Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2146/16.4T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E REVOGADO O ACÓRDÃO
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / DISPOSIÇÕES GERAIS / EXERCÍCIO / PRINCÍPIOS / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CULPA.
Doutrina:
- A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, p. 291;
- J. ENGRÁCIO ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, BFDC, 85, 2009, p. 281.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º, N.ºS 1 E 2 E 314.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 487.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 433/11.7TVPRT.P1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 9633/16.2T8LSB.L1.S1;
- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 3845/16.6T8VIS.C2.S2;
- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1;
- DE 15-01-2019, PROCESSO N.º 3831/15.3T8LRA.L1.S1;
- DE 24-01-2019, PROCESSO N.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1.
Sumário :
I. A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro poderá provir da violação do dever de informação.

II. A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente.

III. Desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta do titular do direito.

IV. Não se surpreende a violação do dever de informação, quando as características do produto financeiro foram explicadas e a “garantia” do capital que o banco pudesse dar, na altura da subscrição, não era superior à da emitente das obrigações.

V. Sem a ilicitude do intermediário financeiro não há responsabilidade civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I – RELATÓRIO

AA e mulher, BB, instauraram, em 1 de julho de 2016, na Instância Central Cível de …, Comarca de …, contra Banco CC, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhes a quantia de € 225 000,00, acrescida de juros desde a citação até integral e efetivo pagamento, ou, subsidiariamente, fosse declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. venha a invocar para ter aplicado a quantia de € 200 000,00, fosse declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desse montante, e o R. fosse condenado a restituir-lhes a quantia de € 225 000,00, acrescida de juros legais, desde a citação até efetivo e integral cumprimento e, sempre, a pagar-lhes a quantia de € 5 000,00, a título de dano não patrimonial.

Para tanto, alegaram, em síntese, que, tendo uma conta de depósito à ordem no Banco DD, S.A., agência das …, o seu gerente disse ao A. que dispunha de uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo DD e rentabilidade assegurada; aquele gerente sabia que o A. não tinha qualificação para conhecer os diversos produtos financeiros e riscos que envolviam, bem como do seu perfil conservador, que sempre aplicara o dinheiro em depósitos a prazo; o montante de que dispunham, no valor de € 200 000,00, foi colocado em obrigações EE, sem que soubessem o que era e desconhecendo que a FF fosse uma empresa; para o efeito, foi determinante o gerente ter transmitido que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais, o capital e respetivos juros poderem ser levantados, desde que a agência fosse avisada com a antecedência de três dias; não lhes foi explicado o que eram tais obrigações, nem lhes foi entregue e explicado o contrato; os juros deixaram de ser pagos em maio de 2015 e, no prazo da maturidade, não foi pago o capital investido; ficaram num permanente estado de preocupação e ansiedade, com receio de não saberem quando e se viriam a reaver o dinheiro investido.

Contestou o R., por exceção, arguindo designadamente a ineptidão da petição inicial, e por impugnação, alegando o cumprimento dos deveres, para concluir pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido o despacho saneador, no qual se julgou improcedente a ineptidão da petição inicial, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Prosseguindo o processo, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 20 de novembro de 2017, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 200 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Inconformado, o Réu apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 25 de setembro de 2018, julgando a apelação improcedente, confirmou a sentença.

Inconformado, o Réu recorreu, em revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) A decisão recorrida violou, por errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7.º, 290.º, n.º 1, alínea a), 304.º-A, 312.º a 314.º-D, 323.º a 323.º-D, e 327.º do CVM, 4.º,12.º, 17.º e 19.º, do DL n.º 69/2004, de 25 de março, e da Diretiva 2004/39/CE e 364.º, 483.º e segs., 563.º, 628.º e 798.º e segs. do Código Civil.

b) Não se configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

c) À data da subscrição das obrigações, o intermediário financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito.

d) O que está em causa nos autos é o dano do incumprimento do dever de reembolso das obrigações pela emitente.

e) O R. prestou a informação exigida pelo CVM.

f) Não se constituiu qualquer violação do dever de informação.

