Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3508/13.4TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
ADMINISTRADOR
DESTITUIÇÃO
COMPETÊNCIA
SOCIEDADE ANÓNIMA
SÓCIO ÚNICO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES ANÓNIMAS / ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE / CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO / DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADOR.
Doutrina:
- António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 563/574.
- Engrácia Antunes, Os Direitos Dos Sócios da Sociedade-Mãe Na Formação E Direcção Dos Grupos Societários, 103/104, 127/130; Os Grupos de Sociedades, 96.
- Menezes Cordeiro, “Código Das Sociedades Comerciais” Anotado, 2.ª edição, 1262, apud Engrácia Antunes, Os Grupos De Sociedades, 738/739.
- Paulo Olavo Cunha, Direito Das Sociedades Comerciais, 6.ª edição, 611/612.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (COM): - ARTIGO 31.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 54.º, N.º1, 56.º, N.º 1, AL. A), 63.º, 248.º, N.ºS 1 E 6, 270.º-E, N.º1, 388.º, N.º 1, 403.º, N.º1, 411.º, N.º1, ALÍNEA B), 446.°-A, N.°2, 446.°- B, ALS. B) E C), 486.º, 488.º E 489.º, 491.º.

Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 2009/102/CE, DE 16 DE SETEMBRO: - ARTIGO 2.º (QUE PROCEDEU À CODIFICAÇÃO DA DIRECTIVA 89/667/CEE, DE 21 DE DEZEMBRO).
Sumário :
I. Embora a Ré (sociedade anónima) seja acionista única de duas outras sociedades anómimas, em relação às quais detém uma relação de domínio total, não pode a mesma ser considerada acionista única nos termos e para os efeitos do artigo 2.º da Directiva 2009/102/CE, de 16 de Setembro que procedeu à codificação da Directiva 89/667/CEE, de 21 de Dezembro, uma vez que se trata de uma sociedade anónima pluripessoal e a situação que ali se quadra pressupõe a existência de uma sociedade anónima unipessoal.

II. Muito embora a qualidade de accionista único de uma sociedade legitime a sociedade accionista e dominante a dar instruções vinculantes à sociedade dominada, essas instruções devem entender-se, sob pena de nulidade, restritas à matéria da competência da administração e não à da competência das assembleias de accionistas.

II. É da competência exclusiva da assembleia geral das sociedades plurais, caso da Ré, a destituição de administrador, como impõe o artigo 403.º, n.º1 do CSComerciais, cuja preterição a mesma Lei, no artigo 411.º, n.º1, alínea b), comina com a nulidade.

(APB)

Decisão Texto Integral:

PROC 3508/13.4TBBCL.G1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I A instaurou acção declarativa, constitutiva, com processo comum, contra M - SGPS, SA, pedindo:

a) Se declarem nulas as deliberações tomadas no Conselho de Administração da Ré, em 28 de Outubro de 2013, ou, se assim se não entender,

b) Se declarem anuláveis e anuladas as mesmas deliberações.

Alegou, para tanto, ter o Conselho de Administração da Ré deliberado a destituição do Autor do cargo de administrador das sociedades M- Representações, SA e N, SA, totalmente dominadas pela Ré, quando, nos termos da lei - artigo 403.°, 1, do CSC - a destituição de qualquer membro do conselho de administração é da competência exclusiva da Assembleia Geral.

 

Contestou a Ré, afirmando que, por se tratar de sociedades inteiramente dominadas pela Ré, passaram a competir ao Conselho de Administração da sociedade dominante, sua única accionista, todas as competências do colégio de sócios das sociedades dominadas.

           

Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente procedente e declarou nulas as deliberações tomadas no Conselho de Administração da sociedade M - SGPS - SA, em 28 de Outubro de 2013.

 

Inconformada com a sentença, recorreu a Ré tendo a Apelação sido julgada procedente e revogada a decisão, com a absolvição da Ré do pedido.

Vem agora o Autor recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O Acórdão em recurso violou a lei substantiva, na medida em que aplicou em toda a sua análise e considerações legislação internacional e nacional não aplicável à questão de direito em litígio (alínea a) do n.° 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil).

- Ao invés, a sentença revogada foi elaborada de forma muito douta, efectuando uma análise concisa, objectiva de toda a factualidade invocada, fundamentando a sua decisão na melhor doutrina aplicável, mormente em dois acórdãos dos Supremo Tribunal de Justiça, cuja adequação é por demais evidente (anos de 2005 e 2014).

- O Acórdão em recurso apenas adere na sua fundamentação a um acórdão da Relação de Lisboa de 14.02.2013, junto pela Ré, versando sobre deliberações anuláveis, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 58.° do C.S.C., de duvidosa aplicabilidade, quando confrontado com os Acórdãos invocados na sentença, cuja substancialidade e conexão é notória.

- A solução jurídica defendida no Acórdão em recurso não pode ser aceite, porquanto efectua uma errónea interpretação e aplicação da Directiva 89/667/CE e respectiva codificação pela Directiva 2009/102/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e igualmente do Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro, que efectua a transposição desta directiva para o ordenamento jurídico português.

- O Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro, explicita no seu preâmbulo que não acolhe no seu seio a criação autónoma e por tempo indeterminado da sociedade anónima unipessoal, pelo que, ao consagrar o aditamento dos artigos 270.°-A a 270.°-G, os mesmos reportam única e exclusivamente às sociedades unipessoais por quotas.

