Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
735/17.9T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: TRABALHO EM FERIADO
TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
NORMA IMPERATIVA
IRCT
INTERPRETAÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS / PRESTAÇÕES RELATIVAS A DIA DE FERIADO.
Legislação Nacional:
BTE N.º 36 DE 29.09.1998, CLÁUSULAS 36.ª E 37.ª;
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 269.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 04-05-2011, PROCESSO N.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 28-10-2014, PROCESSO N.º 692/11.5TBPTG.E1.S1.


-*-


ACÓRDÃO DO TRUBUNAL CONSTITUCIONAL:


-DE 24-10-2013, ACÓRDÃO N.º 602/2013.
Sumário :

I. Nas relações contratuais laborais em que seja aplicável o CCT celebrado entre a BB – e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições), publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998, devem ser aplicadas as cláusulas 37ª e 36ª à remuneração do trabalho prestado em dia feriado, seja obrigatório seja concedido pelo empregador, a partir 01 de janeiro de 2015, dia seguinte ao do fim da sua suspensão, determinada pelo artigo 7º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, e alterada pela Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho, por ter voltado a vigorar nas suas totalidade e plenitude e, ainda, por não ter sido revogado e nem caducado.

II. Aquela norma suspendeu de 01 de agosto de 2012 a 31 de dezembro de 2014, as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que dispunham sobre retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.

III. A norma do artigo 269º, do CT, não é imperativa e nem afasta a aplicação de IRCT’s, dada a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do artigo 7º, n.º 5, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 24 de outubro, e sua posterior revogação pelo artigo 3º, da Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho.

IV. A cláusula 37ª consagra um regime único e uniforme para o trabalho normal prestado nos dias feriados nas empresas, não fazendo qualquer distinção entre os feriados que coincidem e os que não coincidem com o dia de descanso do trabalhador, e nem entre as empresas, se dispensadas ou se obrigadas a suspender o seu funcionamento nesses dias.

V. O trabalho assim prestado é sempre havido como trabalho suplementar e deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, pois ao montante que resultar da fórmula de cálculo estabelecida no n.º 2, da cláusula 36ª, para o qual remete a cláusula 37ª, acresce, ainda, “a retribuição mensal do trabalhador”.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 735/17.9T8CBR.C1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório[2]:

“Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes Similares do Centro”, instaurou, em 27 de janeiro de 2017, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – Juízo do Trabalho, Juiz 2, a presente Ação Declarativa de Condenação, com processo comum, contra “AA, Lda.”, pedindo que seja:

1. Declarado que aos trabalhadores ao serviço da R., associados do A., após 2 de janeiro de 2015, no pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado se aplica o disposto nas cláusulas 37.ª e 36.ª do CCT celebrado entre a BB– e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições) publicados no BTE n.º 36 de 29.09.1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15.08.2000 e n.º 5 de 08.02.2003, com Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15/10/2003 e a R. condenada neste reconhecimento:

2. Declarada ilícita a aplicação pela R. aos trabalhadores associados do A., após 2 de janeiro de 2015, da forma de pagamento prevista no art.º 269.º do CT para pagamento do trabalho prestado em dia feriado;

3.  A Ré condenada no pagamento aos trabalhadores associados do A. do trabalho prestado em dia feriado após 2 de janeiro de 2015 de acordo com o disposto nas cláusulas 37.ª e 36.ª do CCT celebrado entre a BB– e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições) publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15.08.2000 e n.º 5  de 08.02.2003, com Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15.10.2003, isto é,  com um acréscimo de 200%.

                Para tal, articulou, em síntese, o seguinte:

- A Ré, até agosto de 2012, sempre pagou aos seus trabalhadores associados do A., o trabalho prestado em dia feriado com acréscimo de 200%, de acordo com o IRCT aplicável;

- Contudo, desde janeiro de 2015, deixou de pagar esse dia da forma descrita, passando a pagar de acordo com o art.º 269.º do Código do Trabalho;

- A Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, suspendeu, até 31 de dezembro de 2014, as disposições de IRCT´s, que entraram em vigor antes 1 de agosto de 2012 e que determinassem o pagamento de acréscimos ao trabalho suplementar, superiores aos estabelecidos no Código do Trabalho;

- Parte desta Lei foi declarada inconstitucional, com  força obrigatória geral, e nela se estipulava que essa suspensão somente se verificava até 31 de dezembro de 2014;

- Terminando a suspensão, a Ré tinha que voltar a proceder aos pagamentos do trabalho prestado em dia feriado da mesma forma que fazia anteriormente;

- O que não sucedeu.

