Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
985/09.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (CE) 44/2001
CONTRATO DE FACTORING
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Doutrina: - A. C. NEVES RIBEIRO, “Processo Civil da União Europeia", 2002, pág. 68.
- DÁRIO MOURA VICENTE, “Competência Judiciaria e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, in Scientia Iuridica, T. LI, n.º 293, pág. 362/63.
- L. LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, III, 80 e ss..
- L. M. PESTANA DE VASCONCELOS, “O contrato de Cessão Financeira (Factoring) no Comércio Internacional”, Homenagem ao Prof. Doutor Ribeiro de Faria, págs.405, 422.
- MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, pág.578.
Legislação Comunitária: CONVENÇÃO DE ROMA SOBRE A LEI APLICÁVEL ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, DE 19/6/1980.
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DE 22/12/2000: - ARTIGOS 2.º, 5.º, N.º 1, ALS. A) E B).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08/6/2006, PROCESSO N.º 06B2189;
-DE 12/10/2006, PROCESSO N.º 06B3288;
-DE 10/05/2007, PROCESSO N.º 07B072;
-DE 23/10/2007, PROCESSO N.º 07A3119;
-DE 08/4/2010, PROCESSO N.º 4632/07.8TBBCL.G1.S1.
Sumário :
O Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho elege, como regra, o domicílio do réu como factor de conexão relevante para a determinação da competência internacional.

- Em matéria contratual, o art. 5º-1 do Regulamento, permite que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro possa ser demandada noutro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, entendendo-se, no caso de prestação de serviços, o lugar onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou deviam ser prestados, segundo um critério puramente factual.

- Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de acção intentada por uma sociedade de factoring sediada em Portugal, como factor exportador, contra outra sociedade de factoring domiciliada em Espanha, como factor importador, para obter o pagamento de facturas cuja cobrança, por contrato de factoring internacional entre ambas celebrado, estava incumbida de efectuar a uma empresa espanhola, a coberto do risco assumido, em virtude se estar perante um contrato em que o cumprimento da prestação característica da demandada consiste ou se resolve em prestação de serviços pelo factor importador, em Espanha, irrelevando a obrigação de envio das quantias pecuniárias para o domicílio do factor exportador.  

Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “Caixa AA S.A.”, instaurou, nas Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra “BB S.A., Sucursal en España”, com sede em Madrid, Espanha, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 115.950,00€, acrescida de juros, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento, sendo os vencidos no montante de 26.298,22€.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, no que aqui pode relevar:

- a Autora celebrou com a Ré, em 14/7/1995, um contrato de Factoring Internacional mediante o qual ambas as Partes assumem o risco de cobrança de créditos, gestão de carteira de devedores e diligências de cobrança dos créditos que uma tenha no país da outra;

- em 21/1/2005, a Autora celebrou com “CC Colchões, S.A.” um contrato de factoring, mediante o qual essa sociedade cedeu à Autora os créditos resultantes de fornecimento de bens decorrentes da sua actividade comercial, que engloba os créditos sobre a sociedade “DD, S.A.,” com sede em Zamora, Espanha, pelo valor peticionado;

- tais créditos, porque de devedor com domicílio em Espanha, estão englobados naquele contrato de Factoring Internacional, pelo que a Ré será devedora das quantias tituladas nas facturas que identifica, que são de montante inferior ao valor total do risco de facturação assumido pela Ré relativamente ao devedor “DD, SA” .

A Ré contestou, excepcionando a incompetência internacional dos tribunais portugueses.

         Sustentou, para tanto, que as Partes não estipularam o lugar onde a obrigação característica do contrato de factoring internacional deveria ser cumprida, mas apenas que o pagamento dos créditos (que constituem essa prestação), seria efectuado por transferência bancária utilizando o sistema SWIFT, o que não significa que esses acordados pagamentos por transferência bancária têm Portugal como local específico de pagamento, donde que a Ré tenha de ser demandada em Espanha, por aplicação da regra do art. 2º-1 do Regulamento CE n.º 44/2001.

         A Autora respondeu para defender a aplicabilidade da norma do art. 5º-1-a) do Regulamento 44/2001, pois que para efeito da transferência via SWIFT, nos termos da cláusula 7ª do Contrato indicou à Ré, para recepção do montante das facturas a sua conta bancária domiciliada em Lisboa, que, assim, é o lugar do cumprimento da obrigação.

