Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
781/11.6TTFAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
REVOGAÇÃO POR ACORDO DAS PARTES
CESSAÇÃO DO ACORDO REVOGATÓRIO
DESPEDIMENTO DE FACTO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA AUTORA. CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA RÉ
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DO TRABALHO - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 349.º, 350.º, N.ºS 1 E 3, 389.º, N.º1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5.4.2006, E DE 19.12.2012, AMBOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT.
-DE 25.1.2012, PROCESSO N.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, em documento assinado por ambos, podendo também estabelecer-se nele, além de outros efeitos, uma compensação pecuniária global para o trabalhador.

II. O trabalhador tem o direito de, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração, fazer cessar eficazmente o acordo de revogação do contrato de trabalho, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, contanto que, em simultâneo com a comunicação e em caso de compensação acordada, entregue ou ponho a à disposição do empregador, por qualquer forma, a totalidade do montante da compensação pecuniária paga em cumprimento do acordo.

III. O cumprimento dessa condição de eficácia não é exigível se, à data da comunicação, o trabalhador ainda não soubesse, nem lhe fosse normalmente exigível que soubesse, da transferência bancária para a sua conta da 1.ª das cinco prestações em que seria paga a compensação negociada.

IV. O despedimento de facto extrai-se da actuação do empregador que revele inequivocamente, de um qualquer modo ou forma, a manifestação da vontade de pôr termo à relação contratual, desde que esse conhecimento chegue ao seu destinatário e como tal seja susceptível de ser entendido, segundo o critério legal definido no art. 236.º/1 do Cód. Civil.

IV. A indemnização por danos não patrimoniais pressupõe, concretamente no Foro Laboral, que se trate de danos que constituam lesão grave, com justificação causalmente segura, decorrente de actuação culposa do agente, e que sejam dignos da tutela do Direito.

                                             

Decisão Texto Integral:

  Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                          I.

1.

AA demandou no Tribunal do Trabalho de Faro, em Dezembro de 2011, mediante acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, ‘BB, Ld.ª’, ambas devidamente identificadas, pedindo, a final, que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e que seja também declarado que a categoria profissional da A. é a de Técnica de Contabilidade Principal, com a consequente condenação da R. a pagar-lhe as diferenças salariais contabilizadas, bem como as demais importâncias discriminadas, devidas, além do mais, a título subsídios de férias e de Natal, indemnização por danos não patrimoniais e indemnização em substituição da reintegração.

Alegou para o efeito, em síntese útil, que:

- Foi admitida ao serviço de CC em 02 de Abril de 2007 para desempenhar as funções de escriturária de 3.ª, com o vencimento mensal de € 500,00, acrescido de subsídio de alimentação de € 5,70 por cada dia efectivo de trabalho.

- Em 01 de Agosto de 2007 passou a desempenhar as suas funções para a sociedade demandada, de que é única sócia e gerente CC, assinando, em 17 de Outubro de 2011, um escrito que designaram por acordo de cessação do contrato de trabalho.

- Sucede que, no dia seguinte, a A. remeteu à Ré uma missiva onde revoga aquele acordo. E no dia 19 de Outubro deslocou-se às instalações da Ré para ocupar o seu posto de trabalho e para comunicar pessoalmente à Ré a revogação do acordo, bem como para que não procedesse à transferência bancária dos montantes acordados, sendo informada pela gerente da Ré que já tinha sido efectuada uma primeira transferência no montante de € 677,48.

- Tendo então solicitado o NIB para devolver as quantias transferidas para a sua conta, a gerente da Ré comprometeu-se a enviá-lo posteriormente por correio electrónico, mas não o fez, impedindo ainda a A. de ocupar o seu posto de trabalho, afirmando que a mesma estava despedida.

- Mais alegou que recebeu sempre a retribuição correspondente à categoria profissional de escriturária de 3.ª, mas desde 02 de Abril de 2007 que desempenhou funções correspondentes à categoria profissional de Técnica de Contabilidade Principal, funções que já tinha desempenhado para a “DD, Ld.ª”.

- Assim, atenta a diferença salarial, existe um crédito a seu favor no total de € 14.991,00, que não lhe foi pago, a que acresce o montante de € 2.630,00 relativo à diferença salarial dos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2007 a 2011, tendo ainda direito a receber o abono para falhas.

- Aduz por fim que, devido ao despedimento, passou a dormir mal, a andar triste e angustiada, temendo pelo futuro da sua família, pelo que teve que pedir ajuda médica para colmatar os estados de ansiedade e depressão.

A ré contestou. E deduziu pedido reconvencional, que foi rejeitado.

Saneada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença, a julgar a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:

“1 – Declara ilícito o despedimento efectuado por iniciativa da Ré ‘BB’ na pessoa da A. AA;

2 – Condena a Ré (…) a pagar à A. (…) as retribuições vencidas desde 19 de Outubro de 2011, incluindo o subsídio de Natal do ano de 2011, e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, considerando-se a retribuição mensal base de € 529,00 (…) acrescida do subsídio de alimentação no montante diário de € 5,70 (…), com dedução das importâncias que a A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não tivesse ocorrido o despedimento, e com dedução dos montantes recebidos a título de (subsídio de) desemprego pela A., se for o caso, devendo esses montantes ser entregues à Segurança Social pela Ré;

3 – Condena a Ré (…) a pagar à A. (…), a título de indemnização em substituição da reintegração, o montante de 30 (trinta) dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade (€ 529,00), atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão judicial;

4 – Condena a Ré (…) a pagar à A. (…), a título de indemnização por danos não patrimoniais o montante de € 2.500,00 (…);

5 – Absolve a Ré (…) do demais contra si peticionado pela A. (…);

6 – Absolve a Ré (…) do pedido de litigância de má-fé deduzido pela A. (…);

9 – Autoriza a Ré (…) a compensar nos montantes devidos à A. o montante de € 3.387,40 (…) que transferiu para a conta bancária da mesma em 28 de Outubro de 2011; 28 de Novembro de 2011; 29 de Dezembro de 2011; 30 de Janeiro de 2012 e 28 de Fevereiro de 2012, caso a A. não tenha entretanto devolvido o referido montante;

10 – Condena a Ré (…) e a Autora (…) no pagamento das custas na proporção dos respectivos decaimentos, 80,56% e 63,99%, respectivamente, sem prejuízo da protecção jurídica concedida à Autora”.