- Nesta perspectiva, não pode aceitar-se o enquadramento legal efectuado pelo Acórdão que invoca a analogia das sociedades unipessoais para justificar a validade da deliberação do conselho de administração da Ré que destituiu o A. do cargo de administrador, dado tratar-se de matéria que a lei reserva em exclusivo à Assembleia Geral (n.° 1 do artigo 403.° do C.S.C.).

- A relação de domínio entre a Ré (sociedade dominante) e as sociedades dominadas é configurada pelo Acórdão em recurso como uma relação em que “a sociedade totalmente dominante exerce na qualidade de sócia única, todas as competências pertencentes à assembleia geral da dependente”, olvidando que este exercício de competências sofre uma limitação decorrente das matérias que a lei reserva expressamente à competência da Assembleia Geral, como é o caso da destituição de administrador (n.° 1 do art. 403.° do C.S.C.) ou a fixação de remunerações (n.° 1 do art. 399.° do C.S.C.).

- O âmbito de aplicação da Directiva 89/677/CE, da respectiva codificação pela Directiva 2009/102/CE e do Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro que efectua a sua transposição no ordenamento jurídico interno, aditando o capítulo X do título III do Código das Sociedades Comerciais constituídas pelos artigos 270.°-A a 270.°-G, é bem claro, dirigindo-se unicamente às sociedades por quotas, excluindo expressamente no referido Decreto-Lei 257/96 a aplicabilidade às sociedades unipessoais anónimas.

- Nesta conformidade, não pode aceitar-se a conclusão do Acórdão em recurso que considera que o regime aplicável para a sociedade por quotas unipessoal é igualmente aplicável para a sociedade anónima unipessoal, em virtude do efeito directo do artigo 6.° da 12.a Directiva.

- As deliberações do conselho de administração da Ré, de 28 de Outubro de 2013, não têm qualquer fundamento de justa causa, sendo uma consequência do litígio mantido entre R. e A., iniciado dez meses antes no conselho de administração de 21 de Janeiro de 2013, com a tomada de deliberações em que se reduzia a remuneração do A. em 50% (o que originou o processo n.º 589/13.4TBBCL), visando no essencial branquear a destituição/despedimento do A.

- A actuação da Ré, na qualidade de accionista única das sociedades dominadas, não se equipara à do sócio único da sociedade por quotas, mesmo que se invoque que é ilógico admitir assembleias de sócio único consigo próprio, uma vez que como se refere na douta sentença,

- a convocação e funcionamento das assembleias gerais das sociedades dominadas não sofreu alterações com a entrada em funções da direcção unitária do grupo constituído por domínio total.

- a matéria de destituição do administrador, a exemplo da remuneração, já tinha anteriormente sido tratada em Assembleia Geral.

e, (no nosso entendimento),

- existência de outras condicionantes legais fulcrais para a tomada de deliberações em Assembleia Geral que não se verificam nas deliberações do conselho de administração da Ré, nomeadamente, convocação, formas  de realização, participação e representação de accionistas.

- inexistência nas assembleias gerais das sociedades dominadas de “fazedores de actas” estranhos aos accionistas.

- Nesta conformidade, a destituição de administrador, nos termos do artigo 403.° n.°1 do CSC, é da exclusiva competência da assembleia geral nas sociedades plurais e não se transfere, nas sociedades unipessoais anónimas, para o accionista único, dado que a sociedade dominante, em caso de domínio total, tem de respeitar as matérias que são reservadas a outros órgãos das sociedades (v. g. assembleia geral).

 - O conselho de administração da Ré, accionista única das sociedades dependentes, embora exerça funções representativas da vontade da pessoa colectiva, não podia ter tomado internamente a decisão de destituição do administrador das sociedades dependentes através de deliberação, configurada, por escrito, em acta, porquanto o destinatário de todas as instruções vinculantes é sempre a administração das sociedades dominadas, e porque essas instruções devem versar sobre matérias de gestão e não sobre matérias de competência deliberativa exclusiva das assembleias gerais, como é o caso do presente litígio.

 - O conselho de administração da Ré igualmente não podia ter transposto a acta da sua reunião para o livro de actas da sociedade dominada M, porquanto as reuniões dos órgãos das sociedades têm de ser passadas ao livro de actas do próprio órgão e não ao livro de actas de outro órgão de outra qualquer sociedade, como sucedeu (cfr. a este propósitos os artigos 446° - A n°2 e 446° - B, b) e c), ambos do CSC).

- O conselho de administração da Ré, enquanto accionista única de sociedades anónimas, não pode exercer os poderes conferidos por lei à assembleia geral em matéria da sua competência exclusiva (como foi o caso da destituição de administrador do A), porquanto, não obstante a relação de dependência societária e a integração no perímetro de uma unidade económica-empresarial, admitir-se tal hipótese seria desconsiderar a personalidade jurídica individual de cada sociedade dominada, liquidando a sua autonomia jurídico - patrimonial e jurídico – organizativa.

 - O Acórdão em recurso, ao julgar procedente a apelação, revogando a douta sentença, efectuou uma interpretação errónea da doutrina dominante, e igualmente, decidiu ao arrepio da Jurisprudência mais recente e superior, pelo que não podem proceder as suas conclusões.

Nas contra alegações a Ré pugna pela manutenção do julgado.