 No despacho saneador julgou-se procedente a excepção, e declarou-se o tribunal internacionalmente incompetente para apreciar a presente acção, absolvendo a Ré da instância.

A Autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, reconhecendo a competência das Varas Cíveis de Lisboa para conhecer da acção.

         Agora é a Ré a pedir revista visando, mediante a revogação do acórdão que impugna, a reposição do decidido na 1ª Instância.

Argumenta, nas conclusões que formulou como segue:

1. Ao contrário do fundamentado no Douto Acórdão do TRL, não se poderá extrapolar que a Recorrente tenha admitido que os pagamentos por si efectuados seriam realizados para uma conta corrente da Recorrida domiciliada em Lisboa.

2. Apenas foi admitido que as partes se tinham vinculado nos termos da cláusula do contrato de factoring internacional (contrato) a que os pagamentos devidos pelas obrigações assumidas deveriam ser efectuados, através de transferência bancária, para as contas indicadas, em cada momento, pela Recorrente e pela Recorrida, sendo que, tais transferências, deviam utilizar o sistema SWIFT.

3. Acresce que a Recorrente e a Recorrida não convencionaram o que entendiam por lugar do cumprimento das obrigações, pelo que a posição assumida pelo TRL não tem qualquer sentido e não corresponde à verdade quando afirma ter a Recorrente aceite que o lugar do cumprimento era em Lisboa, Portugal.

4. Face ao exposto, a regra especial de competência prevista na alínea a) do nº 1 do Artigo 5° do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento) que estabelece que "uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro (...) em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão" não poderá ser aplicada.

5. Neste contexto, a competência territorial do Tribunal tem de ser encontrada, necessariamente, através da regra geral prevista no Artigo 2° do Regulamento que estabelece que "(...) as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro" - como é o caso da Recorrente, que está domiciliada em Espanha - "devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os Tribunais desse Estado", ou seja, em Espanha, perante os Tribunais espanhóis, sendo os Tribunais portugueses internacionalmente incompetentes

6. As obrigações contratuais em causa encontram-se igualmente sujeitas às disposições previstas na Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 (Convenção), cuja regra geral sobre a lei aplicável às obrigações contratuais prevista no n° 1 do Artigo 3° é a de que as partes escolhem, de acordo com a sua vontade e autonomia privada, qual a lei que pretendem ver aplicada devendo "esta escolha (...) ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa n.

7. Dispõe o Artigo 4°, n.º 1 e 2 da Convenção que nas situações em que as partes nada digam quanto à lei aplicável ao contrato - como é o caso em apreço -, a mesma deve apurar-se segundo o critério da conexão mais estreita.

8. Tal como a acção vem delimitada pela Recorrida, dúvidas não restam de que, na qualidade de Factor-Importador, foi a Recorrente quem assumiu a realização da prestação característica. Ora, tendo em conta que a Recorrente tem a sua sede/estabelecimento em Espanha, que o contrato foi celebrado no dia 4 de Julho de 1995 em Madrid, redigido unicamente em língua castelhana e de acordo com as expressões, usos e costumes espanhóis, dúvidas não restam que o mesmo apresenta uma conexão mais estreita com a ordem jurídica espanhola.

9. Sem prejuízo do acima exposto, também pelas normas de conflito internas é aplicável a lei espanhola como resulta do n° 2 do Artigo 42° do Código Civil (CC), que manda aplicar aos negócios bilaterais "a lei do lugar da celebração”.

         A Recorrida respondeu em apoio do julgado.

         2. - A questão proposta pode definir-se como sendo a de decidir se são competentes para conhecer do litígio os tribunais portugueses, por aplicação do disposto no art. 5º-1-a) do Regulamento CE n.º 44/2001, cuja solução passa por determinar se se deve ter por demonstrado, designadamente, por via da cláusula 7ª do Contrato celebrado entre as Partes, o local do cumprimento da obrigação accionada.

         3. - Elementos de facto.