g) É inexistente a presunção de ilicitude.

h) Não houve do Réu a prestação de qualquer informação falsa ou a utilização de artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse apto a enganar o A.

i) Quando muito, houve do A. um erro espontâneo, mas nunca um erro provocado.

j) A condenação no pagamento da integralidade do valor desembolsado é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério da teoria da diferença prevista no art. 566.º, n.º 2, do CC, uma vez que dá azo a que o A. venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título.

k) Dos arts. 563.º e 799.º, n.º 1, do CC, não resulta qualquer presunção de causalidade.

l) O A. não logrou provar que, se a informação lhe fosse prestada, não teria subscrito a aplicação financeira.

m) O funcionário do R. estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A.

n) Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente.

Com a revista, o Réu pretende a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que o absolva do pedido.

Contra-alegaram os Autores, no sentido da inadmissibilidade da revista excecional ou de ser mantido o acórdão recorrido.

Por acórdão de 15 de janeiro de 2019, a Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC, admitiu a revista excecional.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão a responsabilidade civil por intermediação financeira, designadamente em resultado da violação do dever de informação.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Os AA. foram clientes da agência do DD das …., aí tendo aberto a conta de depósitos à ordem com o n.º 23…1, através da qual realizavam vários movimentos a débito e a crédito.

2. Essa conta foi aberta no dia 29 de junho de 2005, tendo na mesma sido depositado valor de € 1 000 000,00, do qual, em 1 de julho de 2005, foi aplicado o montante de € 999 999,00 em fundos de tesouraria do Banco.

3. A gerente da agência sabia que o A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicasse devidamente.

4. Os AA. tinham um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, o que era do conhecimento da referida gerente.

5. Em abril de 2006, a referida gerente contactou telefonicamente o A. e, após deslocação à agência, apresentou-lhe uma aplicação, explicando-lhe que a mesma tinha capital garantido e com rentabilidade assegurada, sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a FF se era o DD.

6. Nessa ocasião, a gerente explicou que a aplicação apresentava uma remuneração mais vantajosa do que um depósito a prazo, as taxas de juros semestrais, as condições de reembolso, o prazo a 10 anos, bem como a possibilidade da sua transmissão, mediante endosso, em qualquer altura.

7. Em face dessas explicações, os AA. subscreveram quatro obrigações EE, mediante assinatura pelo A. do respetivo boletim, no valor global de € 200 000,00, montante obtido do resgate de uma outra aplicação.

8. Em abril de 2006, as obrigações EE eram facilmente transmissíveis, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta, encontrando-se um comprador a muito curto prazo.

9. O A. atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo, com capital garantido, juros semestrais, e a possibilidade de, não obstante o prazo de 10 anos, poder resgatá-lo mediante aviso prévio, com uma antecedência de cerca de 2/3 dias.

10. Se o A. tivesse percebido as exatas características das obrigações EE, no que se refere à garantia do capital, não teria autorizado a aplicação mencionada.

11. Nunca foi intenção dos AA. investir em produtos de risco, estando os mesmos convictos que o capital e os juros lhes seriam restituídos pelo Banco, quando o solicitassem, o que foi reforçado por os juros serem semestralmente pagos, o que sucedeu até maio de 2015.

12. Não foi entregue ao A. cópia de qualquer contrato que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas FF, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos AA.

13. A documentação interna do DD veiculada e distribuída aos funcionários e que estes transmitiam aos clientes, era que se tratava de um investimento seguro, sem risco, com boa rentabilidade e com capital e juros garantidos, equivalente a um depósito a prazo com risco do Banco.

14. Na data do prazo de maturidade, o capital investido não foi pago aos AA., apesar de a gerente da agência ter transmitido, aquando da nacionalização do DD, que aguardassem por tal prazo.

15. Os juros acordados aquando da subscrição das obrigações EE foram de 4,5 %, no 1º semestre, a taxa Euribor a seis meses acrescida de 1,15 %, nos nove cupões seguintes e restantes semestres, a taxa Euribor a seis meses, acrescida de 1,50 %, que foram pagos até maio de 2015.

