Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1593/17.9T8LRA.C1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I – Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que aplicar a orientação nele adotada para solucionar as questões de direito relativas à violação do dever de informação pelo intermediário financeiro e ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

II – Nos termos da AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa fixada no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e no artigo 314.º, n.º 2, do CVM não inclui uma presunção de ilicitude nem uma presunção de causalidade.

III – No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. AA e BB, devidamente identificados nos autos, vieram instaurar a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco BIC Português, S.A., também devidamente identificado nos autos, formulando os seguintes pedidos:

“Ser o Réu condenado a restituir aos AA. o capital e juros vencidos relativos à “Obrigação SLN Rendimento + 2004” que nesta data perfazem a quantia de 53.863,01€ (cinquenta e três mil oitocentos e sessenta e três euros e um cêntimo), bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento,

b) Ser o R. condenado a pagar aos AA. a quantia mínima de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais (…)”.

Fundam a sua causa de pedir, em síntese, no facto de o banco réu ter sucedido ao Banco BPN, e de o Autor marido se ter dirigido à agência desse banco na ... e de ter subscrito “Obrigações SLN Rendimento+ 2004”, no valor de €50.000,00, que deixaram de receber juros correspondentes àquela aplicação financeira, a partir de outubro de 2015, que não foram reembolsados do capital investido, alegando existir responsabilidade contratual do réu, porquanto, aquando da subscrição da aplicação financeira, o Banco assegurou aos AA que o produto financeiro proposto era um instrumento sem qualquer risco, com reembolso do capital e juros garantidos e nem sequer indicou que a SLN e suas obrigações diziam respeito a uma outra empresa do mesmo grupo que não o Banco Português de Negócios, levando o cliente a crer que “SLN 2004” se tratava do nome comercial da aplicação financeira.

Concluem, assim, existir violação, por parte do Banco Réu, dos deveres enquanto intermediário financeiro, na medida em que este promoveu a venda do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, tornando-se, assim, responsável pelos prejuízos causados aos AA, nos termos do artigo 304.ºA, n.º 1 do Código de Valores Mobiliários.

Regularmente citado, o réu deduziu contestação, onde, em síntese, sustentou a incompetência territorial do Tribunal, com o fundamento em que a ação devia ser intentada em ..., local onde o réu tem a sua sede, por ser ali que se cumpria a obrigação; a ineptidão da petição inicial, com o fundamento em que a causa de pedir configura uma ação de anulação, com base em erro ou dolo ou uma acção de indemnização, com base em responsabilidade civil contratual e nunca para cumprimento do contrato e a prescrição do crédito dos Autores, com o fundamento em que baseando-se a ação em falta de informação, o direito invocado, nos termos do disposto no artigo 324.º do CVM, prescreve decorridos que sejam dois anos, a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos, o que já ocorreu.

Mais impugna a factualidade alegada pelos autores, referindo que lhes foi prestada toda a informação pertinente.

Conclui, pugnando, pela procedência das exceções, ou, caso assim não se entenda, improcedência da ação.


2. Foi proferido despacho-saneador, com dispensa de realização de audiência prévia, onde, em síntese, se fixou o valor da causa, se apreciou a regularidade dos pressupostos processuais, julgando-se improcedente a exceção de incompetência territorial, e a ineptidão da petição inicial, se relegou, para final, o conhecimento da exceção de prescrição e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamação.


3. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fls. 109 a 116, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respetiva fundamentação e, a final, se julgou improcedente, por não provada, a presente ação, com a consequente absolvição do réu do pedido, ficando as custas a cargo dos autores.


4. Inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os autores, AA e BB, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fls. 184), pugnando pela procedência do mesmo, com a consequente revogação da decisão recorrida, condenando-se o réu no pedido.

Contra-alegando, o réu pugnou pela manutenção da decisão recorrida, valendo-se dos argumentos nesta expendidos, designadamente, que a prova foi bem apreciada, devendo

permanecer inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância, bem como o enquadramento jurídico, o qual traduz a correta aplicação das normas aplicáveis.


5. O Tribunal da Relação debruçou-se sobre as questões da nulidade da sentença, da incorreta análise e apreciação da prova, da modificação dos factos provados e não provados e da violação do dever de informação, por parte do réu, para com o autor, ao contratar com ele a subscrição das obrigações SLN 2004, decidindo julgar improcedente o recurso de apelação e manter a decisão recorrida.


6. Os autores, novamente inconformados, interpuseram recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, no qual formularam as seguintes conclusões:

«1. Resulta dos factos dados como provados que:

2. “11. Este funcionário, assim como os colegas dessa agência e das demais agências daquele Banco, estava convencido, de acordo com indicações superiores que lhe foram transmitidas que as obrigações SLN 2004 constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores.” Sublinhado nosso.

3. “12. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa e a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o banco garantia o capital investido.” Sublinhado nosso.

4. No nosso entender ainda que não tivesse resultado melhor prova em sede de audiência de discussão e julgamento, resultaram provados os factos acima transcritos, o que conjugado com os conhecimentos que já existem sobre o assunto e que emanam de vária e inúmera jurisprudência, e ainda acrescida da experiência acumulada do M. Juiz a quo, ser-lhe-ia exigível que tivesse apreciado a prova de forma crítica levando-o a concluir de forma diversa.

5. Os factos em análise nos presentes autos são factos públicos e notórios (sobretudo quando existem a correr nos Tribunais Portugueses e com certeza alguns no mesmo juízo onde este processo foi julgado), não podendo o M juiz a quo desconhecer que esta era a prática reiterada do Banco na venda destes produtos, motivada pelo desespero de uma instituição bancária que acreditava ser esta a sua única salvação para a eminente insolvência, situação que mais tarde se veio a confirmar.

6. O modus operandi do Banco Réu consistia na utilização de técnicas de venda agressivas difundidas pelas hierarquias do banco aos seus funcionários e que consistiam em difundir estes produtos como se tratassem de um produto financeiro seguro e que não oferecia risco.