               

               A audiência de partes foi realizada, mas não houve conciliação.
                                                                                                                                                            

               

               A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

- Excecionou a ilegitimidade do A. para ser parte na ação;
- Invocou a ineptidão da petição inicial por falta da causa de pedir e do pedido;
- Impugnou o valor da ação;
- Afirma que aplica, à generalidade dos seus trabalhadores o CCT, celebrado entre a “BB” e a  “FETESE”, e

- Que nos estabelecimentos onde prestam funções os seus associados não está obrigada a suspender o funcionamento aos feriados;
- Razão, pela qual, o trabalho prestado aos feriados, quando tal não coincida com o dia de descanso do trabalhador, nem as horas prestadas extrapolem o horário de trabalho previsto para esse dia, não é trabalho suplementar, mas sim trabalho normal em dia feriado, com um regime remuneratório específico.

           

               O Autor apresentou articulado, em resposta às exceções deduzidas pela Ré, deduziu incidente de valor da causa, e manteve tudo o que alegara na petição inicial.

               Feito o saneamento do processo, no qual se decidiu o incidente do valor da ação e as exceções deduzidas, procedeu-se à audiência de julgamento.

               Depois de decidida a matéria de facto provada, e não provada, por sentença, proferida em 25 de julho de 2017, julgou-se a ação totalmente procedente e, em consequência:

1. “Declar[ou-se] que aos trabalhadores ao serviço da R., associados do A., após 2 de janeiro de 2015, no pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado se aplica o disposto nas cláusulas 37.ª e 36.ª do CCT celebrado entre a “BB – Associação da Restauração e Similares de Portugal” – e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições)”, publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15.08.2000 e n.º 5 de 08.02.2003, com Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15/10/2003, sendo a R. condenada neste reconhecimento.

2. Conden[ou-se] a Ré – “AA, Lda.” –, no pagamento aos trabalhadores associados do A. – “Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e similares do Centro”, de todo o trabalho prestado em dia feriado após 02 de janeiro de 2015, com um acréscimo de 200%, a liquidar em incidente de execução de sentença.”


II

           Inconformada com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão da matéria de facto [ponto n.º 3 – não provado; ponto n.º 5 – alterado] e, tendo em conta o disposto no artigo 269º, n.º 2, do Código do Trabalho[3], conjugado com o disposto nas cláusulas 36ª e 37ª, do CCT, invocados pelo Autor, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos contra si deduzidos.           

Por acórdão de 21 de fevereiro de 2018, foi a apelação julgada totalmente improcedente [também o foi quanto à impugnação da matéria de facto], e, consequentemente, confirmou-se integralmente a sentença impugnada, embora com diferente fundamentação.

III

      Novamente inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, invocando a inexistência de dupla conforme, por a sentença ter sido confirmada, mas por fundamentação, essencialmente, diversa, alegando que, no caso em apreço, não é aplicável o CCT, mas sim o regime do CT/2009.

              Concluiu a sua alegação da seguinte forma:

1. “Vem o presente recurso interposto do Acórdão de fls._,[4] nos termos do qual o Tribunal a quo concluiu, embora com outra fundamentação, julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da sentença impugnada.

2. O presente recurso é admissível de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 629.°, n.ºs 1 e 3 (a contrario) do artigo 671.° do Código de Processo Civil, e n.º 1, do artigo 44.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

3. Entendeu o Tribunal a quo que o recurso deveria improceder atendendo à interpretação que fez do CCT aplicável, não chegando a analisar o recurso da ora recorrente na parte relativa aos usos laborais referidos pela primeira instância.

4. No entanto, improcedendo a condenação com base nos usos laborais, deveria prevalecer a análise do tribunal de primeira instância acima citada: "[a]ssim, numa primeira abordagem, dir-se-ia ser-lhe aplicável o regime consignado no citado n.º 2 do art.º 269.° do CT, afastando assim a aplicabilidade das mencionadas Cl'as 36.° e 37° do CCT, aquando do trabalho dito normal prestado em dia feriado" (cf. sentença recorrida, página 10).

5. Deu-se como provado que a R. não está obrigada a suspender o funcionamento aos feriados no estabelecimento onde prestam funções os associados do A. (Facto Provado 6),

6. Razão pela qual, o trabalho prestado aos feriados, quando tal dia não coincida com o dia de descanso do trabalhador, nem as horas prestadas extrapolem o horário de trabalho previsto para esse dia, não é trabalho suplementar, mas sim trabalho normal em dia feriado, com um regime remuneratório específico.

