Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4232/20.7T8OER.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DA HERANÇA
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
PREENCHIMENTO DO QUINHÃO
ACORDO
LEGÍTIMA
CONFERÊNCIA
DIREITO SUBSTANTIVO
DIREITO ADJETIVO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROPRIEDADE PRIVADA
VOTO DE VENCIDO
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O nº 1, do artº 48º, do RJPI, com a redacção anterior à introduzida pelo artigo 8º da Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, não pode colidir com o principio da intangibilidade da legítima (art.º 2163.º do CC);

II. Não pode decidir-se por maioria a composição do quinhão legitimário do herdeiro que não participa na conferência preparatória do RJPI, por via da adjudicação de bens ou lotes aos herdeiros votantes, ficando para o não votante o remanescente (total ou parcialmente).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. Em processo de inventário que corre termos [iniciado em meados de 22 de Julho de 2015 e em Cartório Notarial de AA, com o n.º .../15, posteriormente – na sequência de oposição deduzida e da suscitação da questão da incompetência territorial do Cartório Notarial - transitado para o Cartório Notarial de BB] com vista à partilha da herança aberta por óbito de CC, e sendo nele interessados DD [filho do inventariado], EE [Cabeça-de-casal e filho do inventariado] e FF [filha do inventariado], organizado que foi – em 31/10/2020 - o mapa da partilha e notificados os interessados nos termos e para os efeitos do artigo 63.º da Lei n.º 23/2013 de 05 de Março (RJPI) [não tendo sido requerida qualquer rectificação ou reclamação], foram os autos remetidos – por despacho de 18/12/2020 - à Meritíssima Juiz da Comarca ... – Juízo Local Cível ..., vindo a ser proferida em 6/1/2021 a seguinte decisão homologatória da partilha:

“No âmbito do presente inventário n.º ...5 que correu termos no Cartório Notarial ..., para partilha de bens em consequência do óbito de CC, os interessados alcançaram um acordo sobre a partilha dos bens, concretizando os bens e valores adjudicados a cada um dos interessados.

Ao abrigo do disposto no art.º 66.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013 de 5 de Março (RJPI), homologo por sentença o acordo de partilha, adjudicando aos interessados os respectivos bens pela forma por eles acordada, sendo devidas tornas nos termos elencados no mapa.

Custas em partes iguais pelos interessados (art.º 67.º, n.º 1 do RJPI). Registe e notifique.

..., ds”


2.  Notificado da decisão/sentença indicada em 1., veio DD, não se conformando com a mesma, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 66.º do RJPI, interpor RECURSO para o Tribunal da Relação ....


3. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e proferiu acórdão onde consta o seguinte dispositivo:

Em face de tudo o supra exposto,

acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação ..., em, julgando improcedente a apelação interposta pelo interessado DD:

confirmar decisão/sentença recorrida.

Custas da Apelação a cargo do recorrente.”


4.  DD, inconformado com o acórdão proferido no âmbito do recurso de apelação, veio dele interpor recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, com efeito suspensivo e subida imediata nos autos.

Formulou as seguintes conclusões:

“1 – O Acórdão em crise viola o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, na medida em que permite à maioria dos herdeiros sobrepor-se à lei e à vontade do inventariado adjudicando para eles, e a seu belo prazer, os bens que lhes interessam deixando para o minoritário o sobrante;

2 – A questão tem merecido por parte da doutrina e da jurisprudência opiniões e decisões distintas da que foi tomada no Acórdão ora em crise, exigindo-se clarificação da questão através de uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPC;

3 – A questão reveste também particular relevância social, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do CPC, na medida em que, a manter-se a posição defendida no Acórdão ora em crise, o Recorrente será tratado de forma desigual relativamente aos irmãos simplesmente por lhes ter sido permitido fazer a composição dos seus quinhões como bem entenderam e por valores muito abaixo dos reais, prejudicando, desse modo, a legítima do Recorrente;

4 – O recurso de revista excecional do Acórdão proferido nos autos supra referenciados justifica-se, considerando, por um lado, estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, por estarem em causa interesses de particular relevância social;

5 – A adjudicação dos bens imóveis pelo valor patrimonial desvirtuou a repartição dos bens, com claro prejuízo para o Recorrente, como, de resto, os irmãos sempre pretenderam;

6 – O disposto no artigo 2163.º do Código Civil não permitia que fossem retirados do quinhão do Recorrente os bens imóveis da herança, adjudicados ao Cabeça de Casal e à outra Interessada, por deliberação destes, mancomunados, tomada na conferência preparatória;

7 – O artigo 48.º do RJPI é inconstitucional por violar o princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP), conjugado com o direito à propriedade privada (cfr. artigo 62.º da CRP);

8 – O artigo 48.º do RJPI permite que os interessados possam deliberar, por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, sobre importantes matérias como a designação das verbas que devem compor o quinhão de cada herdeiro, a aprovação do passivo e a forma do cumprimento dos legados e demais encargos da herança, limitando, de forma significativa, os direitos do herdeiro que não esteja de acordo com tal deliberação e prejudicando uma partilha igualitária entre todos os herdeiros;

9 – O princípio de igualdade equivale à proibição do arbítrio;

10 – Com a aplicação da regra da maioria de dois terços, apenas interessa saber o número de titulares do direito à herança, individualmente considerados, e não as respectivas quotas hereditárias, para, na conferência preparatória, ser deliberado sobre as referidas matérias, por maioria de dois terços dos interessados presentes, vinculando os ausentes, mesmo que as quotas hereditárias sejam desiguais;

11 – Nos presentes autos, o quinhão hereditário do Recorrente, que devia ser igual ao dos irmãos, ficou sob o domínio destes, através da intervenção da maioria dos contitulares;

12 – A possibilidade de a maioria dos herdeiros poder impor a atribuição de determinados bens da herança, com menos interesse, aos herdeiros minoritários, causa evidente perturbação na justiça por estes passarem a ser titulares do direito de propriedade de bens não desejados;

13 – A decisão maioritária sobre a partilha dos bens da herança ofende, de forma grave, o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, bem como os princípios da igualdade e da propriedade privada, constitucionalmente protegidos;

14 – A lei não assegura um tratamento igualitário a todos os interessados nas várias fases do processo de inventário, não garantindo sequer, na deliberação tomada na conferência preparatória, uma intervenção decisória correspondente aos quinhões, sendo individualizada, por cabeça, mesmo que os quinhões não sejam iguais;

15 – Nenhuma das “válvulas de escape do sistema” funcionou nos presentes autos, não tendo sido cumprido o princípio de uma partilha equilibrada e igualitária;

16 – Ao ser esvaziado o quinhão hereditário do Recorrente por força da decisão dos irmãos de adjudicação dos bens por eles desejados, pode concluir-se que a aquisição, por essa via, ofende, intoleravelmente, o princípio constitucional à propriedade privada plasmado no artigo 62.º, n.º 1 da CRP;

17 – Ao permitir que a maioria dos herdeiros possa impor a atribuição de determinados bens da herança, com menos interesse, aos herdeiros minoritários, o artigo 48.º do RJPI não garante um processo de inventário equitativo nem a tutela efectiva dos direitos dos herdeiros, violando o princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da CRP;

18 – Tratar de forma igual situações que são desiguais, em questões que contendem directamente com a forma da partilha dos bens entre os herdeiros, viola os princípios da igualdade e do direito a um processo equitativo e justo, sendo, portanto, o referido artigo 48.º materialmente inconstitucional;

19 – O regime contemplado no artigo 48.º do RJPI era errado e o legislador viria a reconhecer esse erro, abandonando-o no novo regime introduzido pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que regressou ao regime da unanimidade;

20 – Decidindo como decidiu o Acórdão em crise permitiu que a maioria dos herdeiros compusesse o quinhão do Recorrente e impusesse a atribuição de determinados bens da herança, com mais interesse, a eles próprios e a atribuição de outros, com menos interesse, ao Recorrente, herdeiro minoritário, sem assegurar a repartição igualitária e equitativa dos bens, em clara violação do disposto nos artigos 2139.º e 2163.º do C.C., bem como do disposto nos artigos 13.º, 20.º e 62.º, da CRP;

21 – Deverá, por conseguinte, ser admitido o presente recurso excepcional de revista, em razão da indispensável clarificação da questão através de uma melhor aplicação do direito, com vista à eliminação da insegurança social gerada.

22 – Pelo que, em consequência, o Acórdão ora em crise deverá ser revogado e substituído por outro que considere ilegal a deliberação tomada pela maioria dos herdeiros, por violar o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima e o princípio constitucional da igualdade conjugado com o direito à propriedade privada, ordenando, em consequência, a devolução do processo ao Cartório, seguindo-se os ulteriores termos.”


5. Foram oferecidas contra-alegações, onde se conclui:

“A discórdia do Recorrente não incide sobre uma suposta violação nem do artigo 2139.º, n.º 2 nem do artigo 2163.º do Código Civil, mas radica num ponto bem diverso, que o Recorrente não pode revelar, porque revelaria, ao mesmo tempo, outra coisa: nesta fase, a sua discórdia já não pode e já não pode há muito ser atendida.

A verdadeira questão não se prende com a determinação do quinhão hereditário do Recorrente, com qualquer inoficiosidade ou com a composição qualitativa do quinhão, mas está antes disso e prende-se com o valor da herança, mais precisamente, com o valor de dois dos bens que integram o relictum, valor do qual o Recorrente discorda.

