Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2365/08.7 TBABF.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: RESOLUÇÃO
DECLARAÇÃO RECIPIENDA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO
VALIDADE
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 174.
- J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pp. 130/1 e segs. .
- J. C. Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil (do enquadramento e do regime), Coimbra Editora, 1996, pp. 114 e seguinte, 153.
- Manuel D. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306 e segs.
- Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição da AAFDL ( reimpressão 2008), p. 233.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º1, 436.º, Nº1, 441.º, 442.º, N.º2, 562.º, 566.º, N.º1, 801.º, N.º2, 802.º, N.º2, 808.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 673.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-12-2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 28-09-2010, Pº 392/09.6 TBCVL.S1, IN WWW.DGSI.PT
Sumário :
I- Sendo a resolução negocial efectuada por simples declaração à parte contrária, nos termos prescritos no artº 436º, nº 1 do C. Civil,  não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial. Ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, como é característico das declarações negociais receptícias ou recipiendas (artº 224º, nº 1 do C.Civil).

II- A expressão declaração recipienda tem o sentido de que não carece de aceitação pela parte do destinatário (declaratário) para a produção dos seus efeitos.

III- Tal não significa, todavia, que se possa resolver um contrato bilateral ou sinalagmático, como é o caso do contrato promessa dos autos, por simples capricho ou a bel-prazer de qualquer dos contraentes isto é, por livre alvedrio de qualquer deles, mesmo em caso de incumprimento temporário, normalmente  designado por mora.

IV- Como escreveu o saudoso Prof. Baptista Machado, «o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a  constituição ( ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência» (J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pg. 130/1 e segs. sendo nosso o destaque a negrito).

V- Neste sentido, pode ver-se ainda Brandão Proença quando considera o incumprimento (lato sensu) como pressuposto material condicionante do exercício do direito de resolução, mas advertindo que «no novo C.C. (artºs. 801.°, 2, e 802.°, 2, ex vi do art. 808.°), o incumprimento temporário (rectius, mora) é apenas fundamento de resolução quando se converta num não cumprimento definitivo derivado da perda do interesse na prestação (a Unbrauchbarkeit de que falava windscheid) ou (conservando o credor esse interesse ou mesmo independentemente de) da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para esse efeito» (J. C. Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil (do enquadramento e do regime), Coimbra Editora, 1996, pg. 114 e seguinte).

VI- Daqui, porém, importa tirar uma conclusão que é a de que tal declaração resolutória determina a cessação do vínculo se não for impugnada pela contraparte num contrato sinalagmático, mas, se o for e se for judicialmente reconhecida a inexistência de fundamento para tal resolução, então o contrato deve considerar-se subsistente.

VII- É esta a lição da nossa mais abalizada doutrina, como se colhe, inter alia,  da transcrição de uma breve passagem da lição do ilustre Civilista, Pedro Romano Martinez:
«A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida não é inválida, pelo que mesmo se injustificada determina a cessação do vínculo. Todavia, a contraparte pode contestar ( judicialmente) os motivos da resolução, cabendo ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo a resolução injustificada, e portanto ilícita, o autor da declaração responde pelo prejuízo causado à contraparte; como o princípio geral obrigação de indemnizar determina que deve ser reconstituída a situação que existiria ( artº 562º); não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artº 566º, nº 1 (p.ex., impossibilidade), com a declaração de ilicitude resulta a subsistência do vínculo, que, afinal, não cessou.» [Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição da AAFDL ( reimpressão 2008), pg. 233), sendo nosso o destaque a negrito].
Decisão Texto Integral:

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RELATÓRIO

         AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra BB - Desenvolvimento Urbanístico e Construções ..., Lda., ambos com os sinais dos autos, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato promessa celebrado entre A. e R., condenando-se a R. a restituir ao A., em dobro, o sinal por este prestado, sendo assim condenada a pagar a quantia de € 167.097,29, acrescida de juros vincendos a contar da citação.

Alega o Autor, em termos sumários, que celebrou contrato promessa de compra e venda de um imóvel da Ré, contrato esse que a Ré incumpriu culposamente.

A Ré apresentou contestação onde veio deduzir pedido reconvencional invocando que foi o A. que incumpriu o referido contrato, assistindo-lhe, por conseguinte o direito de fazer seu o montante entregue.

A reconvenção foi admitida pelo Tribunal.

O Autor apresentou Réplica, respondendo à reconvenção, concluindo e peticionando a sua improcedência.

.

Após a legal tramitação, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e no decurso do julgamento as partes acordaram em prescindir da base instrutória, desistindo de produzir prova, passando-se em seguida para alegações de Direito.

Por fim, foi proferida sentença onde se decidiu « julgar o pedido deduzido pelo Autor improcedente e, em consequência, absolver a Ré do pedido deduzido, e condenar o Autor no pedido da Ré, declarando que tem a Ré o direito a fazer seu o valor entregue pelo Autor a título de sinal».

Inconformado, veio o A.  apelar para o Tribunal da Relação de Évora que, dando provimento ao recurso, julgou procedente a acção, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 167.097, 29 (cento e sessenta e sete mil e noventa e sete euros e vinte e nove cêntimos), correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Julgou, outrossim, improcedente a reconvenção, absolvendo o Autor do pedido reconvencional.