7. As cláusulas referidas pelo A. apenas têm aplicação, no caso da R., quando se trate de trabalho suplementar em dia feriado que coincida com o dia de descanso do trabalhador, quando se trate de trabalho prestado em dia feriado em estabelecimento não dispensado de encerrar nesse dia, ou ainda, quando se trate de trabalho suplementar em dia feriado que extrapole o horário de trabalho previsto para esse dia.

8. Não se verificando nenhuma das referidas situações, tem aplicação o disposto no Código do Trabalho nesta matéria, isto é, o n.º 2 do artigo 269.° do Código do Trabalho.

9. Sendo certo que os pagamentos efetuados pela R. extrapolam inclusivamente o acréscimo de 50%, tendo em conta que procede ao pagamento de um acréscimo de 100% da retribuição correspondente, ou seja, o pagamento total desse dia é feito a 200%.

10. O trabalho normal prestado em dia feriado não se encontra, de todo, regulado no CCT em análise, não se vislumbrando de que modo é que o respetivo regime teria tido a virtualidade de afastar o regime do Código do Trabalho,

11. Atendendo, desde logo, a que o Código de Trabalho de 2003 é inclusivamente posterior ao “CCT AHRESP-FESAHT”.

12. O CCT apenas regula o trabalho suplementar prestado em dia feriado, isto é, o trabalho prestado em dia feriado que coincida com o dia de descanso do trabalhador, o trabalho prestado em dia feriado em empresa não dispensada de encerrar nesse dia, ou o trabalho em dia feriado que extrapole o horário normal para esse dia.

13. O CCT não regula o regime aplicável ao trabalho normal em dia feriado, isto é, o trabalho prestado em dia feriado por trabalhador de empresa dispensada de suspender a atividade aos feriados.

14. A tal matéria apenas poderá ser aplicado o regime do Código do Trabalho conforme acima referido, por inexistir regime paralelo nos CCT’s aplicáveis.

15. Trata-se de um regime especial que apenas passou a vigorar com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, e que até então não tinha paralelo na nossa legislação.

16. Existem diversas decisões judiciais neste sentido, algumas das quais foram juntas aos autos pela R., ora Recorrente.

17. Deverá a R., nos termos de todo o exposto, e sem mais, ser absolvida da totalidade dos pedidos por totalmente improcedentes.

18. Ainda que assim não se entendesse, tão pouco se poderia aceitar a interpretação do A. relativamente às cláusulas em análise.

19. O dia feriado quando é dia de trabalho normal já se encontra incluído e pago na retribuição mensal, apenas sendo devido um acréscimo no caso de existir prestação de trabalho nesse dia.

20. Tanto assim é, que no caso do regime do Código do Trabalho, conforme já referido, o trabalho em dia feriado poderá dar apenas lugar, por opção do empregador, a um descanso compensatório de 50% do tempo trabalhado, precisamente porque o dia de trabalho em si mesmo já se encontra pago na retribuição mensal.

21. Neste sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto e a própria “AHRESP”, conforme consta dos autos.

22. Não existe qualquer dúvida que a R., ora Recorrente, procede ao pagamento dos feriados de acordo com o previsto no CCT AHRESP-FESAHT, isto é, atendendo a que o dia de trabalho já é pago a 100% na retribuição mensal, e ao acréscimo de 100% efetuado pela R., tal dia acaba por ser pago a 200% conforme reclamado pelo A.

23. Nos termos de todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser alterada, absolvendo-se a R., ora Recorrente, da totalidade dos pedidos, por legalmente infundados, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 269.° do Código do Trabalho em conjugação com as cláusulas 36.ª e 37ª do CCT invocado pelo A.

24. Tão pouco se poderia entender que a presente situação se pudesse incluir num "uso laboral”.

25. Isto porque, ainda que se entendesse que a R., ora Recorrente, havia procedido ao pagamento de trabalho normal em dia feriado aos associados do A. com um acréscimo de 200%, é indiscutível que tal só ocorreu num curto período de tempo perfeitamente determinado.

26. Por outro lado, como bem referido pelo tribunal de primeira instância, a forma de cálculo de tal pagamento sofreu alterações ao longo do tempo, fruto de alterações e interpretações legislativas.

27. Sendo incontestável que a forma de pagamento do trabalho normal em dia feriado é uma questão há muito discutida na doutrina e na jurisprudência, sendo defendidas várias posições sobre o assunto.