16. Em consequência do referido em 14, os AA. estão impedidos de utilizar o dinheiro da forma que entendessem, o que os coloca num estado de preocupação, com receio de não reaverem ou de não saberem quando vão reaver.

17. As obrigações EE foram emitidas pela FF, SGPS, S.A., que à data detinha 100 % do capital social do DD, de forma permanente até à nacionalização das ações participativas do capital social deste banco, ocorrida em novembro de 2008.

18. Em abril de 2006, o fundo de garantia de depósitos tinha o valor máximo de € 25 000,00, por conta bancária.


***

2.2. Delimitada a matéria de facto provada, expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da efetivação da responsabilidade civil emergente da intermediação financeira, designadamente por violação do dever de informação.

O Recorrente alega não ter qualquer responsabilidade civil, especificando que não houve dever informação por cumprir.

Os Recorridos, por sua vez, sustentam posição contrária, nomeadamente a firmada no acórdão recorrido, que confirmou a sentença.

Esquematizados, em traços largos, os termos da controvérsia emergente dos autos, que se vai repetindo, que posição tomar, nomeadamente quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, fundamento da ação?

A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres relativos ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está, especificamente, prevista no art. 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), sendo aplicável, atendendo à data dos factos, a versão anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (art. 314.º, n.º 2, do CVM). Consagra-se, deste modo, a presunção de culpa do intermediário financeiro, pois, atendendo à natureza do seu estatuto, está em melhores condições para poder demonstrar a ausência de culpa no exercício da sua atividade de intermediação financeira, sendo certo que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, o intermediário financeiro deve observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304.º, n.º 2, do CVM), para além de dever ainda orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art. 304.º, n.º 1, do CVM). Trata-se, neste caso, da adaptação específica do critério da culpa abstrata, consagrada, em termos gerais, no art. 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), à atividade da intermediação financeira, para efeitos de efetivação da responsabilidade civil do intermediário financeiro.

A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro, como já se referiu, poderá provir da violação do dever de informação.

Na verdade, segundo o art. 7.º, n.º 1, do CVM, a informação disponibilizada pelo intermediário financeiro, designadamente sobre produtos financeiros, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, de modo a tornar possível ao interessado (investidor) uma decisão devidamente esclarecida e fundamentada. Nesse dever específico de informação releva, designadamente, o risco especial envolvido na operação financeira a realizar, bem como o grau de conhecimentos e experiência do cliente (art. 312.º do CVM).

A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento ativo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como das suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico-jurídica, simples, direta e eficaz (A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, pág. 291).

Determinado o alcance normativo do dever de informação, vejamos então os factos provados, os únicos que relevam para a decisão do recurso, para verificar da violação do dever de informação e, como tal, do preenchimento da ilicitude, pressuposto da responsabilidade civil.

Resulta da matéria de facto provada que, em abril de 2006, a gerente da agência do Recorrente nas … apresentou ao Recorrido, que ali se deslocara após ter sido contactado por aquela, uma aplicação financeira e explicou-lhe que o capital era garantido e a rentabilidade assegurada, sendo a remuneração mais vantajosa do que num depósito a prazo, os juros semestrais, o reembolso a dez anos e a possibilidade de endosso em qualquer altura, que, na ocasião, era facilmente transmissível.

O Recorrido, convencido por essas explicações, subscreveu quatro obrigações FF – 2006, mediante a assinatura do respetivo boletim, e no valor global de € 200 000,00.

À data, a FF, SGPS, S.A., detinha 100 % do capital social do DD, posição mantida até à nacionalização do DD, que ocorreu em novembro de 2008.

O Recorrido, por outro lado, se tivesse percebido as exatas características das obrigações FF – 2006, nomeadamente quanto à garantia do capital, não teria autorizado a aplicação financeira.

É inequívoco que entre o Recorrente e os Recorridos foi celebrado um contrato comercial de intermediação financeira, porquanto os segundos, dispondo-se a investir na subscrição das obrigações, aceitaram o serviço de intermediação oferecido pelo Recorrente, que o executou. Estes factos, efetivamente, tipificam um negócio jurídico entre o intermediário financeiro e os clientes (investidores) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (J. ENGRÁCIO ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, BFDC, 85, 2009, pág. 281).