Foi a vez de a Ré, inconformada com este acórdão, dele vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

         CONCLUSÕES

1.ª - A causa de pedir no nº 35/2001, 1º Juízo de Albufeira ( Processo 306/07.3, do Tribunal da Relação de Évora e Revista nº 176/08, 6.a secção, do STJ) é o desrespeito pelo cumprimento da data constante do referido contrato promessa.

2.ª - No processo sub judice, a causa de pedir é dupla: a) a de a Apelada não ter ''procedido à marcação da escritura, mesmo após interpelação do Apelante"; e b) por haver vendido a fracção objecto deste ".

3.ª - Inexiste caso julgado, no caso vertente, porquanto falta a identidade de causa de pedir, em ambas as causas, tal como é exigido pelo artigo 581.0 do CPC

4. ª - A resolução de um contrato é um acto unilateral que não carece de aceitação da outra parte para produzir efeitos jurídicos.

5.ª - O Apelante declarou o contrato resolvido em 17/01/2001 e confirmou-o por carta de 2/06/2001.

6.ª - Ao fazê-lo, o contrato extinguiu-se e tal extinção operou-se a partir daquela data, não carecendo de intervenção da Apelada para produzir efeitos.

7.ª - A Apelada só aceitou a resolução do contrato a partir de 9/07/2001, data em que marcou a escritura a que o Apelante não compareceu nem se fez representar.

8.ª - Esta aceitação tardia por parte da Apelada é irrelevante no que respeita à resolução do contrato, pois esta não carece da aceitação da Apelada para produzir efeitos: a resolução produz efeitos assim que é conhecida, sendo irrelevante a posição que a Apelada vier a tomar sobre a questão.

9.ª - Estando o contrato extinto por facto imputável ao Apelante inexiste incumprimento do contrato por parte da Apelada por ter vendido o imóvel objecto do contrato promessa a terceiros

10.ª - Foram violados os artigos 580.º e 581.° do CPC e 436.° do CC.

Foram apresentadas contra-alegações, tendo o Autor/Recorrido pugnado pela manutenção da decisão recorrida.

 Cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC (635º do NCPC/2013) como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

                   Questão Prévia

 

            Nas suas alegações a Recorrente/ Ré formulou a título de questão prévia, um requerimento em que pede que seja rectificado um erro material verificado quanto ao ponto Quatro da matéria de facto, do seguinte teor:

 Pela apresentação 44/010718, foi registada a aquisição da fracção referida em A) a favor de CC e DD por compra à R. cfr. certidão janta a fls. 69 e ss. "

Todavia este ponto, que constava do ponto 1.1 da MATÉRIA DE FACTO

ASSENTE do despacho saneador, foi objecto de reclamação e decidido por despacho n.° 4342942, de 20/12/2011, tendo sido determinado que o facto O) dos factos assentes passasse a ter a redacção que pede no seu requerimento.

        

A parte contrária não se opôs ao requerido.

        

Tem plena razão a Recorrente, posto que se constata um erro material notório e ostensivo, já que havia no processo um despacho judicial, de 20-12-2011 (fls. 242, 1º volume do processo) transitado em julgado, que determinou a rectificação reclamada, do seguinte teor:
 Em face de toda a documentação junta aos autos, verifica-se que assiste razão ao Autor. De facto, a fracção autónoma em causa e que foi objecto do contrato-promessa sob apreciação - o r/c esquerdo do lote 4 descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.° 4521/881202 - corresponde efectivamente à fracção B.

Assim sendo, o Tribunal defere nesta parte a reclamação à selecção da matéria de facto e determina que se proceda à alteração do facto O) dos factos assentes, passando a ter este facto a seguinte redacção: "Pela ap-70/20030808. foi registada a aquisição da fracção referida em A) a favor de EE, casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, residentes na D. GG, n." 16. Carcavelos. Cascais, por compra à Ré. cfr. certidão de fIs. 69 e seguintes".

Notifique.

Anote em local próprio.

         Por força deste despacho havia sido feita a ordenada anotação em local próprio que, infelizmente, não foi tida em conta naquela Instância na altura da prolação da sentença, tendo o dito facto tido outra redacção, por manifesto lapso.

Assim vai deferido tal requerimento, pelo que o facto O) do acervo factual passará a ter seguinte redacção:

         "Pela ap-70/20030808. foi registada a aquisição da fracção referida em A) a favor de EE, casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, residentes na D. GG, n." 16. Carcavelos. Cascais, por compra à Ré. cfr. certidão de fIs. 69 e seguintes".

FUNDAMENTOS

                  Das instâncias, vem dada como provada a seguinte factualidade:


A- No dia 18 de Julho de 1998, A. e R. celebraram um acordo escrito, por eles denominado, de contrato promessa, por via do qual o A. prometeu comprar e a R. prometeu vender-lhe, uma fracção, tipo T1, - r/ch esq º, do lote 4, que a R. tinha em construção no Lugar das Várzeas de Quarteira, concelho de Albufeira, descrita na C.R. Predial de Albufeira sob o n° 45211881202 - conforme documento junto a fls. 14 e ss, que, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
B- No dia a seguir à data referida em A), as partes efectuaram aditamento a esse escrito, que se mostra junto a fls. 17 e 18, cujo teor, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
C- No âmbito do acordo a que se vem aludindo o A. entregou à R., a quantia de 16.750.000$00[1], através dos cheques juntos a fls. 23 e ss, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os legais efeitos.
D- A. e R. acordaram que a escritura de compra e venda seria "feita o mais tardar até ao dia 30 de Dezembro de 2000",conforme documento junto a fls. 14 e ss.
E- Competindo à R. a marcação da data da escritura e posterior comunicação ao A. daquela data.
F- A R. não convocou o A. para a celebração da escritura até à data referida em D).
G- Pelo que o A., por carta de 17.1.2001, declarou resolvido o acordo, imputando o seu incumprimento à R.
H- O A. remeteu e a R. recebeu a missiva junta a fls. 12, que aqui se dá por reproduzida, onde além do mais, o A. confirmava a presença em reunião com a R. com vista a tentar acordo acerca do contrato celebrado.
I- Essa reunião teve lugar, não chegado as partes a qualquer acordo.
J- O A. interpôs acção judicial contra o R., peticionando a resolução do referido contrato e a condenação da R. a pagar-lhe o pagamento do dobro das quantias entregues.
K- Tal acção fundamentava-se no facto da R. não ter marcado a escritura de compra e venda até à data fixada no acordo.
L- O A. não obteve ganho de causa naquela acção, decidindo o Tribunal que não se verificava incumprimento definitivo por parte da R., cfr. teor da certidão junta a fls. 33 e ss .
M- Apesar do recurso por si interposto para o STJ, o A., em 6.6.07, interpelou a R., concedendo-lhe prazo para que marcasse a escritura, cfr. teor do doc. junto como n° 14 da p.i.
N- Em resposta a R., em 18.6.2007, referiu que não procedia à marcação da escritura porque considerava o contrato em causa resolvido por facto imputável ao A., cfr. doc. junto como n° 15 da p.i. - fls. 68, que no mais, aqui se dá por reproduzido.
O- Pela ap. 44/010718, foi registada aquisição da fracção referida em A), a favor de CC e DD, por compra à R., cfr. certidão junta a fls. 69 e ss ( anterior redacção)
Nova redacção conforme  decisão supra exarada que é a que prevalece:
"Pela ap-70/20030808. foi registada a aquisição da fracção referida em A) a favor de EE, casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, residentes na D. GG, n." 16. Carcavelos. Cascais, por compra à Ré. cfr. certidão de fIs. 69 e seguintes".

P- A R. notificou o A. em 27.06.2001, para outorgar a escritura da fracção no dia 09.07.2001, no cartório de Faro, a partir das 15h.
Q- Por carta datada de 02.07.2001, junta como doc. 4 da contestação, o A. informou que não compareceria à escritura, informando que o assunto já estava confiado aos Tribunais.
R- O A. não compareceu na data referida em P), nem se fez representar.

        

Como se constata da leitura das decisões das Instâncias, a 1ª Instância decidiu que tendo o Autor declarado resolvido o contrato-promessa, ainda que sem fundamento como ficou decidido na outra acção que o mesmo intentou também na comarca de Albufeira, sobre o mesmo objecto e contra a mesma Ré, tal contrato se mostra extinto por via da falada resolução, pelo que não tem o Autor direito à peticionada devolução do sinal em dobro, já que resolveu o dito contrato-promessa ainda que para tal não tivesse fundamento.

O Tribunal da Relação teve entendimento completamente oposto, na medida em que decidiu, essencialmente, o seguinte:

«A sentença sob recurso ao decidir que o contrato promessa foi eficazmente resolvido pelo A. com a carta de  17/01/2001, violou a autoridade do caso julgado formado pela anterior decisão proferida no processo nº 35/2001 do 1º Juízo do Tribunal de Albufeira (Processo nº 306/07.3 do Tribunal da Relação de Évora), e, consequentemente impõe-se a sua revogação»

Mais adiante, assim se considerou no Acórdão recorrido:
«Mas ainda que assim não fosse sempre teria de considerar-se que a decisão do tribunal  “a quo” era errónea, na medida em que nem sequer se poderia considerar que a declaração de resolução do A. constante daquela dita carta de 17/1/2001, teria eficácia extintiva do contrato por ter sido aceite pela parte contrária, pelo simples facto de isso não corresponder à verdade dos factos demonstrados nos autos.
Efectivamente a R., aqui apelada, na precedente acção nunca aceitou a resolução do contrato, sempre se opôs a ela e agiu como se não tivesse ocorrido, designadamente marcando a escritura definitiva para 9/07/2001, disso tendo dado prévio conhecimento ao A. através de carta de 27/6/2001, pelo que não pode dizer-se que aceitou a resolução do contrato operada pela comunicação do A. de 17/01/2001 e que por isso considerava o contrato extinto. Os factos demonstram o contrário…!!!».

Analisemos com o devido detalhe a situação em pauta!

Para tanto, importa ter no horizonte a factualidade que foi apurada na anterior acção que o ora Autor, também nessa qualidade, moveu contra a mesma Ré, fundada, como nesta, num alegado incumprimento definitivo do mesmo contrato-promessa (aí invocando a falta de marcação da escritura por banda da empresa Ré e aqui invocando ter a Ré vendido a fracção autónoma objecto do referido contrato a terceiros ainda na pendência daquela acção, com o que inviabilizou definitivamente o cumprimento do dito contrato-promessa) e pedindo a condenação da Ré, promitente vendedora, no pagamento de uma indemnização de montante equivalente ao dobro do sinal prestado, exactamente como o faz na presente acção.