II Põe-se como única questão a resolver no âmbito do presente recurso a de saber se a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da Ré, consistente na destituição do Autor, aqui Recorrente, do cargo de administrador das sociedades M - REPRESENTAÇÕES, SA  e  N, SA.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1 -A Ré é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, constituída em 13/12/2007, com o capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), dividido em 50.000 (cinquenta mil) acções com o valor nominal de € 1,00 (um euro) cada uma - fs. 22 e ss.

2 -São seus órgãos sociais o Conselho de Administração, a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal - contrato de sociedade junto a fls. 91/98.

3 -A Ré encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva xxxxxxx - fs. 21 v.º.

4 -São Administradores da Ré o próprio Autor e, ainda, N, J e C - cfr. certidão permanente da sociedade, junta a fls. 21 v.

5 -O primeiro Conselho de Administração da Ré, da qual faziam parte já os Administradores actualmente em vigor, foi designado no próprio dia 13/12/2007, data de início da sua actividade, designação essa que foi ratificada na primeira Assembleia Geral da Ré, realizada em 14/12/2007 - cfr. documento junto a fls. 24 v.

6 -A Ré é detentora da totalidade do capital social de duas outras sociedades, a saber, M - REPRESENTAÇÕES, SA (doravante apenas designada M), com sede no Lugar da …. e N, SA (doravante apenas designada NGS), com sede na …. – cf. se verifica das certidões permanentes de tais sociedades, juntas a fls. 25 e 28 v.

7 -O Autor era também Administrador da dita M, juntamente com os já referidos N e C - fs. 25.

8 -O N é actualmente Presidente do Conselho de Administração da Ré, da M e da N.

9 -O Autor é accionista da Ré, sendo titular de 5.000 (cinco mil) acções, no valor nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros), o que correspondente a uma participação de 10% (dez por cento) no capital social da dita sociedade - cfr acta de fls. 33, e lista de presenças da acta da Assembleia Geral da Ré de 30 de Julho de 2012, junto a fls. 35.

10 -O Presidente do Conselho de Administração da Ré, N, é também o seu accionista maioritário, nela detendo 30.000 (trinta mil) acções, correspondentes a 60% (sessenta por cento) do respectivo capital social - idem.

11-Foi N, juntamente com outros vendedores particulares, que pela sua parte vendeu à Ré, em 14/12/2007, isto é, um dia depois de ser designado Administrador da dita sociedade, 3.500 (três mil e quinhentas) acções, correspondentes a 35% (trinta e cinco por cento) do capital social da M, pelo preço de € 528.182,00 (quinhentos e vinte e oito mil cento e oitenta e dois euros) - cfr documento de fls. 36 e v..

12 -Da mesma forma e nessa data, o mesmo N vendeu à Ré acções que detinha na também já referida sociedade N.

13 -Desde há anos que têm vindo a ser transferidos das contas das sociedades “filhas” da sociedade M - SGPS, SA, ora Ré, valores mensais por cada sociedade, para as contas da Ré.

14 -Valores esses que nos três anos seguintes a 2009 ininterruptamente, se continuaram a transferir.

15 -Foi realizada uma reunião entre o A. e o N em 17/12/2012, em que ambas trataram de matéria não concretamente apurada.

16 -Por convocatória datada de 15 de Janeiro de 2013, foi determinada a reunião do Conselho de Administração da Ré, a realizar na sua sede social, no dia 21 de Janeiro de 2013, pelas 14h00 (posteriormente adiada para o dia seguinte, pelas 16h00, por conveniência do próprio Autor), em que um dos pontos da ordem de trabalhos era deliberar, enquanto órgão representante da accionista única da referida M -Têxteis, SA a redução das remunerações dos administradores desta sociedade - cfr documento ao diante junto a fls 37.

17 -No decorrer da reunião, o Presidente daquele órgão apresentou a seguinte proposta aos presentes: “Considerando a acima descrita situação económica da M -Representações Têxteis, S.A, assim como o disposto no artigo 399°, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, proponho que a M-SGPS, SA, enquanto acionista única que é daquela sociedade, delibere reduzir em cinquenta por cento a remuneração no ano de 2013 a ser paga aos Administradores N e A”.

18 -O Autor declarou que se opunha a que esta matéria fosse discutida em sede de Conselho de Administração da Ré, uma vez que, alegou, a competência para a fixação de remunerações compete exclusivamente à Assembleia Geral da sociedade cujas remunerações estão em causa e não pode o Conselho de Administração imiscuir-se nessa matéria, sob pena de insanável nulidade da sua deliberação.

19 -Contudo, posta a votação, aquela proposta foi aprovada com o voto contrário do Autor e os votos favoráveis dos restantes Administradores, vendo assim o Autor, por via dessa aprovação, o seu salário reduzido em 50%, conforme acta dessa reunião, junta a fls 37 v. a 39 v..

20 -Tal deliberação foi oportunamente impugnada, por esta mesma via, em processo iniciado no 1.º Juízo Cível desse Tribunal Judicial de …, com o número de processo xxxx.