28. O que está em causa não é o pagamento de uma retribuição regular e constante aos trabalhadores, mas antes, a forma de cálculo de uma retribuição totalmente eventual e extraordinária.

29. Tal retribuição apenas existirá hipoteticamente, se e quando, um associado do A. se encontre naquela situação específica, ou seja, quando de acordo com o respetivo horário de trabalho em vigor esteja obrigado a trabalhar num dia feriado como um dia de trabalho normal.

30. Por se tratar da forma de cálculo de uma retribuição hipotética, a qual, por si só, tem suscitado diversas dúvidas na doutrina e na jurisprudência, tendo chegado a sofrer alterações imperativas impostas por lei, não se pode aceitar que se possa inclui na definição de "usos laborais".

31. A definição de usos é clara e unívoca - uma mera prática social, a que falta a convicção de obrigatoriedade.

32. Não ficou demonstrado (nem sequer foi alegado pelo Tribunal a quo), que faltasse à R., ora Recorrente, a convicção de obrigatoriedade desse pagamento.

33. Careceria o A. de ter provado que tal pagamento, alegadamente geral, teria sido feito espontaneamente pela R., sem a convicção de que estaria obrigada ao mesmo.

34. O que ficou provado foi apenas que a R. teria procedido ao cálculo de um determinado montante e que, posteriormente, teria alterado a forma de cálculo atendendo, nomeadamente, a pareceres da AHRESP juntos aos autos.

35. O que se depreende é que os pagamentos feitos pela R., ora Recorrente, a terem ocorrido, foram efetivamente por erro, ou seja, por entender, erradamente, que tais valores eram legalmente devidos e que o cálculo correto era esse.

36. Nestes termos, além de se ter tratado de uma questão totalmente nova suscitada pelo tribunal de primeira instância, a verdade é que não foi feita qualquer prova que permita concluir pela existência de qualquer atuação consciente por parte da R., no sentido de atribuir um qualquer benefício aos trabalhadores,

37. Nem, muito menos, foi feita qualquer prova quanto à alegada confiança ou expectativa criada na generalidade dos associados do A.

38. De acordo com todo o exposto, por não se verificarem provados os requisitos dos usos laborais, a sentença recorrida teria sempre de ser alterada, não podendo proceder a condenação da R. com base em tal fundamento.”

             Finaliza, pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, se revogue o acórdão recorrido, que a condenou.

~~~~~

               O Autor contra-alegou, em resposta à questão da (in)admissibilidade do fundamento da revista, dizendo que:

§ O acórdão recorrido tem como fundamento a interpretação e aplicação da Cl.ª 37.ª do CCT aplicável, referindo a final que "sem necessidade de se aquilatar sobre se os usos laborais levam á solução a que chegou a 1ª instância.".

§ Esta fundamentação, de forma sucinta e secundária, foi acolhida pela 1.ª instância.

§ Na verdade, consta na sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, que “[a] Cl.ª 37.ª do CCT em questão apenas faz referência em "trabalho prestado em dias feriados" não operando qualquer distinção entre empresas não obrigadas a suspender o funcionamento e aquelas que suspendem ou interrompem o funcionamento, sendo certo que a própria R. só em janeiro de 2015 veio a operar tal distinção/dicotomia na fórmula de pagamento.

§ A fundamentação da sentença em 1.ª instância, está alicerçada em termos substancialmente idênticos à do acórdão recorrido, ou seja, quer a primeira instância, quer a segunda instância entendem que o pagamento do trabalho prestado em dias feriados pelos associados do recorrido5, ao serviço da recorrente, se encontra sujeito ao regime previsto na Cl.ª 37.ª do CCT aplicável e deve ser pago a 200%.

§ A 1.ª instância dá mais importância aos "usos laborais" e o Tribunal da Relação dá mais importância aos elementos interpretativos.

§ Tendo acórdão confirmado, sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1.ª instância e não havendo voto de vencido no acórdão, estamos perante dupla conforme, pelo que o presente recurso é inadmissível, nos termos do artigo 671º, n.º 3, do CPC.

§ A Recorrente não invoca nem alega nenhuma das situações previstas no artigo 672º, do CPC, pelo que não recorreu de revista excecional.

~~~~

.              Quanto ao mérito do recurso, alega que deve ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida a condenação da recorrente nos termos constantes do acórdão recorrido.

               Para o efeito, alega, que as normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho, salvo quando delas resultar o contrário (artigo 3º, n.º 1, do CT).