Apesar de discordar de tal valor, o Recorrente nunca requereu atempadamente qualquer avaliação daqueles imóveis, sinal de que se conformou com o valor atribuído, pretendendo agora, em sede de recurso, impor ao tribunal recorrido a construção de um raciocínio decisório que assenta num enquadramento factual inexistente e que, por definição, já não pode ser reconhecido.

O recurso de revista não deve ser admitido, porque, por um lado, fundando-se nas alíneas a) e b) do artigo 672.º do CPC, se trata de um recurso de revista excepcional, cuja admissibilidade a lei prevê de forma abstracta no artigo 672.º do CPC, e o Recorrente se limita a invocar genericamente aquelas duas citadas normas sem argumentar minimamente a respectiva aplicabilidade ao caso concreto.

E não deve ainda ser admitido porque, por outro lado, no presente caso não existe qualquer circunstância que desperte o interesse ou atenção de relevantes camadas da população, muito menos um interesse de particular relevância social.

Em qualquer caso, sem conceder, a decisão recorrida não viola o disposto no artigo 2139.º, nº2, do CC, porque não se mostra que os quinhões legitimário e legítimo do Recorrido tenham sido calculados em contravenção com o princípio da sucessão por cabeça ínsito naquela norma.

Nem sequer o Recorrente alega que o foram, antes defende que, na composição daqueles quinhões, o Recorrido terá ficado prejudicado porque os bens que lhe couberam são na avaliação que ele próprio deles faz inferiores aos que couberam aos irmãos.

Com isto, o Recorrente não quer atacar a decisão quanto ao quinhão, mas a decisão quanto à avaliação, contra a qual já não se pode insurgir porquanto, na devida altura, propositadamente ou por incúria, não a atacou.

O mesmo se diga quanto ao princípio da intangibilidade da legítima, expresso no artigo 2163.º do Código Civil, que o Recorrente também acusa a decisão recorrida de ter violado, sem explicar se a violação afectou a vertente quantitativa, se a qualitativa, se ambas.

A verdade é que não afectou nenhuma dessas vertentes: o de cujus não fez nenhuma liberalidade que tivesse ofendido a legítima dos herdeiros legitimários nem designou, contra a vontade destes, os bens que houvessem de compor a legitima.

Ainda assim, o Recorrente, não coloca em causa a adjudicação a intangibilidade qualitativa, mas o valor que ele imagina que os bens têm, pelo que só pode estar a colocar em causa a intangibilidade quantitativa.

Ora, neste processo de inventário não se discutem apenas quinhões legitimários, também se discutem quinhões legítimos, que não são intangíveis, i.e., intocáveis, pelo que um eventual prejuízo sempre poderia, ainda que a absurda tese do Recorrente colhesse, ficar a coberto da parte tangível.

Sempre se reiterando que todo o raciocínio do Recorrente está inquinado porque tem por base um pressuposto que só existe na sua imaginação: o de que o valor de certos bens é diverso daquele que lhes foi atribuído.

Este valor, porém, neste momento é já inatacável, por dois motivos: porque o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da matéria de facto e porque esta matéria já não é susceptível de recurso ordinário.

Daí que o Recorrente tenha inventado uma suposta violação dos artigos 2139.º, n.º 2 e 2163.º do Código Civil, capaz de causar uma tal desordem social que justificaria o presente recurso extraordinário.

Quando o que na verdade está em causa é tão só que o Recorrente deixou passar um prazo de reclamação.

O presente recurso não deve, pois, ser admitido e, mesmo que o seja, deverá seja julgado improcedente.”


6. No Tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho relativo à admissão da revista:

Vem o recorrente DD, interpor recurso de REVISTA EXCEPCIONAL do Acórdão proferido por este Tribunal em 9/9/2021 e que, no âmbito de julgamento de APELAÇÃO interposta de sentença proferida pela primeira instância em acção com o valor de €479.061,56, confirmou a sentença recorrida, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

Analisado o requerimento recursório stricto sensu, bem como as subsequentes alegações, não se descortina a ausência da indicação pelo recorrente do efectivo fundamento da revista interposta – previsto no nº 1, do artº 672º, do CPC -, bem como não se alcança que não tenham sido observados os requisitos formais do nº 2, do mesmo dispositivo legal adjectivo

Destarte, porque parece ser consensual o entendimento de que ao Relator do Tribunal da Relação não compete sindicar a verificação dos fundamentos “substantivos” e “formais” da REVISTA EXCEPCIONAL, previstos, respectivamente, nos nºs 1 e 2, do artº 672º, do CPC, tarefa que incumbe em exclusivo ao STJ [ Cfr. António Santos A. Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3 ª Edição, Almedina, em anotação ao artº 672º ], antes incumbe-nos tão só aferir do preenchimento dos pressupostos recursórios gerais, tais como a legitimidade, tempestividade ou a recorribilidade em face do artº 629º, nº 1, e 671º, nº 1, ambos do CPC , e porque existe efectiva DUPLA CONFORME, resta-nos determinar a OPORTUNA subida [com efeito devolutivo] dos autos ao colendo STJ.”


7. Vindo o presente recurso interposto como revista excepcional, cuja admissão compete à formação a que se reporta o art.º 672.º, mas sendo os autos submetidos a uma primeira análise pelo relator, foi proferido despacho a remeter os autos à formação, por não se ter dado conta da existência de um voto de vencido na ultima página do acórdão (tendo o relator no tribunal recorrido indicado que a decisão era unânime), lapso que aqui se procura reparar.

Porque existe esse voto de vencido, não se pode afirmar existir o impedimento à revista normal denominada “dupla conforme” – art.º 671.º, n.º 1 e 3 do CPC – pelo que é devido o conhecimento do recurso interposto, já que o valor da causa comporta recurso de revista (479 061,56 €), o recorrente tem legitimidade e apresentou o recurso atempadamente.

No voto de vencido foi dito:

Vencida quanto ao entendimento de que é admissível a deliberação, por maioria, quanto aos bens que compõem os quinhões dos herdeiros legitimários presentes na conferência, por violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima (cf. artigo 2163.º do Código Civil), mesmo quando a deliberação respeite apenas à composição dos quinhões dos herdeiros que a votam, uma vez que, por contraponto e pela negativa, define a composição do quinhão do herdeiro minoritário, independentemente da vontade deste, na vertente dos bens que o não integram e daqueles que o podem integrar.

A norma processual do artigo 48.º do RJPI assim interpretada constituiria alteração do direito substantivo aplicável, tanto na parte em que derrogaria o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, como naquela em que atribuiria, por via adjectiva, um direito à incorporação de bens dos herdeiros legitimários que formem maioria de dois terços (que podem determinar a composição em bens dos seus quinhões contra a vontade dos restantes), direito que a lei substantiva não reconhece.

Não é esse o escopo do direito processual que deve ser harmonizado com o direito substantivo aplicável, harmonização possível mediante a restrição da aplicação da norma à possibilidade de composição dos quinhões dos titulares que, notificados com essa cominação, não compareçam na conferência.

Nessa medida, julgaria procedente a apelação na parte em que impugna a homologação da composição de quinhões resultante da conferência.”


Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

8. Relevam os elementos constantes do relatório supra e ainda o que foram tidos por aplicáveis no acórdão recorrido, no seu ponto 2. - Motivação de facto, e que são os seguintes:

2.1. – Em 17 de Dezembro de 2010, faleceu CC, tendo deixado como herdeiros DD [filho do inventariado], EE [filho do inventariado] e FF [filha do inventariado];

2.2. - Em 22 de Setembro de 2015, DD, ora Recorrente, deduziu - no inventário que corria termos no Cartório Notarial de AA com o n.º .../15 oposição/impugnação e reclamação ao abrigo do disposto nos artigos 30º e 32º do RGPI, v.g. invocou a ilegitimidade do cabeça-de-casal para o desempenho do cargo, e pronunciou-se quanto à relação de bens, reclamando da omissão de bens na relação apresentada, da indevida inclusão de (outro) bens na dita relação e do valor atribuído à verba 4 (quatro).