21 -Por carta enviada pelo Presidente do Conselho de Administração a todos os Administradores da Ré, no passado dia 22 de Outubro de 2013, foi convocada a reunião do Conselho de Administração da Ré, a realizar na sua sede social, no dia 28 de Outubro de 2013, pelas 9h00, tendo a seguinte ordem de trabalhos:

1) Destituir o Sr. A do cargo de administrador da sociedade M - Representações, S.A. com invocação de justa causa, consubstanciada no exercício a título próprio de actividade directamente concorrente com a que se dedica a sociedade e no quadro da qual angariou ele um cliente histórico da Sociedade, em seu benefício pessoal e em prejuízo da Sociedade;

2) Destituir o Administrador A do cargo de administrador da sociedade N, S.A., considerando que a actividade a que a título próprio se vem ele dedicando é também concorrente com a actividade a que se dedica esta Sociedade;

3) A serem tiradas as deliberações a que se referem os pontos anteriores ou pelo menos aquela a que se refere o ponto 1, notificar de imediato o Administrador A para fazer entrega do veículo automóvel que lhe está afecto, da marca …. e a que cabe a matrícula xxxx, com todos os seus pertences e incluindo os respectivos documentos legais, bem assim como o telemóvel, o computador portátil e demais bens da sociedade que lhe estejam afectos;

4) Ratificar a ordem dada pelo signatário e pelo administrador C aos serviços da M para suspenderem o pagamento da remuneração devida ao Sr. A com efeitos a partir de meados de Setembro de 2013, bem assim como a ordem que também deram no sentido de ser cancelado o cartão de crédito emitido sobre conta bancária da titularidade da Sociedade e que àquele estava afecto;

5) Encarregar os serviços da Sociedade de bem apurarem os prejuízos que o exercício pelo administrador A de actividade concorrente com a das sociedades M e N causou e virá a causar a estas ou a qualquer delas, nomeadamente como consequência da perda pela M do cliente C, Ltd. - cfr. documento de fls. 40 a 44.

22 -A mesma reunião teve a presença de todos os membros do Conselho de Administração da Ré: o Presidente N, o Autor e, ainda, os Administradores C e J.

23-Além dos Administradores, marcaram também presença o Dr. A T -representante da sociedade Fiscal Única da Ré - bem como o Dr. V S e o Dr. R S - advogados da Ré -, como vem sendo hábito em todas as reuniões daquele Conselho de Administração do ano de 2013, excepto o caso daquele último Dr. R S, que não esteve presente na reunião de 22/01/2013.

24 -No uso da palavra, o Autor referiu que não se encontrava presente a secretária do Conselho de Administração, M B, para elaborar a acta, mais referindo que não aceitava que fosse o Dr. R S a tomar notas com esse propósito - fs. 47.

25 -O Presidente do Conselho de Administração ordenou que fosse convocada a referida secretária para a reunião, que de imediato foi chamada e tomou o seu lugar na sala, junto dele e do computador portátil instalado na mesa.

26 -Porém, foi o Dr. R S quem continuou, até ao final da reunião, a redigir a acta.

27 -O Autor solicitou a incorporação na acta de texto, lido em voz alta perante todos os presentes, com expressa menção “cumpre-me ditar para a acta o seguinte”, texto que acabou por não se encontrar transcrito na acta que veio a ser elaborada - documento ao diante junto a fls. 44 v.

28 -A reunião em causa foi interrompida por volta das 9h40, por sugestão do Dr. V S, com o argumento de ter de existir algum tempo para passar as seis folhas daquele texto para a acta.

29 -O Presidente do Conselho de Administração da Ré, no uso da palavra, deu por aberta a discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos, perguntando a todos os presentes se alguém queria usar da palavra.

30 -Uma vez que nenhum dos presentes quis usar da palavra, passou-se à votação daquele ponto, que foi aprovado por maioria, com os votos do Presidente do Conselho de Administração e dos Administradores C e J.

31 -O Autor referiu apenas que não votaria aquele ponto.

32 -O mesmo sucedeu com todos os pontos seguintes, isto é, os pontos 2, 3, 4 e 5: foram todos colocados à discussão, sendo lidos integralmente pelo Presidente e aprovados por maioria, com os votos do Presidente do Conselho de Administração e dos Administradores C e J, sendo que o Autor referiu, sempre, que não votaria.

33 -Após a votação dos cinco pontos em causa o Autor pediu a palavra e, no uso dela, referiu que se recusou a votar qualquer dos pontos dada a manifesta ilegalidade daquele Conselho de Administração.

34 -O A. relembrou que tinha sido eleito para o cargo de Administrador de ambas as sociedades, M e N, em Assembleias Gerais das mesmas, muito após a data do início da constituição da Ré.

35-Pelo que tal facto contrariava todos os pontos elencados na convocatória para aquele Conselho de Administração, que manifestamente vem insistindo na tomada de deliberações de matérias reservadas aos órgãos competentes das sociedades M e N.

36 -A reunião foi interrompida quando eram 9h40, a fim de ser feita a acta, devendo ser retomados às 11 h, altura em que o Autor abandonou a reunião, motivo pelo qual não assinou a acta.

37 -No ano de 2007 o Autor, o N, o C, o J e o L constituíram entre si a sociedade aqui Ré, a que deram a denominação M - SGPS, SA e a que fixaram como objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas-conforme certidão permanente acessível através do código 2373-8334-3777.

38 -A assim constituída M ficou a reger-se pelas disposições do contrato de sociedade copiado a fs. 91/96 v.º-aqui integralmente reproduzido-correspondente à versão depositada na Conservatória do Registo Comercial.

39-A M foi constituída com a repartição accionista supra alegada, e que ainda hoje se mantém, cabendo ao accionista Nuno Cunha e Silva o correspondente a sessenta por cento do capital social, ao Autor o correspondente a dez por cento e mostrando-se o remanescente distribuído pelos três accionistas acima identificados - cfr. documento junto a fls. 91 v. e lista de presenças à assembleia geral da Ré de 29 de Julho de 2013, junta a fls. 97.

