Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
026890
Nº Convencional: JSTJ00008703
Relator: MAGALHÃES BARROS
Descritores: RECURSO
REFORMATIO IN PEJUS
PODERES DO TRIBUNAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195005040268903
Data do Acordão: 05/04/1950
Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 13-05-1950; BMJ 19, 141; RLJ 83,29
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1950
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: EJ44 ARTIGO 53 ARTIGO 56 B N1.
CPP29 ARTIGO 36 N1 ARTIGO 37 N1 ARTIGO 447 PAR2 ARTIGO 448 ARTIGO 647 PAR3 N2 ARTIGO 649 ARTIGO 663 ARTIGO 665 ARTIGO 666 ARTIGO 667.
CPC39 ARTIGO 268 ARTIGO 661 ARTIGO 680 ARTIGO 685 ARTIGO 715 ARTIGO 749 ARTIGO 762.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1933/04/18 IN COL OF N32 PAG98.
ACÓRDÃO STJ DE 1949/03/23 IN BMJ N12 PAG224.
ACÓRDÃO STJ DE 1937/04/06 IN COL OF PAG113.
Sumário :
Em recurso penal, embora so interposto pelo reu, pode o Tribunal agravar a pena.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:

No presente processo, e acordão de 23 de Março de 1949, decidiu este Supremo Tribunal, interpretando a disposição do artigo 647, n. 2 e paragrafo 3, do Codigo de Processo Penal, ser possivel o agravamento, em recurso, da pena imposta em processo penal, mesmo quando o reu condenado fosse o unico recorrente, - e nessa orientação julgou.
Deste acordão recorreu para o Tribunal Pleno o ilustre representante do Ministerio Publico com o fundamento de o mesmo se encontrar em oposição com o acordão, tambem deste Tribunal, de 18 de Abril de 1933, na Colecção Oficial, ano 32, pagina 98, no qual se decidira que ao acusado, que recorre da sentença que o condenou, não pode ser-lhe agravada a pena pelo tribunal de recurso.


Tendo sido reconhecida pela secção respectiva a alegada oposição, foi determinado pelo acordão de folhas 114 que o recurso prosseguisse nos seus termos.


E, com efeito, do simples confronto dos dois acordãos citados, logo resulta como manifesta a oposição entre eles. Desta forma, e porque os dois acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação e sobre o mesmo ponto de direito, e ambos transitaram em julgado, e de conhecer do presente recurso, no qual foram cumpridas as formalidades legais.
Tudo visto.


Nos termos dos artigos 53 e 56, alinea b), n. 1, do Estatuto Judiciario, 36, n. 1, e 37, n. 1, do Codigo de Processo Penal, e da competencia dos tribunais superiores, conhecer, por meio de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais que hierarquicamente lhe estão subordinados.


Nenhum preceito, porem, do Codigo de Processo Penal e legislação complemetar refere expressamente qual deva ser a extensão da apreciação jurisdicional, pelo tribunal superior, da decisão recorrida. Por isso, essa extensão ha-de determinar-se em função dos principios gerais que dominam e orientam o processo penal.


O caracter publico do direito que atraves do processo penal se realiza - o direito punitivo do Estado - impõe que os tribunais superiores possam aplicar livremente as sanções que julgarem adequadas, nos casos sujeitos a sua apreciação, pois so assim aquele direito do estado alcançara plena realização.
Não obsta a este entendimento o n. 2 do paragrafo 3 do artigo 647 do Codigo de Processo Penal, visto esta disposição fixar regras de legitimidade para recorrer, e não um limite de ambito de cognição, em recurso, das decisões judiciais: a amplitude desta cognição referem-se os artigos 663, 665 e 666 do Codigo citado, nos quais não se encontra qualquer limite ao amplo poder dos tribunais de exercerem a sua acção por forma a que justiça se faça e a lei se cumpra.


E tambem o artigo 649 daquele Codigo, embora mande processar e julgar os recursos penais como os agravos civeis, nada preceitua sobre a extensão do objecto dos mesmos recursos. Alias, estas limitações não se compreenderiam, desde que o paragrafo 2 do artigo 447 manda tomar sempre em consideração as agravantes da reincidencia e da sucessão, ainda que não tenham sido alegadas.


De notar e tambem que a faculdade de os reus recorrentes limitarem o objecto dos recursos - uma das formas pelas quais, viria a ficar praticamente limitado o poder de apreciação dos tribunais superiores,-
- contraria, evidentemente, o fim que se pretende atingir atraves do processo penal, ou seja, a aplicação da sanção justa ao que delinquiu.
Desta forma, na falta de preceito expresso nesse sentido, não pode aquela faculdade ser reconhecida em processo penal, sem embargo de ser admitida pelo Codigo de Processo Civil - artigo 685, - pois e manifesto que os preceitos deste Codigo, apesar de subsidiarios em processo penal, so são aplicaveis a esta forma de processo na medida em que o seu uso não for de encontro a natureza dele, processo penal.


Salienta-se ainda que o principio da unidade ou incindibilidade das decisões penais, influencia diversas disposições do processo penal, designadamente o artigo 663, segundo o qual, sempre que haja diversos reus, os tribunais superiores devem conhecer da causa em relação a todos, ainda mesmo que o recurso tenha sido interposto somente por algum deles, principio que enquanto favorece a tese da possibilidade de agravamento da pena ao reu - mesmo quando haja o unico recorrente - repele o da impossibilidade.
Na verdade, se nas condições referidas fosse vedado aos tribunais agravar a pena, estavam estes, praticamente, inibidos de apreciar a decisão recorrida, em toda a sua extensão, - pois seria irrelevante que toda a apreciação que não tivesse por fim confirmar-se ou atenuar-se a pena. Isto podia conduzir, atento o imperativo preceito do artigo 663, a este resultado absurdo: os tribunais não podiam agravar a pena do reu recorrente, mas podiam agravar as dos reus não recorrentes.