2.

Não se conformando com o assim ajuizado, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo Acórdão prolatado a fls. 275-290, deliberou …”julgar a apelação procedente e consequentemente revogam parcialmente a sentença recorrida em relação aos pontos 1, 2, 3, 4, 9 e 10 do dispositivo, absolvendo-se a ré dos pedidos a que se referem tais pontos, mantendo-se a mesma no demais decidido.

É a A. que, irresignada, vem ora interpor a presente Revista, cuja motivação remata com esta síntese conclusiva:

1.       O Tribunal a quo considerou que a matéria provada, em 19, não é suficiente para considerar que existiu um inequívoco despedimento da recorrente, pelo que revogou a sentença proferida em primeira instância.

2.       Este não é o entendimento da recorrente que, com o mais elevado respeito, considera que o Venerando Tribunal fez uma incorrecta aplicação do direito à matéria de facto.

3.       A matéria dada como provada no ponto 19 não pode ser analisada isoladamente, devendo antes ser conjugada com a restante.

4.       Na sustentação da sua posição, o Tribunal a quo refere acórdãos desse Superior Tribunal, que, em nossa opinião, foram doutamente proferidos em questões fácticas bem diferentes das dos presentes autos.

5.       Nas circunstâncias descritas na matéria provada, um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, não teria a menor dúvida de que se trataria de um despedimento.

6.       Despedimento que, por não ser precedido de processo disciplinar, deve ser considerado ilícito, devendo a Ré ser condenada a pagar à Autora as quantias a que foi condenada em primeira instância.

Pelo exposto, termina, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o Acórdão recorrido, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância, bem sabendo V. Ex.ªs que o Direito é mais do que a Lei e menos que a JUSTIÇA.

                                                                        ___

A R., notificada da interposição da Revista, respondeu-lhe e, do mesmo passo, apresentou recurso subordinado, também de Revista, fechando as alegações correspondentes com este quadro conclusivo:

1.       Considerando-se que a Recorrente promoveu a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho, impunha-se como conditio sine qua non da validade e eficácia dessa cessação que a Recorrente, dentro do prazo de sete dias a contar da celebração de tal acordo, não apenas comunicasse à Recorrida a vontade de fazer cessar os efeitos do mesmo, mas simultaneamente fizesse a entrega ou colocasse à disposição desta, no mesmo prazo, os valores por si recebidos em cumprimento do mesmo (art. 350.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Trabalho);

2.       Ora, tendo a Recorrida efectuado – em cumprimento desse acordo – um pagamento à Recorrente em 18/10/2011, impunha-se a esta que, no referido prazo de sete dias, procedesse à devolução de tal quantia ou, pelo menos, a colocasse à disposição da Recorrida;

3.       A simples solicitação de NIB à Recorrida por parte da Recorrente não constitui um meio efectivo de pagamento, pelo que não pode considerar-se tempestivamente satisfeito, pela Recorrente, o requisito de eficácia previsto na parte final do n.º 3 do art. 350.º do Código do Trabalho;

4.       Em suma, a Recorrente não usou da diligência exigível e, nessa medida, não tornou válida e eficaz qualquer comunicação de cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho;

5.       O Acórdão ora recorrido, por seu turno, fez uma correcta aplicação da Lei na parte em que em que considerou a inexistência de um despedimento ilícito, na medida em que os factos provados são manifestamente insuficientes para sustentar tal conclusão;

6.       Com efeito, a circunstância da legal representante da Recorrida ter recusado que a Recorrente reocupasse o seu pretenso posto de trabalho e tivesse – no diálogo mantido – utilizado a expressão "despedimento", não pode ser separada ou dissociada do contexto do acordo de revogação do contrato de trabalho entre si aceite e celebrado, sendo ambas as situações contemporâneas.

7.       Por outro lado, é consabido que o termo "despedimento", quando utilizado por leigos, não tem necessária e forçosamente o seu significado legal, podendo querer significar uma qualquer forma de extinção da relação laboral.

8.         Destarte, a matéria apurada – que deve ser analisada e valorizada num contexto global – é manifestamente insuficiente para concluir, com o mínimo de segurança e certeza, que a legal representante da Recorrida haja despedido (aqui, no seu significado legal) a Recorrente.

9.       Não se verificando, em concreto, uma situação de despedimento ilícito, não pode a Recorrida ser condenada no pagamento à Recorrente de quaisquer quantias, ao abrigo do disposto nos arts. 389.º, 390.º e 391.º do Código do Trabalho.

10. Porém, e ainda que se verificasse, sem conceder, obrigação de indemnizar em resultado de um pretenso despedimento ilícito, a Recorrente, com base na factualidade apurada, não teria direito a ser ressarcida por danos não patrimoniais, por inexistência de nexo de causalidade e, nesta parte, a sentença a quo viola o disposto no art. 563.º do Código Civil.

11. Na realidade, e conforme se constata da factualidade dos autos, o suposto estado de tristeza e angústia da Recorrente está intimamente e directamente relacionado com a situação de manifesto endividamento em que esta se colocou previamente à situação dos autos, sendo que esta é a causa daquele.

12. Em boa verdade, um devedor de normal diligência não se teria colocado numa situação de tal endividamento e deveria ter previsto a possibilidade, por qualquer das razões possíveis, da perda de rendimentos.

13. De resto, e pelo menos num primeiro momento, a própria Recorrente aceitou e assinou um acordo de revogação do contrato de trabalho, pelo que se conformou com tal situação, tendo-a naturalmente pesado e avaliado.