40-Após ter sido constituída nos termos vindos de enunciar, a M adquiriu a totalidade do capital social das sociedades M - Representações, SA e N, SA.

 41-Desde a instituição da relação de grupo e até ao presente os accionistas da M mantiveram assento nos conselhos de administração das três sociedades nos seguintes termos: o N, o C e o Autor são administradores das três sociedades, sendo o N presidente de todos os conselhos de administração; o J é administrador da M e da N e o L não é administrador de qualquer das sociedades.

42 -O Autor foi nomeado para o cargo de administrador da M, de que entretanto veio a ser destituído, por deliberação tirada no dia 15 de Julho de 2010 - cfr. acta junta a fls. 97 v. e conforme resulta da certidão do registo comercial da M, junta a fls. 25.

43 -Dessa acta consta que “Aos quinze dias do mês de Julho de dois mil e dez, pelas 14 horas (...) reuniu a Assembleia-Geral da M, SA (...). Encontravam-se presentes a accionista M - SGPS, SA (...), representada pelos seus administradores, a saber: N - Presidente; A – Vogal; C – Vogal; J - Vogal ( ... )”

44 - Relativamente ao único ponto da ordem de trabalhos, a Assembleia deliberou por unanimidade: 1. Eleger para os cargos de Presidente do Conselho de Administração N ( ... ) e Administradores A ( ... ) e C ( ... ).

45-A deliberação em causa foi tirada pelos administradores da sociedade Ré, em Assembleia Geral da M, agindo na qualidade de representantes da accionista única.

46 -Foram esses mesmos administradores da Ré que vieram a deliberar a destituição do Autor, desta feita por via da deliberação do Conselho de Administração.

47-O Autor foi eleito para o cargo de administrador da N por deliberação tirada a 27 de Setembro de 2011 - cfr. acta junta a fls. 100 e certidão do registo comercial da N, junta a fls. 28 v.

48 -Dessa acta consta o que aqui se transcreve no que interessa ao caso: Aos vinte e sete dias do mês de Setembro de dois mil e onze, pelas 10 horas ( ... ) reuniu a Assembleia-Geral da N, SA( ... ). Encontravam-se presentes a accionista M-SGPS, SA ( ... ), representada pelos seus administradores, a saber: N – Presidente;  A – Vogal; C – Vogal; J - Vogal ( ... ) Relativamente ao único ponto da ordem de trabalhos, a Assembleia deliberou por unanimidade: 1. Eleger para os cargos de Presidente do Conselho de Administração N ( ... ) e Administradores A ( ... ), C ( ... ) e J ( ... ).

49 -Da referida acta resulta que o Autor foi eleito como administrador da N em Assembleia-Geral da N, SA, deliberação tirada pelos administradores da M, SGPS, SA, agindo na qualidade de representantes da acionista única ora Ré.

50-A destituição do Autor do cargo de administrador de ambas as sociedades foi já inscrita definitivamente no registo comercial: a destituição do cargo de administrador da M foi definitivamente inscrita no registo comercial através da inscrição AP. xxxx e a destituição do cargo de administrador da N foi definitivamente inscrita no registo comercial através da inscrição Ap. xxxx - cfr. certidões permanentes de ambas as aludidas sociedades acessíveis através dos códigos ….), que se encontram juntas a fls. 101 a 106.

51-Em reunião havida no dia 12 de Julho de 2013, o Conselho de Administração da M deliberou a introdução de modificações importantes na organização da empresa, tendentes a reduzir os custos e a aumentar os proveitos e que passaram, sobre o mais, pela extinção de postos de trabalho, pela constituição de uma equipa de vendas integrada por vendedores comissionistas e por medidas de promoção do relançamento da actividade social - cfr. acta junta a fls. 184.

52 -O Autor votou contra a adopção de todas as aludidas medidas sem que tenha proposto qualquer solução alternativa.

53 -No final do ano de 2007, o Autor e o N venderam à sociedade Ré as acções de que eram titulares no capital social da M, no que foram acompanhados pelos demais accionistas desta, assim se tendo instituído a relação de domínio que ainda hoje perdura, pelo que a Ré adquiriu a totalidade do capital social da M.

54 -Das actas juntas por fotocópia de fs. 299 a 338, nomeadamente das actas posteriores a 2007 - as únicas interessantes, dado que a Ré SGPS foi constituída em 13.12.2007 - resulta que as deliberações de aprovação de contas, alterações de estatutos e distribuição de dividendos das sociedades M e N foram tomadas em Assembleia Geral destas M e N, em que esteve presente a acionista única SGPS, representada pelos seus quatro e únicos administradores, sendo certo que as Assembleias Gerais que analisaram os resultados e deliberaram a distribuição de dividendos deliberaram nos termos do art. 54.º do CSC.

Vejamos.

Insurge-se o Recorrente contra o Aresto impugnado, uma vez que na sua tese, a solução jurídica ali defendida efectua uma errónea interpretação e aplicação da Directiva 89/667/CE e respectiva codificação pela Directiva 2009/102/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e igualmente do Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro, que procede à transposição desta directiva para o ordenamento jurídico português, diploma este que no seu preâmbulo explicita que não acolhe no seu seio a criação autónoma e por tempo indeterminado da sociedade anónima unipessoal, pelo que, ao consagrar o aditamento dos artigos 270º-A a 270º-G, os mesmos reportam única e exclusivamente às sociedades unipessoais por quotas, pelo que o conselho de administração da Ré, enquanto accionista única de sociedades anónimas, não pode exercer os poderes conferidos por lei à assembleia geral em matéria da sua competência exclusiva, como foi o caso da destituição do Autor como administrador.

