Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/2000.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PAGAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 640.º, 662.º, N.º2.
DECRETO-LEI N.º 522/85, DE 31 E DEZEMBRO: - ARTIGO 18.º, N.º1.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGO 31.º.
LEI N.º 2.127: - BASE XXXVII.
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13 DE JANEIRO DE 2005, PROC. N.º 04B1310, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 12 DE SETEMBRO DE 2006, PROC. N.º 06A2244, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 6 DE MARÇO DE 2007, PROC. N.º 07A189, WWW.DGSI.PT;
-DE 29 DE ABRIL DE 2010, PROC. N.º 102/2001.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 14 DE ABRIL DE 2011, PROC. N.º 3075/05.2TBPBL.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT, E, DE11 DE DEZEMBRO DE 2012, PROC. N.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não consubstancia uma alteração da matéria de facto, que devesse observar as regras definidas no art. 640.º do NCPC (2013) ou qualquer ampliação, a consideração, pela Relação, de factos provados por acordo, os quais têm sempre de ser levados em conta quer pela 2.ª Instância quer pelo STJ.

II - Demonstrando-se, no contexto de um processo por factos que constituem simultaneamente acidente de viação e acidente de trabalho, que a recorrente, no âmbito da responsabilidade civil por acidente de trabalho, foi já ressarcida pela recorrida em virtude de contrato de seguro que a abrangia e havendo coincidência entre os danos a indemnizar numa e noutra vertente, as importâncias pagas devem ser descontadas, de forma a que inexista duplicação de indemnizações.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA (falecido na pendência da causa, sendo habilitados em seu lugar a mulher, BB e os filhos CC, DD e EE), (proc. nº 102/2000),

FF (falecido, sendo substituído na acção por GG, viúva, e HH, II e JJ, filhos), (proc. nº104/2000) e

KK, LL e MM (falecido na pendência da causa, sendo habilitada a mãe, KK), (proc. nº 105/2000),

intentaram acções separadas contra NN Seguros, S.A., à qual sucedeu OO - Companhia de Seguros, S.A., pedindo as correspondentes indemnizações pelos danos resultantes de um mesmo acidente de que foram vítimas os dois primeiros autores e o marido e pai dos terceiros, provocado, segundo alegam, pelo condutor de um veículo automóvel seguro na ré que se despistou e foi embater num outro, no qual seguiam AA, PP (marido de KK e pai de LL e de MM) e  FF.

As acções nºs 104/2000 e 105/2000 terminaram com a homologação das transacções a que as partes chegaram; manteve-se a acção nº 102/2000, na qual KK, LL e MM pediam uma indemnização de 56.166.317$00 (46.166.317$00 por danos patrimoniais, resultantes da quebra de rendimentos, devida à morte de seu marido e pai, o restante pela perda do direito à vida de PP e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores).

Pela sentença de fls. 478, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar a KK a quantia de € 75.923, 12 (€ 40,983,23 por danos patrimoniais e o restante por danos não patrimoniais) e a LL o montante de € 17.469,94, com juros de mora contados à taxa de 4% desde a data da mesma sentença. Estas indemnizações correspondem a 50% do cálculo dos danos, por não se ter provado que o acidente tivesse resultado de culpa do condutor segurado na ré e por se ter atribuído percentagens iguais de responsabilidade pelo risco aos condutores envolvidos no acidente.

Na fundamentação relativa ao cálculo dos danos patrimoniais, recordou-se, por entre o mais, que “estamos perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho e a ré, no foro laboral, assumiu a obrigação de pagar à autora KK uma pensão anual e vitalícia de 376 954$00, correspondentes a € 1 880,24, e ao autor MM uma pensão anual e temporária de 251 303$00, correspondentes a € 1 253,49. As referidas pensões e indemnização não são cumuláveis, ou seja, a autora tem de optar em auferir uma ou outra.”

A ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Pelo acórdão de fls. 523, a apelação foi julgada procedente, sendo a sentença parcialmente revogada para descontar a quantia que a seguradora já tinha pago a KK no âmbito do seguro laboral, € 34.859,14.

Para assim decidir, a Relação considerou que a ré “é a seguradora civil e simultaneamente a seguradora laboral, sendo que no processo n." 623/97, que correu termos no Tribunal do Trabalho do Barreiro, a ré assumiu a obrigação de pagar à autora KK a pensão anual e vitalícia de 376 954$00”; que, na contestação, a ré alegou “que no âmbito do processo aludido assumiu a obrigação de pagamento de uma pensão anual e vitalícia à autora, pensão que se encontra a pagar pelo que, não sendo cumuláveis as indemnizações por acidente simultaneamente de viação e de trabalho, não tem a autora direito a reclamar da ré nova indemnização – cfr. os arts. 13° a 16° e 29° a 33° do articulado de fls, 27 a 33 do processo 102/2000 entretanto apenso aos autos”; que o pagamento não figura na lista dos factos provados, havendo que proceder ao correspondente aditamento, tomando em conta a prova documental junta na audiência e não impugnada pelos autores, demonstrando que “no período compreendido entre 19-05-1997 e 31-12-2011 foram pagas pensões à autora no montante total de 34.859,14 euros, conforme resulta dos autos”, estando portanto provado o pagamento, por acordo das partes; que não “tem cabimento obrigar a ré seguradora a pagar à autora a indemnização ora fixada por sentença e considerar que a mesma ré deve, em fase posterior e noutro processo, peticionar à mesma autora a devolução do valor que anteriormente já havia pago, nas vestes de seguradora laboral”.


2. KK recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:


I. De facto, não foi impugnado o julgamento de facto nem foi solicitado a ampliação da factualidade assente.

II. Esta omissão não é, em nosso entendimento, juridicamente irrelevante sendo que incumbia à Recorrida proceder a tal solicitação

III. Para além disso os montantes em causa não são coincidentes com os montantes pagos e colocados à disposição da Recorrente

IV. De facto resulta da sentença que a NN foi condenada no âmbito do processo 623/97 no pagamento de pensão anual e vitalícia de 376.954$00 e ao filho MM [LL] a pensão anual e temporária de 251.303,00.

V. O apuramento desta pensão anual e vitalícia tem por referência o salário mensal de 85.000$00 acrescido de 19.140,00 euros ( artigo 15 da matéria de facto provada)

VI. Apurou-se ainda que PP auferia 870,00 multiplicada por 22 dias a qual por sua vez seria multiplicada por 11 meses

VII. Esta última importância não se estava segurada e por consequência não se encontra transferida a responsabilidade para a seguradora na área laboral.

VIII. Não se encontrando transferida para a seguradoras na área laboral não terá que ser deduzida na presente situação

IX. Como é referido no aliás douto acórdão é sabido que parte significativa da jurisprudência considerando que em face do que dispõe o artigo 31 nº 2 da Lei 100/97 se o sinistrado recebe a indemnização/pensão que lhe é devida no foro laboral por via do pagamento da seguradora aí responsável fixada a indemnização no foro civil para ressarcimento do mesmo tipo de dano e optando o sinistrado por essa indemnização a seguradora civil não pode obstar ao pagamento invocando que o sinistrado já se mostra ressarcido do prejuízo sofrido.

X. Nessa hipótese vem-se entendendo que a seguradora civil deve pagar ao sinistrado a indemnização fixada incumbindo à seguradora laboral accionar directamente o sinistrado com vista à devolução das quantias que entretanto pagou

XI. Ora, em momento nenhum, a Recorrente exerceu qualquer opção

XII. Assim sendo deveria em nosso entendimento ser mantida a aliás douta sentença de 1ª instância.

XIII. O facto de a Ré OO ser em simultâneo seguradora civil com 50% de responsabilidade e laboral não impõe em nosso entendimento procedimento diferente.

XIV. As regras procedimentais não podem ser diferentes para esta situação por peculiar que seja a situação.

XV. Impõe-se a Recorrida (enquanto seguradora do trabalho) reclamar em fase posterior e noutro processo eventuais créditos que detenha sobre a Recorrente.

XVI. Independentemente disso a não é irrelevante a quota de responsabilidade da OO seja apenas de 50%.

XVII. Deste modo deve ser revogado o Douto acórdão proferido e em conformidade ser a recorrida condenada no pedido.

XVIII. Face ao exposto a Douta Decisão violou nomeadamente o preceituado nos artigos 31º nº 2 da Lei 100/97”.

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição “por outro que condene a recorrida no pedido formulado”.


A ré contra-alegou, concluindo:


“1. Como dispõe o n° 4 do Artigo 662° do C.P.Civil (aplicável ao caso sub judicio por força do disposto no Artº 7° n° 1 da Lei n° 41/2013 de 26/06)

"Das decisões da Relação previstas nos nºs. 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. "

2. De igual modo que dispõe o nº 3 do Artigo 674º do mesmo Código que "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista ... "

3. Vale isto por dizer que não pode a recorrente pôr em crise a ampliação da factualidade assente levada a cabo no douto acórdão recorrido.

Por outro lado,

4. Não assiste qualquer razão à recorrente quando pretende que a recorrida lhe pague a totalidade da indemnização fixada no foro civil, enquanto responsável civil, agindo depois contra ela, recorrente, noutro processo judicial, com vista a obter a restituição do que já lhe pagou no foro laboral!

(…)

6. Ora sendo a seguradora a mesma, é manifesto que, sempre que o processo forneça os elementos necessários para tal, a compensação entre aquilo que a seguradora tem a pagar enquanto responsável civil e aquilo que tem a receber a título de restituição enquanto responsável laboral há-de processar-se no âmbito do mesmo processo judicial.

7. Tanto mais que à seguradora ora recorrida, simultaneamente devedora (no foro civil) e credora (no foro laboral) da autora, assiste o direito de livrar-se da sua obrigação no foro civil por compensação, tal como previsto no Artigo 847° do Código Civil.

(…)

9. O douto acórdão recorrido, ao decidir que à quantia de 40.983,23 € (quarenta mil novecentos e oitenta e três euros e vinte e três cêntimos) que a ré foi condenada a pagar à autora KK a título de danos patrimoniais seja deduzida a quantia de 34.859,14 € (trinta e quatro mil oitocentos e cinquenta e nove euros e catorze cêntimos) que a ré já pagou àquela a titulo de pensão anual e vitalícia, fez, pois, uma correcta aplicação da lei aos factos provados, pelo que não merece qualquer censura e deve ser inteiramente confirmado, com o que farão V. Exas. a costumada Justiça”.


4. Vem provado o seguinte (apenas se transcreve o que releva para o presente recurso):


“1. No dia 18 de Maio de 1997, cerca das 8 horas, na Estrada Municipal nº 1020, ao quilómetro 6,300, concelho da Moita, ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula PG-…-…, conduzido por QQ, que seguia no sentido Penalva Moita e o veículo ligeiro de passageiros matrícula …-… - D1, conduzido por RR, que seguia no sentido Moita – Penalva.

2. A via tinha seis metros de largura, era uma recta com decline no sentido Penalva-Moita, chovia intensamente e o piso estava molhado.

3. No veículo com a matrícula n." PG-…-… seguiam os passageiros PP, nascido no dia 15 Fevereiro de 1954, AA e FF.

4. Da colisão referida sob 1 resultou a morte de PP, cônjuge de KK e pai dos autores LL e MM.

5. PP deu entrada no Hospital Distrital do Barreiro cerca das 9 horas e 48 minutos do dia 18 de Maio de 1997, já falecido, devido às graves lesões traumáticas, torácico abdominais e dos membros resultantes de traumatismo violento de natureza contundente.

(…) 14. PP, FF e AA trabalhavam para SS, Lda.

15. Na data referida em 1, AA, PP e FF auferiam, cada um, a retribuição mensal de 85 000$,00 e subsídio de natal e de férias de montante equivalente, a qual era cumulada, no caso do primeiro e do último, com a quantia mensal de, pelo menos, 19140$00 pelos correspondentes 14 meses.

16. A autora KK é doméstica, os seus filhos estão desempregados, dependendo dos rendimentos auferidos por PP.

17. Os autores KK, LL e MM sofreram grande desgosto com a morte de PP, que lhes era muito querido e dedicado.

18. À data mencionada sob 1 a responsabilidade por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo PG-…-…, encontrava-se transferida para a ré, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ….

19. A colisão descrita em 1 também foi participada à ré como acidente de trabalho, relativamente a PP, FF e a AA, com quem a entidade patronal aí mencionada celebrara um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho e, posteriormente, participado ao tribunal do trabalho da comarca do Barreiro, onde correm termos os processos n.ºs 455/99, relativo a AA, n° 270/99 relativo a FF 623/97 relativo a PP.

20. PP auferia ainda, para além da importância referida em 15, a quantia de 870$00, multiplicada por 22 dias, a qual, por sua vez, seria multiplicada por 11 meses (subsídio de alimentação).

21. No processo n.º 623/97, em sede de tentativa de conciliação, a autora KK referiu que PP auferia o salário de 85 000$00 x 14 meses + 870$00 x 22 dias x 11 meses, subsídio de alimentação, acrescido de 170 875$00 x 11 meses a título de outras remunerações.

22. No âmbito do processo n.º 623/97, a ré assumiu a obrigação de pagar à autora KK a pensão anual e vitalícia de 376 954$ e ao autor MM a pensão anual e temporária de 251 303$00.


A esta lista, a Relação acrescentou estar provado, por acordo, que, no âmbito do processo referido sob o nº 22 e na sequência da obrigação aí assumida pela ré e da conciliação entre as partes documentada na certidão de fls. 445-447, a ré pagou à autora KK, no período compreendido entre 19-05-1997 e 31-12-2011, valores que totalizam 34.859,12€, a título de pensão anual e vitalícia.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil, estão e causa neste recurso as questões seguintes:

– A possibilidade de a Relação, oficiosamente, ter considerado os pagamentos efectuados pela ré à autora, no âmbito do contrato de seguro laboral;

– A dedução da quantia paga nesse âmbito.


6. Antes de mais, todavia, cumpre observar o seguinte:

 – Tal como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 102/2001.L1.S1, a recorrente não põe em causa, nem que o acidente em causa nestes autos seja, simultaneamente, de trabalho e de viação, nem a regra da não duplicação de indemnizações por danos decorrentes do mesmo facto, que implica que “as duas indemnizações não se podem somar uma à outra”. Como se afirma, no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Setembro de 2006, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 06A2244), “apenas se podem completar” (acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Março de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07A189), pois “o dano do lesado é só um” (acórdão de 13 de Janeiro de 2005, www.dgsi.pt , proc. nº 04B1310), Neste sentido ver ainda, apenas como exemplo, os acórdãos também do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011, www.dgsi. proc. nº 3075/05.2TBPBL.C1.S1, ou de11 de Dezembro de 2012, www.dgsi.pt, proc.nº 40/08.1TBMMV.C1.S1;

– Também não está em causa que o lesado num acidente, simultaneamente de trabalho e de viação, tem o direito de optar pela indemnização que mais lhe convier, nem que a responsabilidade última recai sobre o responsável pelo acidente de viação (cfr. nº 4 da base XXXVII da Lei nº 2.127 e nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 e Dezembro);

– Estão apenas em causa os danos patrimoniais que a recorrente sofreu e que foram considerados para efeitos de determinação da indemnização por acidente de trabalho e da indemnização por acidente de viação, ou seja, os “danos patrimoniais relacionados com a perda absoluta da capacidade de ganho do falecido marido da autora KK”, como se precisa no acórdão recorrido, fls. 528, e pelos quais vem provado que a ré lhe pagou a quantia de € 34.859,12. Não tem fundamento a afirmação de que está em causa, em alguma medida, responsabilidade não transferida para a seguradora, como afirma a recorrente;

– A recorrente termina as alegações de recurso pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição “por outro que condene a recorrida no pedido formulado”. No entanto, uma hipotética procedência deste recurso nunca poderia ter esse resultado, uma vez que o pedido apenas foi julgado parcialmente procedente em 1 ª Instância e a autora não recorreu.


7. A recorrente insurge-se contra o aditamento à matéria de facto provada que a Relação determinou oficiosamente (pagamentos efectuados pela ré à autora), sem que a ré impugnasse a decisão de facto ou requeresse a ampliação respectiva.

Mas o acórdão recorrido não merece qualquer censura. Com efeito, não está em causa, nem nenhuma alteração da decisão de facto, que efectivamente teria de ser colocada em recurso, segundo as regras definidas para o efeito (artigo 640º do Código de Processo Civil), nem nenhuma ampliação que implique mais do que a consideração de factos provados por acordo, constantes do processo e que têm de ser levados em conta, quer pela Relação, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça; recorde-se que, ainda que se tratasse de ampliação que obrigasse à volta do processo à 1ª Instância, ela poderia ser determinada oficiosamente, como expressamente resulta do disposto no nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil.


8. A recorrente sustenta que é ilegal deduzir a quantia que lhe foi paga no contexto do seguro laboral da indemnização calculada no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação.

Como o acórdão recorrido dá nota, directamente e através da indicação do acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Dezembro de 2012, já citado, há jurisprudência no sentido de que a seguradora demandada numa acção de indemnização por acidente de viação que é, simultaneamente, um acidente de trabalho, não pode opor ao autor a excepção peremptória do pagamento (total ou parcial) da indemnização no âmbito da responsabilidade laboral; assim resultaria, quer da lei vigente no momento do acidente (base XXXVII da Lei nº 2.127), quer da que lhe sucedeu, invocada pela recorrente (artigo 31º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), e que também se não encontra já em vigor, pois foi revogada pela Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.

No entanto, no caso presente a questão nem se coloca, porque, tal como sucedia no acidente em causa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011 www.dgsi.pt, proc. nº 3075/05.2TBPBL.C1.S1, a responsabilidade por acidente de viação e por acidente de trabalho foram transferidas para a mesma seguradora, a ré NN Seguros, S.A., à qual sucedeu OO - Companhia de Seguros, S.A., agora recorrida.

Só está verdadeiramente em causa, portanto, saber qual é a quantia que a recorrente tem de pagar a título de indemnização – havendo pois que descontar o que a mesma recorrente já pagou, na medida em que haja coincidência de danos a indemnizar numa vertente ou noutra. Isto não quer dizer, no entanto, que se verifique qualquer compensação de créditos, nos termos apontados pela recorrida. Independentemente de outras razões, sempre faltaria o requisito fundamental da existência de créditos recíprocos entre pessoas diferentes, que aqui não existem.

Da mesma forma, no acórdão de 14 de Abril de 2011 decidiu-se no sentido de que, vindo “provado que a ré Companhia de Seguros (…) já procedeu ao pagamento de diversas quantias ao autor, na sequência do mesmo acidente, no âmbito do contrato de seguro que o abrangia enquanto acidente de trabalho”, “tais quantias [tinham] de ser consideradas, de forma a que não exist[isse] duplicação de indemnizações pelos mesmos danos (…)”.


9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 04 de Dezembro de 2014


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)


Salazar Casanova


Lopes do Rego