 Na referida acção, que por comodidade de expressão passaremos a designar apenas por Pº 35/2001 (este foi o número que lhe foi atribuído no 1º Juízo de Albufeira, onde a acção foi intentada), foi apurada e fixada a seguinte factualidade:

A) No dia 18 de Julho de 1999, AA e BB -Desenvolvimento Urbanístico e Construções do ..., Lda, celebraram um acordo escrito, que vem o contrato-promessa de compra e venda junto com a petição inicial sob a designação de "DOC. nº 1", para cujo texto se farão todas as remissões que caibam, mas que assume o conteúdo basicamente provado em C), D) e E), contendo ainda outras estipulações, das quais se salientam as seguintes:

1 - Autor e Ré sabem que esta promete vender uma fracção autónoma dum prédio, que está em construção ao tempo do contrato.

2 - O preço estipulado foi de onze milhões de Escudos (54.867,77 Euros), a pagar em duas prestações, uma na data do contrato-promessa, ascendendo a 1.250 contos (6.234,97 Euros), outra na data da outorga da escritura, no valor de 9.750 contos (48.632,79 Euros).

B) Em 19 de Julho de 1999, Autor e Ré celebraram um aditamento ao acordo provado em A), aditamento este junto com a petição inicial sob a designação de "DOC.Nº 2", para cujo texto se farão todas as remissões que caibam, mas que, basicamente, prevê alterações na construção e equipamento da fracção prometida vender ao Autor, com directo reflexo no preço, que passa a ser de 17.200 contos (85.793,24 Euros), com três fases de pagamento, sendo uma imediata no já provado valor de 1.250 contos (6.234,97 Euros), uma segunda de 6.000 contos (29.927,87 Euros) até Dezembro de 1999, e outra quando da outorga da escritura, no valor de 9.950 contos (49.630,39 Euros), no mais se mantendo o acordado no contrato-promessa de 18 de Julho de 1999.

C) Pelo referido acordo, o Autor prometeu comprar e a Ré prometeu vender a fracção autónoma tipo T-um, situada no rés-do-chão do prédio urbano em construção, em regime de propriedade horizontal, composto de cave, rés-do-chão mais três pisos, situado no lote n° 4, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n° 4521/881202 da freguesia de Albufeira, em loteamento no lugar de Várzeas de Quarteira ou Pinhal do Concelho, Albufeira.

D) Autor e Ré acordaram que a escritura de compra e venda seria "feita, o mais tardar, até ao dia 30 de Dezembro de 2000".

E) Acordaram ainda que competia à Ré a marcação da escritura de compra e venda e posterior comunicação ao Autor da data da sua outorga.

F) A Ré não convocou o Autor para a celebração da escritura de compra e venda.

G) A Ré enviou ao Autor carta registada com aviso de recepção datada de 22 de Maio de 2000, a qual constitui o documento junto com a contestação sob a designação de "DOC. 1", para cujo texto se farão todas as remissões que caibam, mas que dá conhecimento ao Autor de que os trabalhos de construção se encontram atrasados e de que a Ré receia não conseguir acabar os apartamentos na data contratualmente prevista.

H) O Autor pagou à Ré a quantia de Escudos 16.750.000 (83.548,65 Euros) através dos cheques que constituem os documentos juntos com a petição inicial sob a designação de "DOC.N0 3", numericamente seguidos até "DOC.N0 10", para cujo texto se farão todas as remissões que caibam, cheques esses que são os seguintes:

- 7210410336, datado de 2 de Agosto de 1999, no valor de Escudos 1.250.000 (6.234,97 Euros),

- 4721360336, datado de 20 de Janeiro de  2000, no valor de Escudos 2.000.000 (9.975,96 Euros).

- 5987873298, datado de 20 de Fevereiro de 2000, no valor de Escudos 4.000.000 (19.951,92 Euros).

- 9658131229, datado de 15 de Março de 2000, no valor de Escudos 1.000.000 (4.987,98 Euros).

- 0524543071, datado de 20 de Maio de 2000, no valor de Escudos 2.000.000 (9.975,96 Euros).

- 6035980475, datado de 15 de Setembro de 2000, no valor de Escudos 2.000.000 (9.975,96 Euros).

- 9435980482, datado de 30 de Outubro de 2000, no valor de Escudos 1.000.000 (4.987,98 Euros).

- 5542747465, datado de 18 de Dezembro de 2000, no valor de Escudos 3.500.000 (17.457,93 Euros).

I) O Autor não interpelou a Ré para que celebrasse escritura de compra e venda.

J) O Autor e o representante da Ré reuniram-se no dia 9 de Janeiro de 2001.

L) Houve atrasos na instalação eléctrica.

M) O Autor efectuou os pagamentos a que se reportam os cheques números ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de Escudos 9.500.000 (47.385,80 Euros) por sua própria iniciativa e sem lho terem solicitado.

N) A Ré aceitou os pagamentos efectuados pelo Autor.

Por isso, nem as Instâncias nem este Supremo Tribunal se debruçaram, naquela acção, sobre a questão da resolução do contrato-promessa efectuada pelo Autor e sobre os efeitos dela decorrentes, pelo que inexiste qualquer caso julgado quanto a esta questão concreta.