O Acórdão impugnado sustentou a sua decisão no seguinte raciocínio, «sic»:

«(…) A sociedade Ré, numa relação de domínio total, por ser a única accionista daquelas sociedades, enquanto órgão equiparado às respectivas assembleias gerais, decidiu, através do seu órgão representativo, o Conselho de Administração , exercer os poderes que permitem a destituição do Autor do cargo de administrador.

A actuação da Ré, na qualidade de accionista única das sociedades em causa, equipara-se à do sócio único da sociedade por quotas, podendo e devendo exercer as competências da assembleia geral, através do seu órgão representativo, já que seria ilógico admitir assembleias de sócio único consigo próprio.

Efectivamente, as normas que estabelecem a diferenciação de competências entre o Conselho de Administração e a Assembleia Geral pressupõem naturalmente a pluralidade de sócios/accionistas .

Podemos, assim, concluir que, para além do regime jurídico das sociedades, perspectivado no seu conjunto, da natureza e pragmatismo da unipessoalidade, orientarem o intérprete para a validade das deliberações tomadas pela Ré, existe fundamento legal (art. 270.º-E do CSC ex vi art. 6.º da Directiva 2009/102/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.09) que dissipa qualquer dúvida que pudesse subsistir sobre esta temática.

Em suma, a destituição de administrador, matéria que, nos termos do artigo 403.º, n.º 1 do CSC, é da exclusiva competência da assembleia geral nas sociedades plurais, transfere-se, nas sociedades unipessoais, para o accionista único, que substitui aquele órgão, decidindo sózinho, por escrito.

O Recorrido aceitou expressamente este entendimento ao declarar, nas alegações e conclusões recursórias, que no caso de sociedades em relação de domínio total, as competências do colégio de sócios são exercidas pelo sócio único.

A sua discordância prende-se apenas com o facto de ter sido o Conselho de Administração da accionista única a decidir, em vez desta.

Compete ao conselho de administração gerir as actividades da sociedade, tendo exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade-cfr. art. 405.º, n.ºs 1 e 2 do CSC.

A sociedade fica vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos administradores ou por eles ratificados ou por número menor destes fixado no contrato de sociedade-cfr. art. 408.º, n.º 1 do CSC.

Resulta do artigo 10.º do contrato de sociedade da Ré que “Ao Conselho de Administração competirão os mais amplos poderes de gerência nomeadamente (…)”.

As sociedades, nas palavras de Coutinho de Abreu, intervêm eficazmente em actos jurídicos-vinculam-se-por meio de órgãos (ou titulares destes) e de representantes voluntários.

Esta representação/vinculação do conselho de administração consubstancia, acrescenta aquele autor, uma representação orgânica, por ser parte componente da sociedade, distinta da representação propriamente dita.

Desenvolvendo o tema, Brito Correia, na posição adoptada, esclarece que o direito considera a vontade do órgão (conselho de administração) como vontade da pessoa colectiva. A vontade do órgão é, em si mesma, directamente imputada à pessoa colectiva.

Ao Conselho de Administração da Ré, accionista única das sociedades dependentes, compete exercer funções representativas da vontade da pessoa colectiva, razão pela qual a decisão sobre a destituição do administrador das sociedades dependentes devia, como foi, ter sido tomada no seu seio, através de deliberação, consignada, por escrito, em acta.

Numa palavra, e acompanhando o raciocínio da Recorrente, o sócio único de sociedades anónimas, exerce os poderes conferidos por lei à assembleia geral e, caso seja uma sociedade anónima, deve manifestar a sua vontade através do seu órgão representativo, o conselho de administração, tomando a necessária deliberação, nos termos legais.(…)».

Sempre s.d.r.o.c. não podemos concordar com esta interpretação.

Se não.

A deliberação que está em causa foi tomada pelo Conselho de Administração da Ré, em 28 de Outubro de 2013 tendo por objecto a destituição do Autor do cargo de administrador das sociedades “M - Representações, SA” e “N, SA.”, totalmente dominadas pela Ré, acionista única destas.

A Ré é acionista única das aludidas sociedades, por ter adquirido a totalidade do seu capital, cfr factos 6. e 40., mantendo sobre as mesmas uma relação de domínio absoluto superveniente, de harmonia com o disposto nos artigos 486º, 488º e 489º do CSComerciais.

Por seu turno, a Ré tem como accionistas o Autor, N, C, J e L, cabendo ao accionista N o correspondente a sessenta por cento do capital social, ao Autor o correspondente a dez por cento e o remanescente distribuído pelos restantes três accionistas, pontos de facto 37. a 39..

Daqui resulta que embora a Ré seja acionista única daquelas sociedades, em relação às quais detém uma relação de domínio total, não pode a mesma ser considerada acionista única nos termos e para os efeitos do artigo 2º da Directiva 2009/102/CE, de 16 de Setembro que procedeu à codificação da Directiva 89/667/CEE, de 21 de Dezembro, cfr Paulo Olavo Cunha, in Direito Das Sociedades Comerciais, 6ª edição, 611/612.