                O pagamento do trabalho suplementar previsto no CT, pode ser afastado por IRCT (artigo 268º, n.º 3, do CT).

~~~~~~~~~

               É a Recorrente quem levanta a questão da admissibilidade do seu recurso [primeiras conclusões] à qual o Autor responde nas suas contra-alegações.

                Sendo assim, não há que cumprir o determinado no artigo 655º, n.º 2, do CPC.

IV

Parecer do Ministério Público:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto parecer no sentido de se conhecer do recurso, por inexistir dupla conforme, dada a fundamentação essencialmente diversa nas duas decisões, e no sentido de se negar a revista por o acórdão recorrido ter feito uma correta aplicação das disposições legais e contratuais aplicáveis.

Notificado às partes, não houve qualquer resposta.

V

            Questão prévia da (in)admissibilidade do recurso:

        O Autor aduz que este recurso é inadmissível por haver dupla conforme.

                Para o Mº Pº o recurso é admissível por a fundamentação das duas decisões ser essencialmente diferente.

               Refere o Autor que a fundamentação da sentença da 1.ª instância, está alicerçada em termos substancialmente idênticos à do acórdão recorrido, pois quer a primeira instância, quer a segunda instância entendem que o pagamento do trabalho prestado em dias feriados pelos associados do recorrido, ao serviço da recorrente, se encontra sujeito ao regime previsto na Cl.ª 37.ª do CCT aplicável e que deve ser pago a 200%, sendo que a 1.ª instância deu mais importância aos "usos laborais" e o Tribunal da Relação “aos elementos interpretativos”.

               O recurso foi admitido por despacho singular do, aqui, Relator, proferido em 2018.05.23.
               No caso concreto, não existe dupla conformidade por a fundamentação de ambas as decisões ser essencialmente diversa, embora tenham chegado à mesma decisão.

              Com efeito, o caminho por ambas trilhado e percorrido para chegar a essa conclusão não foi, na sua essência, o mesmo.

                Na 1ª instância, a decisão proferida assenta no facto de todo o trabalho prestado em dia feriado, pelos associados do Autor, ter sido remunerado pela Empregadora, até agosto de 2012, com um acréscimo de 200%, e, por isso, ter criado nos trabalhadores a expectativa de que todo o trabalho efetuado em dia feriado seria remunerado de acordo com as Cláusulas 36ª e 37ª, ambas do CCT aplicável, e não nos termos do artigo 269º, n.º 1, do CT, o que constitui um “uso laboral”.

                Sendo, esse uso instituído na empresa, fonte de direito, e dado o princípio da irredutibilidade da retribuição, não podia aquela, unilateralmente, ter alterado a forma do seu cálculo, diminuindo o valor da retribuição dos trabalhadores.

               Já o acórdão recorrido alcançou a mesma decisão, com fundamento na aplicação direta do regime decorrente do CCT aplicável, que se mantém em vigor, tendo-se apelado às regras da interpretação das Cláusulas ínsitas em IRCT, como fonte de direito.

               Acresce que o acórdão recorrido não tomou qualquer posição “sobre se os usos laborais levam à solução a que chegou a 1ª instância”.

               Neste mesmo sentido pronunciou-se o acórdão de 28 de outubro de 2014, proferido no Processo n.º 692/11.5TBPTG.E1.S1, deste Supremo Tribunal de Justiça, cujo sumário é o seguinte:

a) Inexiste dupla conforme, obstativa da admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, se a questão apreciada pelo acórdão da Relação não foi minimamente tratada pela 1.ª instância,

b) Se a Relação apreciou uma questão nova, ainda que de conhecimento oficioso, não se verifica a dupla conforme obstativa da admissibilidade do recurso de revista – mesmo que confirme a sentença de 1.ª instância –, pelo que a apreciação da admissibilidade do recurso de revista caberá ao Relator a quem o processo vier a ser distribuído.

 

Inexistindo, assim, dupla conforme é a presente revista admissível pelo que improcede esta questão prévia.


VI

                Do recurso de revista:  

                Tendo a ação sido proposta em 27 de julho 2017 e o acórdão recorrido proferido em 21 de fevereiro de 2018, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.

                O objeto do recurso:

· Saber se o trabalho prestado, pelos trabalhadores associados do Autor, em dia feriado, não coincidente com o seu dia de descanso, e em empresa não obrigada a encerrar nesse dia, deve ser remunerado com o acréscimo de 200% de acordo com a Cláusula 37ª, do CCT aplicável.