A qualidade de intermediário financeiro, atribuída ao Recorrente, confere-lhe um dever específico de informação para com os clientes, de modo a que estes possam tomar a decisão de investimento devidamente esclarecida e fundamentada.

É esse dever de informação, nomeadamente na fase pré-contratual do contrato, que o Recorrente entende não ter sido violado, nomeadamente por nem sequer existir o dever de informação, quanto aos riscos associados ao produto financeiro.

Desde logo, não é aceitável a afirmação da inexistência do dever de informação, quanto aos riscos associados ao produto financeiro. Com efeito, o art. 312.º, n.º 1, alínea a), do CVM, não deixa qualquer dúvida quanto à consagração do dever de informação sobre os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, à semelhança do regime atual (art. 312.º, n.º 2, alínea e)).

Por outro lado, nas informações disponibilizadas, nomeadamente nas mais concretas, não se surpreende que não tenham correspondido à verdade ou tenham sido enganosas. Na verdade, embora tratando-se de produtos financeiros distintos, o que em geral qualquer pessoa sabe, para mais sendo o Recorrido médico, como declarou em julgamento (fls. 134), o produto financeiro das obrigações não deixa de apresentar alguma similitude com os depósitos a prazo, nomeadamente quanto à imobilização do capital e à remuneração.

No entanto, no caso presente, a subscrição das obrigações oferecia uma taxa de juro remuneratória bastante mais atrativa, certamente com o objetivo de obter uma boa procura dos interessados e, assim, alcançar o êxito total na sua subscrição. Normalmente, a uma maior remuneração dos produtos financeiros não deixa de andar também associado um maior risco no investimento, que naturalmente comporta sempre riscos, embora uns mais do que outros.

O problema, todavia, é que as expetativas no investimento do produto financeiro alteraram-se radicalmente, a partir de setembro de 2008, com a crise financeira mundial, com as consequências devastadoras conhecidas, tendo provocado, um pouco por todo o lado, numerosas insolvências e quebras substanciais em instituições financeiras, que antes eram impensáveis.

A crise financeira mundial, no entanto, não foi prevista, nem tão pouco era previsível, nomeadamente em abril de 2006, quando da subscrição das obrigações.

Neste contexto, assim como a recente insolvência da emitente das obrigações, não era possível, ao Recorrente, ter prevenido os Recorridos desses riscos, quando ofereceu a subscrição das obrigações, não lhe podendo ser imputado, a esse propósito, qualquer falha de informação sobre o produto financeiro em causa.

Por isso, a previsão do reembolso da obrigação, na data do vencimento, tem de ser entendida no contexto do investimento que aparentemente se apresentava seguro, sendo certo também que, repetindo, a um maior rendimento da aplicação financeira anda, igualmente, associado um mais elevado risco.

O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, ainda que variável consoante o tipo de aplicação. Até aplicações do tipo de depósitos a prazo, com juros muto baixos, não estão totalmente isentas de risco, dado que as instituições financeiras, como se observou, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sua sujeição à supervisão de entidades públicas. É certo que o risco pode ser muito remoto, mas, de modo algum, pode ser inteiramente excluído.

Desde que o risco não seja, especifica e apropriadamente, assumido por alguém, e no caso evidencia-se não ter sido, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das vantagens tem também de suportar as desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda).

Embora o Recorrido tivesse confiado no produto financeiro apresentado, com uma taxa de juros bem mais atraente do que num depósito a prazo, quando no ano de 2006 e também anteriormente já tinha realizado outras aplicações financeiras, o que lhe conferia alguma experiência na matéria, tal não significa que a subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever à circunstância do Recorrente admitir o reembolso do capital investido.

Na verdade, não está demonstrado que o Recorrido se tivesse determinado pela subscrição das obrigações por efeito da “garantia” do reembolso do capital investido.