7. É ainda público e notório, que este era o modus operandi do Banco Réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

8. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

9. Sabendo o que sabemos hoje, sobre o procedimento de venda do produto SLN 2004, e também Obrigações SLN 2006, resultou provado em dezenas de sentenças e acórdãos, que a forma de abordagem aos clientes obedecia a um critério standarizado, uma lista rigorosa de comportamentos a adotar com um objetivo muito concreto a atingir: injetar capital na SLN captando tais investimentos junto dos seus clientes mais fieis, cujas economias se encontravam depositadas noutros produtos financeiros.

10. Para tal, aproveitaram a confiança criada ao longo de anos com os funcionários e gerentes das agências, os quais foram instrumentalizados e manipulados com vista a transmitirem apenas e tão só a informação que o Banco estrategicamente lhes havia transmitido, tendo sido formatados para uma certa linha de pensamento que os faria mais tarde adotar uma atitude de confiança total no produto que estavam a propor aos clientes/investidores.

11. O caso vertido nos autos, à semelhança de tantos outros já tratados em juízo, deram origem a processos de natureza criminal, a comissões de inquérito parlamentar e, no limite, à nacionalização do BPN, donde se reputa como um facto público e notório o modus operandi do Banco Réu nas relações que mantinha com os seus clientes (sobretudo quando foi tornado público que CC, ... da SLN e do BPN, foi condenado a 15 e a 12 anos de prisão e que DD, o ... do BPN e o gestor da área financeira da SLN, foi condenado a 8 anos e seis meses e doze anos de prisão, ambos em dois processos diferentes, pela prática, entre outros, dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documentos, nomeadamente das contas da SLN - processo nº 4910/08...., e processo nº 121/08....). Em ambas as decisões ficou demonstrada uma prática do BPN e da SLN que, essa sim, determinou a falência dos mesmos: um conjunto enorme de burlas, abusos de confiança e falsificação de documentos, mormente das contas da sociedade SLN, com vista a ludibriar o Banco de Portugal, em especial, e todos os clientes do BPN, em geral!

13. De facto, lendo com atenção as duas decisões, logo se constata, que, desde 1998, altura em que passou a liderar o BPN, a estratégia de CC passou por obter poder pessoal e exercer influência nas áreas financeira e de negócios, rodeando-se de pessoas da sua confiança a quem acordou conceder dividendos à custa de prejuízos do Banco.

14. A estratégia só podia conduzir a avultados prejuízos para a Instituição bancária, daí que independentemente da crise financeira esta foi determinante para a rutura financeira do grupo SLN/BPN.

15. A informação prestada pelo Banco, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já nessa altura (em 2006) a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estavam viciados e não traduziam a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

16. Daqui se conclui, sem a mínima possibilidade de dúvida razoável, que afinal o Banco, através dos seus principais gestores de topo e em especial do presidente do grupo SLN/BPN, forneceu informações falsas do ponto de vista contabilístico e financeiro, que de forma fictícia se encontravam reveladas nas contas, que serviram de suporte à emissão e venda junto da rede comercial do BPN SA, das obrigações de caixa subordinadas da SLN 2004 e SLN 2006, que sabiam nunca viriam a ser pagas na data do vencimento!

17. Certo é que, se o Banco tivesse cumprido o dever de informação a que estava obrigado dificilmente haveria investidores interessados em adquirir o produto financeiro em causa, daí que se conclua com elevado grau de certeza que o Banco jamais poderia ter prestado informação verdadeira.

18. Arriscando a avançar que para uma elementar justiça todos os investidores deveriam ser ressarcidos do investimento efetuado no produto em causa.

19. Foi neste enquadramento, sabemo-lo hoje, que, afinal as poupanças investidas pelos clientes através de aplicações de obrigações subordinadas da SLN, que eram vendidas como seguras e com capital garantido, afinal eram um embuste, e que a crise financeira de 2008 não pode nem deve ser chamada para justificar a atuação do Banco Réu, como este já várias vezes invocou.

20. É manifesto que o Banco Réu atuou em violação das mais elementares regras da boa fé quando na qualidade de intermediário financeiro promoveu de forma agressiva a venda das obrigações subordinadas SLN 2004, bem sabendo que à partida nunca iriam ser pagas, dadas as características da subordinação e sabendo ainda que a entidade emitente estava na iminência da insolvência.

21. Como já percebemos foi exatamente por esta razão – iminência da insolvência – que foram emitidas as obrigações SLN 2004 e 2006 numa tentativa desesperada de salvar o grupo SLN, do qual o próprio Banco Réu fazia parte. 22. Os pontos 11 e 12. dos factos dados como provados, deveriam ser suficientes para que o M. Juiz tivesse criado outra convicção sobre a matéria em análise nos presentes autos.

23. Ora, se resulta provado que todos os funcionários do Banco estavam convencidos de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações SLN Rendimento+2004 constituíam um produto financeiro seguro e não ofereciam riscos para os subscritores e que as orientações e comunicações internas existentes no BPN, e que eram transmitidas aos seus comerciais nos respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa e a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido,

24. como pode o M. juiz a quo concluir que tal postura não tenha ocorrido também no caso em análise nos presentes autos e tenha entendido não se lograr demonstrar que por parte do Réu houve violação dos deveres de informação respeitante ao exercício da sua atividade e consequente ilicitude na sua conduta?

25. Mais, resultando da prova produzida nos vários processos já julgados em 1ª instância e nos Tribunais Superiores donde resulta de forma unânime o procedimento utilizado pelo Banco Réu na venda destes produtos, nomeadamente e com relevo para os presentes autos, quanto à comparação com um depósito a prazo, quanto à omissão de identificação da emitente SLN e quanto à condição da subordinação das obrigações, conhecimentos que não poderia ignorar, seria imperioso que tivesse decidido de forma diferente, dando razão aos AA., e julgando a ação totalmente procedente.

26. O tribunal a quo não procedeu a uma análise crítica das provas, não especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção e não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida e dela não extraiu as presunções impostas por lei ou pelas regras da experiência, violando destarte o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 607.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.

27. A questão a decidir com o presente recurso é a de saber se, face aos factos dados como provados, têm os AA. o direito de receber do Banco Réu a restituição dos valores entregues para subscrição de uma obrigação SLN rendimento + 2004, bem como, se têm direito a ser indemnizados pelos danos não patrimoniais sofridos.