~~~~~~

         Da matéria de facto:

                - A matéria de facto dada por provada pelas instâncias é a seguinte[5]:


1. “O A. encontra-se filiado na FESAHT;
2. A R. encontra-se filiada na AHRESP;
3. Aos associados do A., a R., até pelo menos agosto de 2012, aplicava o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a BB – e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições), publicado no BTE n.º36 de 29.09.1998, com as alterações constantes nos BTEs n.º 30 de 15.08.2000 e n.º 5 de 08.02.2003, com Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15/10/2003, pagando a estes trabalhadores o trabalho prestado em dia feriado com um acréscimo de 200%.
4. O A. tem associados a prestar trabalho para a R. em vários refeitórios e cantinas, concretamente todos aqueles identificados na relação/declaração, os quais prestam trabalho para a R. no ..., na Maternidade ... e nos ....
5. Desde 2 de Janeiro de 2015 que a R. paga aos seus trabalhadores associados do A. o trabalho prestado em dia feriado de acordo com o previsto no Código do Trabalho, quando tal não coincida com o dia de descanso do trabalhador, nem as horas prestadas extrapolem o horário de Trabalho previsto para esse dia.
6. A R. não está obrigada a suspender o funcionamento aos feriados nos estabelecimentos onde prestam funções os associados do A.”

~~~~~~

            O Direito:

         - Remuneração do trabalho prestado em dia feriado, pelos trabalhadores associados do Autor, em empresa não obrigada a encerrar nesse dia, como é o caso da Ré, com o acréscimo de 200% de acordo com a Cláusula 37ª, do CCT aplicável?

               Ficou provado que a Ré, até pelo menos agosto de 2012, aplicava o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB” e a “FESAHT”, publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15.08.2000 e n.º 5 de 08.02.2003, com Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15/10/2003, aos trabalhadores associados do Autor, pagando-lhes o trabalho prestado em dia feriado com um acréscimo de 200%.

              Também se provou que, desde 2 de janeiro de 2015, a R. paga, aos seus trabalhadores associados do A. o trabalho prestado em dia feriado de acordo com o previsto no Código do Trabalho, quando tal não coincida com o dia de descanso do trabalhador, nem as horas prestadas extrapolem o horário de Trabalho previsto para esse dia.

               O pagamento do trabalho prestado em dia feriado está previsto no artigo 269º, do CT, e, no caso em apreço, também na cláusula 37ª, que remete para a cláusula 36ª, ambas do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB” e a “FESAHT”, publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998, aqui aplicável, com alterações posteriores e com Portaria de Extensão.                                                                                                           

               Ora, estipulava o artigo 269.º, do CT, na sua versão originária, que, nas prestações relativas a dias feriados, o trabalhador tinha direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a pudesse compensar com trabalho suplementar [n.º 1], e que, caso o trabalhador prestasse trabalho normal em dia feriado, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, tinha ele direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador [n.º 2].

                Esta versão vigorou até 01.08.2012, dada a nova redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25/06.

                Assim sendo, determina, agora, o artigo 269º, do CT, que o trabalhador tem direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a possa compensar com trabalho suplementar [n.º 1] e que o trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia tem direito a descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador [n.º 2].

               Fazendo o confronto entre as duas versões, verifica-se que o n.º 2, foi alterado, pela Lei n.º 23/5012, de 25 de junho, no sentido de reduzir para metade a duração do descanso compensatório e o acréscimo remuneratório devidos, em alternativa, pelo trabalho normal prestado em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia [na redação anterior previa-se o direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100%; na atual estabelece-se o direito a descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50% da retribuição correspondente].

               

               Acresce que a Lei n.º 23/2012, não se limitou a reduzir a retribuição do pagamento do trabalho prestado em dia feriado, pois obrigou que essa diminuição tivesse carácter imperativo em relação às cláusulas dos IRCT’s que dispusessem sobre o assunto.

               Com efeito, de acordo com o disposto do artigo 7º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na redação dada pela Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho, ficaram suspensas de 01 de agosto de 2012[6] a 31 de Dezembro de 2014, as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que dispunham sobre retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.

~~~~~~

               No caso concreto, as cláusulas 37ª e 36ª, do CCT celebrado entre a “BB” e a “FESAHT”, ficaram suspensas de 01 de agosto de 2012 a 31 de dezembro de 2014.

                Têm o seguinte teor:


Cláusula 37.ª

(Feriados)

               1 — O trabalho prestado em dias feriados quer obrigatórios, quer concedidos pela entidade patronal, será havido como suplementar e pago nos termos dos n.ºs 2 e 3 da cláusula anterior, sendo R a remuneração do trabalho prestado em dia de feriado que igualmente acrescerá a retribuição mensal do trabalhador.