         Além do referido no relatório, importa considerar:

- no contrato de Factoring Internacional, as Partes estipularam que “(…) Mediante la firma de este contrato llegam a acuerdo consistente em el seguro de riesgo recíproco de Deudores que una de las partes tenga en el pais de la outra parte. UFB FIN FACTOR assegurará a LUSOFACTOR el Riesgo de la facturación de Clientes Portugueses que venden ou facturan a Deudores Españoles hasta los limites de clasificación que establezca el Factor Importador y LUSOFACTOR assegurará a UFB FIN FACTOR el Riesgo de la facturación de Clientes Españoles que venden e facturan a Deudores Portugueses hasta los limites de clasificación que establezca el Factor Importador”;

 - consta da cláusula 7ª do Contrato de  Factoring que “no vencimento das facturas, o Factor Importador obriga-se a enviar as importâncias das facturas cobradas, de tal forma que o Factor Exportador receba os fundos num prazo máximo de 5 dias após o vencimento. Será enviado o montante na moeda acordada entre o devedor e o cliente como moeda de pagamento. O envio de fundos realizar-se-á via SWIFT para as contas que ambas as partes comuniquem”.

- a A. indicou à R., para pagamento das facturas cujo pagamento reclama, uma sua conta bancária, domiciliada em Lisboa e o SWIFT (doc. de fls. 59/60).

         4. - Mérito do recurso.

         4. 1. - Como referido ao enunciar a questão decidenda, a solução do litígio passa, em primeiro lugar, por averiguar se, perante do conteúdo cláusula 7ª do Contrato celebrado pelas Partes e dos demais elementos de facto disponíveis, como a carta a indicar a conta bancária da Autora, sediada em Lisboa, se encontra determinado o lugar do cumprimento do contrato de factoring internacional celebrado entre as Partes.

         Com efeito, só no caso de, se concluir não terem as Partes ali pactuado o lugar onde a obrigação contratual da Ré deveria ser cumprida, conduzindo à aplicação directa da regra especial contida no artigo 5º, n.º 1, al. a) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, haverá lugar à indagação do critério supletivo de determinação desse lugar de cumprimento, por aplicação das normas do Tratado de Roma, ou ao recurso à regra geral constante do art. 2º do Regulamento, como propõe a Recorrente (domicílio da Ré).

              4. 2. - A Ré-Recorrente começa por se insurgir contra a posição da Relação ao admitir que os pagamentos por si efectuados seriam “realizados para uma conta corrente da Recorrida domiciliada em Lisboa”, pois que nunca tal admitiu, aceitando apenas o que consta da transcrita cláusula 7ª.

         Embora se trate de matéria irrelevante para a sorte deste recurso, como a seguir se verá, crê-se que, efectivamente, não pode ter-se por não impugnada a invocada alegação da Autora “de que tal pagamento seria a efectuar na conta da recorrente”, alegação que, de resto, não encontramos formulada em tais termos na petição inicial, articulado à luz do qual, como é sabido, na análise da causa de pedir e do pedido, tal como aí são apresentados, se afere da questão da competência internacional dos tribunais.

         O que a A.-Recorrida escreveu foi que “(…) o lugar do pagamento é a sede da autora, sita em Lisboa”, além de juntar a carta de interpelação de pagamento das facturas deste processo de fls. 59/60.

         Consequentemente, descontada a referência a «conta corrente», que o acórdão impugnado não utilizou, não poderia, em sede de matéria de facto, admitir-se, como não se admite, mais que o pagamento deveria realizar-se via SWIFT para as contas que ambas as partes comunicassem, tendo a Autora, relativamente às facturas que reclama, indicado uma conta bancária domiciliada em Lisboa.   

                  4. 3. - Como se adiantou já, pensa-se que a cláusula 7ª do contrato, complementada ou não com a indicação da conta bancária domiciliada em Lisboa – forma incompleta ou indirecta de convenção sobre o lugar de cumprimento -, não pode identificar-se como uma determinação pelas Partes do lugar de cumprimento da obrigação contratual da Recorrente, para fins de atribuição de competência do tribunal para conhecimento de questões relativas a esse cumprimento ou incumprimento, por aplicação dos critérios estabelecidos no Regulamento 44/2001(CE) do Conselho, de 22/12/2000, seja directamente seja mediante intervenção prévia das disposições da Convenção de Roma Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 19/6/1980.

         Para precisar o fundamento desse entendimento importa fazer uma brevíssima alusão à natureza e conteúdo do contrato celebrado pelas Partes.

         O factoring ou cessão financeira vem sendo definida como “o contrato uma das partes (o facturizado) cede ou se obriga a ceder a outra (o factor) a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais de curto prazo decorrentes de contratos já celebrados ou a celebrar com certos terceiros (clientes do cedente), para que este último os administre e cobre na data do vencimento e, eventualmente, nos termos fixados nesse negócio lhe conceda adiantamentos calculados sobre o valor nominal desses créditos e/ou também garanta o cumprimento ou solvência dos credores cedidos” (vd. L. M. PESTANA DE VASCONCELOS, “O contrato de Cessão Financeira (Factoring) no Comércio Internacional”, Homenagem ao Prof. Doutor Ribeiro de Faria, 405).