2.3. – Em 29/4/2016, foi no Processo de inventário a correr termos no Cartório notarial de AA, proferido despacho que, julgando procedente a excepção dilatória da incompetência relativa arguida pelo interessado DD, determinou a remessa dos autos para o Cartório Notarial ..., a cargo de BB;

2.4. - Satisfeito o contraditório (por EE - cfr. artº 35º, do RJPI) relativamente ao requerimento identificado em 2.2., foi apresentada uma relação de bens adicional e, em 4 de Julho de 2017 veio a Exmª Notária a decidir o incidente despoletado por DD, o que fez DECIDINDO que;

- por falta de reclamação, tinham-se por aceites e estabilizados os bens relacionados nas verbas 1 (um), 2 (dois), 3 (três), 6 (seis), 7 (sete) e 8 (oito) da relação de bens apresentada em 28 de agosto de 2015;

- Quanto à verba 4 (quatro) da dita relação de bens, apesar da impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal, uma vez que o aqui Recorrente nada disse quanto àquele que tinha por ser o valor devido, foi mantido o valor atribuído;

- Determinando a inclusão de duas novas verbas (bens móveis: a) vários slides da autoria do inventariado e b), uma mesa);

- Determinando a não admissão das participações sociais objecto da relação de bens inicial e da adicional como bens a incluir no conjunto dos activos a partilhar;

2.5. – Em 6/8/2017 EE vem apresentar nova RELAÇÃO DE BENS, corrigida em observância da DECISÃO identificada em 2.4;

2.6. – Em 1/9/2017, após notificação da relação de bens corrigida e identificada em 2.5., vem DD impetrar a RECTIFICAÇÃO - por estar em causa erro material a ser rectificado -da RELAÇÃO DE BENS corrigida e identificada em 2.5., invocando ser aquela OMISSA no tocante à descrição de uma arrecadação [cujo recheio integra jogos de ferramentas] da Cave adstrita da Fracção identificada sob a Verba nº 4;

2.7. – Em 6/9/2017, EE vem apresentar nova RELAÇÃO DE BENS, corrigida, no seguimento da aceitação e reconhecimento do Lapso identificado em 2.6. e respeitante ao recheio da arrecadação;

2.8. – Designada data para a realização de conferência preparatória (a realizar em 18/9/2017), na data aprazada e iniciada a diligência foi determinado o respectivo adiamento [nos termos do nº 5, do artº 47º, do RJPI] para que as partes procurassem, mais uma vez, obter acordo, tendo logo ficado designado o dia 16 de Outubro de 2017 para sua continuação, caso o aludido entendimento não fosse alcançado;

2.9. – Em 16/10/2017, vem DD, invocando o disposto no artº 32º, nº 5, do RJPI, deduzir (através da plataforma informática www.inventarios.pt, e pelas 13h43m) reclamação contra a RELAÇÃO DE BENS [apresentada em 6/9/2017, por EE, e que corrige – na sequência de requerimento atravessado nos autos por DD a 1/9/2017 – a anterior já constante dos autos], designadamente questionando v.g.;

a) A composição da Verba nº 1 (recheio da casa de ...);

 b) O valor da colecção de ...;

c) O valor das verbas nºs 4 e 5; e informando que relativamente a ambas as referidas verbas nºs 4 e 5, havia recebido uma proposta de aquisição (da parte de Sociedade unipessoal) no valor total de € 600.000,00 [320.000,00€ para a verba nº 4 e 280.000,00€ e para verba nº 5];

d) O valor da verba nº 9;

e) O valor do direito de uso e habitação da verba nº 4;

f) O não descrição de um crédito da herança sobre a interessada FF;

g) A não descrição de passivo da herança,

2.10. – Iniciada a CONFERÊNCIA PREPARATÓRIA designada para o dia 16 de Outubro de 2017, pelas 15.00h, foram os demais interessados notificados para se pronunciarem – em 10 dias - sobre a reclamação identificada em 2.6., o que veio a fazer o interessado EE, pugnando pelo respectivo indeferimento in totum;

2.11. - Em 4 de Novembro de 2017, a Exmª Notária profere DECISÃO dirigida ao requerimento de DD e identificado em 2.6., sendo ele, EM PARTE, do seguinte Teor: “(...)

Nos termos do Regime Jurídico do Processo de Inventário o momento próprio para reclamar da relação de bens encontra-se previsto no número 1 do artigo 32º.

Ora, como acima exposto o interessado DD, por requerimento submetido na referida plataforma sob o número 287625, fez uso do direito que lhe assistia.

Porém, contempla o mesmo normativo uma cláusula de salvaguarda para os interessados que não reclamaram e para os que, tendo reclamado, venham até ao início da conferência preparatória acusar a falta de bens não relacionados, é esta a previsão do nº 5 do artigo 32º ao permitir que até àquele momento possa ainda haver reclamação, sem prejuízo da observância da disciplina processual.

O que aconteceu nos autos, já que em momento posterior veio o mesmo interessado, reclamar da falta de relacionação de uma nova verba, requerimento registado sob o número ...54, que se admitiu ao abrigo da referida disposição legal, com vista à partilha integral do património hereditário.

Assim, esta reclamação embora fora de prazo, foi admitida dado que o que se pretendia era acusar a falta de relacionação de um bem que integra a herança.

Porém, veio de novo o mesmo interessado deduzir reclamação, documento número ...74, invocando esta mesma norma. Cumpre, pois tomar, posição.

Por o interessado já ter reclamado em momento próprio;

Por a reclamação ora em apreciação contemplar matéria já relacionada e decidida;

Por não acusar a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados ou arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens;

E porque a conferência preparatória se iniciou em 18 de Setembro de 2017.

É convicção deste Cartório Notarial já se encontrar precludido o direito invocado.

Pelo que se decide pela não admissão da reclamação ora apresentada.”;

2.12. – Em 2/12/2017, profere Exmª Notaria Drª BB despacho designando o dia 10/1/2018           para a “CONTINUAÇÃO DA CONFERÊNCIA PREPARATÓRIA DA CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, INICIADA A 18/8/2017”;

2.13. – Em 10/1/2018, teve lugar a CONFERÊNCIA PREPARATÓRIA identificada em 2.12., sendo o CONTEÚDO - parcial - da respectiva ACTA do seguinte teor:

ACTA DE CONFERÊNCIA PREPARATÓRIA

Processo de Inventário número: 3579/2015- Partilha de Herança Inventariado: CC

Requerente/Cabeça de Casal: EE Data: 10 de Janeiro de 2018

Local: Cartório Notarial em ... a cargo da Notaria BB, sito na Alameda ..., ....

Presentes: O requerente/cabeça de casal EE, por si e em representação da interessada FF cuja procuração com poderes para o ato já se encontra junta ao processo, acompanhado da ilustre mandatária de ambos, Dra. GG. Encontrava-se ainda presente o ilustre mandatário substabelecido, Dr. HH conforme substabelecimento, com reserva, que se junta, em representação do interessado DD.

À hora marcada, e expostos os motivos da convocação da conferência preparatória da conferência de interessados, com vista à composição dos quinhões e fixar os valores atribuídos, como segue:

(...)

II) - Concretizar a verba 3 e fixar o valor atribuído, como segue:

- Conjunto de 22.679 slides da autoria do inventariado, no valor global de € 3,00.

Foi ainda deliberado por unanimidade dos interessados, adjudicar:

- ao interessado DD, as verbas 1 aa), 1 ab), 1 ac), 1d), 1e). 1 f), 1 ga), 1 ha), 1 hb), 1 hc), 1 ia), 1 ib), 1 ic), 1 id). 1 nb), 1 oa), e 1/3 da verba 3, pelos valores atribuídos e supra indicados, no valor global de € 4.571,00;

- ao interessado EE, as verbas 1 c), 1 h), 1 i), 1 j), 1m), 1 na), 1 ob), 1/3 da verba 3, pelos valores atribuídos e supra indicados, verba 4, e verba 7), estas pelos valores atribuídos constantes da relação de bens, no valor global de € 12.741,00;

- à interessada FF, as verbas 1 a), 1 b), 1 g), 1 nc), 1 oc), 1 p), 1/3 da verba 3, pelos valores atribuídos e supra indicados, verba 2, esta pelo valor atribuído constante da relação de bens, no valor global de € 3.981,00;

No que concerne às verbas descritas nas alíneas k e I da verba 1 da relação de bens, não houve qualquer deliberação sobre as mesmas.

Após o que, e antes de concluída a presente conferência o ilustre mandatário do interessado DD, pediu a palavra no uso da qual requereu nos termos do número 2 do artigo 48° do RJPI a avaliação das verbas 5 e 6 da relação de bens, justificando a sua pretensão com a circunstância de as mesmas terem sido objecto da deliberação prevista na alínea a) do número 1 do referido preceito legal.

A ilustre mandatária dos restantes interessados, Dra. GG solicitou que lhe fosse concedido prazo para se pronunciar sobre a matéria de tal requerimento, o que se deferiu

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a conferência preparatória”

2.14. – Após o contraditório, em 22 de Janeiro de 2018, a Exmª Notária profere DECISÃO dirigida ao requerimento de DD e identificado em 2.10. [atinente à avaliação das verbas 5 e 6 da relação de bens], sendo ele, EM PARTE, do seguinte Teor:

“(...)

Cumpre decidir.

Da tempestividade do requerimento de avaliação

Nos termos do Regime Jurídico do Processo de Inventário, os interessados directos na partilha podem impugnar o valor dos bens oferecido pelo cabeça de casal, requerendo a avaliação dos mesmos e oferecendo o valor que se lhe afigure adequado, no caso concreto, em dois momentos.

O primeiro desses momentos, tem lugar aquando da notificação para deduzir oposição ao inventário e/ou reclamar contra a relação dos bens, conforme resulta dos artigos 30° a 32° do RJPI.

O segundo momento em sede de conferência preparatória.

Ora, o interessado DD deduziu nos autos incidente de reclamação à relação de bens, com os fundamentos que constam do seu requerimento submetido na referida plataforma com o número 287625 de documento, no qual acusou a falta de relacionação de alguns bens; requereu a exclusão de uma verba, e impugnou o valor atribuído à quota da herança aberta por óbito de II, juntou prova documental e requereu ainda a produção de prova testemunhal.

Quanto às verbas que constituem os dois imóveis pertença da herança, o interessado não impugnou o valor, não ofereceu qualquer outro e não requereu a avaliação. “Perdeu”, pois, o primeiro momento colocado à sua disposição.

