se a atividade de mediação imobiliária como “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes - através de celebração de contrato - destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”.

No caso concreto, este contrato de mediação podia ter sido celebrado entre a empresa habilitada (no caso a autora) e, tendo como contraparte (cliente) a vendedora ou a compradora do imóvel. E é esta contraparte que não se encontra definida nos autos, ou melhor, encontra-se definido que, no caso, não era cliente a ré, porque ao facto “2. A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fração autónoma referida em 1., o qual veio a adquiri-la nas circunstâncias aí referidas”, a resposta foi não provado (sublinhado nosso).

Só os “clientes” intervêm como contraparte na celebração do contrato de mediação com a “empresa habilitada”, sendo os “destinatários do serviço” aqueles a quem é proposto pela empresa habilitada, o negócio pretendido pelo cliente.

E foi, face à não prova do facto de se saber se a ré era “cliente” ou “destinatária do serviço” de mediação que a Relação passou o facto nº 5 dos provados pela 1ª Instância, “5. A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fração autónoma referida em 1, o qual veio a adquiri-la nas circunstâncias aí referidas” para facto nº 2 dos não provados, “2. A pedido da Ré, a Autora encontrou um interessado na aquisição da fração autónoma referida em 1, o qual veio a adquiri-la nas circunstâncias aí referidas”.

Não releva ou importa qualquer erro na apreciação da prova haver factos considerados provados pelo Tribunal recorrido por influência da motivação do depoimento de BB que tinha uma relação profissional com a representante legal da A./Recorrente.

A existência de uma relação profissional não impede a prestação de depoimento como testemunha.

Nos termos do nº 1 do art. 495º, do CPC, têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que tiverem aptidão mental para depor sobre os factos que constituam objeto da prova e, nos termos do art. 496º, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.

E ao juiz cabe verificar a capacidade natural das pessoas arroladas como testemunhas, para avaliar da admissibilidade e da credibilidade do respetivo depoimento.

E cabe à parte contra a qual for produzida a testemunha o poder de, se assim entender, impugnar a admissão, conforme arts. 514º e 515º, do CPC.

Assim, considerado válido o depoimento desta testemunha, e analisado o mesmo criticamente pelo juiz, pode ser fundamento da convicção que o tribunal formou.

Ao juiz cabe apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto, com exceção daqueles para cuja prova a lei exija formalidade espacial e aqueles que só podem ser provados por documentos ou que já se encontram plenamente provados por documentos ou por acordo ou confissão das partes- art. 607º, nº 5 do CPC, o que não é o caso.

Sendo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objeto de recurso de revista, exceto se houver ofensa de uma norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 674º, nº 3, do CPC, o que também não é o caso.

E o constante do facto 2 dos provados, constar da escritura que os outorgantes disseram “(…) que o negócio que titula a presente transmissão foi objeto de intervenção de mediador imobiliário denominado “W2W Work To Work Unipessoal Lda.” não faz qualquer prova, para efeitos de saber quem era “cliente” e quem era “destinatário do serviço” do serviço de mediação imobiliária exercido pela autora.

E a prova de quem é “cliente” no contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária pela “empresa habilitada” pode ser efetuada por qualquer meio de prova, desde que com força suficiente e convincente para o juiz que livremente a apreciará.

Relativamente ao depoimento do legal representante da R./Recorrida e ao alegado aparente desvio de raciocínio do julgador, enquadra-se na já referida livre apreciação do julgador.

Trata-se de declaração de parte – art. 466º, do CPC, livremente apreciada pelo Tribunal, a par da demais prova produzida, já que não constitui confissão.

E vedada a este STJ imiscuir-se nessa livre apreciação, conforme art. 674, nº 3, do CPC, já enunciado.

No escrutínio que o STJ pode fazer sobre o uso dos poderes da Relação, não cabe a reapreciação da matéria de facto, o STJ não vai escrutinar se o que foi dado como provado pela Relação foi, ou não, bem dado como provado, ou seja, se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida.