Aliás, até à crise financeira mundial de 2008, dificilmente o Recorrido, como qualquer outra pessoa, podia ter a noção da existência do risco da perda do capital investido, pelo que não é suposto que tal tivesse determinado a subscrição da obrigação.

Encontra-se ainda provado que, se o Recorrido tivesse percebido as exatas características das obrigações EE, no que se refere à garantia do capital, não teria autorizado a aplicação financeira.

Para além deste facto se encontrar em manifesta contradição com outros igualmente dados como provados, nomeadamente quanto às explicações das características do produto financeiro (5 e 6), o facto apresenta-se ainda como irrelevante para a decisão da causa, na medida em que a probabilidade da entidade emitente das obrigações não cumprir era muito semelhante à do Banco DD não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data da contratação (17). Neste contexto, para além da obrigação de restituição do capital investido recair sobre a emitente das obrigações, a FF, que, em último grau, detinha o DD, a “garantia” do capital por este último equiparava-se ou até podia ainda ser inferior à da FF, em virtude daquele ser detido, nos termos referidos, pela FF, SGPS, S.A., a emitente das obrigações postas à subscrição. Aliás, se esta última não estivesse em condições de restituir o capital, menos ainda poderia estar o Banco DD.

Assim, perante as circunstâncias que levaram o Recorrido a subscrever as obrigações EE, não faz qualquer sentido a alegação de que nunca teria aceitado tal aplicação financeira, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto financeiro e, sobretudo, quanto à garantia do capital.

Com efeito, não só as características do produto financeiro foram explicadas ao Recorrido, como resulta da matéria de facto provada, como a alegada garantia do capital que o Banco DD, porventura, pudesse dar, na altura da subscrição, não era superior à da emitente das obrigações.

A alegação, por outro lado, pressupunha a ignorância completa do Recorrido quanto ao produto financeiro, o que não deixa de ser surpreendente e pouco ou nada verosímil, quer por já, antes, ter subscrito outros produtos financeiros, quer ainda por, sendo médico, não poder deixar de ter conhecimentos gerais sobre matéria financeira.

Acresce ainda a circunstância do próprio subscritor das obrigações não ter suscitado, como podia, os esclarecimentos tidos por necessários, no momento da oferta da subscrição das obrigações, para mais tratando-se, aparentemente, de um elemento essencial na determinação da realização do negócio.

Muito provavelmente, o aliciante da taxa de juros oferecida pode ter concorrido para o comportamento omissivo do Recorrido. Não deixa de ser compreensível a procura de melhor remuneração do capital, mas, no reverso, também não pode ser desprezada a natureza aleatória do negócio jurídico.

Perante as descritas circunstâncias, não se surpreende a qualquer violação do dever específico de informação, imputável ao Recorrente, estando excluída a tipificação do requisito da ilicitude.

Neste mesmo sentido, decidiram, designadamente, os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de janeiro de 2019 (2406/16.4T8LRA.C1.S1), 15 de janeiro de 2019 (3831/15.3T8LRA.L1.S1), 9 de janeiro de 2019 (3845/16.6T8VIS.C2.S2), 9 de janeiro de 2019 (9659/16.6T8LSB.L1.S1), 19 de dezembro de 2018 (433/11.7TVPRT.P1.S1), 19 de dezembro de 2018 (9633/16.2T8LSB.L1.S1), assinado pelos subscritores do atual acórdão, e 4 de outubro de 2018 (1236/15.5T8PVZ.L1.S1).

No âmbito dos autos, sem a ilicitude do comportamento do Recorrente, não pode haver efetivação da responsabilidade civil.

Nesta decorrência, ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas na revista.

Em face do exposto, resta naturalmente concluir pela procedência do recurso e, por consequência, pela revogação do acórdão recorrido, absolvendo o Recorrente do pedido formulado na ação.

2.4. Os Recorridos, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em todas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, absolver o Réu do pedido.

2) Condenar os Recorridos (Autores) no pagamento das custas em todas as instâncias.



Lisboa, 28 de fevereiro de 2019


Olindo Geraldes (Relator)


Maria do Rosário Morgado


Hélder Almeida