Iniciada a conferência preparatória, nos termos da alínea a) do artigo 48°, os interessados deliberaram por unanimidade a composição dos seus quinhões, como segue:

Adjudicar, ao interessado DD, as verbas 1 aa), 1 ab), 1 ac), 1d), 1 e), 1 f), 1 ga), 1 ha), 1 hb), 1 hc), 1 ia), 1 ib), 1 ic), 1 id), 1 nb), 1 oa), e 1/3 da verba 3.

Ao interessado EE, as verbas 1 c), 1 h), 1 i), 1 j), 1 m), 1 na), 1 ob), 1/3 da verba 3, verba 4, e verba 7).

À interessada FF, as verbas 1 a), 1 b), 1 g), 1 nc), 1 oc), 1 p), verba 2, e 1/3 da verba 3.

Foi ainda deliberado pelos interessados, EE e FF, que representam 2/3 dos titulares do direito à herança, adjudicar pelos valores atribuídos e constantes da relação de bens, ao interessado EE, a verba 6, e à interessada FF as verbas 5, 8, 9 e 10.

No que concerne às verbas descritas nas alíneas k e I da verba 1 da relação de bens, não houve qualquer deliberação sobre as mesmas.

Tudo conforme resulta da ata de conferência preparatória registada na plataforma com o número ...73 de documento.

Donde se constata que só após se ter formado a deliberação, por maioria de 2/3, relativamente às verbas 5 e 6 veio o interessado, DD, requerer a sua avaliação.

Estatui o corpo do n° 2 do artigo 48° que "As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de avaliação, requeridas pelos interessados"(sublinhado nosso).

Ora, este elemento literal é decisivo para a coerência do sistema. Pois a não ser assim, ou seja, a permitir-se a avaliação após as deliberações para a composição dos quinhões, estariam estas (deliberações) necessariamente inquinadas porquanto seriam adjudicadas verbas por valor diferente do que serviu de base à vontade de deliberar.

Assim, é entendimento deste Cartório Notarial que, tomadas as deliberações, se esgotou o prazo ou oportunidade para o interessado requerer a avaliação, pelo que vai a sua pretensão indeferida “;

2.15. - Em 22/2/2018, teve lugar a CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, sendo o CONTEÚDO - parcial - da respectiva ACTA do seguinte teor:

Processo de inventário: ...15- Partilha de Herança Inventariado: CC

Requerente/Cabeça de Casal: EE Data: 22 de Fevereiro de 2018

Local: Cartório Notarial em ... a cargo da Notária BB, sito na Alameda ..., ....

ACTA DE CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS Presentes:

- O requerente/cabeça de casal EE, por si e em representação da interessada FF, conforme procuração com poderes para o ato já junta aos autos, a ilustre mandatária de ambos, Dra. GG; e

- em representação do interessado DD, o ilustre mandatário substabelecido, Dr. HH, conforme substabelecimento, com reserva, já junto aos autos.

À hora designada, deu-se início à presente diligência, não tendo sido apresentadas, até ao início da mesma, quaisquer propostas em carta fechada para adjudicação das verbas k) e I) da relação de bens, donde, foram informados os presentes que conforme previsto no artigo 51° do RJPI, os bens não adjudicados seriam agora objecto de adjudicação por negociação particular, realizada por mim Notária, e que, frustrando-se tal negociação, tais verbas seriam sorteadas nos  termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 58° do RJPI, o que implicaria a sua divisão em lotes iguais a serem sorteados pelos interessados.

Perante tal informação, os interessados requereram o seguinte:

1 - Que fosse excluída da relação de bens a verba I), por não ter valor comercial, mas apenas afectivo, pelo que acordaram que o cabeça de casal procedesse à sua entrega ao tio dos interessados, irmão do inventariado, o qual demostrou interesse na mesma.

2 - Que, relativamente à verba k), e porque a sua divisão em lotes poderia implicar uma eventual desvalorização comercial, acordaram na sua venda a terceiro, assumindo os interessados os custos da mesma na proporção dos seus quinhões, e posterior partilha nestes autos do produto obtido;

3 - A suspensão dos presentes autos por um período de 60 (sessenta) dias, com vista à concretização de tal venda.

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a presente diligência. Para constar se lavrou a presente ata.”


De Direito

9. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

As questões suscitadas na revista são, assim, as seguintes:

- Interpretação do regime do art.º 48.º do RJPI, à luz do regime da intangibilidade da legítima e do regime do art.º 2163.º do Código Civil;

- Inconstitucionalidade da regra da maioria imposta pelo regime do art.º 48.º do RJPI, antes da alteração de 2019, por violação do art.º 13º, 20.º e 62.º da CRP.


10. Na apelação as questões suscitadas foram assim identificadas pelo tribunal:

a) Aferir se a decisão proferida pela Senhora Notária em 4/11/2017 [identificada no item 2.8. da motivação de facto] é ilegal, por violar o disposto no artigo 32.º, n.º 5, do RJPI, e deveria ter sido objecto de revogação pelo Senhor Juiz a quo na decisão final, anulando-se todo o processado posterior e ordenando-se, em consequência, a devolução do processo de inventário ao Cartório para que a Senhora Notária se pronunciasse sobre a reclamação apresentada;

b) Aferir se a decisão proferida pela Senhora Notária em 23/01/2018 [ identificada no item 2.11. da motivação de facto] é injusta e ilegal por violar o disposto no 48.º, n.ºs 1 e 2, do RJPI , e deveria ter sido objecto de revogação pelo Senhor Juiz a quo na decisão final, razão porque ao decidir de forma diversa o Senhor Juiz a quo violou também o disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 2, do RJPI, pelo que a decisão homologatória deverá ser revogada e substituída por outra que determine a realização de uma avaliação aos bens imóveis constantes nas verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens, ordenando, em consequência, a devolução do processo ao Cartório;

c) Aferir se ao homologar a partilha que permitiu que a maioria dos herdeiros [ com fundamento no artº do RJPI, que é inconstitucional por violar o princípio constitucional da igualdade - cfr. artigo 13.º da CRP -, conjugado com o direito à propriedade privada - cfr. artigo 62.º da CRP - impusesse a atribuição de determinados bens da herança, com mais interesse, a eles próprios e a atribuição de outros, com menos interesse, ao Recorrente, herdeiro minoritário, sem assegurar a repartição igualitária e equitativa dos bens, o Senhor Juiz a quo violou o disposto nos artigos 13.º, 20.º e 62.º, da CRP;

d) Aferir se a sentença apelada importa ser revogada, porque padece de erro de julgamento evidente, e isto porque os interessados não alcançaram um acordo sobre a partilha dos bens, pelo que, ao considerar um acordo entre os interessados que não existiu, a decisão homologatória laborou em claro erro de julgamento.


11. Vejamos como vieram as questões decididas pelo tribunal recorrido.

11.1. No que respeita à primeira questão, o tribunal recorrido decidiu:

- A primeira questão que se visa apreciar/resolver incide sobre decisão interlocutória proferida pela Exmª Notária;

- O presente processo de inventário, iniciado em meados de 22 de Julho de 2015, em Cartório Notarial e com vista à partilha da herança aberta por óbito de CC, é regulado pelo Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05/03;

- nos termos do artº 76º, nº 2 da Lei nº 23/2013, de 05/03, que  dispõe: “ Salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha” e ainda por força do disposto no artº 11º, nº2 [o qual reza que “O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e prossigam a respectiva tramitação “], da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro - que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2020 – sabendo que a referida decisão interlocutória não foi objecto de impugnação para o tribunal da 1.ª instância competente, não pode a mesma ser objecto de recurso de apelação por não ter sido questão discutida na sentença.


11.2. No que respeita à segunda questão, o tribunal recorrido decidiu nos mesmos termos e com o mesmo fundamento da primeira – não poderia ser objecto de apelação.


11.3. No que respeita à terceira questão, o tribunal recorrido decidiu que:

a) a mesma está inserida na sentença e pode ser objecto de apelação, tratando-se de questão jurídica que envolve a alegação de inconstitucionalidade do RJPI na versão legal aplicada ao processo, em face da posterior alteração do seu regime jurídico;

b) estaria em causa o nº 1, do artº 48º, do RJPI, com a redacção anterior à introduzida pelo artigo 8º da Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro;

c) não haveria inconstitucionalidade e a decisão recorrida devia ser confirmada.


11.4. No que respeita à quarta questão, o tribunal recorrido decidiu igualmente que a decisão recorrida devia ser confirmada por não haver qualquer erro de julgamento, devendo ser confirmada a sentença.


12. O acórdão recorrido confirmou a sentença, na íntegra, mas contém um voto de vencido, onde se invocam os seguintes argumentos:

- não deve ser admissível a deliberação adoptada, por maioria, quanto aos bens que compõem os quinhões dos herdeiros legitimários presentes na conferência, por violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima (cf. artigo 2163.º do Código Civil), mesmo quando a deliberação respeite apenas à composição dos quinhões dos herdeiros que a votam, uma vez que, por contraponto e pela negativa, define a composição do quinhão do herdeiro minoritário, independentemente da vontade deste, na vertente dos bens que o não integram e daqueles que o podem integrar;

- A norma processual do artigo 48.º do RJPI assim interpretada constituiria alteração do direito substantivo aplicável, tanto na parte em que derrogaria o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, como naquela em que atribuiria, por via adjectiva, um direito à incorporação de bens dos herdeiros legitimários que formem maioria de dois terços (que podem determinar a composição em bens dos seus quinhões contra a vontade dos restantes), direito que a lei substantiva não reconhece.