Não obstante não se terem pronunciado sobre a falada resolução contratual operada pelo Autor, dado que a mesma não foi aí sequer alegada, ambas as Instâncias foram unânimes na apreciação do facto de a empresa Ré não ter marcado a escritura dentro do prazo que fora convencionalmente fixado no instrumento contratual celebrado, ou seja até 30 de Dezembro de 2000, concluindo de tal apreciação que «inexistindo incumprimento definitivo, inexiste fundamento para a resolução do contrato promessa (que assim continua a vigorar) e, consequentemente, para a restituição em dobro ( ou sequer em singelo) das quantias entregues pelo Autor à Ré», como se lê na parte final da fundamentação do douto acórdão da Relação de Évora, proferido em 17 de Maio de 2007, no sobredito processo Pº 35/2001  (destaque nosso).

O fundamento para tal entendimento foi o de que o facto de a Ré não ter marcado a escritura dentro do prazo contratualmente convencionado, só por si não é suficiente para integrar incumprimento definitivo da sua parte (tendo até em consideração, além do mais, que a Ré havia escrito ao Autor, em 22 de Maio de 2000, a comunicar-lhe as dificuldades surgidas para o acabamento da obra e o receio de não conseguir acabar os apartamentos na data contratualmente prevista),  não tendo o Autor (credor) efectuado a interpelação admonitória, fixando novo prazo razoável e comunicado o mesmo à Ré ( devedora) nos termos do disposto nos artºs 801º e 808º do C. Civil.

Para cabal elucidação, permitimo-nos aqui transcrever um excerto daquele acórdão da 2ª Instância, proferido em 2007:

«Conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência (posição que acompanhamos) ao contrato promessa é aplicável, para além do regime legal próprio, o regime geral do incumprimento ou do incumprimento das obrigações.

Daí que a aplicação do disposto no art. 442° do CC pressuponha o incumprimento definitivo e não a simples mora, incumprimento definitivo esse que terá se ser aferido pelas regras do art. 808° do mesmo diploma.

Conforme se refere no ac. do STJ de 01.03.2007 (proc° n° 07B477, em que é relator Salvador da Costa, in www.dgsi.pt) , sendo de aplicar, a par do regime legal específico do contrato-promessa, em tanto quanto for pertinente, o regime geral do cumprimento ou incumprimento das obrigações, o incumprimento definitivo da prestação, que pressupõe sempre uma situação de mora de uma das partes, consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objectivos., ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável, que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor, nos termos dos artºs. 801° e 808° do C. Civil.

Vejam-se, entre outros, no mesmo sentido, os acs. do STJ de 14.11.2006 (proc°. n° 06A3344, em que é relator Silva Salazar), de 06.03.2007 (proc°. n° 07A087, em que é relator Azevedo Ramos) e de 22.03.2007 (proc°. n°. 07A543, em que é relator Urbano Dias), todos in www.dgsi.pt.

Nos termos do disposto no n° l do art. 808° do C. Civil «se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que. tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação», sendo que, nos termos do n° 2 do mesmo artigo, "a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente ".

No caso dos autos, verifica-se que, não tendo a ré marcado a escritura no prazo previsto no contrato promessa, o autor não lhe deu qualquer outro prazo para o fazer.

É, aliás, irrelevante a circunstância (em que o apelante se estriba) de no contrato promessa se ter estipulado que a escritura de compra e venda seria "feita o mais tardar, até ao dia 30 de Dezembro de 2000".

Com efeito, tal expressão (a menos que integrada num contexto que pudesse conduzir à perda objectiva do interesse na prestação) não pode, sem mais, levar a conclusão de se tratar de um prazo absoluto fixo ou essencial fixo, conforme se considerou no  ac. do STJ de..31.01.2007 (procº nº 06 A 4514 em  que é relator João Camilo, in www.dgsi.pt).

E assim sendo, para que se pudesse considerar haver incumprimento definitivo, por aplicação do disposto no citado art. 808° do C. Civil, necessário se tomava a prova da perda do interesse do autor na prestação (marcação e consequente realização do contrato prometido).

Ora, o certo é que, devendo tal perda de interesse ser apreciada de forma objectiva, o autor não logrou provar (ou sequer alegar) factualidade bastante, da qual se pudesse concluir no sentido da perda ( objectiva) do interesse na prestação e na realização do contrato prometido».

        

Esta decisão viria a ser confirmada pelo STJ em acórdão de 2008.

Do exposto resulta de forma indubitável que, se não houve caso julgado quanto ao efeito da resolução contratual efectuada por mera declaração enviada pelo ora A. à Ré (uma vez que naquele processo os tribunais não apreciaram tal declaração que não foi alegada), houve decisão transitada em julgado que, apreciando a conduta da Ré consistente em não ter marcado a escritura no prazo convencionado, se pronunciou no sentido de tal não constituir fundamento para a judicialmente peticionada resolução contratual.

E tal decisão, por isso que se refere ao mesmo contrato promessa que está em discussão no presente processo e aos mesmos sujeitos contratuais dessa relação negocial e, ainda, quanto à mesma questão que é apreciada nesta mesma acção, impõe-se pela sua autoridade de caso julgado, pois trata-se de uma decisão definitória de uma situação objectiva ( inexistência de incumprimento definitivo por banda da ora Ré) que não pode agora desdizer-se por ser referente à mesma situação e às mesmas partes.

 Para cabal entendimento desta questão, importa aqui traçar um esboço conceptual muito abreviado de tal figura, conhecida pela locução latina auctoritas rei judicatae ( autoridade de caso julgado), com se colhe da lição magistral do Prof. Manuel Andrade[2].