Não compete ao STJ a possibilidade de controlo sobre o uso (ou não uso) que a Relação fez dos poderes que lhe são concedidos, não pode interferir face ao julgamento de facto feito pela Relação, quando esta age ao abrigo do princípio da livre apreciação de meios de prova, seja esta a prova testemunhal, documental ou pericial, atuação essa da Relação que, nos termos do art. 674º, nº 3, 1.ª parte do CPC, é insindicável através do recurso de revista.

A competência normal do STJ incide sobre a aplicação do direito aos factos fixados pelas instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674º, nº 1 al. a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo; o que significa que não cabe no âmbito dos poderes do STJ uma reapreciação das provas sujeitas à livre apreciação do julgador.

Face ao exposto verifica-se que não há fundamento para se atender a alegação da recorrente de que há erro na apreciação da matéria de facto.

Suscita a recorrente na sua alegação a existência legal de uma declaração tácita de aceitação de uma proposta contratual de mediação imobiliária.

Não está em causa que a autora recorrente estava legalizada e habilitada a exercer a atividade de mediação imobiliária.

Não está em causa que a autora teria tido alguma intervenção de mediação no contrato de compra e venda do imóvel assinalado nos autos. Como consta do ponto 2 dos factos provados, “2. Da escritura pública referida em 1., consta que, pelos Outorgantes foi dito “(…) que o negócio que titula a presente transmissão foi objeto de intervenção de mediador imobiliário denominado “W2W Work To Work Unipessoal Lda.”.

Em causa está que a intervenção da autora, como mediador imobiliário, tivesse consistido em serviços prestados à ré e a pedido desta.

Já supra se referiu que não se provou que a ré fosse “cliente” no contrato de mediação, resultando claro do ponto nº 2 dos factos não provados, do qual consta que não se provou que a pedido da ré, a autora tivesse encontrado um interessado na aquisição da fração autónoma referida em 1.

Face a este facto não provado não se pode entender, como pretende a autora/recorrente que existiu uma declaração tácita de aceitação de uma proposta contratual de mediação imobiliária.

Pelo que há-de improceder o recurso.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I- Constituindo a questão da mediação imobiliária a causa de pedir nos autos, sustentando a autora que havia contrato de mediação e que exerceu esse mandato de mediação, e negando a ré a existência do contrato e o exercício da mediação imobiliária pela autora, o Tribunal recorrido ao decidir que não se provou que tivesse havido um contrato subscrito pela ré, relativo à mediação do negócio de aquisição do imóvel referenciado no ponto 1, não conheceu de questão que lhe estivesse vedado conhecer.

II- Na atividade de mediação imobiliária, “destinatário do serviço” é “a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária” um contrato de mediação, tanto podendo ser “destinatário do serviço” a vendedora ou a compradora no contrato de compra e venda do imóvel.

III- O “destinatário do serviço” ocupa, no contrato de compra e venda do imóvel, a posição contrária à de “cliente” nos serviços de mediação imobiliária.

IV- Só os “clientes” intervêm como contraparte na celebração do contrato de mediação com a “empresa habilitada”, sendo os “destinatários do serviço” aqueles a quem é proposto pela empresa habilitada, o negócio pretendido pelo cliente.

V- A existência de uma relação profissional não impede a prestação de depoimento como testemunha.

VI- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objeto de recurso de revista, exceto se houver ofensa de uma norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VII- No escrutínio que o STJ pode fazer sobre o uso dos poderes da Relação, não cabe a reapreciação da matéria de facto, o STJ não vai escrutinar se o que foi dado como provado pela Relação foi, ou não, bem dado como provado, ou seja, se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida.

Decisão:

Face ao exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção em julgar o recurso improcedente, negando-se a revista e mantendo o acórdão recorrido

Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 04 de julho de 2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator

António Magalhães - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 2º adjunto