28. Entendem os Recorrentes, contrariamente ao decidido na douta sentença em crise, que lhes assiste o direito de receber do Recorrido os valores entregues para subscrição de uma Obrigação SLN Rendimento+2004.

29. Na apreciação da responsabilidade do Banco R., enquadrou o M. Juiz a quo a situação em apreço nos presentes autos, numa relação de intermediação financeira.

30. Os AA. não celebraram qualquer contrato com a sociedade emitente SLN, mas sim com o intermediário financeiro, desconhecendo até que estavam a subscrever obrigações daquela.

31. Veja-se que até o único documento assinado pelo A. marido [“Comunicação de Cliente”] tem o logotipo e a identificação do banco Réu [BPN] no canto superior direito ou seja, não é um documento com origem na sociedade emitente das obrigações.

32. Este foi, aliás, o único documento entregue ao AA marido sobre o produto em causa e dele não consta qualquer informação sobre as características do produto;

33. De acrescentar que em momento algum o Banco Réu veio demonstrar que foram entregues aos AA. qualquer outro documento, para além deste, onde constasse informações sobre o produto em causa, nomeadamente que se tratava duma subscrição de obrigações doutra entidade; a liquidez do capital; vencimento da retribuição; prazo de reembolso e prazo de vencimento de juros.

34. É manifesto que o Banco Réu violou grosseiramente este dever de informação a que estava obrigado, e mais grave é que ao transmitir aos seus funcionários a segurança do produto, tendo estes assegurado ao A. marido que o produto em causa era garantido com reembolso do capital e respetivos juros, o que, no nosso entender, só pode ser entendido como uma assunção de um compromisso perante o A.

Importa doravante, e em traços gerais, elucidar quais os deveres gerais que sobre os intermediários financeiros incidem, no âmbito da respetiva e específica atividade de intermediação, tanto no momento da formação do contrato, como no momento da sua execução. 36. Estas regras, respeitantes à qualidade, completude e objetividade da informação visam, sobretudo, suprir as assimetrias existentes entre os vários sujeitos intervenientes no mercado que possam levar os investidores a tomaram decisões erradas e ruinosas.

37. O CVM, no seu n.º 1 do artigo 7.º estabelece que a informação “deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”.

38. Resulta do enunciado legal que a proteção conferida por esta norma e por outras destinadas a disciplinar a atuação do intermediário financeiro não se centra na decisão de investimento, mas sim, o processo que leva à formação dessa decisão de investimento. O que releva é a formação esclarecida da decisão de investimento, sendo o critério da exigência da qualidade da informação seguido pelo legislador o critério do “investidor médio e as suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida”.

39. No caso em apreço, os funcionários do BPN e concretamente o funcionário EE, que vendeu aos AA o produto Obrigações SLN 2004, estavam convencidos que o produto financeiro era seguro e não oferecia risco para os subscritores, tratando-se de um produto sólido, com boa rentabilidade e com capital garantido pelo Banco.

40. Ora, a ser assim, verifica-se que o Banco Réu através do mencionado funcionário na qualidade de intermediário financeiro, não poderá ter prestado uma informação completa aos Autores, omitindo especificações próprias das obrigações SLN Rendimento +2004, como a da subordinação, e do risco acrescido que essa circunstância acrescentava ao investimento, dado que estava instrumentalizado pelo Banco para dizer aos clientes precisamente o contrário. Ora estas omissões são claramente violadoras do requisito da completude da informação.

41. Na situação que nos ocupa, os funcionários do BPN/Réu , nomeadamente o funcionário EE, convencido que estava de que o produto em causa apresentava as características já anteriormente referidas e que constam dos factos provados em 11 e 12., apresentou o produto financeiro em causa – obrigações subordinadas SLN Rendimento+2004 como um produto seguro, sem riscos, sólido, com boa rentabilidade e com garantia de capital assegurada pelo próprio Banco, falsidades que induziram em erro os Autores/Recorrentes e tiveram, claramente, um efeito catalisador, da sua decisão de contratar/investir. Afigura-se-nos, assim, que tal conduta do BPN foi, claramente, violadora do requisito da veracidade da informação relevante que deveria ter sido prestada por este intermediário financeiro.

42. Deveria o BPN - intermediário financeiro – ter explicado ao Autor (cliente/investidor), detalhadamente as características do produto e os riscos associados à sua subscrição. Não o tendo feito induziu em erro o Autor.

43. No caso vertente, não foi de todo o BPN, na qualidade de intermediário financeiro, um exemplo a seguir no âmbito do cumprimento dos seus deveres, antes pelo contrário.

44. Na verdade, não podendo os funcionários da agência da ... do BPN desconhecer o perfil do Autor, não se escusaram de o aconselhar a aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN Rendimento +2004, informando-o [erroneamente] que se tratava de uma aplicação financeira sólida, sem risco, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

45. Foi com base nas referidas informações, inexatas e falsas, na contaminação do processo de formação da vontade que se formou a vontade [viciada] do Autor que o determinou a autorizar a aplicação de fundos seus - no valor de €50.000,00 – numa obrigação SLN Rendimento +2004, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, sem risco, com capital garantido pelo Banco e com rentabilidade assegurada.

46. Por conseguinte, não foi uma decisão livre e informada por parte do Autores/Recorrentes que os determinou a subscrever a Obrigação SLN Rendimento+2004, investimento que se revelou ruinoso.

47. Ante o exposto e a factualidade dada como provada, não subsistem dúvidas que no caso sub judice o BPN – intermediário financeiro - violou grosseiramente o dever de informação, não elucidando convenientemente o Autor sobre as características do instrumento financeiro que lhe era proposto/sugerido, já que não é crível que o funcionário do Banco dada a convicção que possuía sobre as características do produto, pudesse ter prestado outra informação que não aquela que se veio a verificar não ser verdadeira, antes prestando informação inexata e enganadora.

48. Sabendo o que sabemos hoje acerca da situação do universo da SLN à data da emissão das obrigações SLN 2004, o Banco Réu nunca poderia ter prestado informação verdadeira, caso contrário nunca teria conseguido vender os produtos em causa, sobretudo pela característica da subordinação sabendo à partida que se tratava de um investimento de risco. Havendo eminência de insolvência da emitente e sendo as obrigações subordinadas, era evidente que o investimento era de risco total, existindo o risco real de nunca chegarem a receber o capital investido, o que se veio a verificar.