É que, quando se predispõe no nº1 daquele artigo 2º que «A sociedade pode ter um sócio único no momento da sua constituição, bem como por força da reunião de todas as partes sociais numa única pessoa. (…)», fazendo acrescentar no seu artigo 6º que «As disposições da presente directiva são aplicáveis nos Estados-membros que permitam a existência de sociedades unipessoais, na acepção do artigo 2º, também em relação às sociedades anónimas.», a situação que ali se quadra não corresponde à situação enunciada nos presentes autos, porquanto a sociedade Ré não é uma sociedade anónima unipessoal, mas antes pluripessoal, como decorre inequivocamente da sua constituição e divisão de capital social.

Nestas circunstâncias, óbvia se torna que a aplicação do preceituado no disposto no artigo 270º-E, nº1, do CSComerciais, por força do artigo 6º da Directiva 2009/102/CE, de 16 de Setembro, ao fazer atribuir ao conselho de administração das sociedades unipessoais todas as competências que a Lei defere às assembleias gerais, maxime, a de proceder à destituição dos administradores, poder este inicialmente reservado à assembleia geral, como deflui do normativo inserto no artigo 403º, nº1 do CSComerciais, não tem qualquer cabimento na especie, porque, como se assinalou supra, a Ré não é uma sociedade unipessoal, sem embargo de ser a única sócia das sociedades M - Representações, SA e N, SA, onde o Autor desempenha funções como administrador.

A Ré é sócia única daquelas duas sociedades, que dela são totalmente dependentes, e a deliberação tomada seria, na tese do Autor, da competência da assembleia geral das sociedades dominadas que não obstante a relação de domínio, manteriam a sua autonomia orgânica representativa.

Vejamos.

Dispõe o artigo 491º do CSComerciais que «Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501º a 504º e as que por força destes forem aplicáveis.», sendo que, através desta remissão atribui-se, concretamente à sociedade totalmente dominante o poder de dar instruções vinculativas ao órgão de administração da sociedade dependente, legitimando-se o poder de direcção daquela, cfr Menezes Cordeiro, Código Das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª edição, 1262.

A sociedade totalmente dominante dispõe de um poder virtualmente ilimitado e absoluto sobre a sociedade totalmente dominada, apud Engrácia Antunes, Os Grupos De Sociedades, 738/739.

A possibilidade legal de existência de um grupo com esta configuração, legitima que as sociedades subordinadas (sociedades-filhas) possam vir a ser governadas não de acordo com a sua própria vontade, mas antes de acordo com a vontade e objectivos definidos pela sociedade dominante, cfr Engrácia Antunes, in Os Grupos de Sociedades, 96; Os Direitos Dos Sócios da Sociedade-Mãe Na Formação E Direcção Dos Grupos Societários, 103/104.

«(…) Ora uma tal entorse – para além de implicar alterações fundamentais ao nível da estrutura patrimonial e organizativa das sociedades –filhas – vem outrossim provocar alterações não menos importantes na organização interna da sociedade-mãe, perturbando significativamente o equilíbrio do sistema de distribuição de competências legais entre órgãos sociais deliberativos e executivos, e que se traduzem, no essencial, num inusitado insuflamento dos poderes dos Órgãos de Administração obtido à custa de uma desvalorização das prerrogativas próprias da Assembleia Geral e dos direitos dos sócios. Com efeito, e por um lado, com a instituição de uma relação de grupo, a sociedade directora ou dominante passa a ser titular de um poder legal de direcção sobre a gestão social da sociedade subordinada ou dominada, poder este que se traduz essencialmente num direito dos órgãos de administração social da primeira emitirem instruções vinculantes e até prejudiciais aos órgãos congéneres da última: neste sentido pode afirmar-se que a administração da sociedade-mãe passa a funcionar como órgão de administração para o grupo inteiro (arts 503º e 504º). Por outro lado, a sociedade directora (sempre que, como é o caso normal, detenha participações maioritárias na subordinada) ou dominante (em qualquer caso) passam igualmente a controlar as atribuições e competências próprias do colégio dos sócios das sociedades subordinadas ou dominadas, respectivamente na qualidade de sócias maioritárias e únicas destas últimas: ora, uma vez que o exercício dos direitos sociais inerentes às participações detidas pela sociedade-mãe nas filhas compete aos respectivos órgãos de administração e representação social (arts 405º, nº2 e 431º, nº2) torna-se uma vez mais clara a posição estratégica ocupada por este órgão mesmo em matérias absolutamente essenciais da vida social das sociedades agrupadas, (…). Deste modo, (…) a estrutura do grupo societário vem transformar o Conselho de Administração ou Direcção da sociedade-mãe num órgão verdadeiramente central e omnipotente da empresa global do grupo, que pode, na prática, absorver e acumular simultaneamente as funções de órgão executivo e deliberativo para o conjunto das sociedades agrupadas.(…), apud Engrácia Antunes, Os Direitos Dos Sócios Da Sociedade Mãe, 103/104.

Só que, estes poderes conferidos ao conselho de administração, como forma de exercício unitário da direcção das empresas em relação de domínio, não são ilimitados, nem envolvem, a se, o afastamento do sistema instituído de distribuição legal de competências dos órgãos societários, bem como a autonomização das áreas de actuação daquelas, mormente, com a definição da competência geral do conselho de administração, relativamente à gestão da sociedade, na qual se engloba todas as matérias referentes ao desenvolvimento da actividade social da empresa, bem como a obtenção dos respectivos fins sociais, cfr artigos 405º e 406º do CSComerciais, impedindo, concomitantemente, que os accionistas emitam instruções aos administradores sobre os assuntos de gestão social, apenas lhes sendo licito deliberar sobre tais matérias a pedido dos próprios administradores ou directores, nos termos do nº3 do artigo 373 do mesmo diploma, ibidem Engrácia Antunes 127/128.