14. Acresce que meros sentimentos ou "estados de alma", manifestados pela legal representante da Recorrida, não podem ser extensivos e vinculativos desta, a qual, sendo uma pessoa colectiva, é naturalmente desprovida de sensações de ordem estritamente pessoal.

Termina clamando, por sua vez, que seja julgado procedente o recurso subordinado e declarada ineficaz a cessação do acordo de revogação controvertido, com as consequências legais, ou, caso assim não se entenda, se julgue improcedente o presente recurso de revista e, em consequência, seja mantido o Acórdão impugnado.

                                                                      ____

Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, em satisfação do disposto no n.º 3 do art. 87.º do C.P.T., emitiu douto parecer em que propendeu no sentido da confirmação do Acórdão recorrido, entendimento que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

3.

O ‘thema decidendum.’

Inexistindo temáticas de que cumpra conhecer oficiosamente, são questões postas:

- No recurso independente, a ocorrência (ou não) de um despedimento ilícito;

- No recurso subordinado, a validade/eficácia (ou não) da cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho protagonizado.

                                                                       ___

Preparada a deliberação, com prévia entrega aos Exm.ºs Juízes-Adjuntos de cópia do projecto de solução, cumpre conhecer.

                                                                       II.

                                                Dos Fundamentos

1. – De Facto.

Vem assente, das Instâncias, a seguinte factualidade:

1.-Entre CC e a Autora AA, foi celebrado acordo, reduzido a escrito, o qual faz fls. 19 a 20 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato de Trabalho sem Termo. Entre CC, com sede na Rua …  nº …, em …, contribuinte nº …, como Primeiro Outorgante e AA (…) como Segunda Outorgante, é celebrado um contrato de trabalho individual por tempo indeterminado que se regulará pelo regime jurídico aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, regido pelas seguintes cláusulas:

1ª - A segunda outorgante é admitida ao serviço da Primeira Outorgante, para desempenhar a função de escriturária 3.ª, a partir de 02 de Abril de 2007 e por tempo indeterminado, e a cumprir o horário de trabalho semanal de 40 horas, de Segunda a Sexta, distribuídas diariamente pelo horário normal da empresa.

2ª - Pelo presente contrato, a Segundo Outorgante obriga-se para com a Primeira Outorgante a dar-lhe o concurso do seu trabalho, na profissão indicada na cláusula anterior, mediante uma remuneração mensal de 500,00 € (quinhentos euros), acrescido de 5,70 € (cinco euros e setenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho, efectivo e sujeito às deduções legais (…)

4ª - A segunda outorgante desempenhará as suas funções no estabelecimento da Primeira Outorgante, sito na Rua …, nº …, em …, salvo indicação em contrário e eventuais desta (…)

6ª - Em tudo o que no presente contrato for omisso, aplicar-se-ão as disposições supletivas previstas legalmente ou na Convenção Colectiva de Trabalho aplicável (…)

9ª - O presente contrato entra em vigor e produz efeitos a partir das assinaturas de ambos. Este contrato foi feito em duplicado, ficando em poder do segundo outorgante um exemplar. Loulé, 02 de Abril de 2007. 1º Outorgante (…) 2º Outorgante (…)”;

2. - A Sociedade «BB, Ld.ª» foi registada na Conservatória do Registo Comercial de … pela Ap. …, tem como objecto social consultadoria de gestão, fiscal e financeira, serviços de contabilidade e fiscalidade, elaboração de estudos e projectos de investimento, mediação de seguros, serviços de apoio a documentação de empresas e empresários, sendo o capital social de 5.000,00 € (cinco mil euros), composto por uma quota de igual valor nominal pertencente a CC;

3. - Em 01 de Agosto de 2007 a Autora passou a prestar trabalho para a sociedade Ré «BB, Ld.ª», com a categoria profissional de Escriturária de 3.ª;

4. - A Ré «BB, Ld.ª» e a Autora AA outorgaram o escrito de fls. 26 dos autos, no essencial com o seguinte teor:

“Acordo de cessação do contrato de trabalho por acordo das partes. Entre a empresa BB, Ld.ª (…) adiante designada por 1º outorgante e AA (…) adiante designada por 2º outorgante, é estabelecido o acordo seguinte:

Cláusula 1ª: A 1ª e a 2ª outorgantes acordam na cessação do contrato individual de trabalho existente entre elas.

Cláusula 2ª: A cessação aqui acordada produz efeitos a partir da presente data. Cláusula 3ª: A título de pagamento global pela cessação do contrato de trabalho, a 1ª outorgante pagará à 2ª outorgante a importância de 2.087,39 € conforme cópia de recibo em anexo e 1.300 € a título de compensação; estes valores foram negociados e aceites pelas partes. Os pagamentos serão feitos em cinco vezes, com um valor de 677,48 €/cada que será feito mensalmente por transferência bancária.

Cláusula 4ª: O presente documento vai ser elaborado em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes. Loulé, 17 de Outubro de 2011.

 1ª outorgante (…); 2ª outorgante (…)”;        

5. - A Ré «BB, Ld.ª» transferiu para a conta bancária a que corresponde o NIB …., de que é titular a autora AA, no dia 18 de Outubro de 2011, o montante de € 677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos); no dia 28 de Novembro de 2011, o montante de € 677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos); no dia 29 de Dezembro de 2011, o montante de €677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos); no dia 30 de Janeiro de 2012, o montante de € 677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) e no dia 28 de Fevereiro de 2012, o montante de € 677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos);

6. - A Autora subscreveu e remeteu à Ré o escrito de fls. 69 dos autos, no essencial com o seguinte teor:

“Data: 21/10/2011. Assunto: pedido de preenchimento do impresso Modelo RP 5044 – DGSS, versão www.seg-social.pt referente à Declaração de Situação de Desemprego. Venho pela presente solicitar a V. Exa o preenchimento do Impresso Modelo 5044 da DGSS (Declaração da Situação de Desemprego) no prazo de cinco dias úteis, e o seu envio para a minha morada, a fim de poder instruir o meu pedido de subsídio de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º do Decreto-Lei nº 220/2206, de 03/11 (…)”;

7. - A Ré subscreveu e remeteu à Autora o escrito de fls. 72 dos autos, no essencial com o seguinte teor:

“Loulé, 26/10/2011. Assunto: Resposta a carta datada de 21/10/2011. Em resposta à carta enviada por V. Exa, venho informar que continua em vigor o acordo de cessação do contrato de trabalho, assinado por ambas as partes de acordo com o nº 3 do art. 350.º da Lei 7/2009, dado a ter sido efectuado o pagamento da primeira prestação.