               Por sua vez, dada a remissão para a cláusula 36ª, a sua retribuição é calculada da seguinte forma:


Cláusula 36ª

(Retribuição do trabalho prestado em dias de descanso semanal)

               2 - O trabalho prestado em dias de descanso semanal será havido como suplementar e remunerado, em função do número de horas realizadas, de acordo com a fórmula seguinte, acrescendo o respetivo valor à retribuição mensal do trabalhador: R=(RH×N)×2 sendo:
- R=remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal;
- RH=remuneração da hora normal;
- N=número de horas trabalhadas.

                3 - Quando o trabalhador realize pelo menos quatro horas de trabalho em dia de descanso semanal, o pagamento será feito por todo o período diário, sem prejuízo de maior remuneração, quando este seja excedido.

~~~~


               Terminado o período de suspensão, ou seja, a partir de 01 de janeiro  de 2015 os IRCT’s em causa voltaram a vigorar na sua plenitude e na sua totalidade, dada a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do artigo 7º, n.º 5, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho[7], pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 24 de outubro, e sua posterior revogação pelo artigo 3º, da Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho.

Não tendo, o CCT celebrado entre a BB e a FESAHT, sido revogado, por acordo das partes, e nem cessado por caducidade[8], finda a suspensão em 31 de dezembro de 2014, voltou o mesmo, a partir de 1 de janeiro de 2015, a estar em vigor na  sua totalidade, incluindo as suas cláusulas 37ª e 36ª, pelo que devia a Ré continuar a aplicá-lo aos seus trabalhadores, associados do Autor, como o fazia antes dessa suspensão temporária.

Por outro lado, os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho são fonte do direito do trabalho, disciplinadora do contrato de trabalho, que não podem contrariar normas legais imperativas[9], mas que, em regra, podem afastar as normas legais reguladoras do contrato de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário[10].

As normas que respeitem ao descanso compensatório por trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado e as relativas à remuneração do trabalho prestado em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, não têm carácter imperativo e delas resulta o seu afastamento.

Deste modo, podem ser alteradas por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho por outras que, nomeadamente, sejam mais favoráveis para os trabalhadores, sendo que estando, tais matérias, correlacionadas com os direitos dos trabalhadores ao repouso, à conciliação da sua atividade com a sua vida pessoal e familiar e à proteção da família, são naturalmente mais propensas para serem objeto de negociação coletiva.
 
               Conclui-se que o CCT aplicável, após o fim da suspensão, ordenada ao abrigo do artigo 7º, n.º 4, alínea b), da Lei 23/2012 de 25 de junho, devia continuar a ser aplicado, agora no seu todo, como vinha sendo antes da mencionada suspensão, uma vez que ainda se encontrava, e encontra, vigente.

               De acordo com as cláusulas 37ª e 36º, do CCT, o trabalho prestado em dia feriado é havido como suplementar e deve ser remunerado com um acréscimo de 200%.

~~~~~~

Alega a Ré que o mencionado CCT apenas regula o trabalho suplementar prestado em dia feriado, isto é, aplica-se somente ao trabalho prestado em dia feriado que coincida com o dia de descanso do trabalhador, o trabalho prestado em dia feriado em empresa não dispensada de encerrar nesse dia, ou o trabalho em dia feriado que extrapole o horário normal para esse dia.

Pelo que só, em tais casos, é que tem que remunerar os seus trabalhadores associados do Autor de acordo com o estatuído nas cláusulas 37ª e 36ª, do CCT.