         A lei não oferece um conceito do contrato, mas define a actividade de factoring como consistindo na “aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda ou da prestação de serviços, nos mercados interno ou externo, compreendendo-se ainda na actividade de factoring a prestação de outros serviços (art. 2º do DL. n.º 171/95, de 18/7).

         O contrato engloba, assim, elementos como uma promessa de venda de créditos futuros, uma assunção de risco e a prestação de diversos serviços. Como contrato misto, dominam elementos da compra e venda e da prestação de serviços (MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 578). 

Relevam aqui - além da prestação de outros serviços eventualmente convencionados - o financiamento ao aderente, com a prestação de pagamentos antecipados, a gestão das contas referentes aos créditos, a sua cobrança dos créditos e a eventual assunção do risco decorrente da falta de pagamento dos terceiros devedores.        

       O contrato de factoring diz-se internacional quando tem por objecto um negócio entre uma empresa de um Estado (facturizado ou aderente) – exportadora/credora -  e uma empresa de outro Estado – importadora/devedora – em que o factor garante o pagamento desta, realizando a cobrança do crédito e entregando o adiantamento acordado do crédito cedido.

         Assim, a nota caracterizadora do contrato internacional é a sua referência a um contrato internacional de compra e venda ou de prestação de serviços.

          No contrato dos autos está-se perante factoring internacional com a intervenção de dois factors, encontrando-se justamente em causa o denominado inter factors agreement, ou seja o contrato entre o factor do exportador e o factor do importador, a quem incumbe, além de outros serviços, cobrar o crédito do devedor no Estado do estabelecimento deste.  

            Existem, agora, dois contratos, sendo um celebrado entre o facturizado ou aderente exportador e o factor exportador e outro entre este e o factor importador, sendo que aquele factor adianta ao aderente/exportador o valor dos créditos adquiridos e o factor importador assume o risco da cobrança dos créditos ao devedor importador e procede à respectiva cobrança e envio do montante cobrado, nos termos convencionados (cfr. sobre este ponto, PESTANA DE VASCONCELOS, ob. e loc. cit., 422)

De notar, pois, que a obrigação de cobrança dos créditos cedidos ao factor exportador, no caso a Autora, é através do novo contrato celebrado entre factors, transmitida para o factor importador, aqui a Ré, que fica incumbido de realizar essa cobrança e enviar o produto da mesma ao factor exportador.

                  4. 4. - O Regulamento, cuja aplicabilidade à determinação do foro competente não suscita divergência entre as Partes, estabelece, como regra geral, em matéria de competência internacional, o foro do domicílio do réu, seja qual for a sua nacionalidade – art. 2º-1.

         Porém, no que toca a matéria contratual, a única que aqui interessa ter presente, prevê, em seu art. 5º-1-a), competências especiais, admitindo que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro, ou seja, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

Depois, concretizando o conceito de lugar de cumprimento da obrigação, especifica que para efeitos desta disposição e salvo convenção em contrário, esse lugar será:

“- no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, e
- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados” – al. b).

Por último, a alínea c) previne se não “se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.

É entendimento corrente e, ao que se sabe, unânime na doutrina e na jurisprudência que subjacente ao critério especial acolhido no art. 5º-1-a) do Regulamento esteve a ponderação de que o foro do lugar do cumprimento da obrigação é o mais bem colocado para a condução do processo, bem como aquele com o qual, em geral, o litígio apresenta a conexão mais estreita e, que, com objectivo de limitar divergência associadas ao recurso à aplicação das regras de direito de conflitos do Estado do foro, na referida al. b) se “estabeleceu um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação” nas concretas situações de venda de bens e de prestação de serviços, adoptando “uma solução prática (designação pragmática do local da execução) que assenta num critério puramente factual, sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio, incluindo quando esta obrigação consista no pagamento da contrapartida pecuniária do contrato”. 