De outra banda, resulta a atribuição de uma competência autónoma e especial à Assembleia Geral relativamente a todas as matérias que a esta forem atribuídas legal ou estatutariamente, tratando-se aqui das questões que são fundamentais à vida social, respeitando as mesmas ao núcleo central e vital societário, nomeadamente e para o que que aqui se cura, aqueles assuntos que dizem respeito à destituição dos membros dos restantes órgãos sociais, a que alude o 403º do CSComerciais, «(…) esta tangente separação entre as áreas de influência e competência de órgãos administrativos e deliberativos relativamente ao governo das sociedades anónimas acaba por conhecer do respectivo correlato operacional numa não menos marcada e rígida diferenciação entre matérias de gestão social (laufender Geschäftsführungsmssnamen», «business decisions in the ordinary course») e matérias fundamentais do governo social («grundsä tzlichen Massnamen», «fundamental or organic matters»): as primeiras englobam virtualmente todas as medidas relativas ao desenvolvimento da actividade da empresa social e à consecução dos fins sociai; as segundas abrangem aquelas medidas fundamentais para o funcionamento orgânico, vida e evolução do ente social (criação, alteração do acto constitutivo, fusão ou cisão, dissolução), que produzem alterações significativas sobre a respectiva estrutura jurídico-patrimonial e organizativa e sobre o estatuto dos respectivos associados.(…)», ibidem Engrácia Antunes 129/130; António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 563/574.

A Ré, como decorre do contrato de sociedade, tem como órgão, além do mais, o conselho de administração, artigo 10º e a assembleia geral de accionistas, artigo 13º, cfr fls 91 a 96.

O Autor, aqui Recorrente, foi destituído como se referiu, de administrador das sociedades M - Representações, SA e N, SA, pelo conselho de administração da Ré, em reunião deste, ocorrida em 28 de Outubro de 2013, em que estavam presentes todos os seus membros, a saber, o N, o Autor, J e C, cfr pontos 4. e 22. da matéria assente.

Veja-se que o conselho de administração da Ré não é composto pela totalidade dos seus sócios, nele não desempenhando qualquer função, o sócio L, o que faria afastar a configuração da hipótese aludida no artigo 54º, nº1, do CSComerciais, no que tange à possibilidade de ocorrência de assembleias universais, sem obediência a qualquer formalismo convocatório, se outros motivos não existissem, vg, a questão de o próprio Autor/Recorrente ter igualmente a qualidade de sócio e não ter exercido o seu direito de voto por, no seu entendimento expresso, se tratar de uma reunião ilegal do daquele órgão, pontos 31. a 33. da matéria de facto dada como provada, já que, aquela previsão impõe não só a presença de todos os sócios, como também, que a deliberação seja unanimemente tomada, para que a mesma possa ser considerada válida, nos termos do nº1, alínea a) do artigo 56º daquele mesmo diploma legal.

Estamos perante uma deliberação do foro exclusivo da assembleia geral, como impõe o artigo 403º, nº1 do CSComerciais, cuja preterição a mesma Lei, no artigo 411º, nº1, alínea b), comina com a nulidade.

Procedem, assim, as conclusões, neste conspecto, não se podendo manter, pois, a tese defendida pelo Aresto em crise.

No que tange à acta elaborada, aventa o Recorrente que o conselho de administração da Ré igualmente não podia ter transposto a acta da sua reunião para o livro de actas da sociedade dominada M, porquanto as reuniões dos órgãos das sociedades têm de ser passadas ao livro de actas do próprio órgão e não ao livro de actas de outro órgão de outra qualquer sociedade, como sucedeu (cfr. a este propósitos os artigos 446°-A n°2 e 446°- B, b) e c), ambos do CSC).

Antes de mais, cumpre assinalar que os normativos invocados pelo Recorrente dizem única e exclusivamente respeito à designação e funções do secretário da sociedade, extravasando, portanto, a irregularidade que vem apontada à acta lavrada pela Ré.

No que toca à acta que foi elaborada na sequência da deliberação tomada pelo conselho de administração da Ré, óbvio se torna que, sendo uma decisão da lavra deste órgão, a mesma teria sempre de constar do seu livro de actas, como decorre dos pontos de facto 22. a 36., sendo certo que o livro de actas é obrigatório para as sociedades como deflui do artigo 31º do CComercial.

Mas mesmo que se entendesse que a deliberação tomada, embora escrita, estivesse incorrectamente lavrada num outro livro que não o próprio e adequado ao efeito, tratar-se-ia de uma mera irregularidade, porquanto o que a Lei impõe efectivamente é a redução a escrito da reunião, nos termos do disposto nos artigos 63º, 248º, nºs 1 e 6 e 388º, nº1, do CSComerciais.

De todo o modo, trata-se de questão ultrapassada pela decisão do recurso.

 

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão ínsita no Acórdão impugnado, repristinando-se a decisão de primeiro grau que declarou nulas as deliberações tomadas no Conselho de Administração da sociedade M - SGPS - S.A., em 28 de Outubro de 2013, que destituíram o Autor do cargo de administrador das sociedades M - Representações, SA e N, SA.

Custas pela Ré.

Lisboa, 11 de Maio de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes