Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | CONTRATO DE AGÊNCIA CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO REGIME APLICÁVEL RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO PRESSUPOSTOS INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA | ||
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Data do Acordão: | 11/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Nas circunstâncias dos autos, deve entender-se que a recusa da autora em reduzir a escrito o contrato existente entre as partes não foi causal da declaração de resolução pelo que não pode servir de fundamento para se considerar lícita a resolução. II. Se a posição dominante na doutrina e na jurisprudência admite a existência de analogia entre o contrato de agência e os contratos de concessão comercial ou de franquia, o mesmo não ocorre em relação ao contrato de distribuição autorizada, no qual o distribuidor apresenta uma reduzida integração na rede de distribuição do fornecedor. III. Tanto por a relação contratual dos autos não ser análoga à relação existente entre principal e agente, como por não se vislumbrarem razões para a aplicação analógica do regime do art. 1.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, de 03.07 à generalidade dos contratos de distribuição, reforça-se a conclusão segundo a qual a resolução do contrato dos autos não pode ser considerada lícita. IV. Não obstante a conclusão do ponto anterior, não tendo sido feita prova dos danos alegados pelo distribuidor, não há lugar a fixação de indemnização por incumprimento contratual. V. Concluindo-se pela exclusão da aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato dos autos, a pretensão a uma indemnização de clientela é de negar liminarmente; de qualquer forma, no caso dos autos, não estão verificados os pressupostos do art. 33.º, n.º 1, do DL n.º 178/86, de 03.07 de que depende a atribuição de tal indemnização. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. Inforantunes, Sistemas Informáticos, Lda. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Sage Portugal – Software, S.A., alegando, em síntese, o seguinte: - Entre a A. e a R. existia um contrato verbal pelo qual a A. foi distribuidora de produtos da R. durante treze anos (e que era uma relação preexistente com uma sociedade que foi adquirida pela R.), e esta, em Abril de 2018, quis forçar a A. a subscrever um contrato escrito que lhe era desvantajoso e, por isso, a A. não lhe deu o seu acordo, informando a R. da necessidade de se reunirem no sentido de encontrarem um consenso; - Reunião essa que não veio a ocorrer, mantendo-se as relações entre as partes como até então, sendo que, inesperadamente, a R. enviou à A. uma carta datada de 28.08.2020, comunicando-lhe a cessação do contrato com efeitos a partir de 01.10.2020, invocando como fundamento a não subscrição do contrato escrito e a falta de interesse da A. na dinamização e formalização da parceria, alegações que a A. rejeita; - Por outro lado, antes da anunciada data de cessação do contrato, a R. comunicou a todos os clientes angariados pela A. que esta deixara de ser seu parceiro, indicando-lhes um novo parceiro que a partir de então lhes prestaria o apoio necessário, sendo certo que, aos clientes por si angariados, a A. vendia outros produtos e serviços para além dos produtos da R.. Por tais razões, a A., que qualifica o contrato como sendo um contrato de distribuição comercial integrável no regime do contrato de agência, entende ser ilícita a resolução do contrato por parte da R., reclamando uma indemnização de clientela tendo em conta as centenas de clientes angariados pela A. para produtos da R., clientes de que esta continua a beneficiar, assim como uma indemnização por danos e, ainda, direitos de comissão relativamente a clientes cujas negociações para adesão aos produtos da R. a A. estava a desenvolver à data da cessação do contrato e que, efectivamente, vieram a tornar-se clientes de produtos da R.. Conclui, pedindo a condenação da R.: «a) No pagamento da comissão devida nos termos do art. 16º do DL sobre os contratos realizados por conta da actividade da INFORANTUNES Sistemas Informáticos, Lda, a fixar de acordo com os usos e os critérios de equidade. b) Ao pagamento de uma indemnização referente ao incumprimento contratual com resolução ilícita do mesmo e reparação dos danos a fixar de acordo com os usos e critérios de equidade. c) No pagamento da Indemnização de Clientela, por compensação ao Agente sobre o que deixou de auferir mas o principal continua a beneficiar com base na actividade desenvolvida por si, no total de 223.195,34€ no último ano.». 2. A R. contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pela A. e as consequências que dela pretende extrair, alegando, no essencial: - Que o conteúdo do contrato escrito que, em Abril de 2018, apresentou à A. foi apresentado a todos os seus parceiros comerciais, que, na sua maioria, apenas tinham acordos verbais de distribuição, o que fez no âmbito de uma estratégia mais ampla e de nível internacional do grupo em que se integra a R.; - Que essa proposta de contrato escrito mais não era do que a formalização do acordo verbal existente, sem qualquer alteração substancial das condições até então vigentes, e que se destinava a clarificar os direitos e deveres de ambas as partes do contrato de distribuição, com o objectivo de profissionalizar e operacionalizar a rede de distribuidores do grupo, não tendo condicionado a manutenção das parcerias existentes à aceitação daquele acordo escrito; - Foi, no entanto, a A., que recusou liminarmente a assinatura daquele documento e que sempre se mostrou indisponível para qualquer negociação ou proposta de alteração, tendo, porém, mantido a parceria entre R. e A. até Agosto de 2019 nos mesmos moldes em que vinha ocorrendo anteriormente; - Contudo, veio a R. a aperceber-se, a partir de Julho de 2019, que a A., pelo menos desde Outubro de 2018, encetara uma estratégia de desvio de clientela da R., mediante uma campanha lesiva da sua imagem e difamadora do seu bom nome e reputação junto dos clientes com os quais a A. contactava; - Tendo a R., entre Outubro de 2018 e Julho de 2019, perdido clientes para outras sociedades concorrentes em razão dessa conduta da A.; - Por outro lado, desde que recusou a formalização do contrato, a A. diminuiu brusca e vertiginosamente a sua actividade comercial, com ausência de angariação de novos clientes e negócios, diminuição da actividade de promoção e acentuada queda dos objectivos propostos; - Foi a conjugação dessas circunstâncias, e não a recusa de aceitação do contrato escrito, como a A. alega, que fez a R. entender não estarem reunidas as condições, sobretudo de confiança, mas também de rentabilidade, para prosseguir a relação em curso e, por isso, remeteu à A. a carta de 28.08.2019, que a mesma refere na sua petição, fazendo cessar a relação comercial entre ambas. Com tais fundamentos, a R., que igualmente qualifica o contrato como sendo de distribuição comercial integrável no regime do contrato de agência, entende que a resolução do contrato ocorreu com justa causa, pugnando pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos e pela condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e em indemnização não inferior a € 10.000,00. 3. Procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual a mandatária da A. foi convidada a esclarecer/aperfeiçoar alguns aspectos da petição, o que a mesma fez verbalmente relativamente a alguns deles, designadamente declarando que o pedido formulado em b) do petitório («pagamento de uma indemnização referente ao incumprimento contratual com resolução ilícita do mesmo e reparação dos danos a fixar de acordo com os usos e critérios de equidade») se sustenta no art. 32.º da Lei do Contrato de Agência, formulando-se pedido genérico ao abrigo da faculdade prevista no art. 569.º do Código Civil e ainda nos moldes que constam a fls. 108 e segs. Exercido o contraditório, arguiu a R. a ineptidão parcial da petição, no que se refere ao pedido do direito à comissão. Tal excepção foi conhecida e julgada improcedente. 4. Por sentença de 14 de Maio de 2021 foi proferida a seguinte decisão: «Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência: - condena a R. a indemnizar a A. na quantia de € 25.000,00 [a coberto do n° 2 do art° 32° do DL n° 178/86, de 03/07], - absolve a R. dos demais peticionado. Mais, o Tribunal absolve a A. do pedido de condenação por litigância de má fé.». 5. Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Também a R. apelou, impugnando apenas de direito. 6. Por acórdão de 17 de Fevereiro de 2022 foi julgado improcedente o recurso da A. e procedente o recurso da R., revogando-se a decisão recorrida no segmento em que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 25.000,00, absolvendo-se a mesma deste pedido, e mantendo-se no restante a referida sentença. 7. Inconformada, a A. interpôs revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 13/10/2022, proferiu a seguinte decisão: «Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciada a impugnação da matéria de facto, na parte que foi rejeitada, com a subsequente apreciação da decisão de direito». 8. Em cumprimento da determinação do acórdão deste Supremo Tribunal, baixaram os autos ao Tribunal da Relação, vindo a ser proferido acórdão com a seguinte decisão: «Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação da autora e na procedência da apelação da ré, revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 25.000,00, absolvendo-se a mesma deste pedido, mantendo-se no restante a referida sentença». 9. Desta decisão, vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «A-. Determinada a apreciação da matéria de facto impugnada por Douto Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, veio a Relação de Lisboa, manter a decisão proferida, referindo quanto a tal impugnação da matéria factual que a prova por depoimento indireto seria susceptível de valoração e que como valorou-a como séria, credível e por conseguinte capaz de sustentar a factualidade assente. B- Conforme plasmado em Acórdão do próprio Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2016 e 07.06.2016, nos quais é concretizado: "IV. Porém, a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias, pelo que será normalmente insuficiente para a prova de um facto essencial a demonstração da realidade da causa de pedir a declaração de parte ou o depoimento indirecto de uma testemunha favoráveis que surjam desacompanhados de qualquer outra prova que os sustente." C. Que é exactamente o que sucede no presente caso, pois que nenhuma outra prova, (que não o mencionado depoimento indirecto) se produziu que permitisse concluir com algum grau de " certeza" pela prova de tal matéria, pelo que se mantém a impugnação concretizada nos precisos termos, considerando a argumentação ora esgrimida contra legem. E. Acresce que, nos termos do disposto no art 615° do CPC invocou a Autora, nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, porquanto, as partes aceitaram o contrato em causa como um contrato de agência, sendo que não obstante a consolidação de tal facto perante as partes, o Tribunal a quo entendeu tipificá-lo como contrato de distribuição autorizada, F. Ora exposta tal nulidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa entendeu não existir a invocada nulidade que a qualificação jurídica do contrato constitui apenas corolário da apreciação jurídica da causa, de conhecimento oficioso do Tribunal G. Ora se assim fosse, sempre teria tal de ser realizado aquando [d]o saneamento dos autos e não afinal aquando [d]a prolação de sentença! H. Pelo que cremos que efectivamente não assiste qualquer sustentabilidade na fundamentação do acórdão ora recorrido, verificando-se, em nosso modesto entendimento a apontada nulidade de excesso de pronúncia. I. Entendeu ainda a decisão recorrida que a resolução operada pela Ré, seria lícita, porquanto entendeu que nos termos do disposto no art. 33° n° 3 do DL 178/86 não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte houver cedido a sua posição contratual, entendendo que tal encontra eco na factualidade assente, pelo que inexiste direito a tal indemnização, J. Concluindo que a extinção do contrato efectuada pela declaração da ré de 28.08.2019, se fundou na recusa da A. assinar o texto escrito do clausulado sem justificação para tanto, K. Ora a fundamentação do Acórdão ora recorrida, encontra-se, entre o mais, ferida de nulidade de sentença prevista no art. 615° n° 1 al. c) do CPC porquanto a decisão emitida é contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto por contradição entre a factualidade assente e a decisão proferida, existindo verdadeiro erro de julgamento, Senão vejamos, L Na decisão Recorrida é referido que existe resolução do contrato realizada de forma lícita por parte da parte da Ré, por razões imputáveis à Autora, M. Ora, no relatório da decisão proferida é dito desde logo a fls. 4 da decisão recorrida é referido "E foi a conjugação dessas circunstâncias e não a recusa de aceitação do contrato escrito, como veicula a A., que fez a Ré entender não estarem reunidas as condições, sobretudo de confiança, mas também de rentabilidade, para prosseguir a relação em curso e por isso remeteu à A. carta de 28.08.2019. que a mesma refere na sua petição, cessando a relação comercial" N. Ora do teor da fundamentação decorre que o motivo da cessação contratual não foi afinal a recusa de aceitação do contrato escrito... sendo que depois afinal na mesma decisão recorrida se pode ler, a fls.60 da decisão recorrida que: " Demonstrando-se que a extinção do contrato efectuada por declaração da Ré de 28.08.2019. se fundou na recusa da autora em assinar o texto escrito do clausulado, sem justificação para tanto. (...) O. A própria fundamentação vai contra os factos assentes até por confissão da Ré, pois que conforme resultava já da sentença de primeira instância e transcrita para a decisão ora recorrida, a fls 56 (...) Ou seja é a própria Ré, que refere expressamente que o motivo da sua resolução não foi qualquer recusa de outorga do contrato verbal, em escrito, R. Contudo o Tribunal vem entender que a resolução é legitima por causa imputável à Autora (recusa de assinatura do contrato escrito), contrariamente ao que a própria Ré alega, dizendo que a causa foi outra que não aquela, S. Ainda assim o Tribunal entende que a resolução é legítima com base num argumento contrariado pela própria Ré, (autora de tal resolução), o que é diga-se surreal!!!! T. Como se tal não fosse bastante, temos ainda que o facto provado 12, "A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudicais ou desvantajosas e não o assinou", U. Sendo que a decisão ora recorrida refere que "Demonstrando-se que a extinção do contrato - efectuada pela declaração da ré de 28/8/2019 - se fundou na recusa da autora em assinar o texto escrito do clausulado, sem justificação para tanto, acompanha-se a conclusão da decisão recorrida, no sentido de não ser devida a indemnização de clientela, nos termos do citado art.33°, n°3" V. Ora da factualidade assente resulta desde logo o porquê da recusa de assinar o mencionado contrato, ou seja, porque entendeu que tais cláusulas lhe eram desfavoráveis e tal facto encontra-se provado, pelo que colide em termos de raciocínio lógico com a fundamentação da decisão ora recorrida de que a recusa ocorreu sem qualquer justificação. W. A decisão é tão mais despicienda que, pese embora a Ré tenha dito, e redito de várias formas quer nos seus articulados, quer na prova produzida conforme resulta da transcrição da sentença de primeira instância para a decisão recorrida supra exposta, que o motivo da sua resolução não foi qualquer recusa por parte da Autora, mas sim a quebra da confiança, por desvio de clientela e afins, factos esses que resultaram não provados, X. Incredulamente o Tribunal a quo vem dizer que a resolução se deu pelo motivo que a Ré nega!! Y. Mais diz-se ainda na decisão recorrida que somente tal motivo, de recusa injustificada de assinatura do documento justifica que a resolução fosse legítima, portanto, o que parece suceder é que o Tribunal a quo, parece de forma incessante arranjar uma argumentação para legitimar a Ré na sua resolução, utilizando argumentação contrária inclusive à aduzida pela própria Ré, o que é no mínimo questionável... Z. Não bastasse o já exposto, entendeu ainda a decisão recorrida revogar a indemnização de equidade em que fora condenada a Ré no montante de 25000,00€, fazendo-o com a seguinte fundamentação, AA. refere-se na decisão recorrida que se verifica o disposto no art. 30° a) do DL 178/86 de 03/07, que permite a resolução do contrato, verificadas as seguintes condições: - Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações; - Esse incumprimento seja de tal forma grave ou reiterado, que se possa concluir, - Não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; BB. Concluindo que a situação descrita preenche, a nosso ver, as três condições. CC. Pergunte-se de onde resulta tal factualidade assente que permita tal conclusão?? DD. Desde logo temos que a Ré não aponta a recusa do contrato como causa de resolução, EE. Para além disso o ponto 12 dos factos provados demonstra uma justificação para tal recusa FF. depois nunca foi alegado pela Ré, nem provado que o incumprimento foi de tal forma grave ou reiterado que se possa concluir não ser exigível a subsistência do vínculo contratual!! GG. Pelo contrário a Ré refere não ter sido esse o motivo, mais, refere outros motivos de quebra de confiança mas cuja prova não logrou alcançar, pelo que [como se] não bastasse o tribunal quo estar já a legitimar como fundamento de resolução um fundamento que a própria Ré nega, faltava ainda acrescentar a este aquele que a Ré não reconhecendo não podia alegar ou provar, que o incumprimento fosse de tal forma grave que se pudesse concluir pela inexigibilidade de subsistência do vínculo!!!! HH. padecendo claramente a decisão recorrida de nulidade por excesso de pronúncia, sendo que se denota simultaneamente claro erro de julgamento pois que a fundamentação em causa está em contradição com os factos provados e bem assim inexistindo qualquer suporte factual que sustente a decisão proferida. II. Pelo contrário temos ré, sucessivamente a alegar e demonstrar que não foi a recusa da assinatura do contrato que motivou a sua resolução, demonstrando claramente que tal não lhe foi relevante, pelo que a conclusão vertida no Acórdão recorrido com alusão ao disposto no art. 30° n° a) do diploma legal em análise é completamente despiciente!! JJ. Referindo uma vez mais que "se assume como grave a recusa-injustificada na dedução a escrito exigida pela contra-parte, uma vez mais em gritante contradição com a factualidade assente nomeadamente o ponto 12 dos factos provados. KK. Não podemos aceitar a conclusão de que a resolução operada pela Ré é lícita, muito menos quando o Tribunal a quo utiliza uma argumentação (recusa de assinatura do contrato escrito), que a própria Ré refuta!!! MM. Conforme supra exposto encontra-se evidenciado nos autos que efectivamente existia uma pretensão de modificação no documento apresentado pela Ré, pelo que a A./ recorrente sempre teria de aceitar tal modificação de forma consentida, NN. Mas mesmo que assim não fosse e que efectivamente não se atendesse à alteração da matéria de facto nos termos supra referidos, temos que, OO. Nos termos da matéria assente sob o ponto 12 dos factos provados podemos ler que "A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudiciais ou desvantajosas e não o assinou". PP. Ora equivale isto a dizer que perante a apresentação do documento escrito a A./ Recorrente entendeu que tal era prejudicial e não o assinou, o que consubstancia recusa legítima, porquanto ninguém está obrigado a vincular-se a um contrato que considera prejudicial para si próprio, com respeito e conforme impõe o princípio da liberdade contratual, QQ. Pelo que nunca poderia ter-se entendido que tal consubstancie a violação de um qualquer direito irrenunciável legalmente atribuído à contraparte, RR. Pois que o disposto no art. 1º n.º 2 do disposto no DL 178/86 apenas reputa de irrenunciável o direito de obter de outrem documento assinado que indique o conteúdo do contrato, SS. O que de forma alguma explana o que temos no presente caso, pois que a recusa da A. é legítima porquanto a assinatura pretendida no documento escrito não consubstancia uma transposição do contrato não escrito e sim uma verdadeira alteração contratual, TT. que a A. entendeu ser-lhe prejudicial e que legitimamente recusou ao abrigo do disposto no art. 406º nº l do Código Civil, UU. Sendo que para além disso e ainda que assim não se entendesse, ficou sobejamente demonstrado não ser tal fundamento o móbil da cessação contratual, pois que, como refere a Ré na sua Contestação “25.º porém, a Ré, aquando da apresentação da mencionada proposta àquele universo de parceiros, em momento algum referiu ou sequer sugeriu que as parcerias existentes estariam condicionadas ou dependentes da aceitação daquele acordo escrito, tal não constituindo, por conseguinte, condição indispensável ou necessária à manutenção dos contratos em vigor.” VV- Constando ainda da decisão ora recorrida que as testemunhas "AA, BB e CC. Apesar de os dois primeiros não conhecerem a situação concreta da A., de não terem conhecimento de que tenha havido pedidos de adendas/alterações ao contrato por parceiros, e de o primeiro ter dúvidas de que tal pudesse ser aceite pela R., referiram relevantemente que houve parceiros que não assinaram o texto proposto pela R. e que continuam a ser parceiros desta (...)". WW-. Pelo que, incorre claramente a decisão proferida de vício/ nulidade quer por que existe clara contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, quer porque inexiste fundamentação de facto que sustente tal decisão e bem assim os fundamentos de facto encontram-se em oposição com a decisão, XX. Pois que tornando - se claro que não foi qualquer recusa da assinatura do documento escrito que determinou a iniciativa da cessação contratual da Ré, mas sim, conforme invocado pela própria Ré o móbil da resolução contratual seria: "O - Que desde o início da relação da R. com a A. esta tenha revelado incapacidade em alinhar com a estratégia comercial da R - não comparecesse às reuniões anuais de parceiros, se recusasse a reunir nas instalações da R. e mantivesse uma relação difícil e conflituosa com os comerciais da R.. "P - Que pelo menos desde Outubro de 2018 a A. encetou uma estratégia de desvio de clientela da R.. (...) Que a A, tenha afectado o bom-nome e a imagem comercial da R„" Factos estes [que] alegou como sustentando a sua resolução contratual com a A., mas que não logrou provar e que, por conseguinte, constam no rol dos factos não provados sob os pontos O, P e Q. YY. Pelo que sempre seria de concluir que a resolução operada pela Ré, com os motivos indicados pela própria mas que não resultaram provados, consubstancia sempre verdadeira resolução ilícita, ZZ. Pelo que em conformidade se impunha que a Ré ter sido condenada nos termos peticionados, AAA. não se admitindo de forma alguma a imputação da violação de um qualquer dever por parte da A. que permitisse à Ré a legítima resolução, por totalmente inexistente, conforme supra demonstrado. BBB. A interpretação realizada na decisão recorrida viola assim o disposto no art 1º nº 2, 33º todos do DL 178/86 de 03/07 e bem assim o disposto no art. 405º e 406º nº 1 do Código Civil., enfermando ainda de nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al.s b), c) e d) do CPC. CCC. Concluindo atentemos que a Ré peremptória, expressa e indubitavelmente refere que o motivo pela qual cessou o contrato foi pelos motivos invocados em 50. do presente articulado, negando que o tenha feito pelos motivos que colocou na declaração junta como documento nº 3 dos autos, DDD. Para depois termos uma decisão (de que ora se recorre) a referir que o motivo de recusa injustificada de assinatura do contrato escrito (que a Ré nega), não só torna a resolução legítima, como ainda concluiu que a mesma é de tal forma grave que se pode concluirá inexigibilidade do vínculo contratual!!! EEE. Efectivamente não se depreende tal conclusão muito menos a sustentação de tal decisão, chocando a argumentação aduzida e fazendo-nos clamar por Justiça!». Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a determinação de que seja apreciada a matéria de facto impugnada, reconhecendo-se igualmente os vícios e nulidades apontadas e, em conformidade, reconhecendo-se a ilicitude da resolução contratual operada pela R., condenando-a nos termos peticionados. 10. A Recorrida contra-alegou, sem formular conclusões, mas a final pugnando por: «a) Rejeitar liminarmente a Revista interposta pela Recorrente, por falta de conclusões, nos termos acima explanados e ao abrigo do disposto no artigo 614.º, número 2, alínea b) do Código de Processo Civil. Caso assim não seja, doutamente, entendido, b) Rejeitar a impugnação da Recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto no que concerne ao facto provado sob o número 20); e c) Negar provimento ao recurso quanto ao demais invocado, confirmando-se na íntegra o douto Acórdão recorrido». 11. Por acórdão de 23 de Março de 2023 pronunciou-se o tribunal a quo pela não verificação da invocada nulidade do acórdão recorrido. II – Admissibilidade do recurso 1. Invoca a Recorrida que, por violação do disposto no art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso não é admissível por falta de conclusões, atendendo a que o texto formalmente qualificado como conclusões mais não é do que a reprodução integral das alegações de recurso. Vejamos. Conforme se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 07/11/2019 (proc. n.º 3113/17.6T8VCT.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt, referido na fundamentação do acórdão recorrido a respeito de idêntica questão, mas relativamente ao recurso de apelação da R., ora Recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal considera que a circunstância de, em sede de conclusões, o recorrente reproduzir a motivação constante da alegação propriamente dita, não configura um caso de falta absoluta de conclusões, não podendo, por isso, o recurso ser rejeitado de imediato, antes sendo de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas. Assim se decidiu, entre outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 09/07/2015 (proc. nº 818/07.3TBAMD.L1.S1), de 13/10/2016 (proc. nº 5048/14.5TENT-A.E1.S1), de 25/05/2017 (proc. nº 2647/15.1T8CSC.L1.S1), de 06/07/2017 (proc. nº 297/13.6TTTMR.E1.S1), de 27/11/2018 (proc. nº 28107/15.2T8LSB.L1.S1), de 19/12/2018 (proc. nº 10776/15.5T8PRT.P1.S1), de 07/03/2019 (proc. nº 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1) e de 02/05/2019 (proc. nº 7907/16.1T8VNG.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Temos, pois, que a norma aplicável seria a norma que prevê o convite ao aperfeiçoamento das conclusões (n.º 3 do art. 639.º, do CPC). Contudo, no caso dos autos, não tendo o tribunal nem a contraparte tido dificuldade em identificar as questões recursórias, entende-se que tal convite não se justifica por ser acto inútil. Deste modo, conclui-se pela admissibilidade do recurso. III – Fundamentação de facto Foram dados como provados os factos seguintes: 1 - A Autora é uma empresa especializada na implementação de soluções informáticas (hardware e software) em diversas áreas de negócio, como a gestão administrativa, comercial e de recursos humanos, proporcionando serviços de aconselhamento, instalação e assistência de forma a apoiar as micro, pequenas e médias empresas nas suas necessidades tecnológicas e de gestão. 2 - A Ré é uma empresa de tecnologia, fornecedora de software de planeamento e gestão de recursos empresariais, que integra o grupo multinacional “The SAGE Group PLC”, cuja sociedade dominante tem sede no ..., constituído por várias sociedades comerciais que comercializam os seus produtos e presta os seus serviços através de diferentes divisões comerciais. 3 - No âmbito da estratégia de expansão do Grupo Sage a R. incorporou, por fusão, a sociedade comercial “E..., SA”, a qual se dedicava ao comércio a retalho de computadores e programas informáticos. 4 - A Autora desde 1997 tinha uma forte e estável relação comercial com a “E..., SA”, comercializando, promovendo e/ou prestando serviços em relação a produtos desta. 5 - Aproximadamente em 2006, a relação que a Autora tinha com a “E..., SA” migrou para a Ré SAGE Portugal. 6 - As suas relações comerciais estabeleciam-se por meio de acordo verbal pelo qual a Autora, actuando em nome próprio e por sua conta, promovia e divulgava os produtos e serviços da R. por forma a angariar novos clientes, e sem sujeição a exclusividade por qualquer das partes, distribuindo e comercializando os programas informáticos produzidos pela R., e prestava aos clientes finais assistência técnica, consultoria, e procedia à instalação das aplicações produzidas pela R., sendo a A. remunerada pela R. mediante o recebimento de uma margem do lucro do negócio concluído com o cliente final. 7 - Tal relação comercial perdurou por cerca de 13 anos, até ao ano de (...) 8 - A A. efectuava serviços de suporte e assistência dos produtos aos clientes finais, e realizava, com autorização da R., a venda de equipamentos e produtos complementares, o que constituía uma fonte de lucro. 9 - Em Abril de 2018 a Ré propôs à Autora a assinatura do acordo escrito cujo teor se encontra a fls. 15v° ss. e se dá por integralmente reproduzido. 10 - Ao longo do ano 2018 a R. apresentou, para subscrição, o acordo escrito referido no ponto anterior aos cerca de 1000 parceiros com os quais tinha acordos verbais. 11 - O motivo para essa formalização teve que ver com a necessidade de protecção de dados dos clientes finais e com exigências da lei inglesa relativamente à política anticorrupção quanto a empresas cotadas em bolsa, e integrando a R. uma multinacional inglesa cotada na bolsa inglesa foi-lhe solicitado pela casa mãe que formalizasse em Portugal os acordos verbais que tinha com parceiros. 12 - A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudiciais ou desvantajosas e não o assinou. 13 - A relação comercial entre ambas continuou nos termos e de acordo com o modelo em que vinha sendo realizada. 14 - A R. convocou todos os parceiros para sessões de esclarecimento, realizadas via Internet, quanto à necessidade de formalização escrita dos acordos verbais e quanto ao conteúdo do clausulado escrito proposto, e foi sucessivamente promovendo a realização de reuniões mais pequenas para esclarecimento de dúvidas e colocação de questões, até reuniões individuais entre o parceiro e o respectivo comercial da R., o que aconteceu entre a A. e a comercial DD. 15 - A A. nunca assinou o acordo escrito e em 26/07/2019 a R., através da então gestora da conta da A., enviou-lhe e-mail do seguinte teor “(...) no seguimento das tentativas que temos efectuado para agendar reunião comercial com a Inforantunes, e não tendo sido mostrada disponibilidade da vossa parte para reunir, venho uma vez mais propor uma reunião com a vossa direcção Comercial, nas instalações da Sage Lisboa. Sugerimos as datas de 1 de Agosto às 14H30 ou 9 de Agosto às 14H30. Caso nenhuma destas datas seja conveniente, gostaria que propusessem uma data alternativa (...)”. 16 - A A. respondeu à R. em 29/07/2019, por e-mail dirigido à sua Directora Comercial da unidade de pequenas empresas, CC, do qual consta “Olá CC, as nossa portas estão abertas das 9h às 19h e estamos cá para receber de muito bom agrado todos os nossos parceiros/fornecedores e clientes, neste sentido não percebo o porquê de dizer no seu e-mail que não tem conseguido se reunir connosco, bom enfim. Volto assim a reiterar a nossa disponibilidade para vos receber nas nossas instalações na mesma data que sugerem no email abaixo (...) Sempre posso agendar? Qual o melhor dia? (...)». 17 - A esse e-mail a R. respondeu nos seguintes termos «Este convite partiu de nós Sage e como tal considero que se houver interesse da vossa parte deverá ser aceite na forma como foi feito. O mesmo foi já feito várias vezes pela BB, tendo sido sempre recusado por indisponibilidade. (...) Aguardo o vosso feedback sobre a vossa disponibilidade para os dias propostos ou outro dia que vos seja favorável. De outra forma aceitarei igualmente o vosso desinteresse e impossibilidade de aceitarem a reunião nas nossas instalações». 18 - A R. enviou à A. escrito datado de 28/08/2019 comunicando-lhe a cessação da distribuição dos seus produtos a partir de 01/10/2019, do qual consta “(...) a Sage Portugal, SA tem estabelecido com a sua empresa um acordo de distribuição dos produtos e serviços que a Sage desenvolve e presta. Regulamos esta parceria através de um contrato que deverá ser assinado por ambas as partes. Este contrato nunca foi aceite e assinado pela sua empresa. Neste contexto, sequentes conversações efectuadas e feedback de clientes, entendemos existir ausência de interesse na dinamização e formalização deste acordo de parceria. Assim sendo, proceder-se-á à cessação da distribuição dos nossos produtos e serviços através da sua empresa a partir do dia 01.10.2019.(…) Em todo o caso, agradecemos o seu interesse durante o tempo em que se dedicou a esta parceria. (...)». 19 - Em 03/09/2019 a Ré enviou emails e cartas aos clientes finais da carteira de clientes da A. informando-os da cessação da parceria com esta e indicando outros parceiros que, em alternativa, lhes poderiam continuar a dar apoio caso o cliente quisesse continuar com os produtos e serviços da R.. 20 - Em datas não concretamente apuradas de 2018-2019 a A. disse a cerca de meia dúzia de clientes finais que a R. poderia deixar a operação em Portugal, que o programa Sage Retail ia deixar de existir, e que o programa que o substituiria seria mais caro. 21 - Nunca foi pensada a saída da operação da R. de Portugal. 22 - O programa Sage Retail continua a ser comercializado, embora tenha sido descontinuado, e por isso sem actualizações, e substituído pelo programa Sage 50C. 23 - O programa Sage 50C, com os módulos associados sugeridos pela R., é mais caro do que o programa Sage Retail. 24 - A A. em 2018 angariou três clientes novos e em 2019 angariou um cliente novo, e perdeu quarenta clientes de Outubro de 2018 até Julho de 2019. 25 - Em 2018 a A. tinha 219 clientes activos de produtos da R. e aquando da cessação da parceria eram 179 os clientes activos de produtos da R. que integravam a carteira de clientes da A.. 26 - Desses clientes finais cerca de metade permaneceram clientes de produtos da R. após a cessação da parceria entre esta e a A.. 27 - Relativamente à outra metade, a A. instalou a alguns, em número que em concreto não foi possível apurar, um programa de gestão da marca XD, produzido por uma empresa que actua na mesma área de negócios que a R.. Foram dados como não provados os seguintes factos: A - Que desde o ano de 2012/2013 a Ré começou progressivamente a retirar benefícios aos seus distribuidores reduzindo as suas parcelas remuneratórias, actualizando metas, muitas delas impossíveis de atingir, e a proceder à alteração sucessiva dos produtos distribuídos com perda acentuada da qualidade do produto, e aumento do preço, colocando os distribuidores em posição de fragilidade perante o cliente final. B - Que a Ré foi retirando aos distribuidores a possibilidade de assistência e reparação dos produtos, encetando um caminho de centralização de funções na multinacional. C - Que após a Ré ter proposto à Autora a assinatura do acordo escrito com o teor que se encontra a fls. 15v° ss., esta tenha solicitado à R. uma reunião para debater as cláusulas com as quais não concordava com vista a chegarem a um consenso, e que nunca recebeu resposta da R.. D - Que a R. tenha imposto à A. aquele acordo escrito e sem possibilidade de negociação sobre o seu conteúdo. E - Que o acordo escrito proposto pela R. à A. alterasse as condições da parceria de distribuição em termos menos vantajosos para A. do que o acordo verbal existente, nem que estabelecesse objectivos inacessíveis. F - Que após a apresentação da proposta do acordo escrito pela R. à Autora esta continuou a realizar acções de marketing e promoção dos produtos da R. com inerentes custos e esforços de angariação de novos clientes e fidelização de antigos clientes, com o inerente dispêndio de tempo e de recursos humanos, G - (...) nem que tenha empregue um acrescido esforço financeiro e de tempo nessas tarefas, designadamente por os produtos e serviços da R. apresentarem então decréscimo de qualidade, aumento de preços e alteração das metas aos parceiros (e que grande parte deles não conseguia atingir). H - Que após a cessação da parceria todos os clientes angariados e/ou fidelizados pela A. tenham permanecido clientes finais de produtos e serviços da R.. I - Que durante a vigência da parceria entre R. e A. esta tenha auferido, em média, lucros anuais de € 223.195,34, nomeadamente € 198.954,13 no ano 2014, € 226.620,51 no ano 2015, € 229.347,74 no ano 2016, € 235.124,43 no ano 2017 e € 225.929,89 no ano 2018. J - Que relativamente aos pacotes de serviços e produtos adquiridos pelos clientes finais a A. auferisse anualmente cerca de € 68.092,55. K - Que pelos serviços de assistência prestados pela Autora esta auferisse anualmente a quantia de € 19.998,30. L - Nem que a A. auferisse outros valores fixos anuais no valor de € 16.613,85. M - Que pelas outras vendas de materiais/equipamentos e/ou serviços prestados pela A. aos clientes finais ela auferisse anualmente a quantia de € 118.704,70. N - Que ao tempo da recepção da carta de 28/08/2019 (de cessação do acordo de distribuição) havia negociações em curso entre a A. e clientes para a adesão dos mesmos a produtos R., que efectivamente vieram a aderir aos mesmos, designadamente EE, “A..., Lda” e “C..., Unipessoal, Lda.”. O - Que desde o início da relação da R. com a A. esta tenha revelado incapacidade em alinhar com a estratégia comercial da R., não comparecesse às reuniões anuais de parceiros, se recusasse a reunir nas instalações da R. e mantivesse uma relação difícil e conflituosa com os comerciais da R.. P - Que pelo menos desde Outubro de 2018 a A. encetou uma estratégia de desvio de clientela da R.. Q - Que a A. tenha afectado o bom-nome e a imagem comercial da R.. IV – Objecto do recurso Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões: • Não admissibilidade da prova de facto por depoimento indirecto; • Erro na apreciação da questão da nulidade da sentença por excesso de pronúncia; • Erro na apreciação da (i)licitude da resolução; e, implicitamente, reapreciação do direito a indemnização de clientela; • Erro da decisão de revogação da indemnização equitativa, no montante de €25.000,00, atribuída pela 1.ª instância. V – Fundamentação de direito 1. Antes de mais, e relativamente à apreciação da impugnação da matéria de facto determinada pelo anterior acórdão deste Supremo Tribunal, vem a Recorrente invocar que, no que se refere à decisão de manter o facto 20 como facto provado, desrespeita o acórdão recorrido a proibição de valorização de depoimento indirecto. A este respeito, subscreve-se integralmente a apreciação da questão tal como realizada pelo Tribunal da Relação: «Insurge-se a recorrente contra o carácter indirecto [dos] depoimentos. Como se refere no Acórdão desta Relação de 22/05/2014 (Izaguy Martins), in www.dgsi.pt, comummente a testemunha que presta depoimento indireto é designada de testemunha de ouvir-dizer. Ainda neste aresto, refere-se: II - O chamado depoimento indireto, exigindo maiores ou menores cautelas e reservas, na sua livre valoração, consoante as matérias e contextos a que reporte, não é objeto de desvalorização ou limitação no processo civil. Também desta Relação, decidiu-se em Acórdão de 18/1/2018 (Teresa Albuquerque), disponível na mesma base de dados, o seguinte: A ideia de que o depoimento indirecto, sem mais, é proibido como meio de prova advém, decerto, do processo penal, em função do disposto no art 129º CPP. Em processo civil não há qualquer norma que se lhe refira especificamente, pelo que, estando em causa, de todo o modo, prova por testemunhas, vale a seu respeito o que resulta da norma do art 396º CC - a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal. Do Supremo Tribunal de Justiça, veja-se, por exemplo, o Acórdão de 5/7/2018 (Fernanda Isabel Pereira), na mesma base de dados: IV - Em processo civil, não é proibida a valoração do depoimento indirecto e as particulares razões que enformam o art. 129.º do CPP não têm paralelismo neste domínio (no qual impera o princípio dispositivo), sendo certo, em todo o caso, que a falta de convocação daquele a quem se ouviu dizer consubstanciaria mera nulidade processual a arguir em devido tempo pelo interessado. E, inexistindo em processo civil norma expressa equivalente à do art.º 129º do Código de Processo Penal, ponto é que, como referia Alberto dos Reis [“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, pág. 358] “o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao do depoimento de testemunha ocular”. Considerando Lebre de Freitas [“Introdução ao processo civil…”, Coimbra Editora, 1996, pág. 156] que “não está excluída a inquirição da «testemunha de ouvir dizer», mas o depoimento daquela de quem ouviu o relato dos factos a provar tem maior valor probatório”. Também Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova testemunhal”, 2013, Almedina, pág. 197] concluindo que “não pode ser afastada a admissibilidade da testemunha indireta porquanto tal colidiria com um sistema misto, mas em que a livre apreciação da prova é preponderante”. Ora, ambos os depoimentos em questão (de FF e de GG), apesar de indirectos, são suficientemente objectivos, precisos e imparciais, para que fundem a convicção positiva sobre o facto em questão.». Temos, pois, que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, não existe no processo civil qualquer regra proibitiva da ponderação de depoimento indirecto. Assim sendo, e encontrando-se o juízo probatório do tribunal a quo abrangido pelo princípio da livre apreciação da prova, não pode o mesmo ser sindicado por este Supremo Tribunal. De qualquer forma, sempre se dirá que o facto 20, posto em causa pela Recorrente («Em datas não concretamente apuradas de 2018-2019 a A. disse a cerca de meia dúzia de clientes finais que a R. poderia deixar a operação em Portugal, que o programa Sage Retail ia deixar de existir, e que o programa que o substituiria seria mais caro»), se mostrou irrelevante para a decisão de direito proferida pelo Tribunal da Relação, na medida em que a mesma assentou no entendimento de que a resolução do contrato pela R. é lícita pelo facto de a A. se ter recusado a reduzir a escrito o contrato existente entre as partes e não pelo facto de a conduta da A., na relação com os clientes finais, ter desrespeitado a relação de confiança entre a A. e a R.. Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da Recorrente. 2. Alega a Recorrente que, ao dar como não verificada a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, incorre o acórdão recorrido em erro, atendendo a que, tendo ambas as partes aceite qualificar o contrato dos autos como contrato de agência, a 1.ª instância o qualificou antes como contrato de distribuição autorizada. Também nesta parte é manifestamente improcedente a pretensão da Recorrente, uma vez que, de acordo com o princípio geral ínsito no n.º 3 do art. 5.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes relativamente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o que, consequentemente, abrange a qualificação da natureza jurídica da relação contratual existente entre as partes. Tampouco, diversamente do alegado pela Recorrente, está obrigado a tomar posição sobre tal qualificação até à prolação do despacho saneador. 3. Passemos a apreciar a questão do invocado erro na apreciação da (i)licitude da resolução contratual por parte da R.. Esclareça-se, antes de mais, que a questão enunciada corresponde à alegação de erro de julgamento, e não, como também vem qualificada pela Recorrente (cfr. concl. K)), de nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão. Com efeito, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPC, consiste na contradição entre a decisão e a respectiva fundamentação de direito, o que aqui não está em causa. Ainda que alegando em termos desnecessariamente repetitivos, pretende a Recorrente que, diversamente daquilo que as instâncias entenderam, seja declarada não lícita a resolução do contrato por parte da R., essencialmente por dois motivos: i. Antes de mais, porque o juízo das instâncias acerca da licitude da resolução assenta no entendimento de que, ao recusar-se a reduzir a escrito o contrato existente entre as partes, actuou a A. em desrespeito da previsão do n.º 2 do art. 1.º do regime jurídico do contrato de agência (Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, no qual se dispõe que «Qualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações»), o que é incompatível com o facto de, tanto na contestação como ao longo do processado, ter a R. rejeitado, de forma reiterada, ser essa a justificação para a declaração de resolução; ii. Em segundo lugar, porque, perante o facto provado 12 («A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudiciais ou desvantajosas e não o assinou»), sempre se deverá entender como sendo justificada a recusa da A. em assinar o contrato apresentado pela R.. Vejamos. 3.1. Pronunciando-se a respeito do objecto do recurso de apelação da A. (pretensão de que lhe seja atribuída indemnização de clientela), afirma-se no acórdão recorrido: «[D]a factualidade resultada provada resulta, inequivocamente, que a cessação do contrato (a sua resolução, como muito bem qualificou a sentença recorrida) assentou em razões imputáveis à autora, no caso, à recusa desta em assinar o texto que reproduzia o clausulado contratual que regia as relações entre as partes. Essa recusa constitui violação da obrigação plasmada no art. 1º, nº 2 do citado diploma: Qualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações. Não logrando a autora cumprir o seu ónus de prova – emergente do art. 342º, nº 2 do Código Civil – relativamente ao facto impeditivo do direito invocado pela ré: a discrepância entre o clausulado escrito apresentado e o clausulado verbal que vinha regulando tais relações. Demonstrando-se que a extinção do contrato – efectuada pela declaração da ré de 28/8/2019 - se fundou na recusa da autora em assinar o texto escrito do clausulado, sem justificação para tanto, acompanha-se a conclusão da decisão recorrida, no sentido de não ser devida a indemnização de clientela, nos termos do citado art.33º, nº 3.». E, mais à frente, ao apreciar o objecto do recurso de apelação da R. (pretensão de revogação da indemnização atribuída pela 1.ª instância que entendeu que, não obstante a resolução ser lícita, tal indemnização seria devida por aplicação do art. 30.º, alínea b), do regime do contrato de agência), pode ler-se o seguinte: «[A] recusa em subscrever o clausulado escrito apresentado pela ré – não se demonstrando o facto impeditivo invocado pela autora para justificação desse comportamento (a discrepância entre esse texto e a vinculação verbal que regulava as relações entre as partes) – constitui, só por si, incumprimento de uma obrigação legal, plasmada, como vimos, no art. 1º, nº2 do diploma em apreço. Ora, o art. 30º, a) [da LCA] permite a resolução do contrato, verificadas as seguintes condições: - Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações; - Esse incumprimento seja de tal forma grave ou reiterado, que se possa concluir, - Não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; E a situação descrita preenche, a nosso ver, as três condições. Em primeiro lugar, não se vê porque restringir o incumprimento relevante, fundador do direito à resolução, enquanto exclusivamente referente a uma «obrigação contratual», inexistindo razão para excluir o incumprimento de norma legal, supletiva ou imperativa, que constitua um dever de actuação ou omissão a qualquer das partes, na execução do contrato. E o dever de subscrever a redução a escrito do clausulado verbal que rege as relações entre as partes, resulta plasmado expressamente no citado art. 1º, nº2 deste diploma. Trata-se de uma norma excepcional ao Princípio da Liberdade Contratual, fora do campo específico da promessa contratual, que cria nas partes deste tipo contratual a vinculação à aceitação de uma forma escrita – desnecessária à perfeição da celebração consensual do contrato -, desde que a outra parte assim o pretenda. Em segundo lugar, o incumprimento dessa obrigação legal – reiterado ao longo do tempo - sempre se mostra grave, na medida em que carece de razão justificativa. A obrigação legal de aceitação da redução a escrito surge-nos como contrapeso à liberdade da forma contratual prevista para este tipo de contrato. As razões de incentivo ou facilitismo ao «giro empresarial» que subjazem à possibilidade de celebração verbal cedem, em caso de vontade de uma das partes, às necessidades de segurança e estabilidade, tendo em conta as dificuldades de prova inerentes àquela liberdade formal e salvaguardando-se os avultados interesses económicos em jogo, neste tipo de relações contratuais. Por isso se assume como grave a recusa – injustificada – na redução a escrito, exigida pela contra-parte. Essa recusa constitui um factor de desconfiança ou suspeição, indiciador de vontade de futuro incumprimento, afundando-se assim o alicerce de construção da confiança e boa-fé que guiam a execução de todos os contratos (e, em maior medida, nos contratos de valor mais elevado) e que funda a permissão normativa de assumpção contratual verbal. E entendemos que esse incumprimento da autora é suficiente para fundar a resolução do contrato, ultrapassando-se a dicotomia mora/incumprimento definitivo.». Constata-se, assim, que a razão pela qual a resolução do contrato dos autos foi considerada lícita consiste no desrespeito pela A. da obrigação prevista no n.º 2 do art. 1.º do regime jurídico do contrato de agência, que se entendeu ser aplicável ao caso dos autos, em aceitar reduzir a escrito o contrato existente entre as partes. Ora, compulsada a contestação (cfr. artigos 25º a 54º), verifica-se que a R., embora alegando que a A. se recusou a assinar o texto contratual que aquela lhe apresentou, expressa e reiteradamente rejeitou que tal recusa tenha sido o fundamento da resolução contratual, alegando que a mesma assentou sim na quebra de confiança na A. em razão de esta ter «lançado mão de uma estratégia deliberada – a qual remontava, pelo menos, a Outubro de 2018 – com o intencionado fito de desviar clientes da Ré mediante uma campanha de menoscabo, deslustre da imagem e difamação do bom-nome e reputação daquela junto dos clientes com os quais a Autora contactava» (artigo 30.