         Como aquele emérito civilista de Coimbra ensinou, com o brilho e o apurado sentido das realidades que todos lhe reconhecemos, mesmo em gerações posteriores às que tiveram o privilégio de escutar as suas proficientes palavras, o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e numa razão de certeza ou segurança jurídicasem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»[3]).

Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos necessários para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais, se uma decisão transitada em julgado, ainda que proferida em outro processo, com outras partes, vier a ser contrariada por outra posterior ao  dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior que já havia sido definido ou regulado pela primeira.

A feliz síntese do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010, de que foi Relator, o Exmº Desembargador Jorge Arcanjo[4], afigura-se-nos cabalmente adequada ao traçado da fronteira entre estas duas figuras jurídico-processuais, pelo que importa aqui registar a parte do seu sumário que importa à presente decisão:

 

«I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.

II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.» ( sublinhados nossos)

É necessário jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».

Trata-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».

Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado[5]e, consequentemente, a autoridade deste.

Temos, portanto, por assente que inexistiu fundamento legal para que o Autor resolvesse validamente o contrato-promessa celebrado com a Ré, por esta não ter marcado a escritura até 31-12-2000, como foi decidido na falada acção anterior:

Daqui, porém, importa tirar uma conclusão que é a mesma que foi extraída pela Relação, ou seja de que tal contrato-promessa se manteve válido mesmo após a declaração resolutória emanada do Autor.

É esta a lição da nossa mais abalizada doutrina, como se colhe, inter alia,  da transcrição de uma breve passagem da lição do ilustre Civilista, Pedro Romano Martinez:

«A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida não é inválida, pelo que mesmo se injustificada determina a cessação do vínculo. Todavia, a contraparte pode contestar ( judicialmente) os motivos da resolução, cabendo ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo a resolução injustificada, e portanto ilícita, o autor da declaração responde pelo prejuízo causado à contraparte; como o princípio geral obrigação de indemnizar determina que deve ser reconstituída a situação que existiria ( artº 562º); não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artº 566º, nº 1 (p.ex., impossibilidade), com a declaração de ilicitude resulta a subsistência do vínculo, que, afinal, não cessou.» [Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição da AAFDL ( reimpressão 2008), pg. 233), sendo nosso o destaque a negrito].

Efectivamente, sendo efectuada por simples declaração à parte contrária como nos termos prescritos no artº 436º, nº 1 do C. Civil,  não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial, ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, como é característico das declarações negociais receptícias ou recipiendas (artº 224º, nº 1 do C.Civil).

A expressão declaração recipienda tem o sentido de que não carece de aceitação pela parte do destinatário ( declaratário) para a produção dos seus efeitos.

 Tal não significa, todavia, que se possa resolver um contrato bilateral ou sinalagmático, como é o caso do contrato promessa dos autos, por simples capricho ou a bel-prazer de qualquer dos contraentes isto é, por livre alvedrio de qualquer deles, mesmo em caso de incumprimento temporário, normalmente  designado por mora.

Como escreveu o eminente Prof. Baptista Machado, que a morte levou precocemente quando tanto tinha ainda a dar à Ciência Jurídica, «o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a  constituição ( ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência» (J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pg. 130/1 e segs. sendo nosso o destaque a negrito).

Neste sentido, pode ver-se ainda Brandão Proença quando considera o incumprimento (lato sensu) como pressuposto material condicionante do exercício do direito de resolução, mas advertindo que «no novo C.C. (artºs. 801.°, 2, e 802.°, 2, ex vi do art. 808.°), o incumprimento temporário (rectius, mora) é apenas fundamento de resolução quando se converta num não cumprimento definitivo derivado da perda do interesse na prestação (a Unbrauchbarkeit de que falava windscheid) ou (conservando o credor esse interesse ou mesmo independentemente de) da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para esse efeito» (J. C. Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil (do enquadramento e do regime), Coimbra Editora, 1996, pg. 114 e seguinte).

Significa o exposto que a resolução de um contrato-promessa, como o que nos ocupa no caso sub judicio, não é arbitrária, antes vinculada a um fundamento legalmente previsto que é justamente o da verificação de incumprimento definitivo da contraparte, e, no caso em apreço, o Autor demandou a Ré na acção primitiva imputando-lhe tal incumprimento que, em seu entender, se consubstanciaria apenas na não marcação pela Ré da escritura para a celebração do contrato prometido até  31-12-2000.

Por outras palavras, a resolução legalmente prevista tem condicionantes ou pressupostos, sem os quais é injustificada, ou seja, ilícita.

Esta questão foi decidida, da 1ª Instância até ao Supremo, no sentido de que não tinha havido incumprimento definitivo mas simples mora e tal decisão, por isso que transitada em julgado, não pode agora ser ignorada nesta nova acção, exactamente por força da auctoritas res judicata, devidamente supra explicitada.

Esta é a posição consensual da nossa jurisprudência como se pode ver, inter alia, do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-12-2012, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Granja da Fonseca, assim sumariado na parte que ora interessa à decisão do presente recurso:

«II - A resolução, depois das alterações introduzidas pelo DL n.° 379/86, de 11-11, enquanto declaração unilateral recipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual - alem de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor, mas das consequências desse incumprimento para o credor.

III - A interpelação admonitória, necessária à conversão da mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808.°, n.° l, do CC, supõe que se fixe prazo suplementar, entendido como aquele que, fixado pelo credor, segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa - fé, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar» ( Pº disponível em www.dgsi.pt

Por isso, o referido contrato-promessa se manteve válido, não obstante a carta «resolutória» enviada pelo Autor à Ré em 17-01-2001 como, aliás, bem considerou a Relação de Évora no seu aresto de 2007, proferido naquela acção, como atrás se deixou profusamente explanado.

Neste mesmo sentido, pode ver-se Brandão Proença que assim  se exprime: «...a declaração de resolução, feita no pressuposto de incumprimento alheio infundado também não pode conduzir a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (...) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes» (J. C. Brandão Proença, op. cit, pg. 153, sendo nosso o destaque).

Dito isto, cumpre notar que é importante ter em devida atenção que resulta dos factos provados na presente acção e elencados sob as letras P a R o que aqui se transcreve para maior comodidade de leitura:

P- A Ré notificou o A. em 27.06.2001, para outorgar a escritura da fracção no dia 09.07.2001, no cartório de Faro, a partir das 15h.
Q- Por carta datada de 02.07.2001, junta como doc. 4 da contestação, o A. informou que não compareceria à escritura, informando que o assunto já estava confiado aos Tribunais.
R- O A. não compareceu na data referida em P), nem se fez representar.  

Ora, como é bom de ver, esta factualidade não é irrelevante e tem um sentido e alcance precisos que não podem ser ignorados!
Antes de prosseguir, convirá não olvidar dois factos constantes do acervo factual fixado na acção anterior (nº 35/2001 do 1º Juízo do Tribunal de Albufeira) que correu relativamente ao mesmo contrato entre as mesmíssimas partes, cuja certidão do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-02-2008, se mostra junta a este processo a fls. 33 e segs (1º volume) e, portanto, cuja factualidade aí descrita não pode o Supremo desconhecer na presente acção por se tratar de factualidade constante de documento autêntico, conexionada intimamente com a presente acção e junto pela Ré com a sua contestação no presente processo.

Como resulta à saciedade da factualidade provada naquela acção, (facto G),  a Ré, ora Recorrente, tinha informado o Autor, por carta registada com aviso de recepção, de 22 de Maio de 2000,  que «dá conhecimento ao Autor de que os trabalhos de construção se encontram atrasados e de que a Ré receia não conseguir acabar os apartamentos na data contratualmente prevista» (o destaque é nosso).

            Igualmente vem provado que «houve atrasos na instalação eléctrica» – facto provado L).

         Apesar de ter conhecimento destes factos, o Autor não interpelou a Ré para que celebrasse a escritura, fixando-lhe novo prazo razoável para cumprir, optando imediatamente por lhe enviar a carta de resolução contratual, o que fez logo no mês seguinte ao «terminus ad quem» do prazo convencionado para a marcação da escritura pela Ré, ou seja, em Janeiro de 2001, quando tal escritura deveria ter sido marcada, segundo o contrato celebrado, até 31-12-2000.

Pois bem, apesar de essa declaração não ter tido o mérito de resolver aquela relação contratual, como foi judicialmente decidido naquela acção, ela demonstra a vontade do Autor, ora Recorrido, de pôr fim ao dito contrato-promessa, recebendo o dobro do sinal prestado, o que sai reforçado pela acção interposta em 2001, consubstanciada no dito processo nº 35/2001, cujo pedido foi tão somente de que fosse declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre A. e R., condenando-se a Ré a restituir ao Autor, em dobro, o sinal por este prestado, sendo assim condenada a pagar ao demandante a quantia de 33.500.000$00, acrescida de juros vincendos a contar da citação e ainda em custas e procuradoria.

Tal como, aliás, vem pedido na presente acção, embora agora com  fundamento diferente.

É neste contexto, que não pode ser ignorado, que importa ter presente o que na realidade se passou como ressalta à evidência da factualidade fixada nos presentes autos pelas Instâncias!
         Ainda na vigência daquela relação contratual que não foi destruída pela declaração pretensamente resolutória do Autor – como judicialmente foi reconhecido pela Relação de Évora  no seu acórdão de 2008 e pelas razões amplamente atrás citadas –  a empresa ora Ré (promitente vendedora) notificou o Autor «em 27.06.2001, para outorgar a escritura da fracção no dia 09.07.2001, no cartório de Faro, a partir das 15h» ( facto P), notificação essa que mereceu do notificado, Autor, a carta de 02-07- 2001, segundo a qual informou a promitente vendedora de que «não compareceria à escritura, informando que o assunto já estava confiado aos Tribunais», como reza o facto provado Q.
         E, na verdade, «o A. não compareceu na data referida em P), nem se fez representar».
            Mesmo assim, a Ré esperou cerca de 2 ( dois) anos sem vender a outrem a dita fracção, só vindo a aquisição desta a ser registada a favor de outros compradores em  2003, como sobejamente se colhe do facto provado O ( redacção rectificada) tendo em atenção a supra efectuada correcção de tal facto que, por ostensivo lapso das Instâncias, não foi considerado no apuramento e fixação da factualidade apurada, não obstante já existir decisão da 1ª Instância, passada em julgado, determinativa da mesma rectificação.
         Ora ao responder à Ré que não compareceria à escritura para a realização do contrato prometido, sem pedir qualquer prorrogação de prazo para a mesma nem apresentar outra justificação mais plausível do que apenas a vaga alegação de que «o assunto estava confiado aos tribunais», sendo que o que estava «confiado aos tribunais» era apenas o pedido de resolução daquele contrato e da restituição do dobro do sinal prestado, e não tendo efectivamente comparecido nem se feito representar, é apodíctico que o Autor contribuiu para a inviabilização do contrato prometido.
         Na verdade, ao recusar-se a celebrar o contrato prometido não comparecendo à escritura apenas com o argumento esgrimido, o Autor deixou de cumprir a obrigação a que havia ficado adstrito por causa que lhe é imputável, já que aquele contrato não tinha sido resolvido, estando, consequentemente, em plena vigência e por isso devendo ser marcada a escritura para a realização do contrato prometido, como, na verdade, foi.

Note-se ademais que o Autor revelou ao longo deste litígio uma conduta algo instável e hesitante, já que ora afirmava que o contrato estaria resolvido pela sua declaração enviada à Ré em 17-01-2001, ora esgrimia, como argumento da sua peremptória recusa em estar presente na escritura o facto de que «o assunto estava confiado aos tribunais» (como se vê do facto provado Q), chegando mesmo ao ponto de, antes de proferida a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2008, que decidiu definitivamente da improcedência da anterior acção (em que pedira a sentença de resolução do contrato e condenação da Ré no pagamento do dobro das importâncias entregues), e portanto ainda durante a pendência daquela acção, interpelar a Ré BB, ora Recorrente, nos termos elucidativamente descritos no facto provado M, do seguinte teor:

«Apesar do recurso por si interposto para o STJ, o A., em 6.6.07, interpelou a R., concedendo-lhe prazo para que marcasse a escritura, cfr. teor do doc. junto como n° 14 da p.i».

Daqui se conclui que o argumento esgrimido pelo Autor para recusar a sua comparência na falada escritura, ou seja, o de que «o assunto estava confiado aos tribunais», parece ter perdido validade para o mesmo, em 2007,  não obstante o dito processo ainda estar, então, pendente (os tribunais não haviam dito a sua última palavra) interpelando a ora recorrente Durcosa para marcar  escritura de compra e venda  e concedendo-lhe prazo para tal.
         Tarde demais, porém, pois a ora Recorrente já havia vendido a fracção a terceiros que a registaram em 2003 em seu nome.
        
Porém, a Ré também não andou bem ao ter vendido, sem mais, o imóvel, na pendência da própria acção que o Autor lhe tinha apontado como razão para não comparecer à escritura.
Por outras palavras, deveria ter fixado novo prazo e interpelado o autor a cumprir nesse prazo, nos termos do nº 1 do artº 808º do C. Civil. com o que teria adquirido a certeza do incumprimento definitivo da sua contraparte, mediante a possibilidade  de demonstração objectiva da perda de interesse.
Assim, ambos os contraentes foram, deste modo, co-responsáveis pelo malogro negocial ocorrido.
Em suma, não foi a Ré a única a inviabilizar a realização do contrato prometido mediante a venda do imóvel a terceiros, como havia decidido a Relação no acórdão em recurso, porque o Autor já se havia recusado a efectuar a compra negando-se a comparecer à escritura em 2001, mediante a vaga invocação de que «o assunto estava confiado aos tribunais», de forma a Ré ficasse, porventura longamente, vinculada a uma data e a um desfecho judicial totalmente imprevisíveis.
         No entanto, precisamente por força dessa vaga invocação, temos por seguro que a Ré, ora Recorrente, não deveria ter efectuado a venda sem a prévia intimação ou interpelação admonitória do Autor, fixando-lhe um prazo razoável para cumprir (realizar a compra prometida) ou, em alternativa, aguardar a invocada decisão dos tribunais.
Ao não seguir nenhuma das vias indicadas e ao ter vendido a dita fracção a terceiros, concorreu igualmente para a não realização do contrato prometido, frustrando a potencialidade de o contrato prometido poder vir a ser realizado, não obstante todas as vicissitudes verificadas.
Deste modo, é imperativo de justiça que também seja co-responsabilizada em proporção idêntica à do Autor ( 50%) pelo que, embora não deva ser condenada na restituição do sinal em dobro a que se refere o nº 2 do artº 442º do C.Civil, como o havia sido na decisão recorrida, cumpre-lhe restituir, em singelo, o mesmo sinal que é constituído, como supra se disse, pela totalidade das quantias entregues pelo Autor, face ao disposto no artº 441º do C. Civil.
Na verdade, se é certo que não há fundamento para a restituição do sinal em dobro, a verdade é que também nada justifica que mantenha em seu poder a importância que lhe foi confiada para o pagamento antecipado do preço do imóvel.  

DECISÃO

Sem necessidade de ulteriores considerações e tudo visto e ponderado, deliberam os Juizes deste Supremo Tribunal em conceder parcialmente a Revista, alterando a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente ao  dobro do sinal prestado, que assim passa a ser a correspondente ao mesmo sinal em singelo, mantendo-se toda a parte restante.

 

Custas na proporção de metade para cada uma das partes.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Janeiro de 2015

Álvaro Rodrigues (Relator)

Bettencourt de Faria

João Bernardo

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[1] E não 16750$00, como,  por evidente lapso, se escreveu na sentença.
[2]Manuel D. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 306 e segs.
[3] Ibidem
[4] Pº 392/09.6 TBCVL.S1, in www.dgsi.pt
[5] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pg. 174.