49. Demonstrada a grosseira violação do dever de informação por parte do BPN, importa apreciar quais as consequências jurídicas civis dessa conduta, ou seja, se a mesma dá ou não lugar a responsabilidade civil e à consequente obrigação de indemnização dos danos sofridos pelos Autores.

50. Num contrato de intermediação Financeira recai sobre o intermediário financeiro, o dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Este dever, imposto ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal - a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

51. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto à da contraparte.

52. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual - artigo 483º n.º 1 do Código Civil - impendendo sobre o intermediário financeiro, o banco, que haja nesta veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º n.º 1 do Código Civil e n.º 2 do art. 304º A do CVM.

53. Estando demonstrado que o Banco Réu, na fase pré contratual não prestou a exigível e qualificada informação, pautada pelo standard da atuação de boa fé, com elevado padrão de conduta, não atuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é óbvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada.

54. A doutrina e a jurisprudência não são consensuais em sede de caracterização da natureza da responsabilidade civil dos intermediários financeiros, pois que, se alguns a qualificam como sendo uma responsabilidade delitual, apresentando os deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade como normas de proteção, outros antes se inclinam para a integrar no campo da responsabilidade contratual.

55. No que nos diz respeito, com o amparo dos doutos considerandos explanados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/3/2016, inclinamo-nos a considerar que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos nos temos do artigo 75º, nº 1, do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.

56. Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC., e também por força do disposto no art.º 314º, n.º 2, do CVM, e do artº 344º do CC que faz inverter o ónus da prova, e, porque o art 799º do CC contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa.

57. Quanto à culpa do intermediário financeiro, que se poderá materializar no dolo ou na negligência, o nº2 do art. 304º introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487º, nº2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

58. Por outro lado, o nº2 do artigo 314º presume a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, “em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

59. E no caso em apreço, o Banco Réu não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia. Antes pelo contrário. Os factos dados como provados neste e noutros processos já conhecidos apontam para a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações que prestou aos investidores. Tratando-se de promover a subscrição de um produto emitido pela sociedade detentora da totalidade do capital do Banco agindo num quadro de conflito de interesses, este terá montando uma campanha agressiva de promoção de tais obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” junto dos seus clientes.

60. Foi o Banco Réu que, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de “angariação” de investidores, no âmbito da qual os funcionários do banco tinham instruções precisas para contactar com os clientes, e quanto ao modo de apresentação do produto, propondo-lhes a respetiva subscrição.

61. E, como já referimos, estas informações, são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do “produto financeiro” onde iam ser investidas as suas poupanças – quer por falta de informação do que são obrigações enquanto valores mobiliários, quer das implicações de se tratar de obrigações subordinadas.

62. Mais uma vez, sublinhamos que a censura sobre o comportamento do Banco Réu recai sobre a omissão de informação perante os investidores dos aspetos desvantajosos destes valores mobiliários – quer ao nível da liquidez, quer dos riscos relativos ao seu reembolso.

63. Não era exigível aos autores que, por sua própria iniciativa, tratassem de procurar por outra via informações que pudessem confirmar as caraterísticas que lhe estavam a ser apontadas ao produto pelo Banco Réu.

64. Quanto ao dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações, não haverá dúvidas de que abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

65. Ora, sempre se dirá que se encontra dado como provado que até à presente data os AA não foram reembolsados da quantia correspondente ao capital que investiram na aquisição da obrigação SLN 2004 – é do conhecimento público que a então entidade emitente foi declarada insolvente em 2016, sendo que os credores das “Obrigações Subordinadas”, só poderiam ser pagos depois dos credores comuns…

66. Quanto ao nexo de causalidade para efeito de imputação dos danos, a doutrina vem entendendo que o nº2 do artigo 314º contém igualmente uma presunção de causalidade.

67. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores. Antes pelo contrário, os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor marido foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pela Ré:

68. Os autores foram desapossados da quantia de 50.000,00 € em troca de um produto financeiro que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco Réu, enquanto intermediário financeiro.

69. Concluímos, assim pela responsabilização do Banco Réu pela violação dos deveres de informação previstos no art. 312º CVM, como aliás tem vindo a ser decidido maioritariamente pelos nossos tribunais.

70. Face ao exposto, e porque a factualidade que resultou demonstrada é elucidativa no que concerne à verificação de um facto voluntário do devedor/Banco Réu [pelo menos, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar] e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do referido dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa [pelo menos com base em presunção não ilidida], o dano [o não reembolso de capital investido em instrumento financeiro] e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, prima facie tudo aponta para a condenação do Réu no pagamento aos Autores de uma indemnização.

71. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem para situações que impliquem uma projeção do futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto a sua ocorrência.

72. Assim para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco Réu traduzido na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que os Autores não teriam subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos imposto por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita

73. Por fim, importa ter presente que o Banco Réu é responsável perante os Autores pelos “actos dos seus representantes legais ou pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados por si” – artigo 800º, n.º 1, do CC.

74. A questão do dever de informação nas suas diversas facetas no âmbito da intermediação financeira efetuada por Bancos que “vendem” aos seus balcões papel comercial de outras entidades, com eles relacionadas, vem sendo, ultimamente, de forma reiterada abordada nos nossos Tribunais.

75. O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era sem risco, com reembolso do capital. Esta declaração, para com estes AA., interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art. 236º do Código Civil), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o cliente, o do reembolso do capital.

76. Assim, conclui-se com segurança pelo estabelecimento de nexo de causalidade entre o facto ilícito que é imputável ao recorrido e os danos sofridos pelos Recorrentes.

7. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o intermediário financeiro constituísse na obrigação de indemnizar o cliente pelos prejuízos sofridos consistentes no montante do capital investido e respetivos juros moratórios.

78. Os Autores terão direito a receber o capital investido -€50.000,00 - bem como os respetivos juros de mora desde a data da citação.

79. Com o acórdão recorrido foram violados vários preceitos legais arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304, 312º a 314º e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e, artigos 344º, 483º e ss., 563º e 798º e ss. do C.C., o artigo 412º, nº1, 607º n.ºs 4 e 5 e 615º do Código de Processo Civil .


Impõe-se a total procedência do recurso e a revogação do acórdão recorrido sendo substituído por outro que condene o Banco Réu no pedido, Termos em que deverão V. Exas. revogar o douto acórdão recorrido e julgar totalmente procedente, por provado, o presente recurso, substituindo a decisão da 1ª instância por outra que condene o Banco Réu no pedido, com o que farão, como é timbre deste Colendo Supremo Tribunal a já costumada JUSTIÇA!»


7. O Banco BIC apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção da decisão recorrida.


8. A Relatora, por despacho proferido em 12-11-2019, suspendeu a instância até ao trânsito em julgado do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no Processo nº1479/16.....


9. Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a decidir, pela sua ordem lógica, são as seguintes:

I - Nulidade do acórdão recorrido por violação do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC e nulidade por falta de especificação dos fundamentos decisivos para que o tribunal forme a sua convicção e ausência de uma análise crítica da prova (artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC).

II – Responsabilidade civil do réu, Banco BIC, enquanto intermediário financeiro, designadamente, saber se do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e do artigo 314.º, n.º 2, do CVM, na redação do DL n.º 486/99, de 13 de novembro, se pode deduzir uma presunção de ilicitude e de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

III – Interpretação das declarações negociais à luz dos critérios fixados no artigo 236º do Código Civil), de molde a saber se o Banco assume, perante o cliente, o compromisso do reembolso do capital.


Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. Pela Ap. ...31, foi inscrita na competente Conservatória do Registo Comercial ..., a sociedade anónima denominada Banco Português de Negócios, S.A. (BPN), tendo por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, entre as quais a de intermediação financeira em instrumentos financeiros.

2. No dia 12 de novembro de 2008 foram nacionalizadas todas as ações representativas do capital social do BPN e aprovado o regime da sua apropriação pública por via de nacionalização (Lei n.º 62-A/2008 de 11 de novembro).

3. Até essa data, o capital social do BPN era detido, na sua totalidade, pela sociedade SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., atualmente denominada Galilei, SGPS, S.A.

4. Após a referida nacionalização, o capital social do BPN foi adquirido pelo Banco BIC Português, S.A. (BIC), e em seguida incorporado, por fusão, neste Banco.

5. Da fusão por incorporação do Banco BIC Português S.A no BPN, foi assumida a designação social da primeira, mantendo-se a personalidade jurídica da segunda.

6. Os AA. são casados, no regime de comunhão de adquiridos.

7. O Autor marido é cliente do Réu, na sua agência de ..., com a conta de depósitos à ordem nº ...01.

8. O autor marido após a sua assinatura num documento intitulado “comunicação ao cliente” contendo o logotipo do BPN no canto superior direito, onde no campo identificado como “Pela presente solicito/amos que:” consta “Pretendo subscrever 50.000,00 € SLN Rendimento +”.

9. Esse documento contém um carimbo com as menções “RECEBIDO” “25 OUT. 2006” e “BPN ...”.

10. Nesse documento, no canto inferior direito, no campo identificado como “Banco”, consta a data de “24/10/2006”, e por baixo, a rubrica de EE, funcionário do banco.

11. Este funcionário, assim como os colegas dessa agência e das demais agências daquele Banco, estava convencido, de acordo com indicações superiores que lhe foram transmitidas, que as “Obrigações SLN 2004” constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores.

12. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa e a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

13. Os AA. receberam juros semestrais respeitantes à aplicação até 24.04.2015.

14. Até à presente data os AA. não foram reembolsados da quantia correspondente ao capital que investiram na aquisição da “Obrigação SLN 2004”.


A que há a acrescentar a seguinte, cf. despacho de fls. 171 a 183:

15. Os AA. andam em permanente estado de preocupação e de "stress", com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro.

16. Os AA. estão ambos reformados.


2.1.2. Factos não provados:

a) A Autora mulher é cliente do Réu, na sua agência de ... desde dezembro de 2004, com a conta de depósitos à ordem nº ...01,

b) É nessa conta que os AA movimentavam parte do seu dinheiro, realizam pagamentos e efetuam poupanças.

c) Em outubro de 2006, o A marido deslocou-se à agência da ... com o intuito de realizar um depósito a prazo com o valor de 50.000,00€ que tinha de poupanças.

d) Foi atendido ao balcão pelo gerente de então da agência da ..., EE.

e) O referido funcionário assegurou ao A. marido que tinha um outro produto que era em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido, e que era um produto sem qualquer risco e melhor remunerado.

f) Quando foi apresentado o produto “Obrigações SLN Rendimento+ 2004” o A. marido não o identificou como sendo obrigações da sociedade SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, mas pensou tratar-se do nome comercial de um produto financeiro.

g) Disse ainda que poderia ser por ele resgatada a qualquer altura, tal como sucedia com os depósitos a prazo.

h) O referido funcionário assegurou ainda que o BPN colocaria numa conta dos AA. a quantia despendida com a aquisição daquele produto, assim que estes lho solicitassem, o que demoraria cerca de 2, 3 dias.

i) E que caso viesse a resgatar antecipadamente isso apenas implicaria a perda dos respetivos juros não vencidos nesse semestre.

j) No circunstancialismo referido nos pontos 8 a 10 dos factos provados era intenção do A. marido subscrever um depósito a prazo, ao invés de subscrever as obrigações SLN Rendimento + 2004.

k) Nessa ocasião, o funcionário da agência de ... do BPN não informou o A. marido do teor da “nota informativa” relativa ao produto, nem lhe entregou cópia da mesma, nem de qualquer outro documento para além do referido no artigo anterior.

l) Os AA., em especial o A. marido depositavam no gerente da agência de ... do BPN, EE, e nos demais funcionários da agência, total confiança.

m) Estes bem sabiam que o A. marido apenas contratava depósitos a prazo por não apresentarem qualquer risco.

n) Apesar disso, nem o gerente do BPN ..., nem qualquer outro funcionário do Réu, informaram os AA. que ao adquirir as “Obrigações SLN Rendimento + 2004” perdiam o controlo sobre o dinheiro investido.

o) Assim como não informaram da impossibilidade de, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até outubro de 2014, data do termo da maturidade daquele produto financeiro, o dinheiro nele investido, nem que só poderiam ser reembolsados a partir daquela data, o que os AA. só vieram a perceber muito mais tarde.

p) Se os AA. tivessem sido previamente informados pelo Réu das características do produto, como era sua obrigação, nunca teriam adquirido aquele produto financeiro;

q) Ou ainda, se tivesse sido fornecido e explicado aos AA o conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”, nunca os AA. teriam adquirido o produto.

r) Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre as “Obrigações SLN” referidas, nem que contivesse prazos de resolução.

s) Os funcionários das agências do BPN tinham indicações superiores para apenas mostrarem a “nota informativa” aos clientes potenciais ou efetivos subscritores das “Obrigações SLN 2004”, no caso de estes a solicitarem.

t) E ainda, para convenceram os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo.

u) Os AA. só adquiriram a “Obrigação SLN 2004” por terem sido convencidos pelo gerente da agência da ... do BPN, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco; e que se tratava de um sucedâneo de depósito a prazo, com características semelhantes a este, mas melhor remunerado.

v) O gerente e os demais funcionários da agência de ... do BPN sabiam que os AA. apenas adquiririam um produto nessas condições, e que não oferecesse qualquer risco.

w) Em outubro de 2015 os AA. deixaram de receber juros da aplicação e só nesta data perceberam que não iriam receber nem o capital investido nem os juros.

x) Em outubro de 2006, o Autor marido foi pelo menos informado de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.,

y) … e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

z) Foi ainda informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

A que há a acrescentar o seguinte, cf. despacho de fls. 177 a 183:

aa) Os AA., por efeito da atuação do Réu, quanto à não restituição do capital e juros na data da maturidade do produto, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem.

bb) Com a sua atuação, o Réu colocou os AA. no estado mencionado no ponto 15 dos factos provados;

cc) Os AA enfrentam problemas de saúde.

dd) Os AA auferem a título de reforma, ele cerca de 400,00€ e ela cerca de 300,00€, valores que são manifestamente insuficientes para a sua subsistência.”.


B – O Direito

            I – Das nulidades do acórdão recorrido

1. Nas suas conclusões o recorrente invoca a falta de fundamentação de facto e de direito e a nulidade do acórdão recorrido ao abrigo da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Interpretando o pedido dos recorrentes, afigura-se-nos que estes pedem ao Supremo Tribunal de Justiça que decrete a nulidade do acórdão recorrido com base na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, bem como a nulidade por inobservância do dever de o juiz decidir todas as questões colocadas pelo autor/recorrente e não se pronunciar sobre questões não suscitadas, conforme estipula a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença ou do acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença ou acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Como afirmam Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 763), verifica-se «(…) uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso».

Os vícios determinantes da nulidade da sentença ou do acórdão correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

O dever de fundamentação facto e de direito impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados, bem como o dever de interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

O vício de fundamentação só é causa de nulidade da sentença (ou do acórdão) quando estamos perante uma total ausência de fundamentação, como tem entendido a jurisprudência, aí incluindo apenas a falta absoluta de fundamentação, mas não já a mera insuficiência ou o putativo desacerto da mesma (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 02-06-2016, proc. n.º 781/201; Abrantes Geraldes, et al., ob. cit., p. 763).


2. Ora, no que diz respeito à fundamentação do acórdão recorrido, verifica-se que este discriminou os factos provados e não provados,  justificou a resposta dada à impugnação da matéria de facto pedida pelos apelantes, procedendo a uma apreciação crítica da prova testemunhal e documental, e concluindo que os testemunhos, porque prestados por quem não presenciou os factos, se revelavam insuficientes para dar como provados os factos integradores do incumprimento do dever de informação pelo funcionário, que atendeu o autor na operação de subscrição das obrigações em litígio.

O tribunal recorrido não modificou o elenco dos factos provados e não provados tal como fixados na sentença, por entender que as testemunhas não tinham conhecimento direto dos factos relativos à informação que teria sido ou não prestada ao autor pelo funcionário que o atendeu na subscrição das obrigações SLN, uma vez que não foram ouvidos nem o funcionário, por não ser possível encontrar o seu paradeiro, nem o autor, em depoimento de parte, conforme resulta do seguinte excerto que agora se transcreve.

«A matéria de facto colocada em crise no presente recurso, a questão que, nesta sede, verdadeiramente, importa decidir, não obstante a sua extensão, é a de saber se o autor estava esclarecido/informado, aquando da decisão de efectuar as operações em causa, designadamente a aquisição das supra referidas obrigações, acerca do que estava a comprar/contratar ou se o banco, através do funcionário que o atendeu, omitiu as informações acerca de tal produto ou, se, até, lhe prestou informações falsas, induzindo-o a comprar o que não queria, se comprou um produto, pensando estar a comprar outro, diferente.

Como se refere na fundamentação da matéria de facto plasmada na sentença recorrida, nenhuma das pessoas inquiridas teve conhecimento directo do modo como decorreu a subscrição do produto em causa nos autos.

Efectivamente, a testemunha FF, descreveu a forma como o fazia, com os seus clientes, desconhecendo a forma como o fazia e fez, em concreto, o funcionário que atendeu o autor, o qual, como resulta de tal depoimento, se encontra com paradeiro incerto e, por isso, não foi ouvido, o que leva os recorrentes a afirmar, nas suas alegações de recurso que, por tal motivo, não podem ficar impedidos de fazer a prova dos factos atinentes.

O problema é que mais ninguém demonstrou ter conhecimento de tais factos, pois que as demais testemunhas ouvidas – filhos de autor e da autora, respectivamente – também nada referiram saber acerca de tal factualidade, limitando-se a expressar opiniões subjectivas acerca da intenção do autor: não subscrever produtos de risco.

Sobravam, assim, o funcionário que atendeu o autor, não inquirido, presume-se que pelos supra referidos motivos e o autor.

Este havia pedido para ser ouvido em declarações de parte.

Contudo, como resulta da acta de audiência (cf. fl.s 108), a sua Ex.ma Mandatária declarou, finda a produção da demais prova arrolada, que prescindia da tomada de declarações ao autor.