Ora, não estando, segundo ela, o regime do trabalho normal em dia feriado, isto é, o trabalho prestado em dia feriado por trabalhador de empresa dispensada de suspender a atividade aos feriados, regulado naquele CCT, o seu regime apenas poderá ser o do Código do Trabalho.                                                  

~~~~~~~~

Há que interpretar, pois, a cláusula 37ª.

VEJAMOS:

            A nível jurisprudencial, está consolidado o entendimento que a interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras própria da interpretação da lei, devendo partir-se do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser o ponto de partida da atividade interpretativa uma vez que através dela se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes desse CCT.

               

               Também se tem entendido que o enunciado da cláusula funciona igualmente como teto interpretativo pois não pode ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.

              Assim, a sua interpretação há de ser feita seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico [este a impor que o sentido da norma se determine pelo “ratio legis”] -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto [letra] da lei.               

               Como refere o acórdão de 04.05.2011 [Processo n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1][11], o Supremo Tribunal de Justiça, tem entendido que, na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

               A interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a dar uma orientação legislativa para esse efeito.

               Dispõe ele que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2); além disso, “n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

               

                Ora, a cláusula 37ª, n.º 1, tem a seguinte redação:

- “O trabalho prestado em dias feriados quer obrigatórios, quer concedidos pela entidade patronal, será havido como suplementar e pago nos termos dos n.ºs 2 e 3 da cláusula anterior, sendo R a remuneração do trabalho prestado em dia de feriado que igualmente acrescerá a retribuição mensal do trabalhador”.

               

               Do seu teor literal, claro e concreto, resulta que a sua abrangência é ampla e total, abarcando todo o trabalho prestado em qualquer dia feriado, obrigatório ou concedido pelo empregador, ou seja, são havidas como trabalho suplementar, e calculado de acordo com a fórmula constante do n.º 2, da cláusula 36ª, todas as situações de trabalho prestado em dias que sejam feriados e em todo o tipo de empresas.               

               A sua formulação não permite qualquer outra interpretação e nem qualquer distinção entre os dias feriados, nomeadamente, entre os que coincidem e os que não coincidem com o dia de descanso do trabalhador, e nem distinção entre as empresas em que é prestado, se dispensadas ou se obrigadas a suspender o seu funcionamento nesses dias.

Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.

Na cláusula interpretanda, está consagrado um regime único e uniforme para o trabalho prestado em todos os dias feriados e para todas as empresas.

Adita-se, ainda, que, como está provado, esta era a interpretação e o entendimento também da Ré até, pelo menos, agosto de 2012, isto é, até ao início da suspensão provisória das cláusulas 37ª e 36 ª, por efeito do disposto no artigo 7º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho.

Com efeito, a Ré aplicou o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a BB e a FESAHT aos seus trabalhadores, associados do Autor, pagando-lhes o trabalho prestado em qualquer dia feriado com um acréscimo de 200%.

Conclui-se, assim, que a cláusula 37ª do CCT em causa, abrange, também, o trabalho prestado em dia feriado coincidente com dia normal de trabalho e em empresas dispensadas de encerramento nesse dia.

~~~~~~

               Por fim, resulta do teor dessas mesmas cláusulas que o sobredito trabalho deve ser remunerado de acordo com a fórmula de cálculo estabelecida no n.º 2, da cláusula 36ª, sendo que a esta remuneração acresce, ainda, “a retribuição mensal do trabalhador”.

                O trabalho prestado em dia feriado, em que seja aplicável o CCT aqui considerado, é remunerado com um acréscimo de 200%, o que a Ré não põe em causa.

VII
      
                A Ré alega, ainda, que não se provou que era uso laboral da empresa o modo e a forma como remunerou, até agosto de 2012, o trabalho prestado em dia normal de trabalho feriado.

               Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre esta questão, porque chegou à mesma solução a que chegou a 1ª instância através de outra via.

               Com efeito, diz o acórdão que “sem necessidade de se aquilatar sobre se os usos laborais levam à solução a que chegou a 1ª instância, na interpretação que fazemos das normas legais e convencionais   aplicáveis, a apelação deve ser julgada improcedente”.

               Ficou, assim, prejudicado o seu conhecimento pela fundamentação diversa usada pelo Tribunal da Relação, e aqui sufragada, para chegar à mesma solução – artigos 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º, todos do CPVC.,

VIII

            Deliberação:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a revista e, em consequência, manter o acórdão recorrido;
b. Condenar a Recorrente/Ré nas custas da revista.
c. Notifique.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.
~~~~~~

                                                                                                          Lisboa, 12 de julho de .2018

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

_____________________________
[1] - N.º 021/2018 – (FP) – CM/PH
[2] - Relatório feito com base nos relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[3] - Doravante CT.
[4]  - Conforme o original.
[5] - A matéria de facto não foi alterada pelo Tribunal da Relação.
[6] - Data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho.
[7] - A sua redação era a seguinte: “5 - Decorrido o prazo de dois anos referido no número anterior sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
A Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho, prorrogou a suspensão até 31 de dezembro de 2014.
[8] - Artigos 501º e 502º, ambos do CT. 
[9] - Artigo 478º, n.º 1, alínea a), do CT.
[10] - Artigos 2º e 3º, nºs 1 e 3, ambos do CT.
[11]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/344677bf068efefd802578870032bc5f?OpenDocument.