 Posta esta situação, mais informo que não sendo uma situação de desemprego involuntário, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 6 do art. 9 do Decreto-lei nº 220/2006, de 03/11, não haverá direito a desemprego.

Anexo cópia do acordo de cessação assinado por ambas as partes (…)”;

8. - A Autora subscreveu e remeteu à Ré o escrito de fls. 75 dos autos, no essencial com o seguinte teor:

“…Loulé, 28 de Outubro de 2011. Venho por este meio colocar à sua disposição o valor de 677,48 euros que foi transferido para a minha conta no dia 19 de Outubro de 2011 conforme em anexo (1).

 Refira-se que a carta que enviei no dia 18 de Outubro de 2011 informava V. Exa que eu procedi à revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho.

 O artigo 350º nº 3 da Lei 7/2009, de 12/2 refere que a cessação do acordo de revogação só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações previamente pagas em cumprimento do acordo.

No entanto no dia em que fiz a comunicação, dia 18 de Outubro de 2011, não dispunha de nenhum valor referente ao acordo. Logo que me foi transferido o valor referente ao acordo de cessação no dia 19 de Outubro de 2011, solicitei pessoalmente à D. CC o NIB para lhe devolver o valor que me tinha sido transferido. Apesar de diversas insistências da minha parte, por telemóvel e e-mail, a solicitar o NIB, o mesmo ainda não me foi facultado, visto que seria um valor considerável (anexo 2) …

 Pelo que no dia 31 de Outubro procedi ao envio do vale postal com o intuito de manter a revogação do acordo, devolvendo o valor de 677,48 euros.

 Mais informo que continuo a aguardar o envio do Modelo RP 5044 da DGSS (Declaração de Desemprego) uma vez que V. Exa procedeu ao meu despedimento por forma ilícita, e que se o impresso não for devidamente preenchido e enviado para a minha morada, ver-me-ei forçada a recorrer às entidades competentes para fazer valer os meus direitos (…)”;

9. - A Ré está inscrita na APECA – Associação Portuguesa das Empresas de Contabilidade;

     10. - No dia 19 de Outubro de 2011 a Autora dirigiu-se às instalações da Ré;

11. - Entre as funções desempenhadas ao serviço da Ré, a Autora recebia valores monetários entregues pelos clientes da Ré para pagamento dos serviços prestados, bem como para proceder a entregas ao Instituto da Segurança Social e à Fazenda Nacional;

12. - A Autora remeteu à Ré o vale postal com o montante que lhe havia sido creditado na sua conta bancária (€ 677,48), e a Ré recusou recebê-lo;

13. - EE nasceu em …  de … de 2006 e é filho de FF e de AA;

14. - GG nasceu em … de … de 2011 e é filha de FF e de AA;

15. - FF aufere a remuneração mensal ilíquida de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros);

16. - A autora esteve ininterrupta e sucessivamente de baixa médica e de licença de maternidade entre Outubro de 2010 e até 20 de Setembro de 2011, data em que retomou as suas funções e actividade no seio da Ré;

      17. - A Autora tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade;

18. - A Autora AA é casada com FF;

19. - No dia 19 de Outubro de 2011, quando a Autora se dirigiu às instalações da Ré, foi impedida pela legal representante da Ré (CC) de ocupar o seu posto, gerando-se uma troca de palavras entre ambas, empregando CC a palavra “despedimento” e referindo que não se importava nada de ver a Autora perder a sua casa e ficar na rua com os filhos a passarem fome;

20. - A Autora, no dia 19 de Outubro de 2011, quando se deslocou às instalações da Ré, deu conhecimento à legal representante da Ré (CC) de que tinha revogado a cessação do contrato de trabalho e pediu-lhe para não efectuar a transferência bancária dos montantes mencionados no escrito de fls. 26 dos autos;

21. - Após ser informada pela legal representante da Ré (CC) de que já tinha sido efectuada a transferência, no montante de € 677,48 (seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos), a Autora solicitou-lhe o NIB da Ré para devolver as quantias transferidas para a sua conta;

22. - A Autora, ao serviço da Ré, atendia os clientes que se dirigiam ao escritório, recebia e arquivava a correspondência, arquivava os documentos nas pastas dos clientes, realizava o serviço externo, nomeadamente dirigindo-se às repartições públicas e aos estabelecimentos dos clientes para recolha dos documentos, trocava impressões com alguns clientes acerca da execução das respectivas contabilidades, nomeadamente quando lhe eram solicitados esclarecimentos e entregou documentos da contabilidade (balanço e balancete) à cliente HH para instrução do processo referente à obtenção de financiamento (Microcrédito);

23. - A Autora, antes de ser admitida ao serviço da Ré, tinha trabalhado para a «DD, Lda.» onde, entre outras tarefas, classificava e organizava os documentos da contabilidade dos clientes e procedia ao lançamento dos mesmos na aplicação informática e também escriturava os livros de diário;

24. - A Autora contraiu 3 (três) empréstimos para aquisição de casa própria, despendendo mensalmente com a amortização dos mesmos € 700,00 (setecentos euros);

25. - A autora despende mensalmente com o infantário da filha GG o montante de € 78,00 (setenta e oito euros);

26. - Após o descrito em 19., a Autora passou a dormir mal, andava triste e angustiada, temendo pelo futuro da sua família, e receando não ter condições económicas para suportar as mensalidades dos empréstimos contraídos para aquisição da habitação própria;

27. - A Autora teve que pedir ajuda médica, passando a tomar medicação para colmatar os estados de ansiedade e de depressão provocados pela situação de desemprego;

28. - A Autora frequentou o curso de formação profissional de Word for Windows, ministrado pelo Centro de Formação Profissional de Faro do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que decorreu de 05/09/2001 a 07/11/2001, com a duração total de 90 horas, tendo obtido a classificação final de Muito Bom; concluiu com aproveitamento o Curso de Fiscalidade ministrado por NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve, entre 17/02/2003 e 12/03/2003, com a duração total de 30 horas, tendo obtido a classificação final de 15,9 numa escala de 0 a 20 valores, e frequentou com aproveitamento o Curso de Contabilidade – Nível 1, ministrado por NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve, entre 18/03/2002 e 16/04/2002, com a duração de 60 horas.

No Acórdão sub judicio deliberou-se aditar, ut fls. 284, o seguinte ponto de facto:

29. - Em 18 de Outubro de 2011, a autora remeteu à ré a carta registada, com aviso de recepção, cuja cópia faz fls. 28 dos autos, que esta recebeu no dia 19 de Outubro de 2011, com o seguinte teor:

«Assunto: Revogação de acordo de cessação do contrato de trabalho.

Venho pela presente informar V. Ex.ª que revogo o acordo de cessação do meu contrato de trabalho assinado com essa empresa no dia 17-10-2011, de acordo com o n.º 1 do art. 350.º da Lei n.º 7/2009 (Código do Trabalho).»

                                             ____

A materialidade estabelecida pelas Instâncias, acima alinhada, não vem questionada.

Não se prefigurando situação susceptível de preencher o condicionalismo a que alude o n.º 3 do art. 682.º do C.P.C., será com base nos factos descritos que vão ser resolvidas as questões propostas.

                                                                       ____

 

2. – Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

Ante a temporalidade dos factos atinentes, a disciplina substantiva aplicável é, como se observou, a constante do Código do Trabalho de 2009[1], aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

2.1 –

Como se constata, a A. delineou a causa de pedir (um despedimento ilícito, determinado pela R./empregadora) no pressuposto de que a cessação do acordo de revogação, a que procedera, foi operada com inteira observância do formalismo legalmente devido, e, por isso, válida e eficazmente.

A sentença sindicada no Acórdão sub specie, enfrentando a questão, pronunciou-se nesse mesmo sentido:…a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho efectuada pela A. é valida e eficaz, o que equivale a dizer que o contrato de trabalho continuou em vigor após o dia 18 de Outubro de 2011 (cfr. fls. 215).

A deliberação sob censura coincidiu, no essencial, com o assim ajuizado, confirmando tal decisão nestes termos (transcrição parcial):

’[E]m face da factualidade descrita no ponto 20, e considerando que pelos termos do acordo revogatório, a autora não tinha como saber qual a data de vencimento das prestações, conclui-se que, no momento em que foi redigida e remetida a comunicação de cessação do acordo de revogação, a autora não sabia que a ré tinha ordenado a transferência para a sua conta bancária do montante correspondente à primeira prestação acordada.

Por conseguinte, só tendo conhecimento ou obrigação de conhecer que já dispunha de tal quantia, é que a A. teria, em simultâneo com a aludida comunicação escrita, de ter entregue ou colocado, por qualquer forma, à disposição da empregadora o seu valor.

Conclui-se, assim, que no caso concreto não era exigível a condição de eficácia prevista no n.º 3 do aludido art. 350.º.

Deste modo, quando a declaração de cessação do acordo de revogação do contrato chega ao conhecimento da empregadora, no dia 19 de Outubro, a mesma torna-se eficaz.

E a informação, oralmente prestada à trabalhadora, de que já lhe havia sido paga a primeira prestação, não obsta à eficácia da declaração, pois não constituindo a devolução do valor da primeira prestação uma condição inicial de eficácia da declaração da trabalhadora proferida no dia 18 de Outubro, não pode a mesma constituir uma condição retroactiva de tal eficácia.

Em suma, sendo a declaração de cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho válida e eficaz, da mesma decorre que o vínculo laboral estabelecido entre as partes se manteve para além do dia 17 de Outubro de 2011.

Daí que, ainda que por fundamentação ligeiramente diferente da explanada na sentença posta em crise, nenhuma censura nos merece a mesma quanto ao decidido em relação à concreta questão analisada.’

2.2 –

Contra este entendimento se insurge a R., no recurso por si subordinado interposto.

Não obstante a sua subsequência cronológica relativamente à Revista independente, razões de lógica prejudicialidade reclamam que por aqui se comece.

[Isto porque só na constância da relação juslaboral – …cenário pressuposto em caso de validade/eficácia da cessação do acordo de revogação do contrato, questão que constitui o objecto do recurso subordinado – é que fará sentido ponderar acerca da reclamada ocorrência de um despedimento ilícito, tese configurada na revista independente, deduzida pela A.].

 Assim:

 Do recurso subordinado.

Rebelando-se contra o entendimento proclamado, contrapõe a recorrente, no essencial, o seguinte:

- Podendo o trabalhador fazer cessar o acordo de revogação do contrato mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração, essa declaração recipienda só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser à disposição do empregador, por qualquer forma, a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho;

- A condição da simultaneidade estabelecida no preceito legal (art. 350.º/3) deve ser aferida na data em que a comunicação da cessação é recebida pela entidade empregadora;

- Isso não ocorreu no caso, pois a recorrente já havia transferido para a conta bancária da recorrida, em 18.10.2011, a quantia de € 677,48, correspondente ao pagamento da 1.ª prestação da verba acordada, sendo que a A. apenas em 19.10.2011 solicitou à recorrente o NIB desta para proceder à devolução da referida importância…

- …Só vindo a efectivar tal entrega em 31.10.2011, mediante o envio de vale postal…

- Pelo que, em bom rigor, a mera circunstância de ser solicitado um NIB não pode constituir a colocação à disposição da recorrida de qualquer quantia, como veio a fazer tardiamente por vale postal.