- O direito processual que deve ser harmonizado com o direito substantivo aplicável, harmonização possível mediante a restrição daaplicação da norma à possibilidade de composição dos quinhões dos titulares que, notificados com essa cominação, não compareçam na conferência.


13. O recorrente entende que a decisão recorrida está eivada de erro de julgamento, porquanto:

i) Se viola o regime do art.º 2163.º do Código Civil ao se interpretar o art.º 48.º do RJPI nos termos realizados;

ii) O art.º 48.º do RJPI é inconstitucional por violar os art.º 13º, 20.º e 62.º da CRP e impor ao herdeiro minoritário a composição do seu quinhão com bens que não foram por si escolhidos, através de uma decisão da maioria dos herdeiros (outros).


14. O recorrido argumenta no sentido de a decisão ser mantida, indicando que:

i) a decisão recorrida não viola o disposto no artigo 2139.º, nº 2, do CC, porque não se mostra que os quinhões legitimário e legítimo do Recorrido tenham sido calculados em contravenção com o princípio da sucessão por cabeça ínsito naquela norma.

ii) Nem sequer o Recorrente alega que o foram, antes defende que, na composição daqueles quinhões, o Recorrido terá ficado prejudicado porque os bens que lhe couberam são na avaliação que ele próprio deles faz inferiores aos que couberam aos irmãos.

iii) O Recorrente não quer atacar a decisão quanto ao quinhão, mas a decisão quanto à avaliação, contra a qual já não se pode insurgir porquanto, na devida altura, propositadamente ou por incúria, não a atacou.

iv) O mesmo se diga quanto ao princípio da intangibilidade da legítima, expresso no artigo 2163.º do Código Civil, que o Recorrente também acusa a decisão recorrida de ter violado, sem explicar se a violação afectou a vertente quantitativa, se a qualitativa, se ambas.

v) A verdade é que não afectou nenhuma dessas vertentes: o de cujus não fez nenhuma liberalidade que tivesse ofendido a legítima dos herdeiros legitimários nem designou, contra a vontade destes, os bens que houvessem de compor a legitima.

vi) O Recorrente, não coloca em causa a adjudicação a intangibilidade qualitativa, mas o valor que ele imagina que os bens têm, pelo que só pode estar a colocar em causa a intangibilidade quantitativa.

vii) Neste processo de inventário não se discutem apenas quinhões legitimários, também se discutem quinhões legítimos, que não são intangíveis, i.e., intocáveis, pelo que um eventual prejuízo sempre poderia, ainda que a absurda tese do Recorrente colhesse, ficar a coberto da parte tangível.

viii) Sempre se reiterando que todo o raciocínio do Recorrente está inquinado porque tem por base um pressuposto que só existe na sua imaginação: o de que o valor de certos bens é diverso daquele que lhes foi atribuído.


15. Algumas notas introdutórias.

Sendo a legítima a quota ou a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos seus herdeiros legitimários, à luz do artigo 2156.º, do CC, à mesma aplica-se o regime da limitação ao seu preenchimento decorrente dos artigos 2163.º e 2165.º do CC, muito em especial o princípio da sua intangibilidade (art.º 2163.ºCC).

O direito à legítima (objectiva e subjectiva) compreende duas vertentes, tal como tem sido afirmado pela doutrina (cf. PAMPLONA CORTE-REAL, Carlos, Curso de Direito das Sucessões, Lisboa, Quid Juris? 2012, p. 288),  e parece decorrer da lei:

- uma vertente quantitativa – segundo a qual que cada herdeiro legitimário tem direito a um quantum, correspondente à quota legitimária;

- uma vertente qualitativa- segundo a qual o herdeiro legitimário tem o direito de escolher os bens da herança que irão preencher, em concreto, a sua quota.

Isso significa que o direito à legítima é, não só, o direito a uma quota, como também, para parte da doutrina, o direito a ver essa fracção preenchida pelos bens hereditários que efectivamente se pretende, e delimita os direitos que assistem ao sucessível legitimário em função da proporção da sua quota[1], não podendo o autor da sucessão dispor livremente dos seus bens de modo a atingi-la ou ofendê-la.

O art.º 2163.º, no referido quadro legal, constitui uma defesa do direito à legítima, de ordem qualitativa[2], pois está aqui em causa a atribuição de bens na medida do preenchimento de uma quota – ou seja, os direitos que assistem a cada interessado respeitam à proporção da respectiva quota – e estas não são iguais para todos (em regra), por força do art.º 2157, 2158, 2159 e 2160.º do CC, mas não está excluída da norma a perspectiva quantitativa.

Aplicando estas regras à situação dos autos, sobrevivendo ao de cujus, in casu, (inventariado CC) vários filhos (três), eles integram a mesma classe de sucessíveis (classe dos descendentes) e sucedem em partes iguais (1/3 para cada), aplicando-se à sucessão legitimária (por força do artigo 2157.º, do CC) as regras da sucessão legítima, contidas nos artigos 2131.º e ss., do CC e a legítima é de dois terços da herança (art.º 2159.º, n.º 2).


Olhemos agora para o art.º 48.º do RJPI.

Segundo esta norma a partilha podia ser decidida por apenas dois dos herdeiros, por os mesmos terem 2/3 da legítima, deixando de fora a vontade do outro herdeiro, detentor de uma quota de 1/3 da legítima, e com esta deliberação os votantes determinariam o modo como se integraria a quota com bens concretos de forma directa, mas sem determinar a composição da quota do não participante, ainda que a mesma se pudesse determinar pelo regime das “sobras”.

Numa situação como esta estar-se-á perante um caso em que há violação do regime da intangibilidade da legítima do herdeiro não participante na deliberação, afectando-se a sua quota qualitativa?

O tribunal recorrido entendeu que não.

Sustentou a sua posição no facto de a quota na legítima ser de 1/3 para cada herdeiro e de a votação por maioria, in casu, implicar a votação de dois herdeiros, cada um com uma quota de 1/3 – haveria coincidência entre as quotas ideias e o sistema de aferição dos votos.

No voto de vencido, sem se questionar o raciocínio indicado, desloca-se o problema para a composição da legítima sem o acordo do herdeiro, ao qual são atribuídas (por exclusão da participação na deliberação de partilha) bens em relação aos quais o mesmo não foi chamado a decidir, arrendando-o da “escolha”, o que indirectamente implicaria a violação do art.º 2163.º do CC.


16. A questão relativa à inconstitucionalidade do regime do art.º 48.º do RJPI na versão anterior a 2019 tem tratamento doutrinal[3] e jurisprudencial.


16.1. No escrito de Eduardo de Sousa Paiva[4], diz-se a este propósito, nas p. 119-120:

“2.ª Questão: A forma de deliberação prevista no art. 48.º, n.º 1, do RJPI viola a Constituição?

Estabelece o art. 48.º, n.º 1, do RJPI que, na conferência preparatória, as deliberações dos interessados relativas à composição dos quinhões são tomadas por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, independentemente da proporção da quota de cada um. Da forma como está redigida, esta norma permite que herdeiros com quota minoritária, mas em maior número, imponham aos herdeiros da maior parte (mas em menor número), nomeadamente, as vendas totais dos bens da herança, em vez da composição dos quinhões com bens, decidam quais as verbas que irão compor o quinhão de cada um e respetivos valores ou mesmo quais as verbas que integrarão cada lote e seus valores para serem objeto de sorteio entre os diversos titulares de direitos à herança. Este dispositivo legal, ao tratar de forma igual situações que são desiguais, permitindo, em questões fundamentais que contendem diretamente com a forma da partilha dos bens entre os herdeiros, viola os princípios da igualdade e do direito a um processo equitativo e justo e, como tal, é materialmente inconstitucional.”

No mesmo sentido, vide Ebook CEJ, p. 43[5]

“8.1. Conferência de interessados – reintrodução da regra da unanimidade 1111.º/2 Retoma-se a situação que existia no anterior CPC quanto à regra de unanimidade exigida para o acordo quanto à composição dos quinhões. No atual RJPI, na conferência preparatória, os interessados podem deliberar, por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança e independentemente da proporção de cada quota, quanto à composição dos quinhões, solução que mereceu fundadas criticas, visto que pode conduzir à desigualdade de lotes, na medida em que pode interferir na escolha e atribuição dos bens que integram a legítima dos herdeiros legitimários, vendo a composição do seu quinhão com bens e valores escolhidos pelos restantes interessados presentes, contra a sua vontade, nomeadamente por herdeiros testamentários, se for o caso. Depois, porque se estabelece a regra da maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, independentemente da proporção de cada quota, o que significa desprezar o valor do direito do herdeiro à herança, a sua quota-parte, para prevalecer a regra da maioria dos interessados individualmente considerados, ou seja, dois terços dos titulares por cabeça. É o caso, por exemplo, do cônjuge meeiro, com a legítima de metade da herança, na situação prevista no artigo 2158.º do C. Civil, e que podia impedir qualquer deliberação nesse sentido se fosse considerado o valor do seu direito à herança, em vez da regra "por cabeça". A reintrodução da regra da unanimidade repara essas injustiças e permite uma partilha mais adequada e justa.”[6]