Assim, gorou-se, quiçá, a única forma de tentar demonstrar a veracidade dos factos alegados pelos autores».

3. Quanto à fundamentação de direito, entendeu o acórdão recorrido, após exposição doutrinária e jurisprudencial, que as normas aplicáveis – o artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e o artigo 314.º, n.º 2,  do CVM – estipulam uma presunção de culpa que, todavia, não contém qualquer presunção de ilicitude e de causalidade, pelo que a factualidade provada se afigurava manifestamente insuficiente para consentir a demonstração dos requisitos da responsabilidade civil do Banco enquanto intermediário financeiro para o efeito de no processo se obter uma decisão de condenação do Banco ao pagamento de uma indemnização.

E, se bem que neste ponto tenha feito considerações desnecessárias – nomeadamente que a circunstância de os juros serem altos devia ter levado o autor a perceber que não se tratava de um depósito a prazo – e que não vieram a ser aceites pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, que não considera adequado deduzir desta circunstância o conhecimento das caraterísticas do produto, e que inclui na ilicitude não só a informação de que as obrigações subordinadas são depósitos a prazo como aquela, segundo a qual, o funcionário transmitia ao cliente que se tratava de um produto semelhante ao depósito a prazo por ter capital garantido – tal não constitui um vício de fundamentação relevante para efeitos da declaração de nulidade do acórdão. Trata-se apenas de presunções de facto que, na prática, constituíram obiter dictuum, porque não tiveram um papel decisivo na fundamentação da decisão, a qual, no essencial, resultou da apreciação da prova testemunhal considerada insuficiente para a demonstração da violação do dever de informação, nos moldes atrás descritos.

Assim sendo, foi aduzida uma fundamentação de facto e de direito, a qual, sintética nalguns pontos e excessivamente desenvolvida noutros, ainda assim tem de se considerar suficiente para se compreender a decisão sem que tenha ficado qualquer ponto obscuro ou ininteligível no acórdão recorrido.

Pelo que, não se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC:

4. Vejamos agora se existe algum vício estrutural decorrente da inobservância, por excesso ou por defeito, do thema decidendum.

A este propósito é pacífico na jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as questões de conhecimento oficioso, mas não é obrigatório que o tribunal responda a todos os argumentos, pois que estes não constituem “questões” para o efeito da delimitação do objeto do recurso. A este propósito, afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-03-2014, proc. n.º 555/2002), a orientação segundo a qual «Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem como isso incorrer em omissão de pronúncia».

Analisando as conclusões (em conjugação com as alegações) do recurso de apelação, peça que não foi transcrita no acórdão recorrido devido ao seu caráter alegadamente prolixo conforme afirmado no acórdão recorrido, verifica-se que as questões suscitadas na apelação foram as seguintes: Nulidade da sentença recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão (al. b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC), por contradição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC) e por omissão de pronúncia (al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC); erro na apreciação da prova; pressupostos do dever de indemnização do Banco: violação do dever de informação e nexo de causalidade entre o facto e o dano; prescrição.


5. Ora, estas questões correspondem àquelas que foram discutidas e decididas pelo acórdão recorrido (com a única ressalva da questão da prescrição sobre a qual não houve pronúncia por ter ficado prejudicada pela solução dada às restantes questões), que as elencou da seguinte forma, que agora se transcreve:

«A. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC;

B. Se a sentença recorrida sofre de falta de fundamentação quanto aos factos descritos nos itens 1.º a 9.º, dos factos provados, bem como quanto à factualidade referente aos danos não patrimoniais invocados;

C. Se existe contradição entre os factos constantes da al. a), dos factos dados como não provados e os descritos nos itens 6.º e 7.º dos dados como provados;

D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente às alíneas a), c) e e) a v), dos factos dados como não provados na decisão recorrida, os quais deverão passar a ser considerados como provados; devendo, ainda, dar-se como provada, nos termos descritos na conclusão 25.ª, a factualidade alegada no nos artigos 71.º a 75.º da petição inicial;

E. Se a presente acção deve proceder, com fundamento na violação do dever de informação, por parte do réu, para com o autor, ao contratar com ele a subscrição das obrigações retratada nos autos e:

F. Se se verifica a prescrição do direito a que se arrogam os autores».

Destaca-se, de entre as questões colocadas pelos apelantes, a questão da omissão de pronúncia da sentença em relação aos danos não patrimoniais, a passagem dos factos não provados para provados de molde a ficarem demonstrados os requisitos da responsabilidade civil, a questão das presunções de ilicitude e de causalidade, e a questão da valoração da prova indireta e da análise crítica da prova, que também tiveram resposta no acórdão recorrido integradas nas categorias A. a E. supra mencionadas, esclarecendo-se que quanto à nulidade por falta de fundamentação verificada na sentença, esta foi, quanto à questão dos danos não patrimoniais, reconhecida e suprida pelo tribunal de 1.ª instância, tendo o acórdão recorrido considerado suficiente a fundamentação do despacho do juiz do tribunal de 1.ª instância.

Assim sendo, porque foram discutidas e decididas todas as questões suscitadas pelos apelantes, não se verifica qualquer nulidade do acórdão recorrido, por omissão ou excesso de pronúncia.

 

II – Responsabilidade civil do Banco réu enquanto intermediário financeiro

6. A responsabilidade civil do Banco terá que ser resultar da interpretação e da aplicação das normas jurídicas do Código de Valores Mobiliários (CVM), na redação do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, aos factos provados e não provados, que este Supremo não pode modificar, pois que, tendo as instâncias recorrido a presunções judiciais e a prova testemunhal – meios de prova de livre apreciação –  qualquer erro na fixação da matéria de facto e na apreciação da prova que eventualmente tenha sido cometido não é cognoscível pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 682.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, em conjugação com o n.º 3 do artigo 674.º, segundo o qual «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

           

7. Quanto ao conteúdo e alcance do dever de informação as normas jurídicas aplicáveis são as seguintes:

 Artigo 7.º do CVM: 

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Artigo 304º do CVM:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…)»


O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (…).


E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».


Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

           

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:            

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».


8. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:

- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;

- a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.

- a culpa do intermediário financeiro, por força da presunção de culpa estabelecida na regra do n.º 2 do artigo 314.º, ilidível nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.    

- o nexo de causal entre a violação do dever de informação e o dano, que deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada nos termos do artigo 563.º do Código Civil, que prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

 - o dano, que, em termos genéricos, consiste no prejuízo resultante do investimento nas obrigações.

Podemos dizer, portanto, que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária.

A culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal. Nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º 2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Por último, a lei exige o nexo de causalidade entre o facto e o dano, no sentido em que os danos, para serem indemnizáveis, devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

                       

9. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que aplicar a orientação nele adotada para solucionar as questões de direito relativas à violação do dever de informação pelo intermediário financeiro e ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

O AUJ n.º 8/2022 rejeitou a tese, defendida pelos recorrentes na sua alegação de recurso, de que a presunção de culpa consagrada na lei incluía uma presunção de ilicitude e de nexo de causalidade, fazendo recair sobre o autor o ónus da prova da violação do dever de informação e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, enunciando como princípios aplicáveis:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  


10. Assim sendo, importa indagar, na factualidade provada e não provada, se os recorrentes cumpriram ou não o ónus da prova que lhes competia.

Sobre o dever de informação resultou provado apenas o seguinte:

«11. Este funcionário, assim como os colegas dessa agência e das demais agências daquele Banco, estava convencido, de acordo com indicações superiores que lhe foram transmitidas, que as “Obrigações SLN 2004” constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores.

12. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa e a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido».


 Entendem os recorrentes que estes factos, em conjugação com os factos públicos e notórios das políticas agressivas de venda das obrigações SLN pelo BPN e dos processos crime contra os administradores do Banco, são suficientes para se considerar provada a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco.

Todavia, atendendo-se aos factos não provados nas alíneas c) a o) e na alínea r) resulta que não se logrou fazer prova sobre a questão essencial de saber se a decisão do recorrente marido de subscrever os produtos foi uma decisão baseada numa informação inexata e incorreta, nem o que, em concreto, foi dito ao recorrente, pelo funcionário que o atendeu, acerca das caraterísticas do produto.

Assim, e uma vez que o AUJ n.º 8/2022 não aderiu à tese da presunção legal de ilicitude, fazendo antes recair o ónus da prova sobre o cliente, o risco da insuficiência da prova corre contra este, tendo que se concluir deste regime, que, no caso sub judice, o autor não logrou demonstrar a violação do dever de informação, a qual, por força da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022, não pode ser deduzida da presunção de culpa do Banco ou das suas práticas de venda alegadamente fraudulentas.

Ainda que assim não se entendesse, com base na prova do que eram as orientações dadas pelo Banco aos funcionários (factos provados n.ºs 11 e 12) sempre teria de se afirmar que falta, de forma inequívoca, a prova do nexo causal entre o facto e o dano nos termos exigido pelo AUJ n.º 8/2022, que postula o seguinte nos pontos 3. e 4. do segmento uniformizador: «3.O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir». 


Ora, da matéria de facto não provada consta o seguinte:

 «p) Se os AA. tivessem sido previamente informados pelo Réu das características do produto, como era sua obrigação, nunca teriam adquirido aquele produto financeiro;

q) Ou ainda, se tivesse sido fornecido e explicado aos AA o conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”, nunca os AA. teriam adquirido o produto. (…)

u) Os AA. só adquiriram a “Obrigação SLN 2004” por terem sido convencidos pelo gerente da agência da ... do BPN, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco; e que se tratava de um sucedâneo de depósito a prazo, com características semelhantes a este, mas melhor remunerado».

13. Em consequência, não se provou o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, interpretado à luz da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022.

14. Pelo que, não estando verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual ou pré-contratual do Banco, por violação do dever de informação, não se pode condenar o Banco ao pagamento de uma obrigação de indemnização pelo dano do capital perdido.


            III – Interpretação das declarações negociais

14. Os recorrentes invocam, ainda, na conclusão n.º 75, a violação do artigo 236.º do Código Civil, por entenderem que, dos critérios de interpretação das declarações negociais, à luz do artigo 236.º do Código Civil, aplicados ao documento assinado pelo autor marido, no qual estava aposto o logotipo do BPN, resulta que o Banco teria assegurado ao cliente o reembolso do capital.  

Vejamos os factos relevantes:

«7. O Autor marido é cliente do Réu, na sua agência de ..., com a conta de depósitos à ordem nº ...01.

8. O autor marido após a sua assinatura num documento intitulado “comunicação ao cliente” contendo o logotipo do BPN no canto superior direito, onde no campo identificado como “Pela presente solicito/amos que:” consta “Pretendo subscrever 50.000,00 € SLN Rendimento +”.

9. Esse documento contém um carimbo com as menções “RECEBIDO” “25 OUT. 2006” e “BPN ...”.

10. Nesse documento, no canto inferior direito, no campo identificado como “Banco”, consta a data de “24/10/2006”, e por baixo, a rubrica de EE, funcionário do banco».


15. Perscrutado esse documento (doc. n.º 4, junto com a petição inicial), designado como “Comunicação de Cliente”, verifica-se que dele apenas consta o nome do recorrente AA, n.º de conta ...67, Agência ..., a declaração escrita “Pretendo subscrever 50.000,00 euros SLN Rendimento +”, o carimbo do BPN ..., no qual consta “Recebido, 25 de outubro de 2006”, a data de 24 de outubro seguida das assinaturas do recorrente e do funcionário.

A contextualização deste documento na realidade factual do caso também não ajuda, uma vez que os termos lacónicos em que está redigido e o extenso elenco dos factos não provados [alíneas e) a i)] inviabilizam que dele se possa retirar uma declaração negocial do Banco, que o vinculasse a assumir diretamente com o cliente um compromisso de garantia do capital.


 16. Em consequência, confirma-se o acórdão recorrido e absolve-se o Banco BIC do pedido.


17. Anexa-se Sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que aplicar a orientação nele adotada para solucionar as questões de direito relativas à violação do dever de informação pelo intermediário financeiro e ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

II – Nos termos da AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa fixada no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e no artigo 314.º, n.º 2, do CVM não inclui uma presunção de ilicitude nem uma presunção de causalidade.

III – No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 31 de janeiro de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves

Maria João Vaz Tomé