- Decorre assim a conclusão de que a relação laboral entre ambas cessou por efeito da revogação do respectivo contrato.

Colherá merecimento a reacção da impetrante?

Vejamos, pois.

É fora de dúvida que as partes outorgaram um acordo revogatório da relação de trabalho a que reciprocamente se haviam vinculado.

Fizeram-no nos termos legalmente previstos no art. 349.º do Código do Trabalho/2009, constando da cl.ª 3.ª do documento de suporte que, a título de pagamento global pela cessação do contrato, a outorgante empregadora pagará à A. a importância de € 2.087,39, valor que, negociado e aceite pelas partes, seria pago em cinco vezes, mensalmente, no montante de € 677,48 cada, por transferência bancária – cfr. item 4. da FF[2].

O documento contém a data de 17 de Outubro de 2011 e foi assinado por ambas as outorgantes.

Também não sofre contestação que, conforme factualizado, no dia seguinte, em 18 de Outubro de 2011, a A. remeteu à R. carta registada, com A/R, que esta recebeu a 19, em que lhe comunicava revogar o acordo de cessação do contrato de trabalho, assinado no pretérito dia 17.10.2011, …de acordo com o n.º 1 do art. 350.º da Lei 7/2009 (Código do Trabalho).

A controvérsia centra-se na previsão constante do n.º 3 do art. 350.º, em cujos termos a cessação do acordo revogatório só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.

A Lei consagra, como é consabido, o direito potestativo de o trabalhador desfazer o acordo, direito condicionado à verificação de dois requisitos, cujo cumprimento eficaz implicará a reposição em vigor do contrato de trabalho.

[A teleologia da norma – ainda hoje não isenta de polémica, como refere Joana de Vasconcelos[3] – visou originalmente um duplo propósito, hoje mais centrado na pretendida protecção do trabalhador do que, propriamente, no combate a conhecidas práticas fraudulentas.

A sua vocação prevalente dirige-se hodiernamente[4] à salvaguarda da oportunidade de reflexão do trabalhador (direito ao arrependimento) sobre as consequências do acordo celebrado, acautelando assim a sua genuinidade e actualidade].

No caso:

A A., no dia seguinte à assinatura do acordo extintivo do vínculo laboral, optou por desfazê‑lo, enviando à R. uma carta registada, que esta recepcionou no dia subsequente (19.10.2011), na qual a informava dessa sua disposição.

Contudo, nessa comunicação formal – …e em simultâneo com ela – nada disse acerca da entrega/devolução ou colocação ao dispor da empregadora da importância pretensamente recebida a título da acordada compensação pecuniária …paga em cumprimento do acordo.

Se não se duvida de que deveria proceder em conformidade – a fim de assegurar a eficácia da operada cessação do acordo revogatório –, resta saber se podia então fazê-lo e, não o tendo feito simultaneamente/imediatamente, se lhe era exigível conduta diferente da factualizada, como pretexta a recorrente.

Como flui da materialidade relevante, os valores negociados e aceites a título de pagamento global pela cessação do contrato (sendo € 1.300 relativos a compensação, ut cl.ª 3.ª do documento que preenche o referido ponto 4. da FF), serão feitos em cinco vezes, com um valor de € 677,48, mensalmente, por transferência bancária.

Tratando-se, na circunstância, de um pagamento faseado (…) – a previsão normativa fala na totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo – não se encontra, ainda assim, qualquer concreta indicação do dia do mês a partir do qual o valor da prestação ficaria disponível na conta da destinatária.

Não vemos, por isso, que fosse exigível à A. que devesse saber, no dia imediatamente seguinte à outorga e assinatura do acordo extintivo, da existência, na sua conta, do valor da 1.ª prestação.

(A operação inter/bancária de transferência de valores, de conta para conta, não é imediata, como é consabido).

Atesta o seu desconhecimento de tal ocorrência, ao tempo, a circunstância de facto plasmada no ponto 20. da FF: A A., no dia 19 de Outubro de 2011 (seja, no dia seguinte ao envio à R. da comunicação a revogar unilateralmente o acordo de cessação), quando se deslocou às instalações da R., deu a saber à legal representante da R. (CC) que tinha revogado a cessação do contrato de trabalho…e pediu-lhe para não efectuar a transferência bancária dos montantes mencionados…

Importa ter presente que o momento juridicamente relevante para o efeito, enquanto condição da eficácia revogatória da comunicação, é o da efectivação desta, como flui do n.º 3 do art. 350.º – …a cessação prevista no n.º 1 só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação e não, como se sustenta, o do dia-limite (o sétimo) seguinte à data da celebração do acordo de revogação.  

Ainda assim, a A. – informada pela representante da Ré de que já tinha sido efectuada a transferência – providenciou pela oportuna devolução da quantia trans- ferida, solicitando à Ré o NIB da sua conta (…que entretanto não lho facultou) e acabando por lhe remeter um vale postal com o montante que lhe havia sido creditado, vale que a Ré se recusou a receber.

Fez, como bem cremos, o que era devido com vista à devolução da importância em causa, que a R., cautelarmente, não quis embolsar…

Simplesmente, não sendo plausível, como se explicitou, a simultaneidade da entrega/disponibilização da dita quantia, não ocorreu o cenário da hipótese legal.

Operou-se, assim, a eficácia da comunicação revogatória, que repôs automaticamente em vigor o contrato de trabalho, reposição essa a que a Ré, validamente, nada podia opor.

Soçobram, consequentemente, as razões que enformam as correspondentes asserções conclusivas da impugnação da Ré, ratificando-se, porque consentânea, a solução eleita.

                                                                       ___

2.3 – O recurso da A.

Contrariamente ao sentenciado, o Acórdão sub specie considerou que a limitada factualidade não viabiliza a conclusão de que a A. foi despedida verbalmente, …’pois – transcrevemos – o impedimento da mesma ocupar o posto de trabalho nesse dia, a utilização da palavra solta e descontextualizada “despedimento” e o demais referido pela legal representante da ré não permitem inferir que, no diálogo trocado, a ré, através da sua legal representante, manifestou inequivocamente a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho a partir desse momento.

 Não há qualquer declaração ou conduta que possam ser interpretados como vontade de que a autora não seja mais trabalhadora da sociedade, a partir daquele momento.

A recorrente/A. insurge-se contra o assim deliberado, aduzindo, em síntese relevante, que a matéria dada como provada no item 19. da FF não pode ser analisada isoladamente, antes devendo ser conjugada com a demais factualidade.

Nessas circunstâncias, conclui, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não teria a menor dúvida de que se tratou de um despedimento…que deve ser considerado ilícito, com as respectivas consequências.

E, tudo revisto e ponderado, cremos assistir-lhe a razão.

Com efeito:

No dia 19 de Outubro de 2011 – como consta dos factos plasmados nos pontos 19. e 20. da FF, a que nos reportamos – a A. deslocou-se às instalações da R., dando-lhe desde logo conhecimento de que tinha revogado o acordo de cessação do contrato e pedindo-lhe, do mesmo passo, como se referiu já, para não efectuar a transferência bancária do montantes pecuniários acordados.

Confirmou, desse modo e de viva voz, a comunicação formal a que antes procedera, no mesmo sentido, e que a R. recebeu no próprio dia 19/10.

(Não resulta dos Autos, é certo, se a Ré já havia ou não recebido a comunicação escrita quando a A. se apresentou nas instalações, nesse mesmo dia 19 de Outubro… – dúvida sobre o facto que, ante a informação pessoalmente dada pela A., seria então de fácil verificação e ultrapassagem, caso fosse essa a vontade e o bom entendimento das coisas, como é plausível).

À regularidade (validade/eficácia) da revogação do acordo de cessação, como antedito, a R., a partir de então, nada poderia validamente opor, pois a relação de trabalho estava inelutavelmente reposta.

Contudo, a R. (na pessoa da sua legal representante, CC) impediu a A. de ocupar o seu posto, gerando-se uma troca de palavras entre ambas, empregando a CC Sousa a palavra ‘despedimento’ e referindo que não se importava nada de ver a A. perder a sua casa e ficar na rua com os filhos a passarem fome.

Flui do exposto que a R. pretendeu fazer prevalecer, à outrance, a solução adveniente do acordo revogatório assinado por ambas as partes no dia 17 desse mês de Outubro de 2011.

Não reconhecendo a legitimidade do recuo da A., o impedimento a que reocupasse o seu posto de trabalho – …com alusão ao termo ‘despedimento’ e à declarada indiferença de a ver perder a casa e ficar na rua …significando com isso, como se afigura comummente compreensível, a perda da retribuição/daquele emprego – não poderia deixar de ser entendido, por um declaratário normal, colocado na posição da destinatária daquela reacção, no descrito contexto, como um inequívoco desígnio rescisório, com todos os contornos de um infundado despedimento verbal…

O despedimento, como é genericamente entendido, constituindo a ruptura do vínculo juslaboral por disposição negocial unilateral do empregador, concretiza-‑se por um qualquer meio de manifestação de vontade que revele, clara e inequivocamente, o propósito de pôr termo ao vínculo contratual, contanto que seja transmitido e normalmente interpretado como tal pelo respectivo destinatário[5].

 

Em suma:

Ante a eficaz revogação do acordo de cessação do contrato e a consequente reposição da relação de trabalho, fugazmente interrompida, a oposição da Ré a que a A. reocupasse, no descrito contexto, o seu posto de trabalho, não pode deixar de entender-se como sendo uma atitude de assumida vontade negocial rescisória, consubstanciando um despedimento ilícito, como bem se ajuizou na 1.ª Instância.

Acolhem-se, por isso, no essencial, as fundadas asserções conclusivas que encerram a respectiva motivação recursória.

    __

A solução que se anuncia impõe-nos que se prossiga com a pronúncia seguinte.

                                                                   

2.4 – As consequências da ilicitude.

A sentença do Tribunal do Trabalho de Faro, julgando a acção parcialmente procedente, declarou ilícito o despedimento efectuado por iniciativa da Ré e condenou-a em conformidade, nomeadamente no pagamento à A. da quantia de € 2.500 a título de indemnização por danos não patrimoniais – cfr. ponto 4. do respectivo dispositivo (fls. 226 dos autos), a que nos reportamos.

 A Ré – na reacção que enforma o seu recurso subordinado/resposta à Revista interposta pela A.[6] –, admitindo, embora sem conceder, a hipótese da existência de um despedimento ilícito, insurge-se, contudo, contra a sua condenação no pagamento àquela da quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alega ser perfeitamente desajustado atribuir à A., na situação controvertida e com base nos factos provados, uma tal indemnização, porquanto o estado de tristeza e angústia da recorrente está intimamente relacionado com o elevado montante mensal necessário para a amortização dos três empréstimos contraídos pelo seu agregado familiar, sendo que do rendimento mensal do casal (€ 1.150) € 700 são logo despendidos com aqueles compromissos.

Não existe, conclui, qualquer nexo de causalidade directo entre o pretenso despedimento e o estado de angústia e tristeza da recorrente, não relevando, para o efeito, as palavras imputadas à legal representante da Ré e supostamente transmitidas à recorrente, que apenas reproduzem um mero sentimento pessoal ou ‘estados de alma’, juridicamente inconsequentes.

Vejamos então.

Enfrentando o pedido da A. (em montante não inferior a € 5.000) relativo a danos não patrimoniais – indemnizáveis conforme previsto no art. 389.º/1, a) do Código do Trabalho/2009, conjugadamente com o estatuído nos arts. 494.º e 496.º/1 e 3 do Cód. Civil –, entendeu-se que, ante os factos dados como provados, a mesma sofreu efectivamente danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. 