         A obrigação relevante será, portanto, apenas a obrigação característica do contrato – a entrega dos bens ou da prestação dos serviços e não a correspondente obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro, designadamente a respeitante a contrapartida desses bens ou dos serviços prestados, mesmo que o pedido se fundamente nessa obrigação, salvo estipulação diversa das partes (cfr. acs. de 08/6/2006 – proc. 06B2189 e de 08/4/2010, proc. 4632/07.8TBBCL.G1.S1; A. C. NEVES RIBEIRO, “Processo Civil da União Europeia, 2002, pg. 68; L. LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, III, 80 e ss; DÁRIO MOURA VICENTE, “Competência Judiciaria e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, in Scientia Iuridica, T. LI, n.º 293, pág. 362/63).

4. 5. - Uma vez que a Ré, como é pacífico, tem domicílio em Espanha, importa apurar é se, por via da aplicação do critério das regras de competência especiais do art. 5º-1 pode ser demandada em Portugal, o que, por sua vez, só pode acontecer com o fundamento de ser este o Estado em que a obrigação deveria ser cumprida.

Ora, como atrás se expôs, a obrigação a executar pelo factor importador – cobrança e gestão de créditos e envio dos valores cobrados ao factor exportador – deve qualificar-se como prestação de serviços, serviços esses que, pela própria natureza e objecto do contrato tinham de ser prestados no Estado do estabelecimento do devedor, ou seja, em Espanha.

         Como se referiu já, a cláusula 7ª, ao dispor sobre o envio das facturas cobradas pela Ré à A. deve ser entendida como mera indicação do modo e, se complementada pela comunicação, do lugar de pagamento do valor dos serviços prestados, e não como determinação do lugar de cumprimento da obrigação característica da Ré, que corresponde, necessariamente, pelos termos clausulados e pela própria natureza do contrato, à gestão e cobrança dos créditos cedidos e envio das importância devidas (prestação de serviços à A.) cedidos, e não apenas ao pagamento à A. de uma quantia pecuniária.

Este simples lugar de pagamento, determinado ou não, não corresponderá ao do cumprimento da obrigação contratual, irrelevando, como se viu, para efeito de aplicação do art. 5º-1 do Regulamento (vd. acs. 06B3288; 07A3119; e, 07B072).

         Como, segundo as referidas normas especiais, a competência só poderá ser deferida aos tribunais portugueses se os serviços da Ré tivessem de ser prestados em Portugal, os pressupostos da respectiva aplicabilidade não concorrem, havendo que a atribuir aos tribunais espanhóis, seja a coberto da regra geral consagrada no art. 2º, seja por via do critério especial a que conduzem as alíneas a) e b)-2º travessão do Regulamento.


         Em consequência, por isso que não poderia agir a coberto das regras especiais acolhidas pelo art. 5º-1 do Regulamento, vedado estava à Autora intentar a acção nos tribunais portugueses.

         4. 6. - Desnecessária, pois, a proposta apreciação da questão da competência – questão diferente da lei aplicável ao contrato – mediante prévia determinação da lei reguladora das obrigações contratuais, ao abrigo da Convenção de Roma, com vista a nela encontrar a norma reguladora do lugar de cumprimento e posterior subsunção ao regime do Regulamento.

         4. 7. - Respondendo, em síntese final, á questão colocada poderá concluir-se:

- O Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho elege, como regra, o domicílio do réu como factor de conexão relevante para a determinação da competência internacional.

- Em matéria contratual, o art. 5º-1 do Regulamento, permite que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro possa ser demandada noutro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, entendendo-se, no caso de prestação de serviços, o lugar onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou deviam ser prestados, segundo um critério puramente factual.

- Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de acção intentada por uma sociedade de factoring sediada em Portugal, como factor exportador, contra outra sociedade de factoring domiciliada em Espanha, como factor importador, para obter o pagamento de facturas cuja cobrança, por contrato de factoring internacional entre ambas celebrado, estava incumbida de efectuar a uma empresa espanhola, a coberto do risco assumido, em virtude se estar perante um contrato em que o cumprimento da prestação característica da demandada consiste ou se resolve em prestação de serviços pelo factor importador, em Espanha, irrelevando a obrigação de envio das quantias pecuniárias para o domicílio do factor exportador.  

         5. - Decisão.

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

         - Conceder a revista;

         - Revogar a decisão impugnada;

         - Declarar a incompetência internacional dos Tribunais de Lisboa e, consequentemente, repor em vigor o decidido na 1ª Instância; e,

         - Condenar a Recorrida nas custas.

Lisboa, 21 de Junho de 2011

Alves Velho (Relator)

 Moreira Camilo

 Paulo Sá