Acentua-se, por fim, que a norma do artigo 667 do Codigo de Processo Penal não e incompativel com a regra da ampla cognição dos tribunais superiores, visto tratar-se de norma, não relativa ao ambito de cognição, mas permissiva da modificação pelos tribunais do objecto da acção penal. Aquela regra e a paralela dos artigos 447 e 448 do mesmo Codigo, referente aos tribunais de primeira instancia, que, pelo facto da sua existencia, não deixa de ter o poder de ampla cognição.
Nestas condições, e mantido o acordão recorrido, firmando-se o seguinte assento:


Em recurso penal, embora so interposto pelo reu, pode o Tribunal agravar a pena.
Sem imposto de justiça.



Lisboa, 04 de Maio de 1950

Antonio de Magalhães Barros (Relator) - Rocha Ferreira -
- Pedro de Albuquerque - Mario de Vasconcelos - Alvaro Ponces - Lencastre da Veiga - Jaime de Almeida Ribeiro
- Bordalo e Sa - A. Bartolo - Campelo de Andrade -
- Raul Duque - Antonio da Cruz Alvura (vencido pelas razões de minha declaração no acordão recorrido pois que os recursos penais tem lei que os regule, o artigo 649 do Codigo de Processo Penal e nem a incindibilidade das decisões e essencial ao processo criminal nem a sua cindibilidade e, sem absurdo, incompativel com o artigo 663 desse Codigo; o que salvo o devido respeito, se não ajusta a minha logica e admitir-se a cisão na admissão dos recursos e repeli-la na resolução destes, exigir-se que o pedido do recurso do reu seja da parte desfavoravel e depois desenvolver-se esse pedido assim legalmente limitado na apreciação de toda a questão mesmo em relação a parte da decisão com que a acusação concordara; a possibilidade ou impossibilidade da agravação da pena do recorrente depende da organização judiciaria e da regulamentação vigentes, visto que, segundo se diz no primeiro acordão deste Tribunal que, na vigencia do Codigo de Processo Penal, admitiu a agravação, e e de 6 de Abril de 1937, a paginas 113 da Colecção Oficial, era proibida no Brasil e na Italia e, conforme se le na anotação ao acordão recorrido a paginas 227 do Boletim do Ministerio da Justiça, n. 12, tambem na Alemanha não era admitida ate a Lei de 28 de Junho de 1935, igualmente referida a paginas 426 da tradução Derecho Procesal Penal, de Ernst Beling que nesse livro havia defendido a não agravação, e ainda no nosso direito ha o artigo 532 do Codigo de Justiça Militar a proibi-la; na argumentação baseada nos artigos 447, paragrafo 2, 663, 665 e 666 ha petição de principio e afasta-se a primeira parte do artigo 667 e a unica ressalva que o artigo 649 faz a regulamentação, pela dos seus agravos civeis; a estabilidade da instancia, que abrange a identidade do objecto, e postulado geral das acções, como resulta do artigo 268 do Codigo de Processo Civil; os artigos do Codigo de Processo Penal 647, n. 2 e paragrafo 3, e 663, este conjugado com os artigos 56 e seguintes correspondem aos artigos 680 e 683 do Codigo de Processo Civil, completado este artigo pelos 28 e seguintes deste diploma; a incompatibilidade desse artigo 663 com o artigo 685 do Codigo de Processo Civil não e maior do que a da primeira parte do referido artigo 683 relativa a litisconsorcio necessario; na vigencia das Ordenações, livro 3, titulo 72, em que o recurso era comum as duas partes e nos casos em que as sentenças subiam oficiosamente para confirmação superior e mesmo nas hipoteses dos artigos 1187, paragrafo unico e 1197 da Novissima Reforma Judiciaria e 12 da Portaria do Comissario Regio, em Angola, de 12 de Dezembro de 1896, aprovada pelo Decreto de 29 de Dezembro de 1898, podia sustentar-se que o tribunal superior julgava em toda a extensão o objecto da causa, mas agora em que mesmo na hipotese do artigo 473 do Codigo de Processo Penal e indispensavel o recurso tempestivo da acusação (assento de 20 de Dezembro de 1935) que evite o transito, o tribunal de recurso so devia conhecer do legitimamente interposto e, assim, quanto aos dos reus da parte desfavoravel; os artigos 661, 685, 715, 749 e 762 eram aplicaveis em processo penal, entendendo-se que a parte impugnada não podia basear obrigatoriamente a parte não impugnada da decisão recorrida. -Roberto Martins (Vencido pelas mesmas razões).
Jose de Abreu Coutinho (Vencido pelas razões expostas no douto voto de vencido, que antecede, com base no que dispõem os artigos 647, n. 2 e paragrafo 3 e 649 do Codigo de Processo Penal e 661, 685, 715,
749 e 762 do Codigo de Processo Civil, sem prejuizo dos quais se deve entender a disposição do artigo 663 daquele primeiro Codigo). - Artur A. Ribeiro (Vencido pelas razões aduzidas pelos Excelentissimos Conselheiros vencidos).