E, atentas as circunstâncias, julgou-se ajustado fixar o montante da indemnização peticionada em € 2.500,00.

Que circunstâncias?

Atendeu-se ao facto de ter resultado provado que a A. contraiu três empréstimos para aquisição de casa própria, despendendo mensalmente, com a amortização dos mesmos, € 700, bem como € 78 mensais com o infantário da filha GG.

E que após ter sido impedida de ocupar o seu posto de trabalho pela Ré, passou a dormir mal, a andar triste e angustiada, temendo pelo futuro da família e receando não ter condições económicas para suportar as mensalidades dos empréstimos contraídos. Por via disso teve de pedir ajuda médica, passando a tomar medicação para atenuar os estados de ansiedade e depressão provocados pela situação de desemprego.

Considerou-se, do mesmo passo, que o marido da A. aufere mensalmente € 650, inexistindo, por isso, dúvidas de que a retribuição auferida pela A. era imprescindível para fazer face aos encargos do agregado familiar, pelo que a A., ao ver-se privada da retribuição mensal, ficou triste e angustiada.

Ponderou-se também, por fim, que as palavras dirigidas pela legal representante da Ré à A. no dia 19.10.2011, aquando do impedimento da reocupação do seu posto de trabalho, contribuíram necessariamente para que a A. ficasse desde logo angustiada e receosa pelo seu futuro e da sua família…

Tudo detidamente ponderado, não logramos subscrever a valoração das circunstâncias de facto e a putativa relação de causalidade pressuposta entre a actuação culposa do empregador e os danos reflexos, qualificados como de relevância bastante, a merecerem a tutela do Direito, como se demanda no art. 496.º/1 do Cód. Civil.

Com efeito, os danos desta natureza apenas serão atendíveis se realmente assumirem patente gravidade, aferível por um padrão objectivo (vide Pires de Lima/A. Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, pg. 499).

No caso, as circunstâncias sopesáveis não assumem, globalmente consideradas, a dimensão postulada.

Desde logo, bem vistas as coisas, a culpabilidade do agente resulta mitigada no analisado contexto, imediatamente precedido da actuação da A. que, não obstante tenha actuado no exercício legítimo do direito à revogação do acordo de cessação, condicionou, de algum modo, a precipitação da situação descrita.

Por outro lado, os constrangimentos orçamentais da A. não deixarão de lhe ser exclusivamente imputáveis, não podendo pretender-se co-responsabilizar por isso o empregador.

Por último, as palavras proferidas e a actuação da legal representante da Ré, no referido enquadramento, não assumem a relevância causal que se lhes conferiu, assente que – conforme pacífica e reiteradamente vem sendo firmado na Jurisprudência desta Secção[7] – é inerente à cessação da relação laboral, sempre indesejada pelo trabalhador, um relativo desconforto, sofrimento, inquietação, angústia e preocupação pelo futuro, traduzíveis num maior ou menor dano de ordem moral/não patrimonial.

Estes danos, porém, apenas são atendíveis quando, para além de uma plausível relação de causa-efeito, a lesão deles decorrente assuma especial relevo, configurando gravidade que vá notoriamente para além daquela que sempre resulta, como sobredito, duma situação de ruptura contratual similar à de um despedimento individual.

As analisadas circunstâncias não assumem, a nosso ver, a densidade normativa postulada pelo n.º 1 do art. 496.º do Cód. Civil enquanto constitutivas de um dano não patrimonial cuja gravidade mereça a tutela do direito.

Não configuram, em rectas contas, motivo bastante para fundamentar a condenação da R./empregadora na questionada indemnização.

Em suma:

Porque consistentes, acolhem-se, nesta parte e medida, as razões que sustentam a reacção da R./recorrente.

Assim, havendo que fazer prevalecer a decisão da 1.ª Instância, apenas não subsistirá nela a parte da condenação atinente à conferida indemnização por danos não patrimoniais.

                                                                       ___

                                                                       III.

                                                              DECISÃO

Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se:

1 – Conceder a Revista interposta pela A., revogando, consequentemente, o Acórdão impugnado na parte em que julgou indemonstrado o despedimento ilícito declarado na sentença que sindicou;

2 – Conceder parcialmente a Revista subordinada, deduzida pela R., no que apenas respeita à sua condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais – ponto 4. do dispositivo da sentença, a fls. 226 –, pedido de que vai absolvida.

3 - No mais, prevalece o ajuizado na decisão da 1.ª Instância, que assim se repristina.

Custas inteiramente a cargo da R., nas Instâncias e neste Supremo Tribunal, quanto ao recurso independente.

Custas pelas partes, em função do decaimento, relativamente ao recurso subordinadamente interposto pela Ré.

                                                                          ___

(Anexa-se sumário do Acórdão).

 

                                                                        ****

 

                     Lisboa, 24 de Novembro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

_________________
[1] - Diploma a que pertencem as normas adiante citadas sem outra indicação.
[2] - FF = Fundamentação de Facto.
[3] - Vide ‘A Revogação do Contrato de Trabalho’, Almedina, pgs. 334-337.
[4] - Cfr. Pedro Furtado Martins, ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, 3.ª Edição, pg. 142.
[5] - Este é o entendimento pacífico e reiterado da jurisprudência deste Supremo Tribunal, podendo conferir-se, por todos, v.g. os Acórdãos de 5.4.2006, e de 19.12.2012, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[6] - Concretamente nas contra-alegações ao recurso de revista interposto pela A.
Não se mostrando propriamente integrada, em termos expositivos, na parte relativa ao recurso subordinado, aceita-se contudo a impugnação como fazendo parte do seu objecto, seja porque versada na mesma peça processual, seja porque a questão se acha incluída, afinal, no rol das conclusões de síntese, por onde se afere e delimita, como é consabido, o objecto do recurso.
[7] - Vide, por todos, v.g. o Acórdão desta Secção de 25.1.2012, tirado na Revista n.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.