E pode ainda referir-se a posição de LOPES CARDOSO[7], que “chamou a atenção para o facto de estas novas faculdades do processo de inventário não se conciliarem com a garantia dos princípios constitucionais da igualdade (artigo 13.º, da CRP), nem com o direito à propriedade privada” (artigo 62.º, da CRP) – citado por Joana Leal de Oliveira Geraldo Dias[8] - mas também objecto de consulta directa, na obra indicada, onde refere:

Trata-se de completa novidade, rompendo com o sistema anterior em plano para o qual não é fácil encontrar explicação, e que mereceu severas críticas do Conselho Superior da Magistratura na fase de preparação da legislação, em termos que se nos afiguram justos e que, muito embora não tenham convencido o legislador, pelo seu a seu dono aqui se transcrevem: “tal solução constitui uma das principais deficiências do regime e abre caminho para as maiores arbitrariedades na efectivação das partilhas “mortis causa”. Tratar as matérias da partilha e da composição dos quinhões em concreto entre herdeiros como se de uma deliberação social ou de assembleia de condomínio se tratasse é permitir a ditadura de uma maioria, contrária às regras elementares de justiça relativa e até de defesa do direito de propriedade, constitucionalmente, protegido. «Mais ainda: admitir que dois terços dos herdeiros pudessem impor uma determinada composição dos quinhões poderia representar até, que no que à sucessão legitimária diz respeito, uma violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima. Ou seja, aquilo que a lei veda ao autor da sucessão – que é a possibilidade de designar os bens que devam preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário (cfr. artigo 2163.º do Código Civil), - passaria a ser possível aos co-herdeiros, desde que representassem dois terços da herança. Imagine-se, a título de exemplo, a situação de três irmãos com direitos quantitativamente iguais na herança de um progenitor comum; dois deles poderiam seleccionar para si, por acordo entre eles, os bens que lhes aprouvesse, destinando ao terceiro irmão – “o minoritário” – os bens que também eles, decidissem, por não lhes interessarem. E isto claramente contra a vontade de um deles, apesar de ser herdeiro legitimário como os demais. (…) tratar a delicada questão da composição dos quinhões dos herdeiros através da regra da maioria é abrir a porta à desigualdade e à não protecção dos herdeiros que não se tenham abrigado sob “o chapéu de chuva” da maioria de dois terços.» (…) em suma: parece de sustentar a inconstitucionalidade do sistema de maioria de dois terços para a composição de quinhões ou para venda de bens que prevê no n.º 1 do art. 48.º. afigura-se haver violação do princípio constitucional da igualdade, conjugado com o do direito à propriedade privada” – realce nosso.


16.3. A mesma posição crítica, mas na perspectiva da relação entre direito adjectivo e substantivo, é defendida por Joana Leal de Oliveira Geraldo Dias, ao afirmar:

p. 57

“Não somente pelo número que pode deliberar sobre a composição dos quinhões dos restantes co-herdeiros, mas também, pelo critério que dita esse número se apurar independentemente da proporção da quota, coloca-se em causa a conformidade do disposto no n.º 1, do artigo 48.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, com o direito substantivo, designadamente, das normas que determinam as quotas de cada herdeiro, enquanto titular do direito à herança178 , e com as normas que proíbem ou, de alguma forma, restringem a possibilidade de o de cuius designar os bens que devem compor, contra a vontade do herdeiro legitimário, a respectiva quota.”

(….)

Na esteira do que foi analisado no ponto precedente, não pode uma lei processual prevalecer sobre uma lei substantiva ou, sequer, “derrogar” o seu conteúdo e, de forma dar resposta à última questão, estamos em crer que a principal preocupação do legislador foi a celeridade processual.”

p. 61

“Para finalizar, desta análise é possível concluir que, embora instrumental do direito substantivo, o artigo 48.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o RJPI, tenta realizar uma instrumentalização de certas disposições de direito substantivo atinentes à determinação das quotas de cada herdeiro e à proibição do de cuius designar os bens que devem compor a respectiva quota, contra a vontade do herdeiro legitimário, ao serviço da celeridade processual, situação que, à luz das características e dos princípios que regem o direito processual civil, não se pode admitir.”

Não obstante o indicado a autora não afasta completamente a possibilidade de aplicação do regime do art.º 48.º do RJPI, efectuando uma interpretação restritiva da regra da maioria aí indicada:

p. 123

“Por permitir que os interessados presentes ou representados deliberem independentemente do “peso” da respectiva quota no direito à herança, por força de uma maioria de dois terços e independentemente da proporção da quota, consideramos, por isso, que esta norma, numa determinada leitura, procede à violação das normas imperativas da sucessão legitimária que determinam os quinhões hereditários de cada legitimário, de igual forma, à violação das normas que determinam os quinhões hereditários na sucessão legítima e, ainda, à violação da regra da divisão por cabeça, quando há lugar ao direito de representação, pois o voto por cabeça só opera dentro da estirpe que cada herdeiro representa (artigo 2044.º, do CC).”


16.4. A questão é ainda objecto de vasta obra doutrinal, da qual cumpre referir: Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira [(Regime Jurídico do Processo de Inventário – Anotado, Almedina, 2017, 3.ª edição, pp. 220 e ss.); tal entendimento foi reiterado por Carla Câmara na obra O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial, Almedina, p. 171)], Eduardo Paiva e Helena Cabrita (Manual do Processo de Inventário à Luz do Novo Regime Aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, e Regulamentado pela Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, p. 133), Eduardo Paiva (O Novo Processo de Inventário – Traves Mestras da Reforma – Tutela Jurisdicional – Algumas Questões, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/06-Eduardo-Paiva-Traves-Mestras-reforma-invent%C3%A1rio.pdf), Joana Geraldo Dias (A Deliberação Sobre a Composição dos Quinhões Hereditários à Luz do Princípio da Intangibilidade Qualitativa da Legítima no Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013, de 5 de março), pp. 43 e ss., disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37485/1/ulfd136695_tese.pdf), Joel Timóteo Ramos Pereira (Questões do Novo Regime do Processo de Inventário (aprovado pela lei n.º 23/2013, de 5 de Março), in Guia Prático do Novo Processo de Inventário – 2.ª Edição, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016 (pp. 77-110), p. 144, disponível em http://www.cej.mj.pt), Tomé D’Almeida Ramião (O Novo Regime do Processo de Inventário, Quid Juris, 2015, 2.ª Edição, pp. 133 e ss.), Neto Ferreirinha (Processo de Inventário, Reflexões Sobre o Novo Regime Jurídico – Lei n.º 23/2013, de 5 de março, Almedina, 3.ª Edição, pp. 291-292), Catarina Santo Gouveia (O Novo Regime Jurídico do Processo do Inventário (Lei n.º 23/2013, de 5 de Março). Problematização e Questões de (In)competência, pp. 37 e ss., disponível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/83855/1/TESE-%20vers%C3%A3o%20final.pdf).


16.5. Por se reportar a situação idêntica à dos presentes autos, importa citar a nota a07 da obra de Neto Ferreirinha, que também sintetiza a posição de outros autores[9]:

16.6. Na vertente jurisprudencial a possível inconstitucionalidade por violação do regime do art.º20.º da CRP foi objecto de análise no Ac. do TC 608/2019, tendo-se aí considerado não haver violação da Constituição, mas sem que o acórdão se espraie sobre a possível violação de outras normas constitucionais, como o direito à propriedade privada e princípio da igualdade (ac. n.º 680/2019, proferido no âmbito no âmbito de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190680.html).


16.7. E quanto a outras possíveis inconstitucionalidades cumpre indicar a posição defendida por Rita Lobo Xavier e Cátia Matos, autoras que defendem que “este regime não envolve a violação do direito fundamental de propriedade privada, nem a violação do princípio da igualdade. A regra da maioria não é incompatível com a natureza jurídica da herança indivisa, nem com o princípio da intangibilidade da legítima, hoje encarado sobretudo na sua dimensão quantitativa” (Sucessão familiar na empresa e deliberação dos herdeiros por maioria qualificada, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/26542/1/26542.pdf).


17. Com a alteração legal de 2019 ao regime do processo de inventário - pela Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro - (que aditou ao livro V do CPC o título XVI, denominado «Do processo de inventário», composto pelos capítulos I a III) e alterou o RJPI, o art.º 48.º do RJPI passou a dizer o seguinte:

Artigo 48.º

[...]

1 - Na conferência, os interessados podem deliberar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:

a) ...

b) ...

c) ...

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 - ...

7 - ...»

Por seu turno a alteração de 2019 também esclareceu o regime aplicável aos processos anteriores, fixando a aplicação da lei no tempo do seguinte modo:

Artigo 11.º

Aplicação no tempo

1 - O disposto na presente lei aplica-se apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º

2 - O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, os artigos 3.º, 26.º-A, 27.º, 35 e 48.º do regime jurídico do processo de inventário, anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, passam a ter a redação prevista nos artigos 8.º e 9.º da presente lei.

17.1. Desta norma resulta claramente a indicação de que o regime do art.º 48.º (novo) é aplicável desde que o processo de inventário não esteja terminado, seja em tribunal seja em notário, na data da entrada em vigor: 1 de janeiro de 2020.

O presente processo é de cariz notarial e não foi remetido para os tribunais, mas foi objecto de recurso da decisão de homologação, suscitando-se a dúvida da aplicação imediata da regra do art.º 48.º, a qual parece ter uma resposta negativa (art.º12º CC).