º). Alegando, conclusivamente, nos seguintes termos (artigos 44.º e 53.º da contestação): «Mercê da gravidade das afirmações propaladas, do potencial destrutivo que aquelas tiveram no negócio da Ré e, ainda, do conhecimento das tentativas da Autora em transferir clientes para sociedades concorrentes, tais circunstâncias constituíram o móbil para a cessação da relação comercial, e não – como perpassa pela argumentação da Autora – a referida recusa em outorgar ou formalizar o contrato de distribuição comercial em dado momento proposto pela Ré»; «A cessação do contrato em vigor entre as partes deveu-se, unicamente, à prolongada, insistente e assaz grave conduta protagonizada pela Autora, desmerecedora de qualquer confiança, e não à existência de um alegado novo contrato». Também em sede de recurso de apelação, reitera a R. (cfr. conclusões viii a xxviii), desconsiderando a fundamentação aduzida pela sentença, que a licitude da declaração de resolução assenta na quebra de confiança na A.. É certo que, nas contra-alegações ao recurso de revista, veio a Recorrida tentar alterar a posição assumida ao longo do processado, alegando que, «tanto no excerto transcrito pela Autora do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, como na contestação apresentada pela Ré, o que se diz é que a Ré não resolveu o acordo celebrado com a Autora unicamente por esta se recusar em assinar a proposta contratual apresentada, mas, outrossim, por todo um conjunto de circunstâncias». Sendo manifesto não ser este o significado do conteúdo dos artigos 44.º e 53.º da contestação supra reproduzidos, deve reconhecer-se assistir razão à Recorrente quando põe em causa o juízo das instâncias, devendo entender-se que a recusa da A. em reduzir a escrito o contrato não foi causal da declaração de resolução da R. pelo que não pode servir de fundamento ao juízo acerca da licitude da mesma. Fica assim prejudicada a necessidade de ponderar a relevância a atribuir ao facto provado 12. 3.2. Aqui chegados, poderia colocar-se a hipótese de se reapreciar a licitude da resolução contratual com base no fundamento (quebra de confiança da R. na A. causada pela conduta alegadamente desleal desta última) reiteradamente invocado pela R.. Afigura-se, porém, que tal só seria processualmente viável se a R. tivesse requerido, e não requereu, a ampliação do objecto do recurso de revista. E, de qualquer forma, sempre se dirá que a factualidade dada como provada («20 - Em datas não concretamente apuradas de 2018-2019 a A. disse a cerca de meia dúzia de clientes finais que a R. poderia deixar a operação em Portugal, que o programa Sage Retail ia deixar de existir, e que o programa que o substituiria seria mais caro. 21 - Nunca foi pensada a saída da operação da R. de Portugal. 22 - O programa Sage Retail continua a ser comercializado, embora tenha sido descontinuado, e por isso sem actualizações, e substituído pelo programa Sage 50C. 23 - O programa Sage 50C, com os módulos associados sugeridos pela R., é mais caro do que o programa Sage Retail.»), não permitiria, só por si (isto é, sem que tenha sido feita prova dos pontos O), P) e Q) da factualidade dada como não provada), considerar lícita a resolução do contrato pela R.. 3.3. Ao que foi dito no ponto 3.1. acresce uma razão de outra ordem, qual seja a de que se entende não estar demonstrada a aplicabilidade ao caso dos autos do regime do supra referido n.º 2 do art. 1.º do regime do contrato de agência, no qual se dispõe que «[q]ualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações»). Do que se trata é, afinal, de apurar se, ao contrato de distribuição autorizada dos autos, é aplicável por analogia o regime normativo do contrato de agência. As instâncias e as partes responderam afirmativamente, convocando, a esse respeito, a orientação doutrinal e jurisprudencial consolidada que vem realizando tal aplicação (designadamente em matéria de cessação do contrato e de indemnização de clientela) a certas categorias de contratos de distribuição, concretamente, ao contrato de concessão e ao contrato de franquia. Cfr., por todos, as sínteses de António Pinto Monteiro (Contrato de Agência - Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 148 a 152) e de José Engrácia Antunes, Os contratos de distribuição comercial, in Revista Ciências Empresariais e Jurídicas, Vol. 1, n.º 16 (2010), págs. 9 a 38. Assinale-se, porém, que tal orientação não é inteiramente pacífica, como se refere no acórdão do STJ de 12.05.2016 (proc. n.º 2470/08.0TVLSB.L1.S1) e, mais desenvolvidamente, nos acórdãos do STJ de 08.09.2021 (proc. n.º 723/17.5T8BJA.E1.S1) e de 21.04.2022 (proc. n.º 618/17.2T8BJA.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. A este respeito, cfr. Mariana Soares David, «A aplicação analógica do regime jurídico da cessação do contrato de agência aos contratos de concessão comercial. Tradição ou verdadeira analogia?», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 71º, n.º 3 (2011), págs. 906 a 908, e, desenvolvidamente, Fernando Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, págs. 724 a 737. Em qualquer caso, mesmo para os defensores da orientação tradicional, e de acordo com o princípio geral ínsito no n.º 2 do art. 10.º do Código Civil, o recurso à analogia com o contrato de agência «não é automático mas casuístico, apenas sendo legítimo recorrer à aplicação de uma dada norma, injuntiva ou supletiva, daquele regime legal quando, à luz da respectiva “ratio”, seja de concluir pela sua identidade ou analogia com o caso omisso» (Engrácia Antunes, ob. cit., pág. 23). Ora, se a posição dominante admite a existência de analogia entre o contrato de agência e os contratos de concessão comercial ou de franquia, o mesmo não ocorre quanto ao contrato de distribuição autorizada. Neste contrato, que pode ser definido como aquele «através do qual um empresário vende os seus produtos a um conjunto de revendedores seleccionados que não usufruem de um exclusivo de venda» (Engrácia Antunes, ob. cit., pág. 37), o distribuidor, «muito embora surgindo aos olhos do público como um empresário especializado na comercialização dos bens do produtor», na verdade, apresenta uma reduzida integração na rede de distribuição deste último, «aproximando-se por vezes de um revendedor independente» (ob. cit., pág. 38). No caso dos autos, em que apenas foi provado que «6 - As suas relações comerciais estabeleciam-se por meio de acordo verbal pelo qual a Autora, actuando em nome próprio e por sua conta, promovia e divulgava os produtos e serviços da R. por forma a angariar novos clientes, e sem sujeição a exclusividade por qualquer das partes, distribuindo e comercializando os programas informáticos produzidos pela R., e prestava aos clientes finais assistência técnica, consultoria, e procedia à instalação das aplicações produzidas pela R., sendo a A. remunerada pela R. mediante o recebimento de uma margem do lucro do negócio concluído com o cliente final» e que «8 - A A. efectuava serviços de suporte e assistência dos produtos aos clientes finais, e realizava, com autorização da R., a venda de equipamentos e produtos complementares, o que constituía uma fonte de lucro», afigura-se estarmos, efectivamente, perante um simples contrato de distribuição autorizada, sem que se identifique uma situação análoga à existente na relação entre o principal e o agente. Acresce a estas considerações que, ainda que estivesse em causa um contrato de distribuição relativamente ao qual, de acordo com a dita orientação dominante, se defendesse que a analogia com o contrato de agência justificaria a aplicação do regime de cessação do contrato previsto no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, sempre seria muito duvidoso que tal abrangesse a aplicação do regime do n.º 2 do art. 1.º do mesmo diploma relativo ao direito a exigir a redução a escrito do contrato. Deste modo, tanto por a relação contratual dos autos não ser análoga à relação existente entre principal e agente, como por não se vislumbrarem razões para a aplicação analógica do regime do n.º 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 178/86 à generalidade dos contratos de distribuição, reforça-se a conclusão a que chegamos no ponto 3.1. do presente acórdão segundo a qual a resolução do contrato dos autos não pode ser tida como lícita. Esclareça-se que, por se tratar de um segundo fundamento para a mesma conclusão, se entende não ser necessário notificar previamente as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade, não discutida nos autos, de afastamento da aplicação analógica do regime do contrato de agência. 3.4. Aqui chegados, perante a exclusão da licitude da resolução do contrato dos autos, haveria que reapreciar a questão da pretensão da Recorrente a receber uma indemnização de clientela, pretensão que, ainda que não expressa nas conclusões do recurso, resulta do pedido recursório formulado a final. Na medida em que se concluiu pela exclusão da aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato dos autos, tal pretensão seria de negar liminarmente. Contudo, e mais uma vez atendendo a que a questão não foi debatida nos autos sob esta perspectiva, sempre se dirá não estarem verificados os pressupostos de que depende a atribuição da indemnização de clientela. Com efeito, nos termos do art. 33.º, n.º 1, do regime do contrato de agência, a indemnização de clientela depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos, cuja prova, nos termos gerais, compete ao A.: «a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).». Sendo que, no AUJ n.º 6/2029, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência da seguinte forma: «Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto -Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, inclui -se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.». Ora, com relevância para a resolução da questão em apreciação, apenas ficou provado que: 24 - A A. em 2018 angariou três clientes novos e em 2019 angariou um cliente novo, e perdeu quarenta clientes de Outubro de 2018 até Julho de 2019. 25 - Em 2018 a A. tinha 219 clientes activos de produtos da R. e aquando da cessação da parceria eram 179 os clientes activos de produtos da R. que integravam a carteira de clientes da A.. 26 - Desses clientes finais cerca de metade permaneceram clientes de produtos da R. após a cessação da parceria entre esta e a A.. Não tendo sido feita prova do seguinte facto: H - Que após a cessação da parceria todos os clientes angariados e/ou fidelizados pela A. tenham permanecido clientes finais de produtos e serviços da R.. Considera-se que, não apenas a factualidade dada como provada se mostra insuficiente para dar com preenchidos os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, como se entende não terem sido alegados nem provados factos que permitam dar como verificado o requisito da alínea c) do mesmo regime normativo. Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão da Recorrente. 4. Por fim, e, mais uma vez, por ter sido afastada a licitude da resolução do contrato dos autos por parte da R., importa apreciar do invocado erro da decisão de revogação da indemnização equitativa, no montante de € 25.000,00, atribuída pela 1.ª instância (questão que a Recorrente também qualifica como sendo de nulidade por excesso de pronúncia, mas que, em rigor, corresponde à alegação de erro de julgamento e não de nulidade da decisão). Vejamos. A este propósito, peticionou a A. o «pagamento de uma indemnização referente ao incumprimento contratual com resolução ilícita do mesmo e reparação dos danos a fixar de acordo com os usos e critérios de equidade», pedido que veio esclarecer, em sede de audiência prévia, ser sustentado no art. 32.º do regime do contrato de agência e ter sido formulado ao abrigo da faculdade prevista no art. 569.º do Código Civil. O art. 32.º do Decreto-Lei n.º 178/86 dispõe o seguinte: «1 - Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra. 2 - A resolução do contrato com base na alínea b) do artigo 30.º confere o direito a uma indemnização segundo a equidade.». Sendo que, por sua vez, o art. 30.º prescreve o seguinte: «O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.». Tendo a 1.ª instância considerado que a resolução do contrato pela R. fora lícita, não aplicou o n.º 1 do art. 32.º (indemnização por incumprimento contratual), antes decidiu aplicar o seu n.º 2 (indemnização segundo a equidade, que fixou em € 25.000,00), por entender que se verificava a previsão da alínea b) do art. 30.º. Diversamente, o Tribunal da Relação, considerou que, precisamente por a A. ter incumprido a obrigação legal de aceitar reduzir a escrito o contrato, a resolução teve lugar ao abrigo da alínea a) do art. 30.º e não da alínea b) do mesmo preceito, razão pela qual não é aplicável a previsão do n.º 2 do art. 32.º. Pretende a Recorrente que seja repristinada a decisão da 1.ª instância. Vejamos. Uma vez que se afastou a aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato dos autos, afastada estaria a aplicação do regime dos invocados preceitos normativos. De qualquer forma, sempre se dirá que a pretensão da Recorrente de que seja aplicada ao caso a faculdade do art. 32º, n.º 2, conjugada com a alínea b) do art. 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86, não faz qualquer sentido, atendendo a que não foram alegados nem provados factos que permitam dar como verificada a previsão desta última norma («ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia»), sabendo-se que as circunstâncias aqui referidas são circunstâncias não imputáveis às partes. Nas palavras de Pinto Monteiro, trata-se «de uma situação de “justa causa”, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado.» (ob. cit., pág. 147). Só nestas hipóteses – que aqui não se verificam – em que não há lugar a indemnização por incumprimento contratual, prevê o regime do contrato de agência a possibilidade de atribuição de uma indemnização equitativa (art. 32.º, n.º 2). O que não implica, por si só, a desprotecção da A. Recorrente, uma vez que, tendo-se concluído pela não licitude da resolução do contrato operada pela R., sempre será de convocar o regime geral de responsabilidade contratual, que, neste particular, corresponde à previsão do n.º 1 do art. 32.º que para ele remete («qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra»). Deparamo-nos, porém, com a dificuldade de apurar quais os danos ressarcíveis. Pode admitir-se que o pedido de uma indemnização equitativa formulado pela A. seja interpretado como correspondendo ao pedido de indemnização fixada equitativamente conforme previsto no n.º 2 do art. 566.º do Código Civil: «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». Como resulta desta norma geral, a fixação equitativa da indemnização não dispensa a alegação e prova dos danos sofridos pelo credor. Ora, no caso dos autos - e independentemente de outras considerações relativas à questão do período a ponderar, questão que sempre teria de ser respondida atendendo à faculdade de denúncia ad nutum dos contratos celebrados por tempo indeterminado - os factos alegados, susceptíveis de integrar o conceito de dano, foram dados como não provados («I - Que durante a vigência da parceria entre R. e A. esta tenha auferido, em média, lucros anuais de € 223.195,34, nomeadamente € 198.954,13 no ano 2014, € 226.620,51 no ano 2015, € 229.347,74 no ano 2016, € 235.124,43 no ano 2017 e € 225.929,89 no ano 2018. J - Que relativamente aos pacotes de serviços e produtos adquiridos pelos clientes finais a A. auferisse anualmente cerca de € 68.092,55. K - Que pelos serviços de assistência prestados pela Autora esta auferisse anualmente a quantia de € 19.998,30. L - Nem que a A. auferisse outros valores fixos anuais no valor de € 16.613,85. M - Que pelas outras vendas de materiais/equipamentos e/ou serviços prestados pela A. aos clientes finais ela auferisse anualmente a quantia de € 118.704,70»). Ora, ao contrário daquilo que a Recorrente parece propugnar, não há lugar a fixação equitativa de indemnização sem a prova da ocorrência de danos, razão pela qual improcede, também nesta parte, a sua pretensão. 5. A terminar, reitera-se que (conforme se demonstrou ao longo da fundamentação do presente acórdão), não obstante se considerar, diferentemente do que entenderam as instâncias, que o regime do contrato de agência não é analogicamente aplicável ao contrato de distribuição comercial autorizada dos autos, a resolução das questões objecto do recurso sempre seria a mesma ainda que tal regime fosse aplicável. Em virtude desta conclusão, não se mostra necessário notificar as partes para se pronunciarem previamente a respeito da alteração do juízo acerca do regime jurídico aplicável. VI - Decisão Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se, ainda que com diferente fundamentação, a decisão do acórdão recorrido. Custas pela Recorrente. Lisboa, 2 de Novembro de 2023 Maria da Graça Trigo (relatora) Fernando Baptista Ana Paula Lobo |