17.2. Mas ainda se entendesse não ser a mesma de aplicação imediata por força do regime do art.º 11º da alteração legal de 2019, sempre se poderia defender que a aplicação do regime novo é imposta por a solução anterior contender com o regime substantivo – do CC – e criar uma dissonância não permitida que pode redundar numa interpretação inconstitucional, situação que seria eliminada com a aplicação do novo regime de forma imediata a qualquer processo não encerrado definitivamente.

17.3. Na jurisprudência a não conformidade processual do anterior regime do art.º 48.º do RJPI com o regime substantivo encontra também eco, nomeadamente em vários acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra:

- acórdão da RC, de 21-11-2017, Rel. Arlindo Oliveira, proc. n.º 245/17.4YRCBR, “No caso de, como o ora em apreço, se tratar de sucessão legitimária, os co-herdeiros que representem dois terços da herança não podem designar os bens que integram a legítima do herdeiro legitimário, contra a sua vontade, por implicar a violação do princípio da intangibilidade da legítima, sob pena de se violar, por via da lei processual, o expressamente proibido na lei substantiva.” –

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/676a5450c93eb6ee802581e10050df28?OpenDocument  

- acórdão da RC, de 25-06-2019, Rel. Luís Cravo, proc. n.º 254/18.6T8OFR.C1, “III – No caso, como o ajuizado, de se tratar de sucessão legitimária, os co-herdeiros que representem dois terços da herança não podem designar os bens que integram a legítima do herdeiro legitimário, contra a sua vontade, por implicar a violação do princípio da intangibilidade da legítima, sob pena de se violar, por via da lei processual, o expressamente proibido na lei substantiva. IV – Isto sob pena de aquilo que a lei veda ao autor da sucessão - que é a possibilidade de designar os bens que devam preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário (cf. art. 2163º do C.Civil), - passar a ser possível aos co-herdeiros, desde que representem dois terços da herança.” - http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b7bd15483a2bb6f1802584770037c637?OpenDocument

E que foi assim justificado:

“Com efeito, enquanto no regime pretérito, se exigia a unanimidade dos interessados para a deliberação acerca da composição dos respectivos quinhões hereditários, no regime actual, basta-se a lei, com o acordo de dois terços dos titulares do direito à herança e independentemente da proporção de cada quota, como resulta do preceito ora transcrito.

Ademais, no mesmo perfilhou-se o entendimento de que basta o referido acordo, para que se proceda à composição dos quinhões de cada um dos herdeiros, em conformidade com o acordo assim alcançado; ou seja, nos termos expostos, na conferência preparatória, os interessados na partilha poderão chegar a um acordo, acerca das matérias descritas nas três alíneas do preceito ora em apreço, desde que verificada a referida maioria de dois terços.

Foi o que aconteceu in casu como se verifica da leitura da Ata da conferência preparatória, na parte em que se refere que «Uma vez que há acordo da maioria dos interessados, apenas se opondo a mandatária do interessado J (…)» (representando aqueles mais de dois terços dos titulares com direito à herança), isto é, foi assim deliberado quais as verbas/bens, que eram adjudicados a cada um dos interessados, designadamente, que o quinhão do interessado J (…) ora recorrente seria composto pelas verbas 6, 12, e ½ da 42, tendo, ainda, direito, a receber tornas da interessada M (…), no montante de € 6.085,78.

Aos demais interessados foram, por sua vez, atribuídos os restantes bens imóveis e móveis, ficando uns credores e outros devedores de Tornas, em função da concreta e correspondente atribuição.

No entanto, se é certo que por força do que se acha estabelecido no artigo 48º, nº 1, do RJPI, se permite que mediante acordo por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, estes, deliberem qual a composição dos quinhões por qualquer das modalidades ali previstas, menos certo não é que a lei adjectiva não se pode sobrepor/postergar a substantiva.

Compreende-se que o legislador tenha procurado estabelecer formas de evitar que um ou uma minoria dos interessados numa determinada herança, coloquem entraves à normal tramitação do processo de inventário, procurando simplificá-lo e torná-lo mais célere, não incumbindo ao julgador questionar as opções legislativas assumidas pelo legislador.

Não obstante, impõe-se o cotejo entre o que se dispõe adjectivamente e o que, a nível substantivo, se dispõe nas regras que fixam os termos em que se devem partilhar os bens que constituem um determinado acervo hereditário, sob pena de se desvirtuar os interesses inerentes a uma justa e correcta partilha de bens entre os diversos interessados.

Ora, um de tais preceitos, é o art. 2163º do C.Civil, de acordo com o qual, no caso de, como o ora em apreço, se tratar de sucessão legitimária (cf. art. 2157º do mesmo C.Civil):

«O testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro.».

Ora, a este propósito já foi doutamente sublinhado que se a composição de quinhões pode ser acordada pela mencionada maioria de dois terços, o certo é que este regime não se pode sobrepor ao “princípio da intangibilidade qualitativa da legítima”[6[10]].

Ali se colocando em dúvida que nem sequer esteja previsto que a referida maioria “seja de herdeiros da mesma natureza”, permitindo-se uma “aliança” entre herdeiros testamentários e alguns legitimários, em desfavor de um “legitimário minoritário”, em violação de tal princípio.

De igual modo já foi sustentado que «esta solução legal, no que respeita à sucessão legitimária, não pode implicar a violação do princípio da intangibilidade da legítima, pois não poderá ser possível a co-herdeiros que representem dois terços da herança designarem os bens que integram a respectiva legítima (sob pena de se violar, por via da lei processual, o expressamente proibido na lei substantiva: O artigo 2163.º do Código Civil proíbe ao autor da sucessão designar os bens que devem preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário)»[7[11]].

Ora, no caso em apreço, por imposição dos demais interessados e contra a vontade do interessado J (…) ora recorrente, determinou-se que o quinhão hereditário deste fosse composto pelas verbas acima referidas (dois bens imóveis e um bem móvel), pelos valores constantes da relação de bens, ficando com um “elevado” valor de Tornas a receber.

Ou seja, contra a vontade do interessado J (…) ora recorrente, designaram-se os bens que compõem todo o seu quinhão, incluindo os que constituem a legítima, o que não é consentido pelo disposto no art. 2163º do C.Civil.

O que tudo serve para dizer que será lícito o acordo a que se refere o art. 48º, n.º 1 do RJPI, mas, desde que o mesmo não viole o que se dispõe no art. 2163º do C.Civil, que proíbe que, contra a vontade do herdeiro, este se veja na contingência de herdar apenas o que a maioria determina, por certo com o objectivo de que a partilha seja o mais igualitária possível, o que, provavelmente, não se alcança com o acordo ora em crise.

Dito de outra forma: aquilo que a lei veda ao autor da sucessão - que é a possibilidade de designar os bens que devam preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário (cf. art. 2163º do C.Civil), - não pode passar a ser possível aos co-herdeiros, desde que representem dois terços da herança.

Assim, não pode prevalecer o acordo plasmado na Ata da conferência preparatória em referência e, por consequência a respectiva sentença homologatória, que se revogam, devendo proceder-se a nova conferência preparatória, em que se respeite o ora decidido, seguindo-se os ulteriores termos processuais, designadamente, se for o caso, por falta de acordo entre os interessados, deverá realizar-se a conferência de interessados[8[12]].

E no TRL:

- acórdão da RL, de 08-04-2021, Relator Adeodato Brotas, proc. 6583/15.2T8LSB.L1-6 “Ora, o legislador, nessa versão da lei, optou por alterar a regra da unanimidade que vigorava no anterior processo de inventário (artº 1353º do CPC), consagrando a regra da maioria de dois terços, permitindo que essa maioria qualificada de interessados possa, além do mais, designar as verbas que compõem os lotes a sortear entre os interessados. Como nos parece evidente, esta regra da maioria qualificada de dois terços, não pode implicar a violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, no sentido de, não poder ser possível aos demais co-herdeiros, que representem dois terços da herança, designarem os bens que integram directamente a legítima de um outro, impondo-lha. Mas designar os bens que, em concreto e directamente, preenchem a legítima de um co-herdeiro é diferente de designar a verbas que compõem os lotes a sortear. Na verdade, desde que na composição dos lotes a sortear se observe o princípio da igualdade entre os herdeiros que as partilhas buscam alcançar, compondo-se lotes que sejam quantitativa e qualitativamente iguais ou muito semelhantes e se assegure a igualdade de oportunidade através do modo como se procede ao sorteio desses lotes, não nos parece que a regra da maioria de dois terços seja violadora do princípio da igualdade entre os herdeiros nem da regra da intangibilidade qualitativa da legítima (Cf. neste sentido, ac. do TR Guimarães, de 25/05/2017 (Anabela Tenreiro). Aliás, neste sentido, veja-se ainda Rita Lobo Xavier/Cátia Rodrigues Matos (Sucessão familiar na empresa e deliberação dos herdeiros por maioria qualificada, edição online, pág. 81 e segs) que expressamente concluem que esta consagração da regra da maioria de dois terços “…não envolve a violação do direito fundamental de propriedade privada, nem a violação do princípio da igualdade. A regra da maioria não é incompatível com a natureza da herança indivisa, nem com o princípio da intangibilidade da legítima, hoje encarado sobretudo na sua dimensão quantitativa.”” –

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ba96f8d69add3f80802586cd003cbf6d?OpenDocument

Ou ainda no TRG:

- acórdão da RG, de 11-11-2021, Rel. Margarida Almeida Fernandes, proc. n.º 249/20.0T8EPS-A.G1, “Contudo, tal preceito não pode sobrepor-se ao princípio da intangibilidade qualitativa da legítima previsto no art. 2163º do C.C. pelo que, no que respeita à sucessão legitimária, não podem também os co-herdeiros que representam dois terços da herança designar bens que integram a legítima de outro herdeiro. IV. Num caso em que a maioria de dois terços dos herdeiros delibera designar os bens que hão compor os seus quinhões, não tendo a outra interessada demostrado vontade de ficar com a verba remanescente, e deliberaram por unanimidade proceder à venda desta e distribuir o produto da venda entre todos, a legítima desta é respeitada sendo consequente válida a deliberação em causa.” – realce nosso; de referir, contudo, que no âmbito deste aresto se defendeu que “I – A Lei nº 23/2013, de 05/03 de 05/03, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário inovou dispondo no seu art. 48º, nº 1 que, na conferência preparatória da conferência de interessados, podem os interessados deliberar, por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança e independentemente da proporção de cada quota, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos aí previstos. II – Esta disposição mostra-se conforme aos princípios constitucionais da igualdade, da propriedade privada e de acesso ao direito e à tutela jurídica efectiva. –

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/dbbccfb947505c02802587990057038e?OpenDocument

Nesta Relação confira ainda o acórdão de 25-05-2017, Rel. Anabela Tenreiro, proc. n.º 50/17.8YRGMR, “V-A regra da maioria de dois terços concretiza os objectivos do legislador no sentido de garantir a simplificação e a celeridade do processo de inventário que, no anterior regime, era, em muitos casos, reconhecidamente moroso. VI-Tendo presente a liberdade de conformação do legislador ordinário e a não afectação do núcleo dos direitos da igualdade e da propriedade privada, constitucionalmente protegidos, conclui-se que a referida inovação legislativa deve ser considerada materialmente conforme com a Constituição da República Portuguesa.” - http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/ED22AD64683DD5D780258155004EF963


18. Revertendo à situação dos autos.

O principal problema que o caso concreto nos coloca entronca nas questões elencadas anteriormente, nomeadamente no regime do art.º 2163.º do CC, ao não permitir que a composição da legítima seja efectuada contra a vontade do herdeiro.

Na medida em que a aplicação do regime do art.º 48.º do RJPI, anterior à alteração de 2019, permitia a tomada de deliberação por maioria, na circunstância de haver oposição do herdeiro não participante, não pode deixar de se considerar que o seu quinhão está preenchido sem o seu acordo ou contra a sua vontade, seja o mesmo composto de forma directa ou indirecta, por via de lhe serem reservados os bens que não são os escolhidos pelos demais sucessores participantes da deliberação, já que a mesma lei não permitia ao autor da sucessão chegar a esse resultado por via de decisão sua, o que deve implicar que o mesmo não pode ser consentido por via da decisão dos co-herdeiros, mesmo que a deliberação adoptada nos termos do art.º 48.º - no caso dos autos – respeite a proporção das quotas dos herdeiros  legitimários (como havia referido o acórdão recorrido).

Nesta medida, é de considerar que o voto de vencido aposto no acórdão recorrido acolhe a melhor solução jurídica, dentro do quadro interpretativo sistemático da nossa lei substantiva e processual.

Na situação dos autos a composição do quinhão do recorrente, fruto das deliberações adoptadas na conferência preparatória, na parte em que a mesma se reportou às verbas 5, 6, 8, 9 e 10, implicou não só uma deliberação sobre a composição dos lotes, como também uma definição da sua titularidade por adjudicação entre os herdeiros – incluindo a legítima, mas não só – contra ou sem o concurso da vontade do recorrente, como resulta claramente dos factos provados, em especial:

Facto 2.14. –

“Após o contraditório, em 22 de Janeiro de 2018, a Exmª Notária profere DECISÃO dirigida ao requerimento de DD e identificado em 2.10. [atinente à avaliação das verbas 5 e 6 da relação de bens], sendo ele, EM PARTE, do seguinte Teor:

“(...)

Iniciada a conferência preparatória, nos termos da alínea a) do artigo 48°, os interessados deliberaram por unanimidade a composição dos seus quinhões, como segue:

Adjudicar, ao interessado DD, as verbas 1 aa), 1 ab), 1 ac), 1d), 1 e), 1 f), 1 ga), 1 ha), 1 hb), 1 hc), 1 ia), 1 ib), 1 ic), 1 id), 1 nb), 1 oa), e 1/3 da verba 3.

Ao interessado EE, as verbas 1 c), 1 h), 1 i), 1 j), 1 m), 1 na), 1 ob), 1/3 da verba 3, verba 4, e verba 7).

À interessada FF, as verbas 1 a), 1 b), 1 g), 1 nc), 1 oc), 1 p), verba 2, e 1/3 da verba 3.

Foi ainda deliberado pelos interessados, EE e FF, que representam 2/3 dos titulares do direito à herança, adjudicar pelos valores atribuídos e constantes da relação de bens, ao interessado EE, a verba 6, e à interessada FF as verbas 5, 8, 9 e 10.

(…) “[13].

Ao se definir pela positiva o modo de compor o quinhão dos recorridos, sem o acordo do recorrente, ficou definido o quinhão do recorrente, pela negativa, pelo menos parcialmente.

A situação não se modifica pelo facto de não ter existido deliberação relativa às verbas descritas nas alíneas k e I da verba 1 da relação de bens – facto provados 2.14 e 2.15.


22. Considerando-se o recurso procedente, fica prejudicada a análise da questão da inconstitucionalidade invocada.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é concedida a revista.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 5 de Maio de 2022


Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

______

[1] https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37485/1/ulfd136695_tese.pdf - . p.75.
[2] Helena Mota, Anotação ao art.º 2163.º do CC, in CC Anotado, Livro V – Direito das Sucessões, coordenado por Cristina Dias, Almedina, 2018, p. 223.
[3] E mereceu desde logo crítica do Conselho Superior da Magistratura no Parecer emitido sobre a Proposta de Lei n.º 105/XII, que aprova o novo regime do processo de inventário, disponível em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e7064 47567a4c31684a5355786c5a793944543030764d554e425130524d5279394562324e31625756756447397 a5357357059326c6864476c3259554e7662576c7a633246764c7a55324e575269596a517a4c54637959546 3744e44646d4d5330355a475a6d4c544d344e446b774e546b354e5445354d5335775a47593d&fich=565db b43-72a7-47f1-9dff-384905995191.pdf&Inline=true.
[4] O NOVO PROCESSO DE INVENTÁRIO. TRAVES MESTRAS DA REFORMA TUTELA JURISDICIONAL ALGUMAS QUESTÕES, in JULGAR - N.º 24 – 2014, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/06-Eduardo-Paiva-Traves-Mestras-reforma-invent%C3%A1rio.pdf
[5]Tomé D'Almeida Ramião, “O REGIME DOS RECURSOS E AS NORMAS TRANSITÓRIAS NO NOVO REGIME DO PROCESSO DE INVENTÁRIO”, Disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=8LotKRQOhKg=&portalid=30.
[6] Sublinhado nosso.
[7] LOPES CARDOSO, - Partilhas Judiciais, Vol. I, Almedina, 6.ª edição, pp. 69 e ss.
[8] A DELIBERAÇÃO SOBRE A COMPOSIÇÃO DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS À LUZ DO PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE QUALITATIVA DA LEGÍTIMA NO REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO (LEI N.º 23/2013, DE 5 DE MARÇO), Dissertação de Mestrado, Jan 2018,  Disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37485/1/ulfd136695_tese.pdf, p. 44. Aqui se encontram igualmente outras referências, como: GONÇALVES, Maria João, O Novo Regime do Processo de Inventário (pp. 1-16), p. 8, disponível em http://www.oa.pt, MARQUES, Filipe César Vilarinho, “O Novo Regime…”, ob. cit., p. 145, NETO FERREIRINHA, Fernando, ob. cit., 2017, pp. 291 e 292 e nota 107, COSTA, Adalberto, A Partilha em Inventário – Incursão pelo Novíssimo Regime Jurídico do Processo de Inventário, Lisboa, Vida Económica, 2015, p. 82.
[9] Neto Ferreirinha, Processo de Inventário, Reflexões Sobre o Novo Regime Jurídico – Lei n.º 23/2013, de 5 de março, Almedina, 3.ª Edição, pp. 292.
[10] FERNANDO NETO FERREIRINHA, in “Processo de Inventário Reflexões Sobre O Novo Regime Jurídico”, 3ª Edição, Revista, Aumentada e Actualizada, Livª Almedina, 2017, a págs. 291 e 292 e nota 107 (desta última).
[11] Citámos agora CARLA CÂMARA, CARLOS CASTELO BRANCO, JOÃO CORREIA e SÉRGIO CASTANHEIRA, in “Regime Jurídico do Processo de Inventário”.
[12] Neste sentido, vide o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 21.11.2017, proferido no proc. nº 245/17.4YRCBR, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, que, aliás, seguimos de perto na antecedente exposição.
[13] Sublinhado nosso.